- Esse cara é
tão pé de macaco que se ele cair de costas quebra o nariz!
A Pata do Macaco Rede Globo 1983 CLÁSSICO!!!
33. A PATA DO MACACO
W.W. JACOBS
(1863-1943 | Inglaterra)
Este ex-funcionário dos Correios ingleses começou a ser conhecido como autor de contos de humor, na Inglaterra, e hoje, no mundo todo, como um mestre do conto de horror. Seu The Monkey's Paw, ou A Pata do Macaco, do livro The Lady of the Barge, está incluído em quase todas as antologias internacionais do gênero, inclusive no Brasil, onde sai agora em nova tradução. Esse conto, aliás, chegou a ser episódio independente de um antigo programa, chamado Quarta-Nobre, da TV Globo.
Este ex-funcionário dos Correios ingleses começou a ser conhecido como autor de contos de humor, na Inglaterra, e hoje, no mundo todo, como um mestre do conto de horror. Seu The Monkey's Paw, ou A Pata do Macaco, do livro The Lady of the Barge, está incluído em quase todas as antologias internacionais do gênero, inclusive no Brasil, onde sai agora em nova tradução. Esse conto, aliás, chegou a ser episódio independente de um antigo programa, chamado Quarta-Nobre, da TV Globo.
I
Lá fora, a noite era fria e úmida, mas, na pequena sala de Lakesnam
Villa, as janelas estavam fechadas e na lareira brilhava o fogo. Pai e filho
jogavam xadrez; o primeiro, com idéias pessoais sobre o jogo envolvendo
inovações radicais, vivia colocando o rei em situações de sério e desnecessário
perigo, a ponto de provocar comentários da senhora de cabelos brancos que
placidamente tricotava junto ao fogo.
- Ouça o vento - disse o Sr. White, que percebera um erro fatal, quando
já não podia mais corrigi-lo, e tentava desviar a atenção do filho.
- Estou ouvindo - disse ele, olhando concentrado para o tabuleiro,
enquanto estendia a mão. - Xeque.
- Acho difícil acreditar que ele venha esta noite - disse o pai, movendo
uma peça.
- Mate - respondeu o filho.
- Isto é o pior de viver tão longe - reclamou o Sr. White com uma
violência repentina e fora de lugar. - De tantos atoleiros perdidos e fora de
mão que existem para se morar, esse é o pior de todos. O caminho no jardim é um
pântano, a rua lá fora uma torrente. Parece que como só existem duas casas aqui
eles acham que não importa.
- Não faz mal, querido - disse a mulher tentando conformá-lo -, talvez
você ganhe a próxima.
O Sr. White levantou os olhos, irritado, bem a tempo de interceptar uma
troca de olhares cúmplices entre mãe e filho. Ia dizer alguma coisa, mas as
palavras lhe morreram nos lábios, e escondeu um sorriso culpado por trás da
rala barba branca.
- Aí está ele - disse Herbert White, ouvindo o portão bater alto e
passos pesados se aproximarem da porta.
O velho se levantou e foi rápido e hospitaleiro abrir a porta. Da sala,
o ouviram condoer-se das condições da visita, com o que o recém-chegado
concordava. A Sra. White fez um muxoxo de simpatia e tossiu com gentileza
enquanto o marido entrava na sala, seguido de um homem alto, com olhinhos
brilhantes num rosto vermelho.
- Sargento-maior Morris - disse, apresentando o amigo.
O sargento os cumprimentou e foi sentar-se na melhor cadeira, junto ao
fogo, olhando com satisfação enquanto o dono da casa trazia os copos e o uísque
e colocava uma pequena chaleira no fogo.
Pelo terceiro copo, seus olhos ficaram ainda mais brilhantes e começou a
falar. A pequena família em círculo ouvia com atento interesse o visitante
falar de lugares distantes. Com os largos ombros encostados na cadeira, contava
de cenas estranhas e feitos heróicos, de guerras, pragas e povos
estrangeiros.
- Vinte e um anos assim - disse o Sr. White, acenando com a cabeça para
a mulher e o filho. - Quando partiu era pouco mais que um rapaz, lá no
depósito. Olhem para ele agora.
- Parece que essa vida não lhe fez mal - disse a Sra. White, educada.
- Gostaria de ter ido para a índia - disse o velho -, apenas para
conhecer um pouco do mundo.
- Você está melhor aqui - disse o sargento, balançando a cabeça. Colocou
o copo vazio sobre a mesa, suspirou e balançou a cabeça outra vez.
- Gostaria de ver os velhos templos, os faquires e malabaristas - disse
o velho. -O que é que você contava, outro dia, sobre uma pata de macaco, ou
qualquer coisa assim?
- Nada - disse o soldado. - Pelo menos nada que valha a pena ouvir.
- Pata de macaco? - disse a Sra. White, curiosa.
- Bem, é uma daquelas coisas que se poderia chamar mágica - disse o
sargento.
Seus três ouvintes se inclinaram atentos para ele. O visitante, com o
pensamento perdido, levou o copo vazio à boca e voltou a colocá-lo na mesa. O
dono da casa serviu-lhe mais uma dose.
- Só para mostrar - disse o sargento procurando alguma coisa no bolso -
é apenas uma patinha mumificada.
Tirou-a do bolso e a exibiu. A Sra. White se afastou com uma careta, mas
seu filho a pegou para examinar com curiosidade.
- E o que ela tem de especial? - perguntou o Sr. White, pegando-a da mão
de seu filho e colocando-a na mesa, depois de examiná-Ia.
- Um feitiço, feito por um faquir - disse o sargento -, um homem santo.
Queria provar que o destino comanda a vida das pessoas, e que aqueles que
tentam interferir contra isso sempre se arrependem. Ele fez um feitiço de forma
que a pata desse a três pessoas diferentes o direito a três desejos cada uma.
Falava com um jeito tão sério que seus ouvintes sentiram seus sorrisos,
de alguma forma, fora de lugar.
- Bem, e por que o senhor não fez os seus pedidos? - perguntou irônico
Herbert White.
O soldado o olhou com aquele jeito que os velhos têm de olhar a
presunção nos jovens.
- Eu fiz - disse baixo, e seu rosto rosado empalideceu.
- E foram atendidos? - perguntou a Sra. White.
- Foram - disse o sargento, e a mão trêmula fez o copo bater em seus
dentes fortes.
- E mais alguém fez algum pedido? - perguntou a velha senhora.
- Sim, o primeiro proprietário fez seus três pedidos - ele respondeu. -
Não sei quais foram os dois primeiros desejos, mas o último foi a morte. Foi
assim que fiquei com a pata.
O tom da conversa era tão sério que um arrepio percorreu o grupo.
- Se já fez seus três pedidos, não tem mais utilidade para você, Morris
- disse o velho depois de algum tempo. - Por que continua com ela?
O soldado sacudiu a cabeça.
- Por um capricho, acho - respondeu com lentidão. - Cheguei a pensar em
vendê-la, mas não creio que o faça. Já causou bastantes problemas. Além do
mais, ninguém a compraria. A maioria não acredita, e aqueles capazes de dar
algum crédito à história querem experimentar antes e me pagar depois.
- Se pudesse fazer outros três pedidos - perguntou o velho, olhando-o
com atenção - você os faria?
- Não sei - disse o outro. - Não sei.
Pegou a pata, girando com ela entre o indicador e o polegar, então, num
gesto repentino, atirou-a ao fogo. White, com uma queixa abafada, se
precipitou a tirar a pata das chamas.
- É melhor deixar que ela se queime - disse o soldado numa voz solene.
- Se não a quer mais, Morris - disse o velho -, dê para mim.
- Não farei isso - disse seu amigo. - Eu a joguei no fogo, se quiser guardá-la
não me culpe pelo que possa acontecer. Mostre algum bom senso e jogue-a outra
vez no fogo.
O outro sacudiu a cabeça e examinou de perto sua nova aquisição.
- Como se faz? - perguntou.
- Segure-a com a mão direita e faça seu pedido em voz alta - disse o
sargento -, mas lembre que o avisei das conseqüências.
- Parece as Mil e uma Noites - disse a Sra. White enquanto se levantava
para colocar o jantar. - Você bem que gostaria que eu tivesse quatro mãos.
Seu marido tirou do bolso o talismã e os três caíram na gargalhada,
enquanto o sargento, com um ar alarmado no rosto, segurava seu braço.
- Se tiver que fazer um pedido - disse ríspido -, faça-o com bom senso.
O Sr. White recolocou a pata no bolso, arrumou as cadeiras e chamou o
amigo para a mesa. Durante o jantar, o talismã foi em parte esquecido. Mais
tarde, os três ouviram fascinados a continuação das aventuras do solidado na Índia.
- Se a história da pata do macaco não for mais verdadeira que essas
outras todas que nos contou - disse Herbert, depois que o hóspede partira,
apenas em tempo para pegar o último trem -, não vamos conseguir nada com ela.
- Você pagou alguma coisa por isso? - perguntou a Sra. White, observando
atentamente o marido.
- Uma bobagem - disse ele, enrubescendo um pouco. - Ele não queria, mas
fiz que aceitasse. E insistiu de novo comigo para que a jogasse fora.
- Imagine! - disse Herbert, com pretenso horror. - Ficaremos ricos,
famosos e felizes. Para começar, peça para ser imperador, pai; só assim mamãe
não vai mais mandar no senhor.
E escapou, correndo em volta da mesa, perseguido por uma perigosa Sra.
White armada com a almofada do sofá.
O Sr. White tirou do bolso a pata e olhou-a em dúvida.
- A verdade é que não sei o que pedir - disse devagar. - Acho que tenho
tudo o que quero.
- Se liquidasse as prestações da casa, ficaria muito feliz, não é? -
disse Herbert, com a mão em seu ombro. - Bem, então peça duzentas libras, é
mais do que o suficiente.
Seu pai, sorrindo um pouco envergonhado da própria credulidade, segurou
o talismã, enquanto o filho, cuja solenidade de expressão ficava um pouco
comprometida pelo piscar de olhos que trocara com a mãe, se sentava ao piano e
fazia soar uns acordes de efeito.
- Desejo duzentas libras - disse o velho em voz alta e clara.
Um belo acorde profundo do piano que acompanhava as palavras foi
interrompido por um súbito grito nervoso do velho. Mãe e filho correram para
ele.
- Essa coisa se mexeu - reclamou lançando um olhar de desagrado ao
objeto caído no chão. - Quando fiz o pedido, se contorceu em minha mão como uma
cobra.
- Bem, eu não vejo o dinheiro - disse o filho, pegando a pata e
colocando-a sobre a mesa - e aposto que não verei nunca.
- Deve ter sido impressão sua, pai - disse a mulher, olhando
ansiosa para ele.
Ele sacudiu a cabeça.
- De qualquer forma, não importa; não foi nada sério, mas, ainda assim,
me deu um choque.
Sentaram-se de novo junto ao fogo, enquanto os dois homens terminavam de
fumar seus cachimbos. Do lado de fora, o vento soprava mais forte que nunca, e
o velho, nervoso, tinha sobressaltos com uma porta batendo no andar de cima. Um
silêncio incomum e deprimente se instalou entre os três e não os abandonou até
a hora em que o casal foi dormir.
- Quem sabe as duzentas libras não estarão dentro de um saco no meio de
sua cama - disse Herbert, enquanto lhes dava boa noite -, e alguma coisa
horrorosa, rastejando sobre o armário, observará o senhor guardando esse
dinheiro mal ganho.
II
No dia seguinte, com a luz brilhante do sol de inverno iluminando a mesa
do café da manhã, Herbert riu de seus receios. Havia na sala um ar de prosaica
integridade que faltara na noite anterior, e a pequena pata enrugada e suja foi
abandonada sobre a estante com um descaso que era a prova do descrédito em que
caíra.
- Quero crer que todos os velhos soldados são iguais - disse a Sra.
White. -Imagine só, nós prestando atenção àquela baboseira! Como se fosse
possível, nos dias de hoje, ver seus desejos atendidos por um toque de mágica.
E se fosse possível, como é que duzentas libras podiam fazer mal a alguém?
- Caindo do céu em sua cabeça - disse o frívolo Herbert.
- Morris disse que as coisas aconteciam de forma natural - disse o pai.
- Que, se você quisesse, poderia atribuí-las a simples coincidências.
- Bem, não gaste o dinheiro todo antes que eu volte - disse Herbert se
levantando da mesa. - Temo que esse dinheiro todo tenha feito de você um
avarento desalmado e que tenhamos de repudiá-lo.
Sua mãe o seguiu rindo até a porta e continuou rindo enquanto o via
desaparecer na estrada; voltando à mesa, sentia-se alegre, ainda que seu riso
fosse à custa da credulidade de seu marido. O que não a impediu de correr
ansiosa para a porta quando o carteiro tocou, nem de tecer considerações sobre
a quantidade de álcool ingerido por sargentos reformados quando descobriu que
tudo que o correio trouxera fora uma conta do alfaiate.
- Herbert fará mais algumas de suas piadas, quando voltar para casa -
disse ela, quando se sentaram para almoçar.
- É, eu acho que sim - disse o Sr. White, colocando cerveja em seu copo
-, mas, apesar de tudo, posso jurar que aquela coisa se mexeu em minha mão.
- Você teve a impressão que se mexeu - disse a velha, conciliadora.
- Estou dizendo que se mexeu - replicou o outro. - Não foi uma
impressão; eu estava... Mas o que está acontecendo?
Sua esposa não respondeu. Estava observando os movimentos misteriosos de
um homem do lado de fora, que olhava indeciso para a casa e parecia estar
decidindo se entrava ou não. Fazendo uma associação inconsciente com as
duzentas libras, ela notou que o estranho estava muito bem vestido e usava uma
cartola de seda brilhando de nova. Por três vezes ele parou no portão e
desistiu, apenas para retornar pouco depois. Na quarta vez, colocou a mão no
portão, e numa resolução súbita o abriu e caminhou para a porta. A Sra. White
pôs imediatamente as mãos nas costas para desamarrar o avental que escondeu
debaixo da almofada da cadeira.
Ela trouxe o estranho, que parecia pouco à vontade, para a sala. Olhando
furtivamente para a Sra. White, ele ouviu com um ar preocupado suas desculpas
pela desordem na casa e pelas roupas do Sr. White, que, segundo ela, o marido
vestira para trabalhar no jardim. Depois disso, ela esperou, com a paciência
que a curiosidade feminina lhe permitia, que o visitante explicasse a razão de
sua vinda, mas ele custou a quebrar o silêncio.
- Eu. .. pediram-me que viesse... - disse finalmente, parando para tirar
um fiapo de linha de suas calças. - Venho da parte de "Maw 8:
Meggins".
A velha se levantou assustada.
- Que foi que houve? - perguntou sufocada. - Aconteceu alguma coisa com
Herbert? O que foi que aconteceu? O que foi que aconteceu?
O marido interviu.
- Calma, calma, mãe - disse com severidade terna. - Sente-se, e não se
precipite em suas conclusões. Estou certo de que não traz nenhuma notícia ruim.
Não é mesmo, senhor? - e olhou esperançoso para o homem.
- Eu sinto muito ... - começou o outro.
- Ele se machucou? - perguntou a mãe.
O visitante assentiu com a cabeça.
- Ele se machucou muito - disse em voz baixa. - Mas já não sente mais a
dor.
- Oh, graças a Deus! - disse a velha juntando as mãos. - Graças a Deus.
Graças...
Parou de repente, quando finalmente entendeu o sentido sinistro do que o
outro dissera, e viu a confirmação de seus temores expressa em seu rosto
compungido. Virou-se para o marido, que mais lento ainda não compreendera, e
colocou as mãos velhas e trêmulas sobre as suas. Houve um longo silêncio.
- Foi pego pelas engrenagens - disse o visitante, depois de algum tempo,
em voz baixa.
- Pego pelas engrenagens? - disse o Sr. White numa voz perdida.
Ficou ali, sentado, olhando pela janela sem ver, com a mão da esposa
entre as suas, apertando-a como costumava fazer nos tempos de namoro, quarenta
anos atrás.
- Era o único filho que tínhamos - disse, virando-se gentilmente para o
visitante. - É difícil.
O outro tossiu, e levantando-se foi lentamente até a janela.
- A firma pediu-me que expressasse as condolências e a simpatia de todos
ao senhor e à senhora por sua enorme perda - falava sem se voltar. - Quero que
entendam que trabalho para eles e estou apenas cumprindo ordens.
Não houve resposta. O rosto da velha estava pálido, com olhos enormes, e
seu respirar era inaudível; no rosto do marido havia uma expressão como a que
seu amigo sargento tivera em sua primeira batalha.
- Pediram-me que dissesse que "Maw & Meggins" não aceita
qualquer responsabilidade - continuou o outro. - Não admitem nenhuma
responsabilidade, mas em consideração aos serviços prestados por seu filho
desejam compensá-los com uma quantia em dinheiro.
O Sr. White largou a mão da esposa e,
levantando-se, olhou o visitante com uma expressão de horror. Seus lábios secos
conseguiram formar a frase:
- Uma quantia em dinheiro... Quanto?
- Duzentas libras - foi a resposta.
Sem ouvir o grito da mulher, o velho teve um sorriso débil, estendeu o
braço como se fosse um cego, e caiu sem sentidos.
III
O casal de velhos enterrou seu morto no enorme cemitério novo, a três
quilômetros de distância, e voltaram para a casa mergulhada em sombras e
silêncio. Fora tudo tão rápido que era difícil aceitar a idéia de que
terminara, e ficaram num estado de expectativa como se ainda houvesse alguma
coisa a acontecer - alguma coisa que aliviasse o peso, grande demais para
aqueles corações velhos.
Mas os dias se passaram e a expectativa deu lugar à resignação; a
resignação sem esperança dos velhos, algumas vezes confundida com a apatia. Às
vezes mal trocavam palavra, porque agora não tinham mais do que falar, e seus
dias eram longos e cansativos.
Foi, mais ou menos, uma semana depois disso que o velho acordou no meio
da noite e estendendo o braço se achou sozinho. O quarto estava na escuridão, e
o som do choro abafado vinha da janela. Sentou na cama e ouviu.
- Venha deitar - disse com ternura. - Você deve estar gelada.
- É mais frio onde está meu filho - disse a velha, e o choro recomeçou
com mais força.
O som de seus soluços morria em seus ouvidos. A cama estava quente e
seus olhos pesados de sono. Começou a cochilar e depois dormiu até que um grito
repentino e selvagem da mulher o despertou assustado.
- A pata do macaco! - ela gritava histérica. - A pata do macaco!
Levantou-se alarmado.
- Onde? Onde ela está? O que foi que aconteceu? Ela veio em sua direção
tropeçando no quarto escuro.
- Eu quero a pata - disse. - Você não a destruiu?
- Está na estante da sala - disse sem entender. - Por quê?
Ela chorava e ria ao mesmo tempo, e inclinando-se beijou seu rosto.
- Só pensei nisso agora - disse histérica. - Por que não pensei nisso
antes? Por que você não pensou?
- Pensou em quê? - ele perguntou.
- Nos outros dois desejos - ela respondeu rápida. - Nós só fizemos um.
- E não foi o bastante? - perguntou enérgico.
- Não - gritou triunfante -, vamos fazer mais um. Rápido, vá lá embaixo pegá-la,
e deseje nosso menino vivo outra vez.
O homem se sentou na cama sacudindo as cobertas para longe.
- Deus do céu, você ficou louca - gritou irritado.
- Pegue a pata - ela soluçou -, pegue e faça o pedido. Oh, meu menino!
Meu menino!
O marido riscou um fósforo para acender a vela.
- Volte para cama - disse abalado. - Você não sabe o que está dizendo.
- O primeiro desejo foi atendido - disse a mulher, febril -, por que não
o segundo?
- Foi uma coincidência - explodiu o velho.
- Vá pegá-la e faça o pedido - gritou a velha, empurrando-o para a
porta.
Desceu no escuro, tateando o caminho para a sala e até a estante. O
talismã continuava no mesmo lugar, e o medo horrível de que aquele desejo ainda
não expresso pudesse trazer de volta seu filho mutilado, antes que pudesse sair
da sala escura, tomou conta de seus nervos. Na pressa, teve de acalmar a
respiração quando notou que perdera a direção da porta. Com a testa banhada de
suor frio, tateou em torno da mesa e acompanhou a parede até que se encontrou
diante do corredor estreito, com aquela coisa asquerosa na mão.
Até o rosto de sua mulher parecia transfigurado, quando entrou no
quarto. Pálido e expectante, tinha, para seu pavor, um aspecto sobrenatural.
Teve medo dela.
- Faça o desejo - ordenou com energia na voz.
- É uma estupidez e um pecado - tentou ainda.
- Faça o desejo - ela repetiu.
Ele levantou a mão e disse.
- Desejo meu filho vivo outra vez.
O talismã caiu no chão e ele o olhou com um arrepio. Então afundou em
uma cadeira tremendo, enquanto, com os olhos em brasa, a velha ia para a janela
e abria a cortina.
Ficou ali, enregelado do frio; de vez em quando lançava um olhar na
direção da mulher, de guarda na janela, olhando lá fora. A vela que queimava,
já no final e abaixo do nível de seu encaixe no castiçal de louça, lançando
clarões e sombras nas paredes e no teto, depois de um último clarão mais
intenso, afinal se apagou. Com uma indizível sensação de alívio diante do
fracasso do talismã, o velho voltou para a cama e, um ou dois minutos depois,
sua mulher veio deitar-se ao seu lado, apática.
Nenhum dos dois disse palavra, ficaram ali, deitados, ouvindo o
tiquetaquear do relógio. A escada estalou e um rato correu junto à parede com
rumor. A escuridão era opressiva e, depois de algum tempo deitado, o velho
achou a coragem para pegar uma caixa de fósforos, acender um e descer atrás de
uma vela.
No último degrau da escada, o fósforo se apagou e ele parou para riscar
outro, e naquele exato momento ouviu a batida. Uma batida na porta da frente,
tão leve e tão baixa que mal se ouvia.
Os fósforos caíram de sua mão e ele ficou imóvel, com a respiração
suspensa, até a batida se repetir. Então ele girou e fugiu rápido de volta para
o quarto, trancando a porta atrás de si. Mai s uma vez a batida soou pela casa.
- O que foi isso? - gritou a mulher se levantando.
- Um rato - disse o velho com a voz trêmula -, um rato. Passou por mim
na escada.
A mulher se sentou na cama, escutando. Uma batida forte ressoou na
casa.
- É Herbert! - ela gritou. - É Herbert!
Correu para a porta, mas o marido bloqueou seu caminho, pegou-a pelo
braço e segurou-a firme.
- Que é que você vai fazer? - sussurrou rouco.
- É meu menino, é Herbert - gritou, tentando mecanicamente se livrar de
suas mãos. - Esqueci que estava a três quilômetros daqui. Por que está me
segurando? Me solte, preciso abrir a porta.
- Por Deus do céu, não o deixe entrar - disse o velho tremendo.
- Você está com medo de seu próprio filho - gritou, se debatendo. -
Deixe-me ir. Já vou Herbert, já vou.
Houve outra batida, e mais outra. A velha, com um movimento rápido,
conseguiu se livrar e escapou do quarto. O marido a seguiu até o patamar da
escada e a chamava implorando, enquanto ela descia correndo para a porta. Ele
ouviu a corrente abrindo e o ferrolho de baixo subindo lentamente, agarrado no
encaixe. Então ouviu a mulher, aflita e sem fôlego.
- O ferrolho de cima - gritou. - Venha até aqui. Não consigo alcançar.
Mas o marido engatinhava, de joelhos no chão, procurando a pata do
macaco. Se ao menos pudesse encontrá-la, antes que aquela coisa lá fora
entrasse na casa. As batidas, uma atrás da outra agora, reverberavam pela casa,
e ouviu a mulher arrastando uma cadeira para colocar junto à porta. Ouviu o
barulho do ferrolho descendo vagaroso e nesse momento encontrou o talismã;
então, com a voz ofegante, fez seu terceiro e último desejo.
As batidas pararam imediatamente, embora continuassem ecoando pela casa.
Ele ouviu a cadeira sendo afastada e a porta se abrindo. Um vento frio subiu
pela escada, e o longo, doloroso e desapontado lamento de sua mulher deu-lhe a
coragem para descer até ela e sair, depois, até o portão. A luz do poste do
outro lado iluminava a rua quieta e deserta.
Tradução de Octávio
Marcondes
Filme – A Pata do Macaco
Referências
https://youtu.be/iZpAgf4u0OA
https://www.youtube.com/watch?v=iZpAgf4u0OA
http://aneste.org/os-100-melhores-contos-de-crime-e-mistrio-da-literatura-univer.html?page=29
https://youtu.be/ZujIqmguyWQ
http://www.assombrado.com.br/2014/02/conto-assombrado-pata-do-macaco-ww-jacob.html
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