sábado, 14 de março de 2020

Falsas alegações








Em tudo, há alegria. A divindade que faz ser alegre a Natureza está também dentro de você.




Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Peço-te que não me atormentes. – (Lucas, 8:28.)





O caso do Espírito perturbado que sentiu a aproximação de Jesus, recebendo-lhe a presença com furiosas indagações, apresenta muitos aspectos dignos de estudo.

A circunstância de suplicar ao Divino Mestre que não o atormentasse requer muita atenção por parte dos discípulos sinceros.

Quem poderá supor o Cristo capaz de infligir tormentos a quem quer que seja? E, no caso, trata-se de uma entidade ignorante e perversa que, nos íntimos desvarios, muito já padecia por si mesma. A vizinhança do Mestre, contudo, trazia-lhe claridade suficiente para contemplar o martírio da própria consciência, atolada num pântano de crimes e defecções tenebrosas. A luz castigava-lhe as trevas interiores e revelava-lhe a nudez dolorosa e digna de comiseração.

O quadro é muito significativo para quantos fogem das verdades religiosas da vida, categorizando-lhe o conteúdo à conta de amargo elixir de angústia e sofrimento. Esses espíritos indiferentes e gozadores costumam afirmar que os serviços da fé alagam o caminho de lágrimas, enevoando o coração.

Tais afirmativas, no entanto, denunciam-nos. Em maior ou menor escala, são companheiros do irmão infeliz que acusava Jesus por ministro de tormentos.









BEM-AVENTURADOS OS QUE TEM PURO O CORAÇÃO





Simplicidade e pureza de coração




1. Bem-aventurados os que têm puro o coração, porquanto verão a Deus. (S. Mateus, cap. V, v. 8.)

2. Apresentaram-lhe então algumas crianças, a fim de que ele as tocasse, e, como seus discípulos afastassem com palavras ásperas os que lhas apresentavam, Jesus, vendo isso, zangou-se e lhes disse: “Deixai que venham a mim as criancinhas e não as impeçais, porquanto o reino dos céus é para os que se lhes assemelham. - Digo-vos, em verdade, que aquele que não receber o reino de Deus como uma criança, nele não entrará.” - E, depois de as abraçar, abençoou-as, impondo-lhes as mãos. (S. MARCOS, cap. X, vv. 13 a 16.)

3. A pureza do coração é inseparável da simplicidade e da humildade. Exclui toda idéia de egoísmo e de orgulho. Por isso é que Jesus toma a infância como emblema dessa pureza, do mesmo modo que a tomou como o da humildade.
Poderia parecer menos justa essa comparação, considerando-se que o Espírito da criança pode ser muito antigo e que traz, renascendo para a vida corporal, as imperfeições de que se não tenha despojado em suas precedentes existências. Só um Espírito que houvesse chegado à perfeição nos poderia oferecer o tipo da verdadeira pureza. E exata a comparação, porém, do ponto de vista da vida presente, porquanto a criancinha, não havendo podido ainda manifestar nenhuma tendência perversa, nos apresenta a imagem da inocência e da candura. Daí o não dizer Jesus, de modo absoluto, que o reino dos céus é para elas, mas para os que se lhes assemelhem.

4. Pois que o Espírito da criança já viveu, por que não se mostra, desde o nascimento, tal qual é? Tudo é sábio nas obras de Deus. A criança necessita de cuidados especiais, que somente a ternura materna lhe pode dispensar, ternura que se acresce da fraqueza e da ingenuidade da criança. Para uma mãe, seu filho é sempre um anjo e assim era preciso que fosse, para lhe cativar a solicitude. Ela não houvera podido ter-lhe o mesmo devotamento, se, em vez da graça ingênua, deparasse nele, sob os traços infantis, um caráter viril e as idéias de um adulto e, ainda menos, se lhe viesse a conhecer o passado.
Aliás, faz-se necessário que a atividade do princípio inteligente seja proporcionada à fraqueza do corpo, que não poderia resistir a uma atividade muito grande do Espírito, como se verifica nos indivíduos grandemente precoces. Essa a razão por que, ao aproximar-se-lhe a encarnação, o Espírito entra em perturbação e perde pouco a pouco a consciência de si mesmo, ficando, por certo tempo, numa espécie de sono, durante o qual todas as suas faculdades permanecem em estado latente. E necessário esse estado de transição para que o Espírito tenha um novo ponto de partida e para que esqueça, em sua nova existência, tudo aquilo que a possa entravar. Sobre ele, no entanto, reage o passado. Renasce para a vida maior, mais forte, moral e intelectualmente, sustentado e secundado pela intuição que conserva da experiência adquirida.
A partir do nascimento, suas idéias tomam gradualmente impulso, à medida que os órgãos se desenvolvem, pelo que se pode dizer que, no curso dos primeiros anos, o Espírito é verdadeiramente criança, por se acharem ainda adormecidas as idéias que lhe formam o fundo do caráter. Durante o tempo em que seus instintos se conservam amodorrados, ele é mais maleável e, por isso mesmo, mais acessível às impressões capazes de lhe modificarem a natureza e de fazê-lo progredir, o que toma mais fácil a tarefa que incumbe aos pais. O Espírito, pois, enverga temporariamente a túnica da inocência e, assim, Jesus está com a verdade, quando, sem embargo da anterioridade da alma, toma a criança por símbolo da pureza e da simplicidade.









Quando um bravo é vencido, ele se submete.




32. PRISÃO

AMBROSE BIERCE

Tendo assassinado o cunhado, Orrin Brower, de Kentucky, era um foragido da justiça. Escapara da prisão local, onde aguardava julgamento, batendo no vigia com uma barra de ferro e roubando-lhe as chaves, com as quais abrira a porta externa, desaparecendo na noite. Como o vigia estivesse desarmado, Brower fugira sem qualquer arma com a qual pudesse defender a recém-recuperada liberdade. Assim que se viu longe da cidade, cometeu a asneira de embrenhar-se por uma floresta. Isso aconteceu há muitos anos, quando aquela região era bem mais despovoada do que é hoje.

A noite estava escura, não havendo lua ou estrelas, e como Brower nunca andara por aquelas redondezas, desconhecendo a região, claro que logo estava perdido. Já não conseguiria dizer se estava caminhando para longe da cidade ou se retornava - o que era de suma importância para Orrin Brower. Sabia que, em qualquer uma das circunstâncias, um bando de homens com seus cães de caça logo estaria em seu encalço e suas chances de escapar seriam pequenas. Mas não ia facilitar as coisas. Por uma hora de liberdade que fosse, valeria a pena lutar.

De repente, saiu da floresta e deu numa velha estrada, na qual viu, indistintamente, a silhueta de um homem, imóvel na penumbra. Era tarde para tentar fugir. O fugitivo sabia que, ao primeiro movimento que fizesse tentando embrenhar-se de novo na floresta, seria, como diria depois, "crivado de balas". E assim os dois permaneceram ali parados como se fossem árvores, Brower quase sentindo-se sufocar com as batidas do próprio coração. O outro - bem, nada se sabe sobre as emoções do outro.

Um segundo depois - ou talvez tenha sido uma hora - a lua surgiu por entre as nuvens e o homem caçado viu nitidamente quando o policial ergueu o braço, apontando de forma significativa numa determinada direção. Compreendeu. Virando as costas para seu captor, caminhou submisso na direção indicada, sem olhar para os lados, mal ousando respirar, a cabeça e as costas já sofrendo com a profecia de uma bala.

Brower era o mais corajoso dos bandidos que sobreviveram para ser enforcados. Isso ficara patente pela maneira com que se expusera ao perigo ao assassinar friamente o cunhado. Não vamos relatá-la aqui. Tudo isso veio à tona em seu julgamento e a revelação de sua calma diante da situação quase salvou-lhe o pescoço. Mas o que vocês querem? Quando um bravo é vencido, ele se submete.

E, assim, eles seguiram em direção à prisão pela velha estrada, através da floresta. Somente uma vez Brower teve coragem de olhar para trás. Só uma vez, quando estava imerso na sombra e sabia que o outro estava sob a luz do luar, virou-se e espiou. Seu captor era Burton Duff, o vigia, pálido como a morte, trazendo ainda na fronte a marca vivida da barra de ferro. Orrin Brower não quis saber de mais nada.

Afinal, chegaram à cidade, onde tudo estava iluminado, embora deserto. Apenas mulheres e crianças tinham ficado na cidade, mas não estavam nas ruas. E o criminoso seguiu em frente, direto para a prisão. Dirigiu-se à entrada principal, tocou a maçaneta da pesada porta de ferro, empurrou-a sem que ninguém lhe mandasse, entrou e se viu na presença de meia dúzia de homens armados. Só então se virou. Ninguém mais entrou.

Sobre a mesa, no corredor, jazia o corpo morto de Burton Duff.

Tradução de Heloisa Seixas










Referências


http://www.centronocaminhodaluz.com.br/index.php/artigo1107/
http://bvespirita.com/Kardec%20e%20Roustaing%20-%20Compare%20Voce%20Mesmo%20-%20Bem-Aventurados%20os%20Que%20Tem%20Puro%20o%20Coracao%20(autoria%20desconhecida).pdf
http://aneste.org/os-100-melhores-contos-de-crime-e-mistrio-da-literatura-univer.html?page=29

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