Em tudo, há alegria. A divindade que faz ser
alegre a Natureza está também dentro de você.
Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Peço-te
que não me atormentes. –
(Lucas, 8:28.)
O caso do Espírito perturbado que sentiu a
aproximação de Jesus, recebendo-lhe a presença com furiosas indagações,
apresenta muitos aspectos dignos de estudo.
A circunstância de suplicar ao Divino Mestre
que não o atormentasse requer muita atenção por parte dos discípulos sinceros.
Quem poderá supor o Cristo capaz de infligir
tormentos a quem quer que seja? E, no caso, trata-se de uma entidade ignorante
e perversa que, nos íntimos desvarios, muito já padecia por si mesma. A
vizinhança do Mestre, contudo, trazia-lhe claridade suficiente para contemplar
o martírio da própria consciência, atolada num pântano de crimes e defecções
tenebrosas. A luz castigava-lhe as trevas interiores e revelava-lhe a nudez
dolorosa e digna de comiseração.
O quadro é muito significativo para quantos
fogem das verdades religiosas da vida, categorizando-lhe o conteúdo à conta de
amargo elixir de angústia e sofrimento. Esses espíritos indiferentes e
gozadores costumam afirmar que os serviços da fé alagam o caminho de lágrimas,
enevoando o coração.
Tais afirmativas, no entanto, denunciam-nos.
Em maior ou menor escala, são companheiros do irmão infeliz que acusava Jesus
por ministro de tormentos.
BEM-AVENTURADOS
OS QUE TEM PURO O CORAÇÃO
Simplicidade
e pureza de coração
1.
Bem-aventurados os que têm puro o coração, porquanto verão a Deus. (S. Mateus,
cap. V, v. 8.)
2. Apresentaram-lhe então algumas crianças, a fim de que ele as
tocasse, e, como seus discípulos afastassem com palavras ásperas os que lhas
apresentavam, Jesus, vendo isso, zangou-se e lhes disse: “Deixai que venham a
mim as criancinhas e não as impeçais, porquanto o reino dos céus é para os que
se lhes assemelham. - Digo-vos, em verdade, que aquele que não receber o reino
de Deus como uma criança, nele não entrará.” - E, depois de as abraçar,
abençoou-as, impondo-lhes as mãos. (S. MARCOS, cap. X, vv. 13 a 16.)
3. A pureza do coração é inseparável da simplicidade e da
humildade. Exclui toda idéia de egoísmo e de orgulho. Por isso é que Jesus toma
a infância como emblema dessa pureza, do mesmo modo que a tomou como o da
humildade.
Poderia parecer menos justa essa comparação, considerando-se que o
Espírito da criança pode ser muito antigo e que traz, renascendo para a vida
corporal, as imperfeições de que se não tenha despojado em suas precedentes
existências. Só um Espírito que houvesse chegado à perfeição nos poderia
oferecer o tipo da verdadeira pureza. E exata a comparação, porém, do ponto de
vista da vida presente, porquanto a criancinha, não havendo podido ainda
manifestar nenhuma tendência perversa, nos apresenta a imagem da inocência e da
candura. Daí o não dizer Jesus, de modo absoluto, que o reino dos céus é para
elas, mas para os que se lhes assemelhem.
4. Pois que o Espírito da criança já viveu, por que não se mostra,
desde o nascimento, tal qual é? Tudo é sábio nas obras de Deus. A criança
necessita de cuidados especiais, que somente a ternura materna lhe pode
dispensar, ternura que se acresce da fraqueza e da ingenuidade da criança. Para
uma mãe, seu filho é sempre um anjo e assim era preciso que fosse, para lhe
cativar a solicitude. Ela não houvera podido ter-lhe o mesmo devotamento, se,
em vez da graça ingênua, deparasse nele, sob os traços infantis, um caráter
viril e as idéias de um adulto e, ainda menos, se lhe viesse a conhecer o
passado.
Aliás, faz-se necessário que a atividade do princípio inteligente
seja proporcionada à fraqueza do corpo, que não poderia resistir a uma
atividade muito grande do Espírito, como se verifica nos indivíduos grandemente
precoces. Essa a razão por que, ao aproximar-se-lhe a encarnação, o Espírito
entra em perturbação e perde pouco a pouco a consciência de si mesmo, ficando,
por certo tempo, numa espécie de sono, durante o qual todas as suas faculdades
permanecem em estado latente. E necessário esse estado de transição para que o
Espírito tenha um novo ponto de partida e para que esqueça, em sua nova
existência, tudo aquilo que a possa entravar. Sobre ele, no entanto, reage o
passado. Renasce para a vida maior, mais forte, moral e intelectualmente,
sustentado e secundado pela intuição que conserva da experiência adquirida.
A partir do nascimento, suas idéias tomam gradualmente impulso, à
medida que os órgãos se desenvolvem, pelo que se pode dizer que, no curso dos
primeiros anos, o Espírito é verdadeiramente criança, por se acharem ainda
adormecidas as idéias que lhe formam o fundo do caráter. Durante o tempo em que
seus instintos se conservam amodorrados, ele é mais maleável e, por isso mesmo,
mais acessível às impressões capazes de lhe modificarem a natureza e de fazê-lo
progredir, o que toma mais fácil a tarefa que incumbe aos pais. O Espírito,
pois, enverga temporariamente a túnica da inocência e, assim, Jesus está com a
verdade, quando, sem embargo da anterioridade da alma, toma a criança por
símbolo da pureza e da simplicidade.
32. PRISÃO
AMBROSE BIERCE
Tendo assassinado o cunhado, Orrin Brower, de Kentucky, era um
foragido da justiça. Escapara da prisão local, onde aguardava julgamento,
batendo no vigia com uma barra de ferro e roubando-lhe as chaves, com as quais
abrira a porta externa, desaparecendo na noite. Como o vigia estivesse
desarmado, Brower fugira sem qualquer arma com a qual pudesse defender a
recém-recuperada liberdade. Assim que se viu longe da cidade, cometeu a asneira
de embrenhar-se por uma floresta. Isso aconteceu há muitos anos, quando aquela
região era bem mais despovoada do que é hoje.
De repente, saiu da floresta e deu
numa velha estrada, na qual viu, indistintamente, a silhueta de um homem,
imóvel na penumbra. Era tarde para tentar fugir. O fugitivo sabia que, ao
primeiro movimento que fizesse tentando embrenhar-se de novo na floresta,
seria, como diria depois, "crivado de balas". E assim os dois
permaneceram ali parados como se fossem árvores, Brower quase sentindo-se
sufocar com as batidas do próprio coração. O outro - bem, nada se sabe sobre as
emoções do outro.
Um segundo depois - ou talvez
tenha sido uma hora - a lua surgiu por entre as nuvens e o homem caçado viu
nitidamente quando o policial ergueu o braço, apontando de forma significativa
numa determinada direção. Compreendeu. Virando as costas para seu captor,
caminhou submisso na direção indicada, sem olhar para os lados, mal
ousando respirar, a cabeça e as costas já sofrendo com a profecia de uma bala.
Brower era o mais corajoso dos bandidos que sobreviveram para ser enforcados. Isso ficara patente pela maneira com que se expusera ao perigo ao assassinar friamente o cunhado. Não vamos relatá-la aqui. Tudo isso veio à tona em seu julgamento e a revelação de sua calma diante da situação quase salvou-lhe o pescoço. Mas o que vocês querem? Quando um bravo é vencido, ele se submete.
E, assim, eles seguiram em direção
à prisão pela velha estrada, através da floresta. Somente uma vez Brower teve
coragem de olhar para trás. Só uma vez, quando estava imerso na sombra e sabia
que o outro estava sob a luz do luar, virou-se e espiou. Seu captor era Burton
Duff, o vigia, pálido como a morte, trazendo ainda na fronte a marca vivida da
barra de ferro. Orrin Brower não quis saber de mais nada.
Afinal, chegaram à cidade, onde
tudo estava iluminado, embora deserto. Apenas mulheres e crianças tinham ficado
na cidade, mas não estavam nas ruas. E o criminoso seguiu em frente, direto
para a prisão. Dirigiu-se à entrada principal, tocou a maçaneta da pesada porta
de ferro, empurrou-a sem que ninguém lhe mandasse, entrou e se viu na presença
de meia dúzia de homens armados. Só então se virou. Ninguém mais entrou.
Sobre a mesa, no corredor, jazia o
corpo morto de Burton Duff.
Tradução de Heloisa Seixas
Referências
http://www.centronocaminhodaluz.com.br/index.php/artigo1107/
http://bvespirita.com/Kardec%20e%20Roustaing%20-%20Compare%20Voce%20Mesmo%20-%20Bem-Aventurados%20os%20Que%20Tem%20Puro%20o%20Coracao%20(autoria%20desconhecida).pdf
http://aneste.org/os-100-melhores-contos-de-crime-e-mistrio-da-literatura-univer.html?page=29
Nenhum comentário:
Postar um comentário