terça-feira, 3 de janeiro de 2017

PALAVRA DE PANGOLIM

De cor e sal tirado


DE REGRESSO AO CÉU
A varanda de frangipani
Mia Couto





“- Fique herói, só lhe chateiam de ano em ano.”
“Habitar entre os vivos só podia me trazer maldições. O inhacoso morreu quando queria certificar-se de que estava a ver. Deixe-se aqui, Ermelindo, aceite-se na sua cova. Deixe que eles venham promover-lhe em herói. Mesmo mentira isso lhe aleija? Você faça como o porco-espinho. Não é o espinho que dá tranqüilidade ao porco-espinho? E será que o bicho se pica nos próprios espinhos?” A varanda do frangiapani Por Mia Couto Décimo Segundo Capítulo DE REGRESSO AO CÉU p. 117


“Não é nada, é a luz que me faz ficar cego.”
“Eu conhecia o argumento de halakavuma. Andamos a aprender o mundo mesmo ainda quando estamos em ventre de mãe. No redondo da barriga, aprendemos a ver mesmo antes de nascer. Os cegos, o que são? São aqueles que não tiveram tempo para acabar de aprender. Palavra de pangolim, que eu já sabia de cor e sal tirado.” Idem, Ibidem p. 118


“Foi a poesia o que me deu o prosador João Guimarães Rosa. Quando o li pela primeira vez experimentei uma sensação que já tinha sentido quando escutava os contadores de histórias da infância. Perante o texto, eu não lia simplesmente: eu ouvia vozes da infância. Os livros de João Guimarães Rosa atiravam-me para fora da escrita como se, de repente, eu me tivesse convertido num analfabeto seletivo. Para entrar naqueles textos eu devia fazer uso de um outro ato que não é “ler”, mas que pede um verbo que ainda não tem nome18.” Mia Couto






Entre o sonho e a morte: desvelamentos, revelações e contaminações na narrativa ficcional de Mia Couto

Manuel Tavares Gomes
Universidade Nove de Julho

Resumo

A perspectiva literária de Mia Couto representa um desafio ao pensamento lusófono contemporâneo. Os encontros e diálogos produzidos com autores brasileiros, especialmente com Guimarães Rosa, permitem enquadrar o seu pensamento no âmbito de uma estética literária pós-colonial que pensa a realidade moçambicana a partir da recuperação da tradição oral. Mia Couto, nas suas viagens narrativas, constrói, a partir da matriz linguística colonial, uma nova língua marcada pela influência das línguas de matriz bantu para dizer o real numa relação indissociável com o sagrado. A reinvenção da língua portuguesa permite “mergulhar na oralidade e escapar à racionalidade dos códigos da escrita enquanto sistema único de pensamento”. Revitalizar o passado e, a partir dele, não deixar o sonho morrer, apesar das vicissitudes históricas, constitui um desafio da literatura mágica, desobediente e transgressiva de Mia Couto. É nesta reinvenção do passado pela escrita, adaptada a uma realidade africana, povoada pelo mistério, pelo maravilhoso, pelos mitos e pela crença, onde, entre o sonho e a morte, se vão revelando e desvelando tempos e lugares que se entrelaçam, povoados por figuras que “nas margens dos rios inscrevem na pedra, teimosamente, os minúsculos sinais da esperança”.

Palavras-chave

Pós-colonialismo, oralidade, pensamento mágico, moçambicanidade, sonho, morte, Mia Couto.

Abstract
Mia Couto’s literary perspective is a challenge to contemporary Lusophone thought. The meetings and dialogues with Brazilian authors, especially Guimarães Rosa, are part of a post-colonial literature thinking Mozambican reality through the recovery of oral tradition. In his travel narratives, Mia Couto constructs, from the colonial linguistic matrix, a new language marked by the meeting and dialogue of Bantu languages to say the real in an inseparable relationship with the sacred. The reinvention of Portuguese language permits a “dive into orality and an escape from the rationality of writing as the only system of thought.” Reviving the past and, from it, not allowing the dream to die, despite all historical problems, is the challenge represented by Mia Couto’s magic, naughty and transgressive literature. It is this reinvention of the past through writing, adapted to African reality, populated by mystery, the wonderful, myths and the belief that, between
dreams and death, that reveals and unveils times and places that are intertwined, populated by figures that “on the banks of rivers stubbornly inscribe in stone tiny signs of hope

O maior empobrecimento provém da falta de ideias, da erosão da criatividade e da ausência de debate produtivo. Mais do que pobres, tornamo-nos inférteis. Vou questionar as três dimensões do tempo apenas para sacudir alguma poeira. Comecemos pelo passado. Para constatarmos que esse passado, afinal, ainda não passou. Mia Couto, Pensatempo


Referências


https://books.google.com.br/books?id=NrLGy5worJQC&pg=PT92&lpg=PT92&dq=%22De+cor+e+sal+tirado%22&source=bl&ots=3RjchiJuFH&sig=2g27RP_6-J7eGEhFU9hfBPWw_9M&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwiwxMf4jqbRAhVEg5AKHZ3UCeoQ6AEILzAD#v=onepage&q=%22De%20cor%20e%20sal%20tirado%22&f=false

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