ESTADÃO OPINIÃO
ESPAÇO ABERTO
Sugestão encaminhada ao presidente
no final do ano peca pelo excesso, não por escassez
ALMIR PAZZIANOTTO PINTO*
10
Janeiro 2017 | 03h00
Os
consultores do presidente Michel Temer devem compreender que a insegurança nas
relações de trabalho não deve ser atribuída à escassez, mas ao excesso de
legislação.Desde maio de 1943, quando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
entrou em vigor, outra coisa não se fez senão aprofundar a intervenção do
Estado no convívio entre patrões e empregados.
Com
922 artigos, a CLT nasceu exagerada. Corresponde ao período em que países como
México, Bolívia, Venezuela adotaram Código do Trabalho e a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) cogitou da aprovação de Código Internacional do
Trabalho. Tratava-se de “pura arte de construção no vácuo”, como escreveu
Oliveira Vianna, ao tecer críticas a juristas e legisladores habituados a tomar
como fatos o que não passava de teses acadêmicas.
Para
o Brasil rural, com reduzida população urbana e pequeno número de operários, a
CLT trouxe inovações de qualidade. Mas esbanjou defeitos decorrentes da
prolixidade, como a data da fotografia colada na carteira profissional, a
obrigatória participação da gorjeta na remuneração, a redução da hora de
trabalho noturno a 52 minutos e 30 segundos, a fixação do espaço mínimo de 80
centímetros entre ferramentas ou de 1,30 m entre partes móveis de máquinas.
Em
longo período de 70 anos, uma das poucas leis destinadas a atender às
necessidades do País foi a que instituiu o Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS), cuja história é contada no livro O Governo Castelo Branco,
de Luís Vianna Filho. Surgiu para permitir a compra, venda e fusões de estatais
“condenadas à lenta agonia em virtude do ônus trabalhista”, decorrente da
presença de trabalhadores estáveis. Era o que sucedia com a Fábrica Nacional de
Motores, “cujos déficits eram intoleráveis, sem trazer contribuição especial
para a economia, pois caminhões poderiam ser produzidos pela iniciativa
privada”.
Questões
essenciais, como validade do recibo de quitação, ou sistemas de controle de
jornada, permanecem sem solução e abarrotam Varas e Tribunais do Trabalho com
reclamações geradoras de insuportável passivo.
Duas
medidas urgem ser promovidas pelo governo do presidente Michel Temer, como
pontos de partida de boa reforma: 1) Aprovação do projeto de lei sobre
terceirização, inexplicavelmente retido no Senado; e 2) o reconhecimento das
convenções e dos acordos coletivos de trabalho, em obediência ao determinado
pelo artigo 7.º, XXVI, da Constituição.
Quanto
à terceirização, abstenho-me de argumentar. O assunto já foi objeto de amplas
discussões. O projeto aprovado na Câmara dos Deputados é bom. Poderia ser
melhor, mas resulta de longas discussões entre as partes interessadas.
No
tocante à validade das negociações coletivas, não há como tergiversar. Atendido
o disciplinado no Título VI da CLT, onde estão os requisitos para a celebração
de convenções e acordos coletivos, ao Ministério do Trabalho resta apenas
proceder ao registro e arquivamento (CLT, artigo 614). A negociação será
válida, qualquer que tenha sido o objeto e o conteúdo. É o previsto na
Convenção n.º 194 da Organização Internacional do Trabalho, promulgada pelo
presidente Itamar Franco mediante o Decreto n.º 1.206, de 29/9/1994. Ordena o
artigo 1.º: “A Convenção n.º 154, da Organização Internacional do Trabalho,
sobre o incentivo à Negociação Coletiva, concluída em Genebra, em 19 de junho
de 1981, apensa por cópia a este decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente
como nela se contém”.
Com
as deferências devidas ao ilustre ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, a
sugestão de reforma trabalhista encaminhada ao presidente Michel Temer no final
do ano peca pelo excesso, e não por escassez. Envereda por terrenos acidentados
ao propor, por exemplo, alterações na Lei n.º 6.019/74, que dispõe sobre o
trabalho temporário, e ao regulamentar o artigo 8.º da Constituição, que prevê
a existência de representantes dos empregados no local de trabalho.
Sobre
contrato de trabalho temporário cabe lembrar que a Lei n.º 6.019 é modelo de
diploma legal claro, sucinto, objetivo, embora ocasionalmente prejudicado por
portarias do Ministério do Trabalho e Emprego. Trata-se de matéria tranquila e
sedimentada, cuja única controvérsia foi recentemente criada pela Justiça do
Trabalho ao estender, indevidamente, à prestadora de serviços temporários o
benefício da estabilidade da empregada gestante, prevista pelo artigo 10.º, I,
b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Não houvesse tal
excesso de inventividade, continuaria pacificada a esfera da prestação de
serviços transitórios.
Quanto
à representação dos empregados nas empresas, o artigo 11.º da Constituição
dispõe satisfatoriamente acerca da matéria. Reza o dispositivo: “Nas empresas
com mais de 200 empregados, é assegurada a eleição de um representante destes
com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os
empregadores”. O artigo omite a necessidade de regulamentação. Trata-se de
disposição autoaplicável, que trata de assunto a ser equacionado pelos
interessados.
A
concessão de estabilidade ao representante interno, oferecendo-lhe garantia não
prevista no dispositivo constitucional, atrairá desgastante resistência
patronal. Foi o que se deu com o Projeto de Relações Sindicais, do Fórum
Nacional do Trabalho, anexo à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 369/05,
fulminados ambos no berço por empregadores e empregados.
O
desemprego de mais de 12 milhões recomenda ao governo não se arriscar por
terreno acidentado. Apoio a proposta divulgada pelo excelentíssimo ministro
Ronaldo Nogueira, a quem louvo pela coragem. Não posso, contudo, fazê-lo
incondicionalmente.
*
ALMIR PAZZIANOTTO PINTO É ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO
E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
CAPITAL, TRABALHO E ALIENAÇÃO,
SEGUNDO KARL MARX
FILOSOFIA
Segundo
Marx, a relação capital, trabalho e alienação promovem a coisificação ou
reificação do mundo, tornando-o objetivo, sendo que suas regras devem ser
seguidas passivamente pelos seus componentes.
De
acordo com Marx, capital e trabalho apresentam um movimento constituído de três
momentos fundamentais:
Primeiro,
“a unidade imediata e mediata de ambos”; significa que num primeiro momento
estão unidos, separam-se depois e tornam-se estranhos um ao outro, mas
sustentando-se reciprocamente e promovendo-se um ao outro como condições
positivas;
Em
segundo lugar, “a oposição de ambos”, já que se excluem reciprocamente e o
operário conhece o capitalista como a negação da sua existência e vice-versa;
Em
terceiro e último lugar, “a oposição de cada um contra si mesmo”, já que o
capital é simultaneamente ele próprio e o seu oposto contraditório, sendo
trabalho (acumulado); e o trabalho, por sua vez, é ele próprio e o seu oposto
contraditório, sendo mercadoria, isto é, capital.
Já
a alienação ou estranhamento é descrita por Marx sob quatro aspectos:
1.
O trabalhador é estranho ao produto de sua atividade, que pertence a outro.
Isto tem como consequência que o produto se consolida, perante o trabalhador,
como um “poder independente”, e que, “quanto mais o operário se esgota no
trabalho, tanto mais poderoso se torna o mundo estranho, objetivo, que ele cria
perante si, mais ele se torna pobre e menos o mundo interior lhe pertence”;
2.
A alienação do trabalhador relativamente ao produto da sua atividade surge, ao
mesmo tempo, vista do lado da atividade do trabalhador, como alienação da
atividade produtiva. Esta deixa de ser uma manifestação essencial do homem,
para ser um “trabalho forçado”, não voluntário, mas determinado pela
necessidade externa. Por isso, o trabalho deixa de ser a “satisfação de uma
necessidade, mas apenas um meio para satisfazer necessidades externas a ele”. O
trabalho não é uma feliz confirmação de si e desenvolvimento de uma livre
energia física e espiritual, mas antes sacrifício de si e mortificação. A
consequência é uma profunda degeneração dos modos do comportamento humano;
3.
Com a alienação da atividade produtiva, o trabalhador aliena-se também do
gênero humano. A perversão que separa as funções animais do resto da atividade
humana e faz delas a finalidade da vida, implica a perda completa da humanidade.
A livre atividade consciente é o caráter específico do homem; a vida produtiva
é vida “genérica”. Mas a própria vida surge no trabalho alienado apenas como
meio de vida. Além disso, a vantagem do homem sobre o animal – isto é, o fato
de o homem poder fazer de toda natureza extra-humana o seu “corpo inorgânico” –
transforma-se, devido a esta alienação, numa desvantagem, uma vez que escapa
cada vez mais ao homem, ao operário, o seu “corpo inorgânico”, quer como
alimento do trabalho, quer como alimento imediato, físico;
4.
A consequência imediata desta alienação do trabalhador da vida genérica, da
humanidade, é a alienação do homem pelo homem. “Em geral, a proposição de que o
homem se tornou estranho ao seu ser, enquanto pertencente a um gênero,
significa que um homem permaneceu estranho a outro homem e que, igualmente,
cada um deles se tornou estranho ao ser do homem”. Esta alienação recíproca dos
homens tem a manifestação mais tangível na relação operário-capitalista.
É
dessa forma, portanto, que se relacionam capital, trabalho e alienação,
promovendo a coisificação ou reificação do mundo, isto é, tornando-o objetivo,
sendo que suas regras devem ser seguidas passivamente pelos seus componentes. A
tomada de consciência de classe e a revolução são as únicas formas para a
transformação social.
Por João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
CABRAL,
João Francisco Pereira. "Capital, Trabalho e Alienação, segundo Karl
Marx"; Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/filosofia/capital-trabalho-alienacao-segundo-karl-marx.htm>.
Acesso em 10 de janeiro de 2017.
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