Cara a cara
COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E DE JUSTIÇA E DE CIDADANIA - Reunião Deliberativa - 13/07/2016
COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E DE JUSTIÇA E DE CIDADANIA - Reunião Deliberativa - 13/07/2016
Cristovam peita Renan em plenário
do senado, ao vivo
O destino da Lava-Jato - MARIA CRISTINA PINOTTI
REVISTA VEJA
Existem
boas razões para acreditar que o Brasil não repetirá a Itália, onde os
políticos conseguiram se livrar das condenações. Mas a pressão da sociedade
precisa ser permanente
UM QUADRO DE CORRUPÇÃO
sistêmica emerge das investigações da Lava-Jato. Hoje, sabe-se que o pagamento
de propinas para participar de obras públicas era visto cinicamente pelas
empreiteiras como "pedágio" para tomar parte em contratos públicos. O
volume de recursos movimentado e a sofisticação usada para sua ocultação escancaram
a magnitude da corrupção. Além de propinas, todas as outras formas de corrupção
ocorreram de maneira sistemática, como troca de favores, compadrio, fraudes
contábeis e eleitorais, apropriação indevida do dinheiro público, sonegação de
impostos, tráfico de influência. A certeza da impunidade produziu esse manual
de condutas criminosas, que agora vem à luz com as investigações.
Além
dos custos éticos, sociais e políticos, a corrupção gera enormes custos
econômicos. Afetado por parasitas, o organismo econômico se debilita, o que
leva à queda da produtividade e à consequente redução do crescimento. Nos
investimentos em infraestrutura, desaparece a competição e encastelam-se
cartéis que produzem obras superfaturadas e de baixa qualidade, fruto de
projetos que favorecem interesses privados. Apenas parte dos recursos públicos
chega ao seu destino, ficando o restante no caminho minado pela corrupção, o
que afeta negativamente a qualidade dos investimentos, das transferências aos
mais pobres e dos serviços públicos, como saúde e educação. Nesse ambiente de
incerteza e ineficiência, retraem-se os investimentos privados, e o país se
fecha às inovações, sofrendo um processo de esclerose precoce.
Para
voltar a crescer, o Brasil tem de reduzir, permanentemente, a corrupção. As
perspectivas são favoráveis e trazem esperança. Estamos dando ao mundo um
exemplo de como fazer uma investigação, dentro do mais completo respeito às
leis, e com uma eficiência que causa espanto aos acostumados com a impunidade.
Mas riscos existem, e é bom ficarmos atentos. Ao ameaçar um grande número de
políticos, a Lava-Jato enfrenta um momento delicado. A perspectiva de
condenação exacerba nos legisladores envolvidos a tentação de alterar as leis e
instituições que os ameaçam. Diálogos gravados entre líderes políticos não
deixam dúvidas a respeito. Argumentos de que é preciso "voltar à
normalidade" são defendidos sob o disfarce de "acordos de salvação
nacional" - e que são meras tentativas de salvar a pele dos investigados.
A
Itália sucumbiu nesse ponto. A Operação Mãos Limpas, realizada entre 1992 e
1998, e que, pelo porte e pela qualidade dos métodos investigativos, guarda
semelhanças com a Lava-Jato, fornece lições valiosas. A reação do sistema político,
liderada por um dos principais acusados, o empresário da área de construção e
comunicações Silvio Berlusconi (que se tornou primeiro-ministro), mutilou leis
para proteger os corruptos e dificultar a identificação e a punição dos seus
crimes. Conhecemos o resultado, e basta abrir um jornal italiano para ver casos
de corrupção sendo por vezes protagonizados pelos mesmos indivíduos condenados
no passado. Como diz o magistrado italiano Piercamillo Davigo, a espécie
predada se fortaleceu. A Itália continua a ser um dos países da Europa com
maior índice de corrupção — e crescimento econômico medíocre. O exemplo mais
recente ocorreu na semana passada, quando se realizou a Operação Labirinto, que
prendeu 24 pessoas, entre elas um político próximo do primeiro-ministro. É a
prova de como quase nada mudou na Itália. Mas não estamos fadados a reiterar a
história italiana. Ao contrário, o exemplo nos motiva a não repetir os erros lá
cometidos.
Há
diferenças importantes entre o caso brasileiro e o italiano conspirando a nosso
favor. O mundo mudou. A globalização aumentou a interação entre os países,
tornando-os mais dispostos a combater o crime organizado. A ampliação das ações
terroristas, da corrupção e do tráfico de drogas levou ao aumento dos controles
internacionais sobre as transferências de recursos. Acordos de cooperação foram
firmados, criando condições para que as informações financeiras fluam com
rapidez entre as nações. Sem contar com tais instrumentos, a Mãos Limpas
encontrou enorme dificuldade em conseguir dados sobre contas e valores
depositados no exterior. Além disso, na Itália o clima de violência dos anos de
chumbo, com ações terroristas e atentados matando dezenas de pessoas, marcou
dramaticamente a sociedade. A ação da máfia, que impôs ameaças e a "lei do
silêncio", e os suicídios ocorridos entre os investigados contribuíram
para assustar a população e minar o apoio às investigações. Outra diferença,
importantíssima, a favor do Brasil refere-se à qualidade e à liberdade da nossa
imprensa, duramente conquistadas. Na Itália, a situação é diferente, com o
Estado e os principais partidos políticos mantendo presença forte nos meios de
comunicação.
O
exemplo do Chile deveria nos animar. Ao ver familiares e membros do governo
envolvidos em corrupção, em 2014, a presidente Michelle Bachelet criou o
Conselho Assessor Presidencial, formado por duas dezenas de cidadãos, de
profissões variadas. O objetivo foi elaborar propostas para reduzir a
corrupção, repensar o financiamento de partidos e regular conflitos de
interesse. Eduardo Engel, renomado economista, assumiu a presidência do
conselho, que em 45 dias chegou a 236 propostas. Elas foram levadas ao
Congresso, que não demonstrou entusiasmo em apreciá-las, já que feriam
interesses de políticos corruptos. A saída encontrada por Engel para que o
esforço não fosse em vão foi simples e eficaz. Criou o Observatório
Anticorrupción, cujo objetivo é acompanhar os avanços das medidas
anticorrupção. As informações são atualizadas regularmente no site da
organização, que se tornou um termômetro considerado confiável. A popularidade
de Engel supera a de adorados jogadores de futebol, e ele foi capaz de
incorporar, com maestria e transparência, o papel de guardião do processo
anticorrupção. Ao denunciar a iminência de retrocessos, mobiliza a opinião
pública e vence a resistência do Congresso em aprovar medidas que ferem
privilégios. Houve queda nos casos de corrupção. A população atesta e aprova o
avanço.
O
Brasil não precisa necessariamente replicar o modelo chileno. A lição crucial a
ser aprendida é a importância do apoio da sociedade na luta contra a corrupção.
Felizmente, temos exemplos marcantes de mobilização popular e de esforço
conjunto das instituições no enfrentamento da corrupção a nos dar esperanças.
Foi notável a coleta de mais de 2 milhões de assinaturas em apoio ao projeto de
lei das Dez Medidas contra a Corrupção, propostas pelo Ministério Público
Federal — ora tramitando, embora lentamente, no Congresso. As manifestações do
dia 13 de março, com milhões de pessoas nas ruas, foram as maiores já
registradas. Crucial ainda contra a impunidade provocada por infindáveis
recursos protelatórios foi a recente decisão do Supremo Tribunal Federal que
alterou a jurisprudência e permitiu a condenação de réus a partir de julgamento
em segunda instância, pondo fim a uma venenosa jabuticaba brasileira. Por
último, Michel Temer tem declarado total apoio à Lava-Jato. Esperamos que essas
conquistas se mantenham. Que se mantenha a prisão com condenação em segunda
instância, que o STF voltará a analisar. Que se mantenham os termos da delação,
que parlamentares já insinuam limitar, com o objetivo óbvio de dificultar a
colaboração premiada. Que se mantenha a liberdade de atuação, dentro da lei,
das autoridades policiais e judiciais, pois se fala, no Congresso, em projetos
para conter supostos abusos de autoridades.
Apesar
das ameaças vindas dos defensores da velha ordem, há motivos para conservarmos
o otimismo quanto ao futuro da Lava-Jato e demais investigações contra a
corrupção sistêmica no país. Valorizando mais as oportunidades que as
dificuldades do momento, e apoiando o combate à corrupção e o fortalecimento
das instituições, construiremos um país mais justo, do qual voltaremos a ter
orgulho.
*economista, é sócia da consultoria A.C. Pastore & Associados
*economista, é sócia da consultoria A.C. Pastore & Associados
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