DORA KRAMER
19
Junho 2016 | 05h 00
Políticos
apanhados com a boca na botija adoram dizer que são vítimas das circunstâncias:
do “sistema”, do modelo falido de governabilidade, das regras
partidário-eleitorais defeituosas. Também gostam muito de pontificar sobre a
urgência de uma reforma política como se fosse uma tarefa a ser cumprida pelo
alheio, dado que não se mexem para tal.
Assim
vão tocando a vida sem reformar coisa alguma – não obstante sejam por delegação
popular os donos das ferramentas e do dever de observar o decoro –, desfrutando
das benesses do dito sistema e do modelo em colapso que de maneira cruel obriga
tão puras criaturas a recorrer a práticas ilícitas de financiamento eleitoral
e, não raro, pessoal.
As
acusações de que são alvo partem sempre de alguém desqualificado, mentiroso e
irresponsável. Quando resultado de investigações, as denúncias são
inconsistentes, “notícia velha” ou produto de manipulação política. Se os fatos
produzem condenações, eram os julgadores mal intencionados, partícipes da
conspiração que, evidentemente, representa uma ameaça à democracia, cujo
arcabouço legal está sendo solapado.
A
política é cheia de versões como essas, convenientes aos narradores. Se o que
os delatores estão dizendo à força-tarefa for produto de imaginação ou de
vingança, estão cientes de que poderão amargar um par (ou dezenas) de anos na
cadeia. Sérgio Machado, por exemplo, não poderia cumprir sua sentença à beira
da piscina de casa, em Fortaleza.
Mas,
se estiveram dizendo a verdade, como a dinheirama circulante nas campanhas
eleitorais indica, outras versões recorrentes cairão por terra. Aliás, já estão
sendo reescritas à luz do sol e a poder de um jato que atingiu como raio a
rotina de desfaçatez de suas excelências.
A
mais notória dessas histórias para boi dormir é aquela das doações eleitorais
“devidamente registradas na Justiça Eleitoral”. Um álibi para o crime que se
afigurava perfeito até que as delações começassem a narrar o caso de outra
maneira, mostrando que dinheiro legalmente contabilizado junto ao TSE não era
necessariamente de origem limpa.
Era
fruto de desvio de recursos públicos por intermédio de contratos superfaturados
entre governos e empresas, na maioria empreiteiras. Os políticos faziam suas
indicações – entre eles mesmos ou mediante a escolha de um técnico de conduta
flexível – para determinados postos a fim de assegurar a execução da negociata
garantida pelo dever de obediência dos indicados àqueles a quem deviam os
cargos.
No
sobrepreço do serviço estava incluída a propina que, então, poderia ir para o
bolso dos mandantes ou para o cofre dos partidos que faziam o devido registro
legal no TSE. Em outras palavras, além do crime de peculato os que andam caindo
na malha da Lava Jato ainda davam-se ao desfrute de usar a Justiça Eleitoral
como lavanderia das respectivas “roupas” sujas.
Sabe-se
lá há quanto tempo vem sendo usado o estratagema que, se não se enquadra na
modalidade criminal de lavagem de dinheiro, ao menos mereceria alguma forma de
punição mais pesada que a simples vedação de doações por parte de pessoas jurídicas.
É um escândalo paralelo. Filhote do que vem sendo desvendado como o maior
assalto aos cofres públicos de que se tem notícia.
Sociedade ilimitada. Certas
coisas só o tempo explica. No início do primeiro governo Lula, Marcelo
Odebrecht estava para assumir a presidência da empresa. Durante um almoço, em
São Paulo, falou do então presidente como quem se refere a uma divindade.
O
homem perfeito, no lugar certo, na hora exata. Faria um governo irrepreensível.
Na ocasião não ficou claro o motivo de amor tão incondicional. Hoje está
explicado: era condicionado.
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