Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
terça-feira, 24 de agosto de 2021
O REI ESTÁ NU
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Transformaram o Paulo Guedes em um gênio da raça, o que não é verdade
Paulo Guedes, em alguns momentos, lembra um pouco o Pacheco do Eça de Queiroz, lá da correspondência inédita do Fradique Mendes. Ele tem alguma coisa, algumas características pachequianas, porque ele é um profissional do mercado financeiro. Um especulador. Ficou rico, ganhou muito dinheiro, parabéns, nada contra, mas é só um especulador.
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ARTIGOS
O rei está nu
By Chumbo Gordo 5 anos ago
Por Meraldo Zisman
… fazendo-se passar por um alfaiate de terras distantes. Diz a um determinado rei que poderia fazer uma roupa muito bonita e cara, mas que apenas as pessoas mais inteligentes e astutas poderiam vê-la…
A Roupa Nova do Rei é um conto de fadas de autoria do dinamarquês Hans Cristian Andersen, publicado em 1837. Começa assim:
Era uma vez um bandido, fazendo-se passar por um alfaiate de terras distantes. Diz a um determinado rei que poderia fazer uma roupa muito bonita e cara, mas que apenas as pessoas mais inteligentes e astutas poderiam vê-la.
O rei, muito vaidoso, gostou da proposta e pediu ao bandido que fizesse uma roupa dessas para ele. O bandido recebeu vários baús cheios de riquezas, rolos de linha de ouro, seda e outros materiais raros, exigidos por ele para a confecção das roupas. Ele guardou todos os tesouros e ficou em seu tear, fingindo tecer fios invisíveis, que todas as pessoas alegavam ver, para não parecerem estúpidas. Até que um dia, o rei se cansou de esperar, e ele e seus ministros quiseram ver o progresso do “alfaiate”.
Quando o falso tecelão mostrou a mesa vazia, o rei exclamou: “Que lindas vestes! Você fez um trabalho magnífico!”, muito embora, não visse nada além de uma mesa, pois, dizer que não nada via seria admitir que não tinha a capacidade necessária para ser o rei.
Os nobres ao redor soltaram falsos suspiros de admiração pelo trabalho do bandido, nenhum deles querendo que achassem que era incompetente ou incapaz. O bandido garantiu que as roupas logo estariam completas, e o rei resolveu marcar uma grande festa na capital para que ele exibisse as vestes especiais, quando descesse a rampa do seu palácio do Planalto.
O leitor deve lembrar-se dessa história, da sua própria infância, sobre dois espertalhões que enganavam o rei, dizendo que iam vesti-lo com um traje finíssimo?
No final, o rei sai todo pomposo desfilando pela rua, e todo mundo nota que ele está nu, mas ninguém tem coragem de falar. Enquanto o protagonista desfila pela Rampa, um menino grita: “O rei está nu”, e todos concluem que, se uma criança, com toda sua pureza, constatava que o monarca estava mesmo exposto em suas vergonhas, é que tudo naquele reino não passava de uma farsa.
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E o nosso mito majestático, desmoralizado, recolheu-se ao castelo e jamais saiu de lá até a morte. Quando ao “costureiro vigarista”, deu o fora com o ouro pago e não se soube mais dele, pois foi viver em um paraíso fiscal.
E por pior: todos os ministros e assessores que não ousaram admitir que não havia roupa nenhuma caíram em desgraça e foram demitidos.
Até aí, nenhuma novidade. Mas, graças a louvável esforço de pesquisa, técnicos em Ciências Carochinhas decidiram dizer não às convenções e apresentar a versão não-autorizada desse embuste, desenvolvida segundo os conceitos vigentes na sociedade e ambiente de longínquo país latino-americano.
Toda desgraça teve início quando um bandido chamado Frajola gritou pelo celular:
“O rei está nu! O rei está nu!”
Esqueceu que, no Brasil, nós todos “estamos nus”.
Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).
*** *** https://www.chumbogordo.com.br/5649-o-rei-esta-nu/ *** ***
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'Populismo eleitoral de Bolsonaro já aparece no mercado. A euforia acabou', diz ex-presidente do BC
'Acabou a euforia com o governo. Perspectiva para 2022 é muito ruim', diz ex-presidente do BC
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Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central
Imagem: Folhapress
Adriana Fernandes
Brasília
19/08/2021 17h00
AUGUST 19, 2021
BRASÍLIA - Ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore diz que está "comprada" uma desaceleração do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, ano de eleições, com a ação do BC para barrar o descontrole da inflação.
Ao Estadão, Pastore diz que o populismo eleitoral do presidente já está retratado na piora dos preços e indicadores do mercado. A euforia da “Faria Lima” (principal centro financeiro da capital paulista) e com a recuperação da economia e das contas públicas acabou, e os empresários também acordaram, avalia. “O empresariado acordou. O despertador tocou tão forte, que não deu para ficar dormindo”, afirma.
Economia em 'modo eleição' é risco para contas públicas, dizem analistas em reunião com o BC
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"A euforia foi embora. Agora, o risco já está aparecendo na Bolsa. Acabou o entusiasmo, a Bolsa devolveu o que tinha ganhado esse ano. Esse é o clima com o qual o nosso presidente vai entrar na campanha eleitoral de 2022."
A preocupação agora é com o que Jair Bolsonaro pode fazer diante de um cenário econômico mais adverso, justamente no ano em que vai tentar a sua reeleição. Para Pastore, uma piora da economia com a combinação de inflação e juros altos, desemprego e baixo crescimento, que tira popularidade e voto em 2022, pode levar o presidente a forçar uma ruptura institucional. "O presidente está dizendo que ele nega o resultado da eleição. Isso é muito grave", afirma. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
O mercado estava eufórico há alguns meses, a Bolsa subindo e o dólar cotado a menos de R$ 5. O que mudou?
A inflação é sempre o bandido do filme. Nesse período, ela foi o mocinho. Quando o ministro (da Economia) Paulo Guedes e o Arthur Lira (presidente da Câmara) fecharam o acordo do Orçamento ninguém contava com o crescimento do PIB nominal. Têm vários impostos que crescem com o PIB nominal. Tivemos a arrecadação tributária crescendo muito e vamos chegar com um déficit bem menor, abaixo de 1,5% do PIB. O mercado financeiro se animou. Disseram: ‘Que coisa boa! Baixou o risco’. A Faria Lima entrou em festa. A inflação acelerou e o espaço no teto de gastos será menor. E quando estava nesse ponto caiu na cabeça do Paulo Guedes um meteoro chamado precatório (dívidas judiciais que a União precisa quitar).
O cenário de agora de piora de outros indicadores pode empurrar o presidente Bolsonaro para uma agenda mais populista eleitoral?
Eu acho que ele vai tentar fazer um programa Bolsa Família maior. Na democracia, cada pessoa é um voto. O desempregado e o pobre têm o mesmo voto que o presidente de um banco. E tem muito mais desempregado e pobre. E o presidente precisa do voto. Quer ele olhe isso do ponto de vista humanitário, quer seja populista, que é o que eu acho que ele é, vai tentar fazer esse programa. Só que ele não tem espaço por causa do aumento dos precatórios. Ele manda uma PEC de parcelamento dos precatórios. Não muda o teto, mas muda a lei e pensa que está todo mundo distraído. Mas não está. O câmbio, que tinha chegado em R$ 5, está agora em R$ 5,30. A taxa de juros de 10 anos, que andava lá por 8%, já está acima de 10%. A euforia foi embora. Agora, o risco já está aparecendo na Bolsa. Acabou o entusiasmo, a Bolsa devolveu o que tinha ganhado esse ano. Esse é o clima com o qual o nosso presidente vai entrar na campanha eleitoral de 2022.
A única prioridade que eu consigo ver na cabeça do Bolsonaro é se reeleger. Ele tem razões familiares, pessoais, de todos os tipos, a ponto de hostilizar as instituições e fazer uma campanha contra o voto eletrônico. A ponto de anunciar que vai pedir impeachment de ministros do Supremo, que estão simplesmente exercendo a sua função. Entre Executivo e Legislativo, a não ser a postura do Senado que está mais sóbria, eu tenho a impressão que há uma combinação de interesses muito forte. O Centrão está dentro do Executivo e dominando a Câmara. Independência aqui é uma questão questionável. Esse é o clima. Empresários já não estão tão quietos, porque depois daquele manifesto, já temos visto gente que saiu da casca.
O sujeito não está acostumado. Ele não foi treinado para isso. Foi treinado para ser empresário. Ele espera que as coisas melhorem. Mas chega o momento que qualquer um sai da casca. Eu até admito que a demora seja explicável. Mas saiu, começou. O empresariado acordou. O despertador tocou tão forte que não deu para ficar dormindo. Acordou e saiu da casca.
Do ponto de vista de insegurança jurídica sobre investimentos, é péssimo. Se esperava que haveria investimento maior no ano que vem. O governo não pode gastar mais, porque se ele gastar mais, a situação fica pior. Tem gente que cinicamente diz que o presidente não vai furar o teto, mas olha o artigo do Felipe Salto (diretor-executivo da IFI) no Estadão. No artigo, ele está dizendo: não furou o teto porque subiram com o teto. Pode até dizer em público que o teto foi atendido, mas ele mudou. Consequentemente, sobem o câmbio e juros e Bolsa cai. Isso é que me leva a dizer: o ano de 2022 é de perspectivas muito ruins.
Sabe o que é miopia? Ele vê só o que está pertinho dele. Antes da minha operação de cataratas, eu usava óculos de fundo de garrafa. Quando o tirava, eu via só dois centímetros na minha frente. No campo político, muita gente é extremamente míope, horizonte curtinho, só consegue ver cinco minutos à frente.
Claro. Há algum tempo eu tenho dito que tendência do real é ficar fraco e tem operador de banco, que ganha dinheiro em cima disso, e defende para os seus clientes que o real vai se valorizar. O interesse dele é o bônus, o cara se engana a si mesmo e depois toma um susto e aí já é tarde. Eu não estou dizendo que o real vai ficar fraco porque sou malévolo. Eu estou falando porque estou vendo o risco, pipocas! Não estou interessado em vender um produto falso, mas em olhar as coisas como eu vejo.
Se os economistas que respondem a pesquisa Focus (do Banco Central) adquirirem coragem, vão ter que começar na semana que vem em diante a reduzir a previsão de taxa de crescimento do PIB. Quando eles olharem esse clima que já chegou ao câmbio e na taxa de juros, terão que fazer previsões de subida de juros maiores do que estavam fazendo e botar a taxa de câmbio mais depreciada. Aí, vamos ver as reações. Há uma grande decepção de todo mundo em relação ao ministro Paulo Guedes. Vem o cara e diz que vai fazer um fundo para pagar precatórios. Ele diz que não sabia dos precatórios. Eu vi no Estadão o aviso que a AGU mandou. E o governo não se mexeu.
Não sei. O fato é que ele está cedendo.
Qual o risco de aprovação de projeto às pressas, com o da reforma do Imposto de Renda, que pode aumentar as distorções?
O Centrão e o governo são extremamente sensíveis aos grupos de pressão da sociedade. Quantos votos os caras que estão no Simples têm? Tem muito voto? Então alivia para eles. Quantos votos tem quem está no lucro presumido? Alivia para eles. Não é uma reforma do Imposto de Renda feita em cima de princípios econômicos. Para poder ter isso, teria que ter um ministro da Economia que trabalhasse para obter uma reforma que fosse para o benefício do País, da sociedade como um todo e não dos grupos de pressão que querem se defender. Ele não tomou nenhuma iniciativa nessa direção e não atuou como ministro da Economia. A reforma foi para o Congresso, que é uma caixa de ressonância e que responde aos grupos de pressão, quaisquer que eles sejam. Nem o Congresso nem o ministro da Economia estão olhando o Brasil, pensando em melhorar o crescimento e a distribuição de renda.
A combinação de menor crescimento, inflação alta e desemprego em 2022 não pode levar o presidente a acionar mais gastos para reverter esses problemas?
Há uma probabilidade alta que ele faça isso quando enxergar que a popularidade dele está baixa e que corre risco. Ele é um populista. Só que não precisa esperar isso acontecer para que apareça no preço dos ativos (dólar, juros, Bolsa).
Já está aparecendo. Não posso dizer que está inteiro nos preços. Num pedaço dos preços, já está lá. O que é essa crítica do Felipe Salto? É uma crítica ao populismo dele. O mercado já percebeu que o teto de gasto é volúvel, flexível. Sabe-se que não se consegue segurar a inflação se não tiver uma âncora. Uma âncora flutuante não segura nada. A âncora fiscal que nós temos é flutuante. Não serve!
No cenário de hoje, a economia vai jogar contra ou a favor do presidente em 2022?
Inflação alta, desemprego elevado, crescimento baixo é cenário hostil a qualquer governo. O que precisamos ver é qual será a reação do governo a isso. Só que o presidente diz o seguinte: ‘se não for eu, a eleição é fajuta’. Será que ele vai em frente? O temor é que isso abra a possibilidade de uma crise institucional e um problema mais sério no campo político.
O presidente está dizendo que ele nega o resultado da eleição. Isso é muito grave.
Exatamente isso com todas as letras.
Dos três problemas de agora, inflação, desemprego e risco de crescimento menor, qual é o mais grave?
Todos eles, porque vêm juntos.
Esse negócio não é imediato. Tem a velha história de que as defasagens da política monetária (o controle da inflação pela calibragem da Selic) são longas. A taxa de juros está subindo agora e ela só estará no nível restritivo daqui a alguns meses. Isso vem no ano que vem. Em 2021, o Brasil se recuperou mais depressa em parte porque teve um impulso vindo das exportações. Como estávamos numa fase de política monetária estimulante (ou seja, com redução da Selic), isso levou a um crescimento adicional de demanda e tivemos neste ano uma recuperação forte. Agora, a inflação está feia. E não é uma inflação que vem só de preços administrados, só do câmbio. No índice de difusão da inflação, 70% dos preços coletados pelo IBGE para fazer o cálculo estão em ascensão. Isso está indo para as expectativas.
Quando se chega nesse estágio, o Banco Central ou vai para uma política monetária restritiva, reduzindo a demanda agregada e deliberadamente produzindo a desaceleração da economia, ou a inflação vai embora... O BC acabou caindo numa armadilha ao demorar para começar a subir juros. Ele estava excessivamente preocupado com a recuperação em V da economia. A retórica dele foi de que estava buscando a meta de inflação, mas na prática ficou atrás da curva. O ponto mais importante é que os efeitos não são instantâneos. Eles demoram. Vamos ter que passar 2022 com taxa de juros alta. Isso significa que, no ano que vem, já está comprada uma forte desaceleração do crescimento.
Ou eles são cínicos ou estão distraídos. Quando cresce todo mundo fica contente. Aí, o BC vem e diz que vai subir os juros acima da taxa neutra. Eu comecei a perguntar o que você entende como taxa de juros real acima da neutra? “Uma taxa de juros mais alta...”. Eu falei: Não, é uma política restritiva que significa que o PIB atual vai cair em relação ao seu potencial. Tínhamos antes da pandemia uma estimativa de potencial de crescimento de 2%. Com a pandemia, é provável que esse potencial durante algum tempo vá ficar abaixo de 2%, porque tem empresa que foi muito ferida durante a recessão, tem desemprego. Imagina, por exemplo, um crescimento de 1% . Poderemos ter facilmente um ou outro trimestre em que o crescimento seja negativo.
Fonte: ESTADÃO
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Pacheco e seu imenso talento
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Paris, setembro.
Meu caro Senhor Mollinet:
Encontrei ontem à noite, ao voltar de Fontainebleau, a carta em que o meu douto amigo, em nome e no interesse da Revista de Biografia e de História, me pergunta quem é este meu compatriota Pacheco (José Joaquim Alves Pacheco), cuja morte está sendo tão vasta e amargamente carpida nos jornais de Portugal. E deseja ainda o meu amigo saber que obras, ou que fundações, ou que livros, ou que ideias, ou que acréscimo na civilização portuguesa deixou esse Pacheco, seguido ao tumulo por tão sonoras, reverentes lágrimas.
Eu casualmente conheci Pacheco. Tenho presente, como num resumo, a sua figura e a sua vida. Pacheco não deu ao seu país nem uma obra, nem uma fundação, nem um livro, nem uma ideia. Pacheco era entre nós superior e ilustre unicamente porque tinha um imenso talento. Todavia, meu caro Senhor Mollinet, este talento, que duas gerações tão soberbamente aclamaram, nunca deu, da sua força, uma manifestação positiva, expressa, visível! O talento imenso de Pacheco ficou sempre calado, recolhido, nas profundidades de Pacheco! Constantemente ele atravessou a vida por sobre eminências sociais: Deputado, Diretor geral, Ministro, Governador de bancos, Conselheiro de Estado, Par, Presidente do conselho ― Pacheco tudo foi, tudo teve, neste país que, de longe e a seus pés, o contemplava, assombrado do seu imenso talento. Mas nunca, nestas situações, por proveito seu ou urgência do Estado, Pacheco teve necessidade de deixar sair, para se afirmar e operar fora, aquele imenso talento que lá dentro o sufocava. Quando os amigos, os partidos, os jornais, as repartições, os corpos coletivos, a massa compacta da nação, murmurando em redor de Pacheco "que imenso talento!" o convidavam a alargar o seu domínio e a sua fortuna ― Pacheco sorria, baixando os olhos sérios por traz dos óculos dourados, e seguia, sempre para cima, sempre para mais alto, através das instituições, com o seu imenso talento aferrolhado dentro do crânio como no cofre de um avaro. E esta reserva, este sorrir, este lampejar dos óculos, bastavam ao país que neles sentia e saboreava a resplandecente evidencia do talento de Pacheco.
Este talento nasceu em Coimbra, na aula de direito natural, na manhã em que Pacheco, desdenhando a Sebenta, assegurou "que o século XIX era um século de progresso e de luz". O curso começou logo a pressentir e a afirmar, nos cafés da Feira, que havia muito talento em Pacheco: e esta admiração cada dia crescente do curso, comunicando-se, como todos os movimentos religiosos, das multidões impressionáveis às classes raciocinadoras, dos rapazes aos lentes, levou facilmente Pacheco a um prêmio no fim do ano. A fama desse talento alastrou então por toda a academia ― que, vendo Pacheco sempre pensabundo, já de óculos, austero nos seus passos, com praxistas gordos debaixo do braço, percebia ali um grande espírito que se concentra e se retesa todo em força íntima. Esta geração acadêmica, ao dispersar, levou pelo país, até os mais sertanejos burgos, a notícia do imenso talento de Pacheco. E já em escuras boticas de Traz-os-Montes, em lojas palreiras de barbeiros do Algarve, se dizia, com respeito, com esperança: ― "Parece que ha agora aí um rapaz de imenso talento que se formou, o Pacheco!"
Pacheco estava maduro para a representação nacional. Veio ao seu seio ― trazido por um governo (não recordo qual) que conseguira, com dispêndios e manhas, apoderar-se do precioso talento de Pacheco. Logo na estrelada noite de dezembro em que ele, em Lisboa, foi ao Martinho tomar chá e torradas, se sussurrou pelas mesas, com curiosidade: ― "É o Pacheco, rapaz de imenso talento!" E desde que as Camarás se constituíram, todos os olhares, os do governo e os da oposição, se começaram a voltar com insistência, quase com ansiedade, para Pacheco, que, na ponta de uma bancada, conservava a sua atitude de pensador recluso, os braços cruzados sobre o colete de veludo, a fronte vergada para o lado como sob o peso das riquezas interiores, e os óculos a faiscar... Finalmente uma tarde, na discussão da resposta ao discurso da Coroa, Pacheco teve um movimento como para atalhar um padre zarolho que arengava sobre a "liberdade". O sacerdote imediatamente estacou com deferência; os taquígrafos apuraram vorazmente a orelha: e toda a camará cessou o seu desafogado sussurro, para que, num silencio condignamente majestoso, se pudesse pela vez primeira produzir o imenso talento de Pacheco. No entanto Pacheco não prodigalizou desde logo os seus tesouros. De pé, com o dedo espetado (jeito que foi sempre muito seu), Pacheco afirmou num tom que traía a segurança do pensar e do saber íntimo: ― "que ao lado da liberdade devia sempre coexistir a autoridade!" Era pouco, decerto: ― mas a camará compreendeu bem que, sob aquele curto resumo, havia um mundo, todo um formidável mundo, de ideias solidas. Não volveu a falar durante meses ― mas o seu talento inspirava tanto mais respeito quanto mais invisível e inacessível se conservava lá dentro, no fundo, no rico e povoado fundo do seu ser. O único recurso que restou então aos devotos desse imenso talento (que já os tinha, incontáveis) foi contemplar a testa de Pacheco ― como se olha para o céu pela certeza que Deus está por traz, dispondo. A testa de Pacheco oferecia uma superfície escanteada, larga e lustrosa. E muitas vezes, junto dele, Conselheiros, e Diretores gerais balbuciavam maravilhados: ― "Nem é necessário mais! Basta ver aquela testa!"
Pacheco pertenceu logo às principais comissões parlamentares. Nunca porém acedeu a relatar um projeto, desdenhoso das especialidades. Apenas às vezes, em silencio, tomava uma nota lenta. E quando emergia da sua concentração, espetando o dedo, era para lançar alguma ideia geral sobre a Ordem, o Progresso, o Fomento, a Economia. Havia aqui a evidente atitude de um imenso talento que (como segredavam os seus amigos, piscando o olho com finura) "está à espera, lá em cima, a pairar". Pacheco mesmo, de resto, ensinava (esboçando, com a mão gorda, o voar superior de uma aza por sobre arvoredo copado) que o "talento verdadeiro só devia conhecer as coisas pela rama".
Este imenso talento não podia deixar de socorrer os conselhos da Coroa. Pacheco, numa recomposição ministerial (provocada por uma roubalheira) foi Ministro: ― e imediatamente se percebeu que maciça consolidação viera dar ao Poder o imenso talento de Pacheco. Na sua pasta (que era a da Marinha) Pacheco não fez durante os longos mesas de gerencia "absolutamente nada", como insinuaram três ou quatro espíritos amargos e estreitamente positivos. Mas pela primeira vez, dentro deste regime, a nação deixou de curtir inquietações e duvidas sobre o nosso Império Colonial. Por quê? Porque sentia que finalmente os interesses supremos desse Império estavam confiados a um imenso talento, ao talento imenso de Pacheco.
Nas cadeiras do governo, Pacheco rarissimamente surdia do seu silencio repleto e fecundo. Às vezes porém, quando a oposição se tornava clamorosa, Pacheco descerrava o braço, tomava com lentidão uma nota a lápis: ― e esta nota, traçada com saber e maduríssimo pensar, bastava para perturbar, acuar a oposição. É que o imenso talento de Pacheco terminara por inspirar, nas câmaras, nas comissões, nos centros, um terror disciplinar! Ai desse sobre quem viesse a desabar com cólera aquele talento imenso! Certa lhe seria a humilhação irresgatável! Assim dolorosissimamente o experimentou o pedagogista, que um dia se arrojou a acusar o Senhor Ministro do Reino (Pacheco dirigia então o Reino) de descurar a Instrução do país! Nenhuma incriminação podia ser mais sensível àquele imenso espírito que, na sua frase lapidaria e suculenta, ensinara que "um povo sem o curso dos liceus é um povo incompleto". Espetando o dedo (jeito sempre tão seu) Pacheco esborrachou o homem temerário com esta coisa tremenda: ― "Ao ilustre deputado que me censura só tenho a dizer que enquanto, sobre questões de Instrução Pública, sua excelência, aí nessas bancadas, faz berreiro, eu, aqui nesta cadeira, faço luz!" ― Eu estava lá, nesse esplendido momento, na galeria. E não me recordo de ter jamais ouvido, numa assembleia humana, uma tão apaixonada e fervente rajada de aclamações! Creio que foi daí a dias que Pacheco recebeu a grã-cruz da Ordem de São Tiago.
O imenso talento de Pacheco pouco a pouco se tornava um credo nacional. Vendo que inabalável apoio esse imenso talento dava às instituições que servia, todas o apeteceram. Pacheco começou a ser um Diretor universal de Companhias e de Bancos. Cobiçado pela Coroa, penetrou no Conselho de Estado. O seu partido reclamou avidamente que Pacheco fosse seu Chefe. Mas os outros partidos cada dia se socorriam com submissa reverencia do seu imenso talento. Em Pacheco pouco a pouco se concentrava a nação.
À maneira que ele assim envelhecia, e crescia em influencia e dignidades, a admiração pelo seu imenso talento chegou a tomar no país certas formas de expressão só próprias da religião e do amor. Quando ele foi Presidente do Conselho, havia devotos que espalmavam a mão no peito com unção, reviravam o branco do olho ao céu, para murmurar piamente: ― "Que talento!" E havia amorosos que, cerrando os olhos e repenicando um beijo nas pontas apinhadas dos dedos, balbuciavam com langor: ― "Ai! que talento!" E, para que o esconder? Outros havia, a quem aquele imenso talento amargamente irritava, como um excessivo e desproporcional privilegio. A esses ouvi eu bradar com furor, atirando patadas ao chão: ― "Irra, que é ter talento de mais!" Pacheco no entanto já não falava. Sorria apenas. A testa cada vez se lhe tornava mais vasta.
Não relembrarei a sua incomparável carreira. Basta que o meu caro Senhor Mollinet percorra os nossos anais. Em todas as instituições, reformas, fundações, obras, encontrará o cunho de Pacheco. Portugal todo, moral e socialmente, está repleto de Pacheco. Foi tudo, teve tudo. Decerto, o seu talento era imenso! Mas imenso se mostrou o reconhecimento da sua pátria! Pacheco e Portugal, de resto, necessitavam insubstituivelmente um do outro, e ajustadissimamente se completavam. Sem Portugal ― Pacheco não teria sido o que foi entre os homens: mas sem Pacheco ― Portugal não seria o que é entre as nações!
A sua velhice ofereceu um caráter augusto. Perdera o cabelo radicalmente. Todo ele era testa. E mais que nunca revelava o seu imenso talento ― mesmo nas mínimas coisas. Muito bem me lembro da noite (sendo ele Presidente do Conselho) em que, na sala da Condessa de Arrodes, alguém, com fervor, apeteceu conhecer o que sua excelência pensava de Cânovas del Castilo. Silenciosamente, magistralmente, sorrindo apenas, sua excelência deu com a mão grave, de leve, um corte horizontal no ar. E foi em torno um murmúrio de admiração, lento e maravilhado. Naquele gesto quantas coisas sutis, fundamente pensadas! Eu por mim, depois de muito esgravatar, interpretei-o deste modo: ― "medíocre, meia-altura, o Senhor. Cânovas!" Porque, note o meu caro Senhor Mollinet como aquele talento, sendo tão vasto ― era ao mesmo tempo tão fino!
Rebentou; ― quero dizer, sua excelência morreu, quase repentinamente, sem sofrimento, no começo deste duro inverno. Ia ser justamente criado marquês de Pacheco. Toda a nação o chorou com infinita dor. Jaz no alto de S. João, sob um mausoléu, onde por sugestão do Senhor conselheiro Acácio (em carta ao Diário de Notícias) foi esculpida uma figura de Portugal chorando o Gênio.
Meses depois da morte de Pacheco, encontrei a sua viúva, em Cintra, na casa do Dr. Videira. É uma mulher (asseguram amigos meus) de excelente inteligência e bondade. Cumprindo um dever de português, lamentei, diante da ilustre e afável senhora, a perda irreparável que era sua e da pátria. Mas quando, comovido, aludi ao imenso talento de Pacheco, a viúva de Pacheco ergueu num brusco espanto, os olhos que conservara baixos ― e um fugidio, triste, quase apiedado sorriso arregaçou-lhe os cantos da boca pálida... Eterno desacordo dos destinos humanos! Aquela mediana senhora nunca compreendera aquele imenso talento! Creia-me, meu caro Senhor Mollinet, seu dedicado ― FRADIQUE.
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Fonte:
Eça de Queiroz: "A correspondência de Fradique Mendes"
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
*** *** http://www.poeteiro.com/2021/01/pacheco-e-seu-imenso-talento-cronica-de.html *** ***
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"Pacheco e seu imenso talento" (Crônica), de Eça de Queiroz
1.696 visualizações3 de dez. de 2020
poeteiro
Para ler esta crônica, acesse:
http://www.poeteiro.com/2021/01/pache...
In: "A Correspondência de Fradique Mendes" - Memórias e Notas)
*** *** https://www.youtube.com/watch?v=tve-Te5-6FQ *** ***
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No Estadão: “O impasse de Marco Antonio Villa.”
por Villa | jun 21, 2019 | Estadão
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Confira a entrevista no Estadão ao historiador Marco Antonio Villa.
Por Morris Kachani
18 de junho de 2019 | 19h22
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“Acho que eu fui meio, não vou dizer tolo, mas ingênuo, acreditando que a auto-organização da sociedade civil fosse possível em um país que não tem tradição nisso. Diferente por exemplo, dos EUA, e de alguns países da Europa ocidental; eu imaginei que a mobilização em torno do impeachment e da prisão do Lula produzisse uma organização futura, democrática, republicana, e isso não ocorreu. Aquilo acabou gerando pequenos grupos, grupelhos de extrema-direita, que passaram a negar o processo democrático, negar a Constituição, negar as instituições do Estado Democrático de Direito”.
O professor e historiador Marco Antonio Villa foi um dos protagonistas do movimento anti-petista que levou milhares de pessoas às ruas entre 2015 e 2016, precedendo o impeachment de Dilma. Tornou-se célebre também, o bate-boca que travou com o ex-prefeito Fernando Haddad em 2016.
Sempre pelas ondas da rádio Jovem Pan, Villa incorporou a voz dos insatisfeitos. Pois mudaram-se os governos, mas não o tom crítico e raivoso de Villa. Algo que, ao que tudo indica, lhe valeu um afastamento temporário do emprego. Villa foi comunicado no dia 24 de maio. Primeiramente, a Jovem Pan falou em férias. Mas ele próprio desmentiu. Aguarda-se um desfecho para os próximos dias.
Villa parece estar experimentando na pele: a verve que o alçou ao sucesso, agora o alvejou.
O impasse profissional que está vivendo é um reflexo da cisão que houve justamente, entre a imensa maioria anti-petista que levou Bolsonaro ao Palácio do Planalto. A certa altura, correu o boato de que o próprio presidente havia pedido sua cabeça.
Goste-se ou não, é importante ouvir o Villa. Ele tem uma trajetória de respeito. Mestre em sociologia e doutor em história social pela Universidade de São Paulo, é professor aposentado da Universidade Federal de São Carlos e autor de 19 livros sobre história e política do Brasil.
Você votou no Bolsonaro?
Não, não votei em ninguém. Anulei meu voto. Meu voto tinha um limite de tolerância. Não tinha condições. É muito chato porque a minha geração lutou muito por eleições diretas para presidente. Dá uma dor no coração quando eu sou obrigado a anular um voto. O problema é que a conjuntura não era muito propícia.
Muitos não entenderam minhas críticas ao governo Lula – elas eram políticas, e não pessoais. Quando comecei a fazer críticas em relação ao governo Bolsonaro, estas pessoas falaram, “pô, estamos decepcionados”. Mas outros entendem meu posicionamento.
O Bolsonaro nunca leu um livro. Eu desafio o Bolsonaro a falar que leu um livro de algum liberal. Se falar em Stuart Mill, ele já acha que é algum travesti. Ele não tem a mínima ideia, nós estamos numa coisa assim, pavorosa.
Quando comecei a fazer críticas a Bolsonaro,
muitas pessoas se decepcionaram.
Acha que tem muita gente arrependida por ter votado em Bolsonaro?
Tem, falo com muita gente, grupos de empresários, e as pessoas falam, “estamos arrependidos, mas íamos votar no Haddad?”. Alguns falam assim, “não esperava que ele fosse tão ruim” e outros, “esperava que os militares controlassem o presidente”. As pessoas estão decepcionadas.
Comente a frase “eu sou liberal na economia e conservador nos costumes”.
Tem uma ideia babaca no Brasil de liberalismo. Aqui não existe liberalismo coisa alguma. Se há alguma coisa que a burguesia brasileira não é, é liberal. Política e economicamente. É tudo balela; primeiro, porque ela apoiou todas as ditaduras. Segundo porque, em termos econômicos, quer sempre benesses do Estado. Por exemplo, sobre a renúncia fiscal, ela tem 300 bilhões de reais por ano da União. Então o que eles falam, fazem, é tudo conversa fiada. Basta ver o que é a Fiesp.
A Fiesp tem sindicatos fantasmas. Boa parte dos sindicatos da Fiesp não existe, a Fiesp teve vários presidentes que não eram industriais. A maior parte da elite empresarial do Brasil é picareta. Pega o exemplo desses movimentos, como o Brasil 200, ou o dono da loja Havan – que é um louco, um desequilibrado, um incapaz, um mentiroso.
Os liberais daqui são todos liberais de fancaria. É tudo papo. No campo político idem. Eu gosto muito da expressão que eles usam agora: ‘eu sou liberal na economia e conservador nos costumes’; acho isso fantástico. Acho que isso é maravilhoso. O Bolsonaro pode dizer isso aí, já casou três vezes. Ele é conservador nos costumes.
Então é tudo picaretagem. É que não tem uma oposição, o PT se desmoralizou.
Que luz existe no fim do túnel?
Até agora nenhuma. Porque o PT roubou até o trem e os trilhos. Então, a coisa toda é que não há oposição. Nós estamos vivendo um momento único na história brasileira, único na história republicana. É como se você estivesse sem bússola em alto mar e não pudesse olhar o céu em busca das estrelas. Somos como um navio perdido no meio do oceano e não sabemos para onde vamos.
O governo não tem projeto de governo, só fala de reforma da previdência como se fosse uma monomania religiosa. Sem conseguir trazer uma visão macro da economia. Construiu-se uma ideia de que sem a reforma o Brasil acaba, o que é mentira. Não é que não precisa ter reforma, mas precisa equilibrar a questão fiscal com a questão social.
BPC é de privilegiado? PIS? Aposentadoria Rural? E transformaram o Paulo Guedes em um gênio da raça, o que não é verdade. Paulo Guedes nunca escreveu um livro. Não tem um ensaio, um artigo, um debate no qual ele tenha participado nos últimos 30 anos.
Transformaram o Paulo Guedes em um gênio da raça, o que não é verdade
Paulo Guedes, em alguns momentos, lembra um pouco o Pacheco do Eça de Queiroz, lá da correspondência inédita do Fradique Mendes. Ele tem alguma coisa, algumas características pachequianas, porque ele é um profissional do mercado financeiro. Um especulador. Ficou rico, ganhou muito dinheiro, parabéns, nada contra, mas é só um especulador.
A grande questão é que se tem um governo que não sabe para onde vai o Brasil. A educação está abandonada, com dois ministros desastrosos; em Ciência e Tecnologia, o astronauta tá no espaço, enquanto o Brasil discute a questão do corte de bolsas. Tem o capitão da infraestrutura, o Tarcísio. De resto é tudo patético: é Damares, Ernesto Araújo…
Entrevistamos o professor de Harvard Steven Levitsky, co-autor de “Como as democracias morrem” (Zahar). Ele comentou que o Brasil vive a pior recessão da sua história e o maior escândalo de corrupção entre as democracias.
Desde sempre, e fui processado por isso, insisti muito que o réu oculto do Mensalão era Lula. E que o petrolão é o maior desvio de recursos públicos da história da humanidade. Então de um lado você tem isso, o PT desmoralizou as instituições e o estado democrático.
E hoje vivemos este extremismo de direita que ninguém imaginava que existia no Brasil – porque isso aí é uma coisa recente, tem cerca de dois anos, três anos. Ninguém imaginava que existia um extremismo de direita tão violento no Brasil, tão reacionário, que não é nem liberal nem conservador. É reacionário. Algo que apareceu nos últimos tempos, e é produto da desmoralização das instituições feita pelo PT.
O PT ficou durante 13 anos e 5 meses no poder, e aí entrou o governo Temer, que poderia ter construído algo. Temer prometeu um Ministério de notáveis, mas entregou para Moreira Franco, Eliseu Padilha, Geddel. Então o governo Temer acabou aprofundando, em termos éticos, essa crise construída pelo PT.
A questão é que, quando chegou o processo eleitoral de 2018, veio a figura do Bolsonaro, que conseguiu se mobilizar como única alternativa contra o PT. Porque o PT, apesar de toda a desmoralização, eleitoralmente estava presente, tanto que chegou ao segundo turno com cerca de 45% dos votos, e com Fernando Haddad que é um candidato fraquíssimo. Um candidato forte, evidentemente, teria sido o Lula.
Então o que acabou acontecendo: surgiu uma extrema-direita raivosa, anti-democrática, que sonha com ditadura e que se configura na figura do Bolsonaro, que é um nada.
Bolsonaro não consegue nem organizar esse pensamento da extrema-direita.
O professor de Harvard também comentou que tanto o impeachment como a prisão do Lula enfraqueceram a democracia.
Eu acho o contrário, está redondamente errado. Em termos analíticos, o impeachment foi muito importante. A prisão do Lula simbolicamente foi muito importante para o país, fortaleceu a democracia, porém acho que eu fui meio, não vou dizer tolo, mas ingênuo, acreditando que a sociedade, que a auto-organização da sociedade civil fosse possível em um país que não tem tradição, diferente por exemplo, dos EUA, e de alguns países da Europa ocidental, eu imaginei que a mobilização em torno do impeachment e da prisão do Lula, produzissem uma organização futura, democrática, republicana, e isso não ocorreu. Aquilo acabou gerando pequenos grupos, grupelhos de extrema-direita, que passaram a negar o processo democrático, negar a constituição, negar as instituições do Estado Democrático de Direito.
Você se arrepende de algo?
Pelo que estou falando agora de coisas mais estruturais do meu posicionamento, eu não me arrependo de nada.
Você é um cara de direita?
Nem de direita, nem de centro, nem de esquerda. Eu sou republicano, radical republicano, se fosse possível definir.
É difícil chamar o Lula de esquerda. O Lula, eu brinquei outro dia, nem conhece o Marx, por exemplo. O Lula acha que o Marx é um senhor português que tem um boteco em frente ao sindicato de São Bernardo, que é o Marques com Q-U-E-S. Chamar o PT de esquerda é uma piada no sentido clássico europeu, é nada. E chamar o PSDB de social-democrata, no sentido alemão por exemplo, ou inglês, também não é.
Aqui, a esquerda, o centro, a direita… Não tem. Então eu prefiro ficar no campo republicano, do respeito, da ética, da coisa pública, de ter um projeto nacional, de acreditar que existem condições concretas de ter um crescimento com medidas ousadas.
Como que medidas ousadas, por exemplo?
No Brasil, muito pouca coisa.
O que nós temos hoje, é que apesar de toda a precariedade, as instituições seguem funcionando. ‘Malemá’, mas vão funcionando.
As instituições seguem funcionando. ‘Malemá’, mas vão funcionando
Tanta gente poderosa que nunca esteve presa como agora – isso é uma coisa que tem que ser ressaltada.
Mas é difícil você falar em termos da estrutura política. Teve essa grande renovação, mas será que ela significou uma melhora da qualidade da gestão?
Vamos pegar o Rio de Janeiro, por exemplo: é assustador. O caso do governador do Rio: é um desequilibrado. Nós temos gestores nos Estados, na maior parte dos Estados, de péssima qualidade. Assembléias legislativas horrorosas.
Na Câmara dos Deputados houve uma mudança bastante significativa, mas em termos de qualidade é uma situação desesperadora. Nós perdemos o norte, não sabemos por onde caminhar.
Há um mau humor no país, uma irritação muito grande, que a elite política mal consegue dar conta, com 1/4 da população ativa desempregada – e é bom lembrar que nestes 14 milhões, você tem a geração nem-nem (nem trabalha e nem estuda) que é uma bomba para daqui 20 ou 30 anos.
Borbulha a tensão nas regiões metropolitanas, que nós não conhecemos. Hoje, no século 21, nós não temos explicadores do Brasil como tivemos no século 20; um Sérgio Buarque de Holanda ou um Gilberto Freyre para explicar, por exemplo, as regiões metropolitanas. É uma loucura, São Paulo, Rio, BH, Recife, Fortaleza, Porto Alegre. A tensão que tem nessas enormes regiões metropolitanas, onde você não tem tratamento de água e esgoto, onde há muita violência, onde não há escola, as pessoas têm medo de ir à escola, a presença do aparelho de Estado, quando existe, é através da polícia. São regiões em que há muita tensão.
A impressão que dá é que o Brasil, usando uma imagem gasta, é um barril de pólvora a ponto de explodir.
Muita gente que não está inserida no mercado de trabalho, gente que tem mais de 40 anos e nunca teve um trabalho formal. Não dá para dar um panorama otimista frente ao que estou vendo. Não há articulação no campo político que consiga compreender esta situação, analisá-la e construir alternativas e saídas para isso. Não há interlocutores. O PT em certo momento lá nos anos 80 queria ser o interlocutor das classes populares. Hoje no século 21 é uma piada achar que o PT faz isso. Só que não tem ninguém no lugar do PT, nem no campo à direita.
As universidades poderiam estar colaborando muito para o Brasil, mas elas se omitiram no processo de impeachment, falaram pouco e quando falaram era bobagem. No processo eleitoral de 2018, a participação foi pífia, e agora as universidades, apesar de todos os problemas em relação ao corte de verbas, não oferecem uma participação analítica do que está ocorrendo no país.
Porque é uma coisa difícil de entender, esse Brasil de hoje. Nós nunca tivemos tanto debate político como agora, mas nunca o debate político foi tão pobre, paradoxalmente. Nunca se gostou tanto de política como agora, é verdade, mas nunca o debate político foi tão primário como o que nós vivemos; então é interessante.
Você gosta do Partido Novo?
O interessante do Partido Novo é que eles têm um projeto, e eles têm linhas de pensamento que pretendem adotar nas gestões municipais, estaduais e do governo federal, e da ação política no Parlamento. Eu acho legal, isso é bom, isso é positivo. É legal essa disciplina partidária.
Acho que é saudável nesse sentido, sem entrar no mérito das ideias econômicas que eles defendem, mas ao menos tem uma coerência, tem uma ação organizada com muitos poucos parlamentares, o que mostra uma coisa que eu sempre falo: não precisa ter muito parlamentares, são 513 na Câmara. Se você tiver um 10, 15 que queiram ter uma atuação organizada, você faz barulho.
E o Ciro?
O Ciro Gomes tem um problema terrível que é a instabilidade emocional, que faz com que ele entre em certas divididas, usando as metáforas futebolísticas, que são desnecessárias. Então eu tenho a impressão de que as condições são todas colocadas para o Ciro, ou para alguém mais combativo, e que tem algo a dizer; a bola é cruzada na área. É só chegar e bater. Mas ele não consegue bater, ou ele joga por cima, fazendo uma coisa incrível, ou ele fura, dá uma grande furada. Então o que acontece é que a bola continua circulando, e quem é que pode utlizar, quem é que pode tentar fazer o gol?
E o Centrão?
Aí aparece uma figura exótica, que são os pernas de pau, mas que estão ali, jogando, como outros tantos, que é o Centrão.
Na medida em que há uma ausência de centro-esquerda e de centro-direita no debate político brasileiro, o Centrão, que é difícil de ser definido ideologicamente, é que acaba se posiciona como oposição. Incrível isso. Nós vivemos num momento de um vazio de debate político-ideológico. O governo não consegue se construir em termos políticos e ideológicos. Esse governo é o que? É liberal? É conservador? Em alguns momentos ele é reacionário, que não tem nada a ver com liberal e com conservador. Pra você ver, o Centrão acabou virando oposição.
Incrível isso. O Centrão acabou virando oposição
Você teve um momento entre 2015 e 2016 em que se tornou mais conhecido pelos ataques ao PT.
Eu sempre segui minha leitura de que o PT ia ser um desastre para o país. Quando veio o governo Temer, ainda na transição e depois no início de 2017, eu cheguei até a participar de algumas reuniões. Eu não ia lá para ganhar nada e nem tinha nenhum interesse pecuniário de fazer negócios com o Estado, de prestar serviço, nada disso, eu continuava fazendo todas as minhas coisas, eu ia lá e falava que eu tô falando para você, como eu falo em qualquer lugar minhas opiniões e sugestões ao governo.
Mas resolvi não participar mais daquilo quando veio o escândalo JBS. Foi um impacto.
O que dá para ser dito sobre esse episódio da Jovem Pan?
A grande questão é que eu fiquei muito triste com isso, achei um ato desleal, e claro que eu tô pensando o que eu vou fazer daqui para frente, mas dei uma resposta ao menos para o meu público. Quando eu digo ‘meu público’ é muita pretensão, mas já passei dos 117.000 inscritos em duas semanas de canal no YouTube e ainda nem fiz grandes campanhas. Estou fazendo em média cinco vídeos por dia.
Foram quantos anos na Jovem Pan?
4 anos e meio. Muita gente telefonou, protestou com meu afastamento. No meu caso a repercussão foi fabulosa. Eles não esperavam. Não vamos nomear, mas outros que saíram, não aconteceu nenhuma repercussão. Recebi milhares de apoios, recebi telefonemas de prefeitos, governadores, deputados, de dois ministros do STF.
Qual acha que foi o estopim?
Não foi a primeira vez que me falaram que eu precisava tirar férias. Parece meio a União Soviética
Acho que foi pelo conjunto. Não foi a primeira vez que me falaram que eu precisava tirar férias. Nos últimos três meses, isso era sistemático. Parece meio a União Soviética. Na União Soviética quando alguém sumia, oficialmente era ‘desaparecido’, era ‘forte gripe’. Eu fui ‘readequação administrativa’, que é o que está escrito na carta de afastamento temporário que recebi. Fiquei muito puto da vida, achei uma deslealdade com todo trabalho, com toda a seriedade que eu sempre levei ao serviço. Essa questão de não faltar, de estar presente. Eu acordava sempre às 4 da manhã, lia todos os jornais, os sites, entrava ligado no ar. Saía morto, em condições lamentáveis. Cheguei a fazer coberturas contínuas com quase 16 horas no ar, como no episódio em que o Lula foi preso. E naquele dia, o canal da Jovem Pan teve 12 milhões de visualizações. Agora nas eleições fiquei 11 horas consecutivos no ar, nem ao banheiro eu fui, de tão ligado que estava. Eu tenho compromisso com quem me ouve.
Para conferir no Estadão:
https://brasil.estadao.com.br/blogs/inconsciente-coletivo/o-impasse-de-marco-antonio-villa/
Fonte: BLOG DO VILLA
*** *** http://www.blogdovilla.com.br/politica-no-brasil/no-estadao-o-impasse-de-marco-antonio-villa/ *** ***
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