sábado, 27 de maio de 2017

A MORTE NO ENVELOPE

Segundo Carpeaux, “não há nada que seja tão interessante como a explicação de um crime misterioso. Não há nada que contribua com eficiência maior para divertir os espíritos preocupados nestes tempos difíceis”.




95. A MORTE NO ENVELOPE
LUIZ LOPES COELHO (1911- ? | Brasil)

O escritor Luiz Lopes Coelho por Cássio Loredano - Cássio Loredano / Agência O GLOBO


A descoberta do envenenamento da esposa, "ignorante, insensível e gorda criatura", fez o marido, Sílvio Cardenacci, dar com os costados na Penitenciária, obrigando-o a substituir seu avental de médico por uma espécie de pijama de zuarte.
Outro presidiário, um jovem advogado, falsificara o testamento de abastado cliente para impedir que a herança passasse às mãos da viúva, indigna de recebê-la, segundo afirmava, porque traía o marido. .. Acrescendo-se a essa espantosa fidelidade profissional um estelionato contra determinado banco, encontram-se as razões por que Armando Sinval usava, diariamente, o mesmo pijama azulado.
O mundo dos criminosos também é pequeno. Embora procurasse disfarçar, Sinval perturbou-se quando Cardenacci entrou, acompanhado do vice-diretor do presídio.
- O Conselho Penitenciário permitiu a convivência de dois sentenciados na mesma cela. Vocês ficarão juntos. Ambos são formados por curso superior, o que facilitará a vida comum e auxiliará o trabalho de recuperação. Cardenacci teve ótimo comportamento no estágio e, por isso, a diretoria atendeu ao seu pedido: prestará serviços como enfermeiro categorizado. Você, Sinval, continuará na secretaria. Felicidades na nova vida de casal...
Os dois homens sorriram, mas Sinval, artificioso, como se obedecesse a pedido de fotógrafo.
Cardenacci levou o saco de roupas para o canto da cela. O outro sentou-se à beira da cama. Enfrentavam com receio o início do diálogo, porém, dentro em pouco, as palavras foram escapando, soltas e preguiçosas; depois começaram a agrupar-se com mais ligeireza e, quando conquistavam o vaivém de conversa, a campainha estridulou "silêncio". Cardenacci abafou um "boa noite".
Se as palavras de Sinval pareceram filtradas por uma tela de cuidados, os pensamentos, ao contrário, desabalavam, impulsionados pela memória. Tinham provindo os óbices verbais da desarmonia entre o que falava e o que pensava. Livre, agora, do encargo oral, ordenou as idéias, como jogador arruma as cartas no início do jogo.
Cardenacci não o reconhecera. Recordou-se de todos os pormenores da consulta. Que tarde horrível! Descrevera ao médico a sensibilidade retardada da epiderme, a dormência das pernas. Mostrara-lhe as manchas escuras. Depois de demorado exame, o médico fizera correr sobre a pele uma pena de ave na pesquisa de índices sensíveis. A reação da vacina feita no antebraço não acusara vermelhidão em torno do ponto injetado. Embora fosse necessário, ainda, um exame do muco nasal, o médico, desajeitado, cedera às instâncias de Sinval, anunciando: lepra. Saiu aturdido do inferno branco que era o consultório de Cardenacci. Andou pelas ruas, mais desertas com a noite, julgando ver nos olhares dos raros transeuntes a aversão provocada por um leproso. Cada problema de sua vida, um aperto de angústia. Repeliu o beijo dos filhos. Repudiou o leito conjugal. Escusas claudicantes despertaram suspeitas. Insônia nas noites imensas. Rondou-lhe o espírito a idéia de suicídio, logo afugentada, porém, pela antevisão da família na miséria.
Outro plano acampou no seu cérebro. A ameaça do nenhum espólio fertilizou o projeto de uma apropriação indébita. Foi então que cometera as primeiras falcatruas, a princípio bem-sucedidas. As pequenas vantagens embolsadas, porém, não lhe apaziguaram o desespero. Coube a um velho amigo, tornado confidente, sugerir novo médico, novos exames. Apático, Sinval deixou o companheiro dirigir-lhe os passos, e, ao fim de dois dias, encheu-se de vida e de sorrisos: vacina negativa, exames negativos! Cardenacci errara o diagnóstico.
Sinval nunca meditara sobre certos aspectos de seu caso criminal; o encontro com Cardenacci, entretanto, ressuscitou a memória de antigas emoções. Recordou-se de que cometera o primeiro delito - germe de todos os outros - porque se supunha um leproso. Racionalizando, passou a ver em Cardenacci o responsável pelas soluções criminosas que adotara. Quando a exaustão lhe abateu as pálpebras, perseverava ainda em fortificar-se com as lembranças.
Passaram-se calmas semanas, mas um dia Cardenacci foi encontrado morto na cela: envenenado com veronal. Suicidara-se o médico. Havia furtado o tóxico do laboratório, ingerindo-o na cela, antes da chegada de seu companheiro. Suicidara-se o médico, na aparência, por considerar insuficiente, como acontece a outros, a condenação imposta pela sociedade. ..
Que Sinval se entristecesse com o acontecimento era compreensível; mas os diretores da Penitenciária não entendiam seu estranho comportamento: prestou informações no inquérito sob forte crise emocional; tornou-se agitado, nervoso; procurava a solidão, evitando falar no caso.
Intrigado com isso, o diretor chamou ao presídio o velho Leite, delegado de polícia, conhecido pelos seus excepcionais dotes de criminalista.
Atravessando o último pórtico da Penitenciária, o delegado levantou os olhos e leu a inscrição no alto: "Aqui, o trabalho, a disciplina e a bondade resgatam a falta cometida e reconduzem o homem à comunhão social." A frase era mais escorreita, concisa, elegante do que verdadeira. Pensou nos reincidentes, nos crimes cometidos dentro dos próprios presídios, na idéia obsessiva de fuga, inquietando a mente de cada sentenciado... Teria prolongado a divagação, se não lhe aparecesse a figura do diretor, o abraço derramado, a poltrona de couro macio. Logo, a pressurosidade das palavras:
- Tenho um caso interessantíssimo. Só você poderá resolvê-lo. Nunca esquecerei a ajuda que você me deu na descoberta do crime do refeitório. Além de tudo, investigar e descobrir é sua função e seu prazer.
Narrou a morte de Cardenacci com pormenores, informando ter descoberto as causas do suicídio: o médico recebia, com freqüência, cartas de uma moça que se assinava "Neusa", e de um amigo "Álvaro". Deduzira, pela correspondência, ter-se Cardenacci apaixonado por uma jovem da alta sociedade, com quem pretendia casar-se, quando conseguisse eliminar a esposa. Neusa comprometera-se demais na aventura e queixava-se, nas cartas, de sua situação. Dizia amá-lo e ser capaz de aguardar o livramento condicional ou mesmo o cumprimento da pena... mas vivia temerosa do escândalo iminente. Álvaro, o amigo, acompanhava a vida de Neusa. Exasperara-se a moça com os problemas psicológicos e familiares que lhe atormentavam a existência, e, numa tarde, seu corpo foi achado na praia. No dia em que recebeu essa notícia, numa carta de Álvaro, Cardenacci matou-se.
- O que não se entende em toda essa história, meu caro Leite, é a reação de Sinval. Tornou-se inquieto, excitado, deficiente no trabalho. Come pouquíssimo, emagreceu demais. Foi surpreendido pelo guarda da noite a chorar convulsamente. Irrita-se quando alguém fala no suicídio. Não comenta o fato, não diz uma palavra. Não conseguimos estabelecer relação alguma entre Cardenacci e Sinval. Nem tampouco houve entre eles o menor incidente. Sentimos, porém, que há qualquer coisa. A reação de Sinval é anormal e desnorteante.
- Não há pista nenhuma?
- Nenhuma.
- Então, se há qualquer coisa, está escondida na cabeça do homem. Se ele se acha abatido, como você me disse, poderei aplicar um velho truque que me tem ajudado em situações semelhantes. Vamos tentar o golpe. Você me apresentará a Sinval como o delegado de polícia encarregado do inquérito sobre o suicídio. Eu farei o resto.
Tilintou a campainha, o guarda entrou e recebeu a ordem. Voltou acompanhado de Armando Sinval. Pálido, o olhar baço, arrastando as pernas, desinteressado de tudo. Alertou-se, e um certo viço revestiu os olhos, quando soube quem era o seu interlocutor. O delegado falou com energia e decisão:
- Armando Sinval: comunico-lhe que procedi a investigações sobre o suicídio de Cardenacci. Descobri tudo. Espero, agora, suas explicações. Vamos.
Sinval recuou, como se alguém o tivesse empurrado. Uma pausa silenciosa. O presidiário respirou fundo e depois respondeu mansamente:
- Nunca pensei que a coisa chegasse a esse extremo. Os senhores, naturalmente, desejam saber a causa, já que descobriram tudo. Eu me intoxiquei com a lembrança dos dias mais 'horrorosos da minha vida. Tudo por culpa de Cardenacci.
Contou, então, o erro de diagnóstico, os padecimentos durante o período em que se considerava um leproso, os seus delitos. Concluiu:
- A presença de Cardenacci despertou em mim o desejo de vingança. Passei a acreditar que estava encarcerado por culpa dele. Então, eu. .. O resto os senhores já sabem.
Entreolharam-se os dois homens. Não sabiam de nada. Que ocultaria a mente do sentenciado? Que papel teria desempenhado na morte de Cardenacci? Do velho Leite partiu a isca novamente:
- Como conseguiu você fazer o que fez?
- Naturalmente os senhores compreenderão que me era fácil executar o serviço. Além de minha habilidade, meu cargo na secretaria ajudou bastante, é claro.
E o homem calou-se de novo. Continuava a ronda do mistério. Se não estivesse tão prostrado, e por isso sem perspicácia, Sinval teria notado a ansiedade do diretor. O delegado mantinha-se firme e natural. O condenado perguntou:
- Estou dispensado?
O velho Leite lançou o último arpão: - Ainda não, Sinval. Necessitamos de sua confissão completa. Embora o assunto já esteja esclarecido, você é obrigado a relatar tudo quanto fez. Isso é necessário para apurarmos se há cúmplices no caso.
- Não senhor, de modo algum. Fiz tudo sozinho. Na secretaria, ao receber as cartas, eu separava as que eram dirigidas a Cardenacci por Neusa e Álvaro. Durante o dia, eu as substituía por outras, por mim falsificadas. Colocava as falsas no expediente da distribuição e inutilizava as verdadeiras. Inventei o suicídio de Neusa. Nunca pensei que Cardenacci se matasse. Eu queria, apenas, que ele sofresse alguns dias como eu sofri...

O livro A Morte no Envelope do paulista Luiz Lopes Coelho é apresentado, em outras antologias, como "o primeiro volume de contos policiais escrito em nosso idioma" (o que não é acurado: esta primazia cabe a Medeiros e Albuquerque, com o seu Se eu Fosse Sherlock Holmes). Foi lançado pela antiga Civilização Brasileira - que lançaria mais tarde seu segundo livro O Homem que Matava Quadros - e recebeu críticas boas de leitores bem-dotados como Otto Maria Carpeaux, que escreveu sobre ele uma ótima resenha no Correio da Manhã. Um dos pioneiros do gênero entre nós, sua presença nesta antologia se fazia necessária.



O HOMEM MAU! (MAU MESMO) – 1968

O HOMEM MUITO MAU MESMO!
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"O Homem Mau"
Léo Canhoto e Robertinho
Composição: Léo Canhoto E Robertinho

"Atenção crianças, não fiquem na rua!
O terrível Homem Mau está ali no bar.

Eu sou o homem mau, eu sou mau, mau mesmo
Vendeiro traz cachaça com farinha pra todos

Vamos logo, Mistura esse negocio ai, é pra todo mundo beber
Onde vai moço?
Eu vou indo embora, eu nunca bebi (tiro)
E nem vai beber

E você ai, como é seu nome?
Meu nome é Pedro (tiro)
Era Pedro, agora é Defunto. Hahahahaaaaaaaa

Sua cara muito feia dava medo até de ver
Quando entrava na cidade dava tiros pra valer
Não tinha nenhum amigo, só vivia pra matar
Certa vez numa vendinha veja o que foi se passar:

Quem é o dono dessa porcaria aqui?
Sou eu, senhor
Então, ta dormindo? Traz Wisky logo.
Não tem Wisky.
O que é que eu bebo então?
Bebe leite!
Quem bebe leite é bezerro!(tiro)
Toma!Aprenda a respeitar o homem mau.

E essa mulher de quem é?
Essa mulher é minha!(tiros)
Era sua, agora é minha! Hahahahahahahaaaaaa

Certa vez mais um bandido apareceu no povoado
Pra matar o Homem Mau ele veio contratado
O Homem Mau falou pra ele:
-Você veio me matar! A madeira do caixão você já pode encomendar

Então você veio me matar não é? Quem é você?
Eu sou o famoso Billy Gancho porque?(tiro)
Pronto. Era Billy Gancho, agora é Defunto Gancho.Hahahahahahahaaaaaa

Todos tem seu dia certo, todos tem seu fim marcado
Pra acabar com o Homem Mau veio de longe um delegado
Os dois homens frente a frente lá na rua se encontraram
O Homem Mau e o delegado desse jeito conversaram

Então você é o delegado que veio acabar comigo? Qual é o seu nome delegado?
Meu nome é JUSTIÇA. Você está preso Homem Mau.
Hahahahahahahaaaaaa...Quem é você para me prender delegado? Fique sabendo que eu sou o Homem Mau, Mau.(tiros)
É você era o Homem Mau, agora é Defunto Mau.

A justiça sempre vence
Terminou aquela intriga
O Homem Mau amanheceu com a boca cheia de formiga
Lá na sua sepultura escreveram com desdenho:
"O Homem Mau morreu deitado e não faz falta pra ninguém"


Referência

https://ogimg.infoglobo.com.br/in/21045277-4ed-81b/FT460A/65627176_SC-O-escritor-Luiz-Lopes-Coelho-por-Cassio-Loredano.jpg
https://oglobo.globo.com/cultura/livros/critica-contos-reunidos-de-luiz-lopes-coelho-21045274
file:///C:/Users/User/Desktop/Os%20100%20Melhores%20Contos%20de%20Crime%20e%20Mist%C3%A9rio%20da%20Literatura%20Universal%20-%20Fl%C3%A1vio%20Moreira%20Da%20Costa%20(3).pdf

https://www.e-livros.xyz/imagens/livros/os-100-melhores-contos-de-crime-e-mistrio-da-literatura-universal-flvio-moreira-da-costa.jpg

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