Forças ocultas na política terão que se civilizar,
diz Giannotti
Professor de filosofia diz que não se governa com
ameaças e que vitória de Bolsonaro levará conservadores a moderação
Mario Cesar Carvalho | Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - A eventual eleição de Jair Bolsonaro
(PSL) vai jogar conspiradores e golpistas na dança política, afirma José Arthur
Giannotti, 88, um dos mais influentes professores de filosofia do país, que já
deu aulas na USP, da qual se aposentou, e na Universidade Columbia, em Nova
York.
E essa é uma boa notícia, segundo ele. "A
grande sorte dessas eleições foi trazer para a política as forças ocultas”,
disse à Folha. "Com isso, elas vão se moderar. Você não governa com
ameaças nem se mostra publicamente como bandido. Eles serão obrigados a se
civilizar."
Um dos primeiros intelectuais a dizer que os tucanos
caminhavam para a morte, em 2014, Giannotti afirma que não há chance de
renascimento do PSDB, partido do qual já foi considerado um ideólogo informal.
Mas defende que um partido de centro é essencial. "Para conter o discurso
e a prática velha do PT. E para conter essa onda que acredita na violência pela
violência."
Ele elogia o desmonte do sistema político provocado
pela onda conservadora por achar que ela abrirá a estrutura extremamente
fechada. Ele nem esperou o repórter perguntar para começar a falar.
Nós estávamos numa negação política. O Congresso
fechado nele mesmo, armado para se reproduzir. O governo isolado, incapaz de
enfrentar as crises econômicas e sociais. Estávamos num fechamento total. E a
Lava Jato denunciando, num processo jurídico-político, na medida em que atua
juridicamente mas com intenções políticas. Sua intenção é jogar uma bomba
atômica no processo político.
• Por que a polaridade PT-PSDB foi varrida?
Foi varrida porque ao PSDB faltaram lideranças,
faltou se renovar. Quando você chega ao [João] Doria, que é pura aparência, é o
fim. Nós vivemos numa sociedade do espetáculo, mas com o Doria você só tem
espetáculo, não tem conteúdo político. O PSDB ficou dividido entre o Alckmin e
o Doria. Do outro lado, o PT levou o país a uma recessão brutal por causa de
uma série de equívocos econômicos. Esta eleição recupera e amplia 2013
[movimento contra alta de tarifas de transporte que depois começou a questionar
a agenda dos partidos e a eficiência do Estado].
• O que o sr. achou do resultado das eleições?
Estou contente porque esse movimento
antidemocrático, que é profundo e ocorre no mundo inteiro, representa o
capitalismo atual, que é o capitalismo de conhecimento. Isso exige uma
universidade que faça pesquisa, e o lulismo transformou a universidade num processo
de ascensão social: você sai de secretária 3 para secretária 1. Os tucanos
também fizeram isso em SP.
A eleição trouxe essa violência toda para o jogo
político. Nós temos uma violência insustentável: morre mais gente aqui do que
na guerra da Síria. A eleição foi um banho de soda cáustica revelando as
nervuras da real luta política.
• Essa onda conservadora tem relação com a
violência?
Evidente. Mas é também uma reação violenta. Não
esqueça também que o PT achava todo mundo que não fosse petista um canalha,
golpista. A violência na política não está apenas no lado fascista, mas está do
lado do populismo. Ao trazer a violência para a disputa, você traz inclusive os
milicos para a política. Em vez de ficarem conspirando entre eles, uma parte da
conspiração vai para a política. Porque a conspiração vai continuar.
• Há perigo de golpe?
Esse perigo diminuiu. Agora tem menos risco de golpe
porque as pessoas que eram golpistas encapuzadas passaram a ser golpistas
dentro da dança política. Viraram parte da instituição. O golpe pode vir no
impeachment do Bolsonaro. Em seis meses ele não vai ter essa aprovação que tem
porque não vai resolver a crise econômica. Está todo mundo assustado, mas o
resultado é bom.
• Não há razão para susto?
Pelo contrário. Temos que fincar as nossas razões
democráticas e começar a combater as causas dessa violência toda. O país está
se preparando para sair da crise com crescimento de 1,5%, como se estivéssemos
no século 19. Quais são essas causas? O petismo imaginou que existia um
capitalismo brasileiro com características diferentes do mundial. Isso não dá
num capitalismo de conhecimento.
• O PSDB pode renascer?
Não. O fundamental é que renasça o centro. Porque
não existe política sem centro. Para conter o discurso e a prática velha do PT.
E, por outro lado, para conter essa onda que acredita na violência pela
violência.
• Por que o voto nos extremos?
O eleitor foi para os extremos porque ele
raivosamente se apegou às promessas do PT, que foram frustradas. Essa raiva faz
parte da tradição política, mas ela piorou. Nunca vi tanta violência, nem em
1964. Porque agora há muito ódio. E a violência está dos dois lados. Muitas
vezes os que são contra Bolsonaro têm uma violência bolsonarista.
• Há outras razões para o voto nos extremos?
Há. O eleitor vive num mundo violento e acha que só
a violência resolve. Para acabar com a violência, ele acha que é bandido na
cadeia ou morto. Isso não funciona no mundo real. Você só resolve isso criando
instituições democráticas. Você tem de criar empregos, tem de esclarecer como
será a reforma da Previdência e acabar com vantagens.
• Quais vantagens?
As vantagens do funcionalismo, como auxílio-moradia.
Quando você tira as vantagens, dizem que estão tirando direitos. Desculpe, mas
estão tirando vantagens. Sou beneficiário disso também. Todos nós tivemos
aposentadoria integral na USP. Eu me lembro quando estava construindo esta
casa, eu peguei o [o filósofo francês Michel] Foucault e ia levá-lo para a faculdade
[de Filosofia], mas tive que passar na obra. O Foucault perguntou: “Você tem
bens pessoais, herança? Porque um professor na França jamais faria uma casa
desse tipo”. Todo mundo tinha esses privilégios na USP. Há benefícios para
militares, professores e juízes que nenhum país do mundo tem. Isso tem de
acabar.
• Dá para pacificar o país?
A grande sorte dessas eleições foi trazer para a
política as forças ocultas. Com isso, elas vão se moderar. Você não governa com
ameaças nem se mostra publicamente como um bandido. Eles serão obrigados a se
civilizar. Não dá para ter também um país tão pobre. Isso não é mais tolerável.
• Bolsonaro ataca mulheres, negros, gays e
indígenas. Isso significa um retrocesso comportamental ou ele fala por um
Brasil que é conservador mesmo?
Uma parte do país é conservadora. Mas esse discurso
é uma estratégia, uma forma de se mostrar como durão. Isso pode ter
repercussões muito ruins. Uma coisa é um deputado dizer que não estupra uma
deputada porque ela é feia. Se um presidente disser isso, sofre impeachment.
Esse comportamento é inaceitável para um presidente. Ou ele muda ou cai. Na
eleição tínhamos que escolher entre duas crises.
• Quais?
A crise que vem junto com Bolsonaro, com violência e
não democracia, ou o impeachment por estelionato eleitoral do PT. Tudo indica
que, pelo plano de governo que o Lula tinha montado, não daria para cumprir as
promessas. O Brasil está encalacrado e só vai desatar quando o sistema político
ficar mais moderno e democrático. Antes estava inteiramente fechado. Agora
desarrumou tudo. Que bom!
http://gilvanmelo.blogspot.com/2018/10/forcas-ocultas-vao-ter-de-se-moderar.html#more
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