Na sua condição de marxista, ele
se situa no lado oposto ao elitismo aristocrático de Nietzsche e escolhe
identificar-se com os "danados da Terra", os que jazem sob as rodas
desses carros majestosos e magníficos chamados Civilização ou Progresso.
Imbricação estreita entre a
modernidade e a barbárie
"Ele não podia ver na
evolução da técnica outra coisa a não ser o progresso das ciências naturais e
não a regressão social [...]. As energias que a técnica desenvolve para além
desse limite são destrutivas. Colocam em primeira linha a técnica da guerra e
sua preparação pela imprensa"
História a contrapelo
‘(...) ou seja, do ponto de vista dos vencidos — contra
a tradição conformista do historicismo alemão cujos partidários entram sempre
"em empatia com o vencedor" — Tese VII (...)’
O erro de Benjamin?
Na realidade, uma interpretação dialética e não evolucionista da
história, levando em conta ao mesmo tempo os progressos e as regressões — como
fizeram Benjamin e seus amigos da Escola de Frankfurt — pode fundamentar-se em
vários escritos de Marx.
No entanto, é verdade que ela entra em conflito com as interpretações
dominantes do materialismo histórico, desenvolvidas no curso do século XX.
O que Habermas pensa ser um erro é precisamente a fonte do valor
singular da filosofia benjaminiana da história e sua capacidade de compreender
um século caracterizado pela imbricação estreita entre a modernidade e a
barbárie.
A filosofia da história de Walter Benjamin
Michael Löwy
ESTAMOS habituados a classificar as diferentes filosofias da história em
consonância com seu caráter progressista ou conservador, revolucionário ou
nostálgico em relação ao passado. Walter Benjamin escapa a tais classificações.
Trata-se de um crítico revolucionário da filosofia do progresso, um adversário
marxista do "progressismo", um nostálgico do passado que sonha com o
futuro.
A recepção de Benjamin, sobretudo na França, interessou-se
prioritariamente pela vertente estética de sua obra, com certa propensão a
considerá-lo, sobretudo, historiador da cultura ou crítico literário. Ora, sem
negligenciar esse aspecto, se faz necessário evidenciar o alcance muito mais vasto
de seu pensamento, o qual visa nada menos que uma nova compreensão da história
humana. Os escritos sobre arte ou literatura só podem ser compreendidos em
relação a essa visão de conjunto a iluminá-los de seu interior.
A filosofia da história de Walter Benjamin bebe em três fontes
diferentes: o romantismo alemão, o messianismo judeu e o marxismo. Não é uma
combinatória ou "síntese" dessas três perspectivas (aparentemente)
incompatíveis, mas a invenção, a partir delas, de uma nova
concepção, profundamente original.
A expressão "filosofia da história" pode induzir a erro. Não
há, em Benjamin, um sistema filosófico: toda sua reflexão toma a
forma do ensaio ou fragmento — quando não se
trata da citação pura e simples, com passagens retiradas de
contexto e colocadas a serviço de sua própria dinâmica. Qualquer tentativa de
sistematização é, portanto, problemática e incerta. As breves notas a seguir
são apenas algumas pistas de pesquisa.
* * *
Na literatura sobre Benjamin, deparamo-nos, freqüentemente, com dois
erros simétricos, que devem ser evitados a todo custo: o primeiro consiste em
dissociar, por meio de uma operação (no sentido clínico do termo) de
"corte epistemológico", a obra de juventude "idealista" e
teológica da "materialista" e revolucionária da maturidade; o
segundo, em contrapartida, encara sua obra como um todo homogêneo e não leva
absolutamente em consideração a alteração profunda trazida, por volta dos anos
20, pela descoberta do marxismo. Para compreender o movimento do
seu pensamento, é preciso, pois, considerar simultaneamente a continuidade de
certos temas essenciais e as diversas curvas e rupturas que pontilham sua
trajetória intelectual e política.
Poderíamos tomar como ponto de partida a conferência de 1914 sobre
"A Vida dos Estudantes" que apresenta, de chofre, algumas das
principais linhas de força de tal trajetória. As observações que abrem esse
ensaio contêm uma amostra surpreendente de sua filosofia messiânica da história:
Confiante no infinito do tempo, certa concepção da história discerne
apenas o ritmo mais ou menos rápido, segundo o qual homens e épocas avançam no
caminho do progresso. Donde o caráter incoerente, impreciso, sem rigor, da
exigência dirigida ao presente. Aqui, ao contrário, como sempre têm feito os
pensadores, apresentando imagens utópicas, vamos considerar a história à luz de
uma situação determinada que a resume em um ponto focal. Os elementos da
situação final não se apresentam como tendência progressista informe, mas, a
título de criações e idéias em enorme perigo, altamente desacreditadas e
ridicularizadas, incorporam-se de maneira profunda a qualquer presente [...]
Essa situação [...] só é apreensível na sua estrutura metafísica, como o reino
messiânico ou a idéia revolucionária, no sentido de 89 (1).
Imagens utópicas — messiânicas e revolucionárias — contra a
"informe tendência progressista": estão aí colocados, em resumo, os
termos do debate que Benjamin realizará ao longo de toda a sua obra. Como vai
se articular, mais tarde, essa primeira intuição com o materialismo histórico?
É a partir de 1924, quando lê História e consciência de classe,
que o marxismo vai gradualmente se tornar um elemento-chave da concepção da
história. Em 1929, Benjamin se refere ainda ao ensaio de Lukacs como um dos
raros livros que permanecem vivos e atuais: "A obra mais acabada da
literatura marxista. Sua singularidade se fundamenta na segurança com a qual
apreendeu, de um lado a situação crítica da luta de classes na situação crítica
da filosofia e, de outro, a revolução, a partir de agora concretamente madura,
como a pré-condição absoluta, ou até mesmo a realização e a conclusão do
conhecimento teórico" (2).
Esse texto mostra qual é o aspecto do marxismo que mais interessa a
Benjamin e vai aclarar com uma luz nova sua visão do processo histórico: a
luta de classes. No entanto, o materialismo histórico não vai substituir
suas intuições "anti-progressistas", de inspiração romântica e
messiânica; vai se articular com elas, ganhando, dessa
maneira, uma qualidade crítica que o distingue radicalmente do marxismo
"oficial" dominante na época.
Tal articulação se manifesta pela primeira vez no livro Sens
unique, escrito entre 1923 e 1926, onde se encontra, sob o título
"Avertisseur d'incendie", essa premonição histórica das ameaças do
progresso: se a derrubada da burguesia pelo proletariado "não se realiza
antes de um momento quase calculável da evolução técnica e científica (indicado
pela inflação e pela guerra química), tudo está perdido. É preciso cortar o
pavio que queima antes que a faísca atinja a dinamite" (3).
Contrariamente ao marxismo evolucionista vulgar, Benjamin não concebe a
revolução como o resultado "natural" ou "inevitável" do
progresso econômico e técnico (ou da "contradição entre forças e relações
de produção"), mas como a interrupção de uma evolução histórica
que conduz à catástrofe.
É porque percebe esse perigo catastrófico que Benjamin invoca o pessimismo em
seu artigo de 1929 sobre o surrealismo, um pessimismo revolucionário que não
tem nada a ver com a resignação fatalista e ainda menos com o Kulturpessimismus alemão,
conservador, reacionário e pré-fascista (Carl Schmitt, Oswald Spengler, Moeller
van der Bruck): o pessimismo aqui está a serviço da emancipação das classes
oprimidas. Sua preocupação não é o "declínio" das elites ou da nação,
mas as ameaças que o progresso técnico e econômico promovido pelo capitalismo
faz pesar sobre a humanidade.
Nada parece mais ridículo aos olhos de Benjamin que o otimismo dos
partidos burgueses e da social democracia, cujo programa político não é outra
coisa que "um mau poema de primavera". Contra esse "otimismo sem
consciência", esse "otimismo de diletantes", inspirado pela
ideologia do progresso linear, ele descobre no pessimismo o
ponto de convergência efetiva entre surrealismo e comunismo (4). É evidente que não se trata de um
sentimento contemplativo, mas de um pessimismo ativo,
"organizado", prático, inteiramente dedicado ao objetivo de
impedir, por todos os meios possíveis, a chegada do pior.
Perguntamo-nos a que pode se referir o conceito de pessimismo aplicado
aos comunistas: sua doutrina em 1928, celebrando os triunfos da construção do
socialismo na URSS e a queda iminente do capitalismo, não é precisamente um
belo exemplo de ilusão otimista? De fato, Benjamin tomou emprestado o conceito
de "organização do pessimismo" de uma obra qualificada por ele como
"excelente", La révolution et les intellectuels(1926), do
comunista dissidente Pierre Naville. Próximo dos surrealistas (tinha sido um
dos redatores da revista La Révolution Surréaliste), Naville fizera
naquele momento a opção do engajamento político no partido comunista francês e
queria dividi-la com seus amigos.
Ora, para Pierre Naville, o pessimismo, que constitui "a fonte do
método revolucionário de Marx", é o único meio de "escapar às
nulidades e às desventuras de uma época de compromisso". Recusando o
"grosseiro otimismo" de um Herbert Spencer — a quem gratifica com o amável
qualificativo de "cérebro monstruosamente diminuído" — ou de um
Anatole France, cujas "infames brincadeiras" não suporta, conclui:
"é preciso organizar o pessimismo", "a organização do
pessimismo" é a única palavra de ordem que nos impede de enfraquecer (5).
Torna-se inútil precisar que tal apologia apaixonada do pessimismo era
muito pouco representativa da cultura política do comunismo francês na época.
De fato, Pierre Naville seria logo excluído (1928) do partido: a lógica de seu
anti-otimismo o conduzirá às fileiras da oposição comunista de esquerda
("trotskista"), da qual se tornará um dos principais dirigentes.
A filosofia pessimista da história de Benjamin se manifesta de maneira
particularmente aguda em sua visão do futuro europeu: "Pessimismo em toda
a linha. Sim, na verdade, e totalmente. Desconfiança quanto ao destino da
literatura, desconfiança quanto ao destino da liberdade, desconfiança quanto ao
destino do homem europeu, mas sobretudo desconfiança tripla diante de qualquer
acomodação: entre as classes, entre os povos, entre os indivíduos. E confiança
ilimitada apenas na I. G. Farben e no aperfeiçoamento pacífico da
Luftwaffe" (6).
Essa visão crítica permite a Benjamin perceber — intuitivamente, mas com
uma estranha acuidade — as catástrofes que esperavam a Europa, perfeitamente
resumidas na frase irônica sobre a "confiança ilimitada".
Evidentemente, mesmo ele, o mais pessimista de todos, não podia prever as
destruições que a Luftwaffe iria infligir às cidades e populações civis
européias; e ainda menos imaginar que a I. G. Farben , passados apenas 12 anos,
se destacaria pela fabricação do gás Ziklon B utilizado para
"racionalizar" o genocídio, e que suas fábricas empregariam, na casa
das centenas de milhares, a mão-de-obra de prisioneiros de campos de
concentração. Entretanto, único entre os pensadores e dirigentes marxistas
daqueles anos, Benjamin teve a premonição dos monstruosos desastres que podia
engendrar a civilização industrial/burguesa em crise.
É sobretudo no Livro das passagens parisienses e nos
diferentes textos dos anos 1936-40 que Benjamin vai desenvolver sua visão da
história, dissociando-se, de modo mais ou menos radical, das "ilusões de
progresso" hegemônicas no seio do pensamento de esquerda alemã e européia.
Em um artigo publicado em 1937 na célebre Zeitschrift für
Sozialforschung, a revista da Escola de Frankfurt (já exilada nos Estados
Unidos), dedicado ao historiador e colecionador Eduard Fuchs, ele ataca o
marxismo social democrata, mistura de positivismo, evolucionismo darwinista e
culto do progresso: "Ele não podia ver na evolução da técnica outra coisa
a não ser o progresso das ciências naturais e não a regressão social [...]. As
energias que a técnica desenvolve para além desse limite são destrutivas.
Colocam em primeira linha a técnica da guerra e sua preparação pela
imprensa" (7).
O objetivo de Benjamin é aprofundar e radicalizar a oposição entre o
marxismo e as filosofias burguesas da história, aguçar seu potencial
revolucionário e elevar-lhe o conteúdo crítico. É nesse espírito que define, de
maneira decisiva, a ambição do projeto das Passagens parisienses:
"Podemos considerar também como finalidade seguida metodologicamente neste
trabalho a possibilidade de um materialismo histórico que tenha aniquilado (annihiliert)
em si mesmo a idéia de progresso. É justamente se opondo aos hábitos do
pensamento burguês que o materialismo histórico encontra suas fontes" (8). Tal programa não implicava qualquer
"revisionismo", mas, ao contrário, como Karl Korsch tentara fazer em
seu próprio livro — uma das principais referências de Benjamin — um retorno ao
próprio Marx.
Benjamin estava consciente de que essa leitura do marxismo mergulhava
suas raízes na crítica romântica da civilização industrial, mas estava
convencido de que Marx também tinha se inspirado nessa fonte. Encontra um apoio
para tal interpretação heterodoxa das origens do marxismo em Karl Marx (1938)
de Korsch: "De modo muito acertado e não sem nos fazer pensar em Maistre e
Bonald, Korsch diz o seguinte: 'Assim, na teoria do movimento operário moderno,
também, há uma parte da "desilusão" que, depois da grande Revolução
francesa, foi proclamada pelos primeiros teóricos da contra-revolução e, em
seguida, pelos românticos alemães e que, graças a Hegel, teve forte influência
sobre Marx'" (9).
A formulação mais espantosa e radical da nova filosofia da história —
marxista e messiânica — de Walter Benjamin se encontra, indubitavelmente,
nas Thèses sur le concept d'histoire, de 1940, um dos
documentos mais importantes do pensamento revolucionário desde as Teses
sobre Feuerbach, de 1845.
A exigência fundamental de Benjamin é escrever a história a contrapelo,
ou seja, do ponto de vista dos vencidos — contra a tradição
conformista do historicismo alemão cujos partidários entram sempre "em
empatia com o vencedor" — Tese VII (10).
É evidente que a palavra "vencedor" não faz referência a
batalhas ou guerras habituais, mas à "guerra de classes", na qual um
dos campos, a classe dirigente, "não cessou de vencer" (Tese VII) os
oprimidos — desde Spartacus, o gladiador rebelde, até o grupo Spartacus de Rosa
de Luxemburgo, e desde o Imperium romano até o TertiumImperium nazista.
O historicismo se identifica enfaticamente (Einfühlung) com as
classes dominantes. Ele vê a história como uma sucessão gloriosa de altos fatos
políticos e militares. Fazendo o elogio dos dirigentes e prestando-lhes
homenagem, confere-lhes o estatuto de "herdeiros" da história
passada. Em outros termos, participa — como essas pessoas que levantam a coroa
de louros acima da cabeça do vencedor — de um "cortejo triunfal em que os
senhores de hoje caminham por sobre o corpo dos vencidos" (Tese VII).
A crítica que Benjamin formula contra o historicismo se inspira na
filosofia marxista da história, mas tem também origem nietzschiana. Em uma obra
de juventude, Da utilidade e da inconveniência da história (citada
na Tese XII), Nietzsche ridiculariza a "admiração nua pelo sucesso"
dos historicistas, sua "idolatria do factual" (Götzerdienste des
Tatsächlichen) e a tendência a se inclinarem diante da "pujança da
história". Já que o Diabo é o senhor do sucesso e do progresso, a
verdadeira virtude consiste em insurgir-se contra a tirania da realidade e
nadar contra a corrente histórica.
Existe uma ligação evidente entre esse panfleto de Nietzsche e a
exortação de Benjamin para escrever a história gegen den Strich. No
entanto, as diferenças não são menos importantes: enquanto a crítica
nietzschiana ao historicismo se faz em nome da "Vida" ou do
"Indivíduo heróico", a de Benjamin fala em nome dos vencidos. Na sua
condição de marxista, ele se situa no lado oposto ao elitismo aristocrático de
Nietzsche e escolhe identificar-se com os "danados da Terra", os que
jazem sob as rodas desses carros majestosos e magníficos chamados Civilização
ou Progresso.
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Rejeitando o culto moderno da Deusa Progresso, Benjamin coloca no centro
de sua filosofia da história o conceito de catástrofe. Em uma das
notas preparatórias às Teses de 1940, observa: "A
catástrofe é o progresso, o progresso é a catástrofe. A catástrofe é o contínuo
da história" (11). A assimilação de progresso e
catástrofe tem, antes de mais nada, uma significação histórica: do
ponto de vista dos vencidos, o passado não é senão uma série interminável
de derrotas catastróficas. A revolta dos escravos, a guerra dos
camponeses, junho de 1848, a Comuna de Paris e o levante berlinense de janeiro
de 1919 são exemplos que aparecem freqüentemente nos escritos de Benjamin, para
quem "esse inimigo não parou de vencer" (Tese VI). Essa equação, no
entanto, tem também uma significação eminentemente atual, porque,
"nesta hora, o inimigo ainda não parou de triunfar" (Tese VI,
tradução para o francês do próprio Benjamin): a derrota da Espanha republicana,
o pacto Molotov-Ribbentrop, a vitoriosa invasão nazista na Europa.
O fascismo ocupa, evidentemente, um lugar central na reflexão histórica
de Benjamin nas Teses. Para ele, não é um acidente da história, um
"estado de exceção", qualquer coisa impossível no século XX, um
absurdo do ponto de vista do progresso: rejeitando tal tipo de ilusão, Benjamin
reclama "uma teoria da história a partir da qual o fascismo possa ser
percebido" (12), ou seja, uma teoria que compreenda que
as irracionalidades do fascismo são apenas o avesso da racionalidade
instrumental moderna. O fascismo leva às últimas conseqüências a combinação
tipicamente moderna de progresso técnico e regressão social.
Enquanto Marx e Engels tinham tido, segundo Benjamin, "a intuição fulgurante"
da barbárie por vir, em seu prognóstico sobre a evolução do capitalismo (13), seus epígonos do século XX foram
incapazes de compreender uma barbárie moderna e, portanto, de
resistir eficazmente a ela — barbárie industrial, dinâmica, instalada no
coração mesmo do progresso técnico e científico.
Procurando as raízes, os fundamentos metodológicos de tal incompreensão
catastrófica, que contribuiu para a derrota do movimento operário alemão em
1913, Benjamin ataca a ideologia do progresso em todos os seus componentes: o
evolucionismo darwinista, o determinismo de tipo científico-natural, o otimismo
cego — dogma da vitória "inevitável" do partido — e a convicção de
"nadar no sentido da corrente" (o desenvolvimento técnico). Em uma
palavra, a crença confortável em um progresso automático, contínuo, infinito,
fundado na acumulação quantitativa, no desenvolvimento das forças produtivas e
no crescimento da dominação sobre a natureza. Ele crê descobrir por detrás de
tais manifestações múltiplas um fio condutor que submete a uma crítica radical:
a concepção homogênea, vazia e mecânica (como um movimento de relojoaria) do
tempo histórico.
Contra essa visão linear e quantitativa, Benjamin opõe uma
percepção qualitativa da temporalidade, fundada, de um lado,
na rememoração, de outro na ruptura
messiânica/revolucionária da continuidade. A revolução é o
"correspondente" (no sentido baudelairiano da palavra) profano da
interrupção messiânica da história, da parada messiânica do devir"(Tese
XVII): as classes revolucionárias, escreve na Tese XV, estão conscientes, no
momento da ação, de "romper o contínuo da história". A interrupção
revolucionária é, portanto, a resposta de Benjamin às ameaças que faz pesar
sobre a espécie humana a perseguição da tempestade maléfica chamada
"Progresso", uma tempestade que acumula ruínas e prepara catástrofes
novas (Tese XII). Corria o ano 1940, um pouco antes de Auschwitz e Hiroshima...
Para Habermas, existe uma contradição entre a filosofia da história de
Benjamin e o materialismo histórico. O erro de Benjamin foi, segundo ele, ter
querido impor — "como um capuz de monge sobre a cabeça" — ao
materialismo histórico de Marx, "que leva em conta progressos não somente
no campo das forças produtivas, mas também da dominação", O erro de
Benjamin (14).
Na realidade, uma interpretação dialética e não evolucionista da
história, levando em conta ao mesmo tempo os progressos e as regressões — como
fizeram Benjamin e seus amigos da Escola de Frankfurt — pode fundamentar-se em
vários escritos de Marx. No entanto, é verdade que ela entra em conflito com as
interpretações dominantes do materialismo histórico, desenvolvidas no curso do
século XX. O que Habermas pensa ser um erro é precisamente a fonte do valor
singular da filosofia benjaminiana da história e sua capacidade de compreender
um século caracterizado pela imbricação estreita entre a modernidade e a
barbárie.
Notas
1 Benjamin, W. "La Vie des
Étudiantes" (1915), em Mythe et violence (Paris: Lettres
Nouvelles, 1971), p. 37.
4 __________
"Le Surréalisme. Le Dernier Instantané de l'Intelligence
Européenne", Mythe et violence, p. 312.
6 Benjamin, W., "Le
Surréalisme", p. 312.
9 __________ Ibid., p.
820.
10 As citações das "Thèses sur la
Philosophie de l'Histoire" foram, na maioria das vezes, tiradas da
tradução de Maurice de Gandillac em Poésie et révolution (Paris:
Lettres Nouvelles, 1971).
11 Benjamin, W. Gesammelte
Schriften, I, 3, p. 1244 (notas preparatórias para as Teses).
12 __________ Gesammelte
Schriften, I, 3, p. 1244 (notas preparatórias).
13 __________ Gesammelte
Schriften, II, 2, p. 488.
14 Habermas, J. "L'actualité de
W. Benjamin. La critique: Prise de Conscience ou Préservation", Revue
d'Esthétiquenº 1, p. 121, (1981).
Michael Löwy estudou Ciências Sociais na Universidade de
São Paulo (USP) e doutorou-se na Sorbonne sob orientação de Lucien Goldmann.
Vive em Paris desde 1969 e é autor de vários livros, dentre eles, La
théorie de la révolution chez le jeune Marx (Maspero); Método
dialético e teoria política (Paz e Terra); Para uma sociologia
dos intelectuais revolucionários (Ciências Humanas); Ideologias
e ciência social (Cortez); As aventuras de Karl Marx contra o
barão de Münchhausen (Busca Vida).
Tradução de Gilberto P. Passos. O original em francês — La philosophie de l'histoire de Walter Benjamin — encontra-se à disposição do leitor no IEA-USP para eventual consulta.
Palestra feita pelo autor em 28 de janeiro de 2002 na sede do Instituto de ESTUDOS AVANÇADOS da USP.
Tradução de Gilberto P. Passos. O original em francês — La philosophie de l'histoire de Walter Benjamin — encontra-se à disposição do leitor no IEA-USP para eventual consulta.
Palestra feita pelo autor em 28 de janeiro de 2002 na sede do Instituto de ESTUDOS AVANÇADOS da USP.
José
de Souza Martins* || O futuro sem poesia
Eu & Fim de Semana / Valor Econômico
Estamos
vendo aqui, nestes dias, mudanças na concepção de economia e nas leis que
definem uma nova concepção de trabalho: a do trabalho desencarnado, o trabalho
sem corpo, a produção sem gente. Máquinas que funcionam sozinhas para produzir
o pão que não terá quem o coma. O impoético que se apossa de corações e mentes,
a pátria de poesia expatriada.
Estamos vendo mudanças na concepção de economia e nas
leis que definem o trabalho desencarnado: Máquinas que funcionam sozinhas para
produzir o pão que não terá quem o coma
Karl Marx, que atormenta os poderosos que não o leram ou
os que, simplesmente a culpa social os faz odiá-lo, foi poeta. Um vitoriano, de
culta família israelita, convertida ao protestantismo, batizado na Igreja
Luterana. Em face dos poemas de qualidade aquém do poético, seu pai sugeriu-lhe
que desistisse dos versos.
Tornou-se, porém, um dos fundadores da ciência social, a
da corrente poética da utopia. Desenvolveu um método científico. Descobriu e
expôs que o movimento da sociedade contemporânea se caracteriza pela
contradição de se tornar cada vez mais rica e mais pobre. É crescentemente
calculista e antipoética e, ao mesmo tempo, cada vez mais carente de poesia.
Descobriu e explicou que o afã do ganho sem limite tem
uma fragilidade: a mercantilização da vida não consegue subjugar a poesia na
lógica perversa, irracional, alienante do mercado e do consumismo. Toda poesia
vivencial é resistência e rebelião.
Um dos aspectos fascinantes dessa ciência singular é o da
redescoberta da poesia nos nichos da opressão, da pobreza de espírito e da
alienação que nos obrigam a mentir para nós mesmos para que a sociedade se
reproduza. A poesia abrigada no campo do possível e no desafio político de
libertá-la. A poesia dos pequenos poemas, como o de Giuseppe Ungaretti, que foi
professor de literatura italiana na USP: "A imensidão me ilumina",
traduzo livremente. Ou o primeiro poema espacial, o do russo Yuri Gagarin:
"A terra é azul!".
Em seu livro "O 18 de Brumário de Luís
Bonaparte", fez Marx esta menção utópica à poesia: "A revolução
social do século XIX não pode tomar sua poesia do passado, mas apenas do
futuro". Não pode haver poesia em sociedades de carências e de degradação
humana. É o ocultado possível que desafia os humanos a transformá-las.
Em outro livro, "A Ideologia Alemã", em
parceria com Friedrich Engels, protestante e empresário industrial em
Manchester, Marx dá conteúdo histórico a esse futurismo poético, o da sociedade
que, ao realizar a superação das necessidades sociais, possibilitará a cada um
"fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar de manhã, pescar à tarde,
pastorear à noite, fazer crítica depois da refeição, e tudo isto a meu
bel-prazer, sem por isso me tornar exclusivamente caçador, pescador ou
crítico."
Seria a poesia do homem emancipado das necessidades
decorrentes do trabalho alienante. A poesia do trabalho só carece da práxis
criativa e transformadora que a liberte para a vida, pois já se antecipa nas
brechas cotidianas do vivido.
Em países como o nosso, numa hora de encolhimento das condições
sociais para a poesia das superações, cabe a dúvida que Vera Zasúlich,
militante populista russa, apresentou ao mesmo Marx, em carta famosa. Queria
saber se era possível a revolução social numa sociedade atrasada, como a russa,
que ainda não fora transformada pela industrialização. Marx respondeu com um
talvez, que vale também para nós, modernos e atrasados, na sociedade, na
economia e até na política.
As fantasias dos agentes e políticos da economia do
finalmente da produção, sem as cautelas do entretanto da distribuição,
respondem pelas ciladas que nos põem todo o tempo à beira do abismo. No
desemprego e no subemprego do nosso subcapitalismo está a contrapartida suicida
dessa desatenção.
Os cursos de economia poderiam tratar da verdadeira história
econômica, não só a das grandes e criadoras iniciativas econômicas e
tecnológicas de aumento de produção e lucro. Mas também a do trabalho humano
que a ciência e a tecnologia dispensam. E ensinar que é esse o abismo que
separa o capitalismo não integrativo de si mesmo.
A esquerda já deitou e rolou com discursos sobre a
extração da mais-valia, o trabalho que parece pago mas não o é, enquanto fonte
da acumulação de capital. Mas se omite sobre outra noção contida em "O
Capital", de Marx: menos-valia, a desacumulação. É o fracasso do capital
sem responsabilidade social e de dirigentes sem consciência científica das
contradições sociais que os empreendimentos geram, como essa. É que ignoram que
o mero crescimento econômico sem desenvolvimento econômico e social é o da
economia que cresce encolhendo. Cresce para alguns e encolhe para outros. Há
até mesmo uma territorialidade desse duplo movimento, que lhes dá o alerta da
visibilidade: centro e periferia, regiões ricas e regiões pobres.
Estamos vendo aqui, nestes dias, mudanças na concepção de
economia e nas leis que definem uma nova concepção de trabalho: a do trabalho
desencarnado, o trabalho sem corpo, a produção sem gente. Máquinas que
funcionam sozinhas para produzir o pão que não terá quem o coma. O impoético
que se apossa de corações e mentes, a pátria de poesia expatriada.
*José de Souza Martins é sociólogo. Pesquisador Emérito
do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de
“Moleque de Fábrica” (Ateliê Editorial).
ZONA DA MATA
Caso
Goldoni: três réus são condenados e um é absolvido em Juiz de Fora
Jovem foi encontrado morto em 2014 após confusão em
boate. Sentença foi divulgada no fim da manhã desta sexta (23).
Por G1 Zona da Mata
23/08/2019 09h43
Caso
Goldoni chega ao quarto dia de julgamento — Foto: Bárbara Guimarães
Chegou ao fim o julgamento sobre a morte de Matheus
Goldoni no Tribunal do Júri, em Juiz de Fora. A pronúncia da sentença pelo
juiz Paulo Tristão ocorreu no fim da manhã de sexta-feira (23), no Fórum
Benjamin Colucci.
No inquérito da Polícia Civil, que foi concluído em
setembro de 2015, além dos indiciados por homicídio duplamente qualificado, um
flanelinha também foi acusado de falso testemunho. Duas pessoas reconheceram o
rapaz e disseram que ele estava perto do local do crime, mas o acusado negou o
fato durante toda a investigação.
O Ministério Público (MP) recebeu o inquérito e o
devolveu solicitando a reconstituição, que foi realizada em duas fases, entre
novembro de 2015 e janeiro de 2016.
Ilusões
Dsorden
Eu pensei em quantas vezes perdidas
Situações submissas vidas homicidas
Prazeres em conserva me fazem
Querer encontrar perdão
Situações submissas vidas homicidas
Prazeres em conserva me fazem
Querer encontrar perdão
Passagens inseguras, desconhecidas
Meus pés me levam para a terra prometida
No labirinto o meu delírio tá em
Alta e é a mais nova sensação
Meus pés me levam para a terra prometida
No labirinto o meu delírio tá em
Alta e é a mais nova sensação
Tudo não passa de ilusão, a verdade é uma mentira
Contada na televisão. Veia marginal caia na real
Não dê moral para os paga pau. Linha de frente
Raciocínio, contravenção. Eu sou formado pelas ruas
Em subversão. Não me intimido, eu sou quem sou e não abro mão
Sigo forte e luto pela libertação
Contada na televisão. Veia marginal caia na real
Não dê moral para os paga pau. Linha de frente
Raciocínio, contravenção. Eu sou formado pelas ruas
Em subversão. Não me intimido, eu sou quem sou e não abro mão
Sigo forte e luto pela libertação
O que restou já não mais me importa
E sem querer muitas vezes você se sabota
O tempo não perdoa ele chega e
Devora tudo a sua volta
E sem querer muitas vezes você se sabota
O tempo não perdoa ele chega e
Devora tudo a sua volta
Você se esconde do mundo lá fora
E o que se faz uma hora sempre vem, retorna
O mundo cobra e não adianta
Tomar doses diárias de revolta
E o que se faz uma hora sempre vem, retorna
O mundo cobra e não adianta
Tomar doses diárias de revolta
Abram os olhos escravos da situação
Chegou a hora de mostrar quem vocês são
Abra a mente e fuja dessa prisão
Não dê ouvidos para os formadores de opinião
Que distorcem a realidade e a sua visão
Disseminando o ódio e a estagnação
Buscando no medo o alimento pra alienação
O futuro tá na sua mão, na sua mão
Chegou a hora de mostrar quem vocês são
Abra a mente e fuja dessa prisão
Não dê ouvidos para os formadores de opinião
Que distorcem a realidade e a sua visão
Disseminando o ódio e a estagnação
Buscando no medo o alimento pra alienação
O futuro tá na sua mão, na sua mão
Você já percebeu que o mundo é feito de transformações
Eu já não sou mais eu me deixei levar pelas frustrações
Hoje eu meu entreguei sem lutar para especulações
E no final eu vi que tudo não passava de ilusões
Eu já não sou mais eu me deixei levar pelas frustrações
Hoje eu meu entreguei sem lutar para especulações
E no final eu vi que tudo não passava de ilusões
“A
contrapelo”. A concepção dialética da cultura nas teses de Walter Benjamin
(1940)
Michael
Löwy
Resumo
A partir de uma leitura original e inventiva da VII tese
sobre o conceito de história (1940), de Walter Benjamin, o objetivo principal
deste artigo é debater a possibilidade e a necessidade de uma concepção
dialética da cultura. Inspirando-se em exemplos concretos da história latino-americana,
o autor demonstra a atualidade da necessidade – proclamada por Benjamin– de
“escovar a história a contrapelo”, concebendo-a do ponto de vista dos vencidos,
em oposição à história oficial do “progresso”, cuja identificação com as
classes dominantes oculta o excedente utópico inscrito nas lutas dos oprimidos
do passado e do presente.
Palavras-chave
Walter Benjamin; Dialética da cultura; História a
contrapelo; tradição dos oprimidos
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Referências
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https://www.cifraclub.com.br/dsorden/ilusoes/letra/
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