sexta-feira, 16 de agosto de 2019

25. UM EPISÓDIO EM PLENO TERROR



HONORÉ DE BALZAC 


An Episode Under the Terror, by Honoré de Balzac


Balzac novo em folha




Novamente o autor da Comédia Humana. Aqui ele nos remete à Era do Terror da Revolução Francesa, e nos traz de volta esta velha pergunta incômoda: um crime, por ser do sistema (já que mesmo uma revolução, depois de instalada, ela necessariamente se institucionaliza), deixa de ser crime? Sobre a gênese do conto: em 1830, num dos "anos românticos" do autor, e aproveitando a onda de livros bem vendidos sobre a Revolução Francesa, o jovem escritor, e mais Lhéritier de l'Ain (autor verdadeiro das Memórias de Vidocq, o ex- bandido e chefe da Polícia Francesa), conseguiram um adiantamento de um editor (que teve de extrair o livro dos dois a fórceps, quase que página por página...) e escreveram as Memórias de Sanson, que vinha a ser esse Sanson o carrasco-chefe que executou Luís XVI. Fracasso de vendas, aliás. Mais tarde, a parte escrita por Balzac foi incluída nas suas obras completas. E agora, ei-la aqui.

A 22 de janeiro de 1793, por volta das oito da noite, uma senhora descia, em Paris, a rápida colina que termina defronte à Igreja Saint-Laurent, no subúrbio de Saint-Martin. Havia nevado tanto durante todo o dia que pouco se ouviam os passos. As ruas estavam desertas. O medo bastante natural que inspirava o silêncio tornava-se ainda maior com todo o terror que fazia então gemer a França; ademais a velha senhora ainda não havia encontrado pessoa alguma; sua visão enfraquecida de há muito não lhe permitia aliás enxergar ao longe, à luz dos lampiões, alguns passantes esparsos como sombras na imensidão daquele subúrbio. Ela seguia corajosamente por aquela solidão, como se sua idade fosse um talismã capaz de preservá-la de todo o mal. Quando atravessou a rua dos Mortos, imaginou distinguir o passo firme e pesado de um homem que andava atrás dela. Achou que não era a primeira vez que ouvia aquele ruído; assustou-se por ter sido seguida e tentou ir ainda mais depressa a fim de chegar a uma loja suficientemente iluminada, esperando poder confirmar, na luz, as suspeitas que lhe assaltavam. Assim que se viu no raio de luz horizontal que partia da loja, virou bruscamente a cabeça e vislumbrou uma forma humana no nevoeiro, aquela visão indistinta foi o bastante, ela cambaleou por um momento sob o peso do terror do qual foi tomada, pois então não mais duvidava de que tivesse sido escoltada pelo desconhecido desde o primeiro passo que havia dado fora de casa, e o desejo de fugir de um espião lhe deu forças. Incapaz de raciocinar, dobrou o passo, como se pudesse se livrar de um homem necessariamente mais ágil que ela. Após ter corrido por alguns minutos, chegou à loja de um confeiteiro e caiu, mais do que se sentou, numa cadeira colocada diante do balcão. No momento em que ela fez estalar o trinco da porta, uma moça ocupada em bordar ergueu os olhos, reconheceu, através dos quadrados da vidraça, a manta de forma antiga e de seda violeta na qual a velha senhora se envolvia, e apressou-se a abrir uma gaveta como para apanhar algo que deveria entregar-lhe. Não apenas o gesto e a fisionomia da moça exprimiram o desejo de se desembaraçar prontamente da desconhecida, como se se tratasse de uma dessas pessoas que não se vê com prazer, mas ainda deixou escapar uma expressão de impaciência ao encontrar a gaveta vazia. Então, sem olhar para a senhora, ela saiu precipitadamente do balcão, encaminhou-se para os fundos da loja e chamou seu marido, que apareceu de imediato.

- Mas onde foi que você botou...? - perguntou-lhe com ar de mistério, indicando-lhe a velha senhora com o olhar e sem acabar a frase.

Embora o confeiteiro nada pudesse ver além do imenso gorro de seda negra envolvido por laços em seda violeta que servia de chapéu para a desconhecida, ele desapareceu depois de ter lançado à sua mulher um olhar que parecia dizer: - Você acha que vou deixar aquilo em seu balcão?. .. Surpresa com o silêncio e a imobilidade da velha senhora, a comerciante voltou para perto dela. E, ao vê-Ia, sentiu-se tomada por um impulso de compaixão ou talvez também de curiosidade. Ainda que a tez daquela mulher fosse naturalmente lívida como a de uma pessoa devotada a austeridades secretas, era fácil reconhecer que uma emoção recente ali alastrara uma palidez extraordinária. Seu chapéu estava colocado de forma a esconder-lhe os cabelos, sem dúvida embranquecidos pela idade, pois a limpeza da gola de seu vestido anunciava que ela não usava pó. Esta falta de enfeites emprestava a seu rosto uma espécie de severidade religiosa. Seus traços eram graves e orgulhosos. Antigamente, as maneiras e os hábitos dos poderosos eram tão diferentes dos que tinham as pessoas pertencentes às outras classes, que se adivinhava facilmente quem era nobre. A moça estava portanto convencida de que a desconhecida era uma personalidade e que tinha pertencido à corte.

- Senhora? .. - disse-lhe ela involuntariamente e com respeito, esquecendo-se de que aquele tratamento estava proscrito.

A velha senhora não respondeu. Ela mantinha os olhos fixos na vitrina da loja, como se um objeto aterrador houvesse sido ali desenhado.

- O que tem, cidadã? - perguntou o dono do estabelecimento que reapareceu de imediato.

O cidadão confeiteiro tirou a senhora de seu devaneio, estendendo-lhe uma pequena caixa de cartolina coberta de papel azul.

- Nada, nada, meus amigos - respondeu ela com voz suave.

Ela ergueu os olhos para o confeiteiro como para lhe dar um olhar de agradecimento, mas ao vê-lo com uma boina vermelha na cabeça, deixou escapar um grito.

- Ah! Vocês me traíram?

A moça e seu marido responderam com um gesto de horror que fez corar a desconhecida, fosse por haver suspeitado deles, fosse por prazer.

- Desculpem-me - disse ela então com doçura infantil. Depois, tirando um luís de ouro de seu bolso, apresentou-o ao confeiteiro.

Há uma indigência que os indigentes sabem adivinhar. O confeiteiro e sua mulher se olharam e se apontaram à velha dama, comunicando-se um mesmo pensamento. Aquele luís de ouro devia ser o último. As mãos da senhora tremiam ao oferecer aquela moeda, que ela contemplava com dor e sem avareza; mas ela parecia conhecer toda a extensão do sacrifício. O jejum e a miséria estavam gravados naquele rosto em traços tão legíveis quanto os do medo e dos hábitos ascéticos. Havia em suas roupas vestígios de magnificência. Tratava-se de seda usada, uma manta limpa, embora envelhecida, rendas cuidadosamente remendadas, enfim, os farrapos da opulência! Os comerciantes, divididos entre a piedade e o interesse, começaram por aliviar sua consciência em palavras.

- Mas, cidadã, você parece bem fraca ...

- A senhora não precisaria tomar alguma coisa? - disse a mulher cortando a frase do marido.

- Temos um caldo muito bom - disse o confeiteiro.

- Está muito frio, a senhora talvez tenha se sentido mal ao andar, mas pode descansar aqui e esquentar-se um pouco.

- Não somos tão feios quanto o diabo - exclamou o confeiteiro.

Conquistada pelo tom de benevolência que animava as palavras dos caridosos comerciantes, a senhora confessou que fora seguida por um homem e que tinha medo de voltar sozinha para casa.

- É só isso? - disse o homem de boina vermelha. - Espere por mim, cidadã.

Ele deu o luís a sua mulher. Então, comovido por esta espécie de reconhecimento que se insinua na alma de um comerciante quando ele recebe um preço exorbitante por uma mercadoria de valor medíocre, ele foi vestir seu uniforme de guarda nacional, apanhou seu chapéu, empunhou seu fuzil e reapareceu em armas. Mas sua mulher tivera tempo para refletir. Como em muitos outros corações, a Reflexão fecha a mão aberta da Benevolência. Inquieta e receando ver seu marido em algum mau negócio, a mulher do confeiteiro tentou puxá-lo pela aba da roupa para detê-lo, mas, obedecendo a um sentimento de caridade, o corajoso homem ofereceu-se imediatamente à velha senhora para escoltá-la.

- Parece que o homem do qual a cidadã tem medo ainda está rondando a loja -disse precipitadamente a moça.

- Receio que sim - disse inocentemente a senhora.

- E se for um espião? Se for uma conspiração? Não vá, e toma de volta a caixa ... Estas palavras, sopradas no ouvido do confeiteiro por sua mulher, gelaram a coragem súbita da qual ele estava possuído.

- Ah! Vou dizer a ele duas palavras e livrá-la dele em dois tempos - exclamou o confeiteiro abrindo a porta e saindo com precipitação.

A velha senhora, passiva como uma criança e quase abobalhada, voltou a sentar-se na cadeira. O honesto comerciante não tardou a reaparecer; seu rosto, bastante vermelho ao natural e ainda mais colorido pelo fogo do forno, tornara-se repentinamente pálido. Um pavor tão grande o agitava que suas pernas tremiam e seus olhos pareciam os de um homem bêbado.

- Quer que nos cortem o pescoço, aristocrata miserável?. . . - exclamou ele com fúria. - Trate de desaparecer, nunca mais apareça por aqui e não conte comigo para colaborar com nenhuma conspiração!

Ao final destas palavras, o confeiteiro tentou retomar da velha senhora a pequena caixa que ela havia posto num dos bolsos. Foi só as mãos audaciosas do confeiteiro tocarem suas roupas e a desconhecida, preferindo entregar-se aos perigos do caminho sem outro defensor além de Deus a perder o que acabava de comprar, reencontrou a agilidade de sua juventude. Atirou-se para a porta, abriu-a bruscamente e desapareceu diante dos olhos da mulher e do marido estupefatos e trêmulos. Assim que a desconhecida se viu do lado de fora, pôs-se a andar depressa; mas suas forças logo a traíram, pois ela ouviu o espião pelo qual era impiedosa mente seguida fazendo gritar a neve que esmagava com seu passo pesado. Foi obrigada a parar, ele parou. Ela não ousava falar-lhe, nem olhá-lo, fosse por conseqüência do medo pelo qual estava tomada, fosse por falta de inteligência. Ela continuou seu caminho seguindo lentamente, o homem diminuiu então o passo de modo a ficar a uma distância que lhe permitisse vigiá-Ia. O desconhecido parecia ser a própria sombra daquela velha senhora. Nove horas soaram quando o casal silencioso voltou a passar defronte à igreja de Saint-Laurent. Faz parte da natureza de todas as almas, mesmo da mais enferma, que um sentimento de calma suceda a uma agitação violenta, pois, se os sentimentos são infinitos, nossos órgãos são limitados. Assim, a desconhecida, não ressentindo qualquer mal de seu pretenso perseguidor, quis ver nele um amigo secreto desejoso de protegê-Ia. Reuniu todas as circunstâncias que acompanharam as aparições do estranho como para encontrar motivos plausíveis para esta opinião consoladora e teve então prazer em reconhecer nele mais boas do que más intenções. Esquecendo o pavor que aquele homem acabava de inspirar ao confeiteiro, ela prosseguiu então com passo firme pelas regiões superiores do subúrbio Saint-Martin. Após meia hora de caminhada, chegou a uma casa situada junto ao entroncamento formado pela rua principal do bairro e aquela que leva à barreira de Pantin; esse local é ainda hoje um dos mais desertos de toda a Paris. O vento norte, passando sobre as colinas de Saint-Chaumond e Belleville, sibilava através das casas, ou melhor, das cabanas, dispersas naquele vale quase desabitado onde as cercas são muralhas feitas com terra e ossos. Aquele lugar desolado parecia ser o asilo natural da miséria e do desespero. O homem que se empenhava na perseguição da pobre criatura, ousada o bastante para atravessar à noite aquelas ruas silenciosas, pareceu chocado com o espetáculo que se oferecia a seus olhos. Ficou pensativo, de pé e numa atitude de hesitação, fracamente iluminado por um lampião cuja luz indecisa mal rompia o nevoeiro. O medo deu olhos à velha senhora, que imaginou perceber algo sinistro nos traços do desconhecido. Ela sentiu seus terrores despertarem e aproveitou a espécie de incerteza que detinha o homem para esgueirar-se no escuro para a porta da casa solitária. Ela fez girar uma mola e desapareceu com uma rapidez fantasmagórica. O andarilho, imóvel, contemplava aquela casa, que de algum modo representava o tipo das miseráveis habitações daquele subúrbio. Aquela cambaleante choupa-na construída em alvenaria era revestida por uma camada de gesso amarelado, tão trincada que se temia vê-Ia cair ao menor esforço do vento; o telhado de telhas marrons e coberto de flocos curvava-se em diversos pontos, de modo a fazer crer que iria ceder ao peso da neve. Cada andar tinha três janelas cujos caixilhos, apodrecidos pela umidade e empena-dos pela ação do sol, anunciavam que o frio devia penetrar nos quartos. Aquela casa isolada parecia uma velha torre que o tempo esquecera de destruir. Uma luz fraca clareava as vidraças que cortavam irregularmente a mansarda pela qual terminava aquela pobre construção, enquanto o resto da casa se encontrava em completa escuridão. Não sem dificuldade a velha subiu a escadaria rude e grosseira, ao longo da qual havia como apoio uma corda à guisa de corrimão. Bateu misteriosamente à porta do cômodo que se encontrava na mansarda e sentou-se com precipitação sobre a cadeira que lhe foi indicada por um velhote.

- Esconda-se, esconda-se! - disse-lhe ela. - Embora só saiamos muito raramente, nossas andanças são conhecidas, nossos passos são seguidos.

- O que há de novo? - perguntou uma outra velha sentada junto ao fogo.

- O homem que ronda a casa desde ontem seguiu-me esta noite.

A estas palavras, os três habitantes daquela espelunca entreolharam-se deixando ver em seus rostos sinais de um profundo terror. O velhote foi o menos agitado dos três, talvez por ser ele quem corria maior perigo. Quando está sob o peso de uma grande infelicidade ou sob o jugo da perseguição, um homem corajoso começa, por assim dizer, por fazer o sacrifício de si mesmo, ele não considera seus dias senão como vitórias conquistadas ao destino. Os olhares das duas mulheres, fixos no velhote, deixavam facilmente adivinhar que ele era o único objeto de sua intensa solicitude.

- Por que perder as esperanças em Deus, minhas irmãs? - disse ele com uma voz surda mas untuosa. - Nós o louvávamos em meio a gritos que davam os assassinos e os moribundos no convento dos Carmelitas. Se ele quis que eu fosse salvo daquela carnificina, foi sem dúvida para me reservar um destino que devo aceitar sem um murmúrio. Deus protege os seus, ele pode dispor deles a seu bel-prazer. É de vocês, e não de mim, que devemos cuidar.

- Não - disse uma das duas velhas -, o que é nossa vida em comparação à de um padre?

- Desde que me vi fora da abadia de Chelles, considerei-me morta - exclamou a religiosa que não saíra.

- Eis aqui - continuou aquela que chegava estendendo a pequena caixa ao padre -, eis as hóstias. Mas - exclamou ela -, ouço subirem os degraus.

A estas palavras, os três se puseram à escuta. O ruído cessou.

- Não tenham medo - disse o padre - se alguém tentar chegar até as senhoras. Uma pessoa de quem podemos contar com a fidelidade deve ter tomado todas as medidas para atravessar a fronteira e virá buscar as cartas que escrevi ao Duque de Langeais e ao Marquês de Beauséant, a fim de que eles possam estar atentos aos meios de lhes tirar deste terrível país, da morte ou da miséria que nele as esperam.

- E o senhor então não irá conosco? - exclamaram suavemente as duas religiosas, demonstrando uma espécie de desespero.

- Meu lugar é lá onde há vítimas - disse o padre com simplicidade.

Elas se calaram e olharam para seu hospedeiro com uma santa admiração.

- Irmã Martha - disse ele dirigindo-se à religiosa que havia ido buscar as hóstias -, esse enviado deverá responder Fiat voluntas à palavra Hosanna.

- Há alguém na escada! - exclamou a outra religiosa, abrindo um esconderijo criado sob o telhado.

Desta vez foi fácil ouvir, em meio ao mais profundo silêncio, os passos de um homem que faziam vibrar os degraus cobertos de calosidades produzidas pela lama endurecida. O padre se esgueirou penosamente para dentro de uma espécie de armário e a religiosa jogou alguns trapos sobre ele.

- Pode fechar, irmã Agatha - disse ele com voz abafada.

Tão logo o padre estava escondido, três pancadas na porta fizeram estremecer as duas santas mulheres, que se consultaram com os olhos sem ousar pronunciar uma só palavra. Elas pareciam ter ambas uns sessenta anos. Separadas do mundo há quarenta anos, eram como plantas habituadas ao ar de uma estufa e que morrem se retiradas dali. Habituadas à vida no convento, não podiam conceber outra. Uma manhã, suas grades tendo sido quebradas, elas haviam estremecido ao se verem livres. Pode-se facilmente imaginar a espécie de imbecilidade fictícia que os acontecimentos da Revolução produziram em suas almas inocentes. Incapazes de conciliar suas idéias claustrais com as dificuldades da vida e nem mesmo compreendendo sua situação, elas pareciam crianças que haviam sido até então cuidadas e que, abandonadas por sua providência materna, rezavam em vez de gritar. Assim, diante do perigo que previam naquele momento, permaneceram mudas e passivas, não conhecendo outra defesa além da resignação cristã. O homem era alto e grande, mas nada em sua postura, em seu aspecto ou em sua fisionomia indicava um homem mau. Ele imitou a imobilidade das religiosas e passou lentamente os olhos pelo quarto onde se encontrava. Dois forros de palha, colocados sobre tábuas, serviam de leito às duas religiosas. Uma única mesa estava no meio do quarto e havia sobre ela um candelabro de cobre, alguns pratos, três facas e um pão redondo. O fogo da lareira era modesto. Alguns pedaços de madeira, empilhados num canto, atestavam a pobreza das duas reclusas. As paredes, cobertas por uma mão de tinta muito antiga, comprovavam o mau estado do teto, onde manchas, semelhantes a filetes marrons, indicavam as infiltrações das águas pluviais. Uma relíquia, sem dúvida salva da pilhagem da abadia de Chelles, enfeitava a lareira. Três cadeiras, dois cofres e uma cômoda de má qualidade completavam o mobiliário daquele cômodo. Uma porta junto à lareira levava a imaginar que existia um segundo quarto.

O inventário daquela cela foi logo feito pelo personagem que se apresentara sob tão terríveis auspícios diante daquelas pessoas. Um sentimento de comiseração estampou-se em seu rosto e ele lançou um olhar benevolente sobre as duas senhoras, pelo menos tão embaraçado quanto elas. O estranho silêncio no qual permaneceram todos três durou pouco, pois o desconhecido acabou adivinhando a fraqueza moral e a inexperiência das duas pobres criaturas e disse-lhes então numa voz que tentava suavizar: - Não venho absolutamente como inimigo, cidadãs.. .

Ele se interrompeu e recomeçou para dizer: - Irmãs, se vos acontecesse alguma infelicidade, creiam, eu não teria contribuído para isso. Tenho uma graça a pedir-lhes. ..

Elas continuaram em silêncio.

- Se eu as importunasse, se. .. as aborrecesse, falem livremente ... eu me retiraria. Mas saibam que lhes sou inteiramente devotado, que, se existe algum serviço que lhes possa prestar, podem pedir sem medo, e que só eu, talvez, estou acima da lei, já que não há mais rei. ..

Havia um tal tom de verdade naquelas palavras que a irmã Agatha, a religiosa que pertencia à casa de Langeais e cujas maneiras pareciam anunciar que ela havia outrora conhecido o esplendor das festas e respirado o ar da corte, apressou-se a indicar uma das cadeiras como se pedindo a seu hóspede que se sentasse. O desconhecido manifestou uma espécie de alegria mesclada de tristeza ao compreender este gesto e, para se acomodar, esperou que as duas respeitáveis senhoras estivessem sentadas.

- As senhoras deram asilo - recomeçou ele - a um venerável padre leigo, que escapou miraculosamente aos massacres nos Carmelitas.

- Hosannal.. - disse a irmã Agatha interrompendo o estranho e olhando-o com inquieta curiosidade.

- Penso que não é este o seu nome - respondeu ele.

- Mas, senhor - disse rapidamente a irmã Martha -, não temos padre algum aqui e...

- Seria preciso então serem mais cuidadosas e previdentes - replicou suavemente o estranho, esticando o braço para a mesa e apanhando um breviário. - Não acredito que saibam latim e...

Ele não continuou, pois a extraordinária emoção que se refletiu nos rostos das duas pobres religiosas fê-lo recear ter ido longe demais; elas tremiam e seus olhos se encheram de lágrimas.

- Fiquem tranqüilas - disse-lhes com voz franca -, sei o nome de seu hóspede e os seus, e há três dias conheço sua angústia e sua devoção pelo venerável abade de...

- Psiu! - fez inocentemente a irmã Agatha, colocando um dedo sobre os lábios.

- As senhoras compreendem, irmãs, que se eu tivesse a horrível intenção de traí-las já poderia tê-lo feito mais de uma vez...

Ao ouvir estas palavras, o padre saiu de sua reclusão e reapareceu no meio do quarto.

- Não consigo acreditar - disse ele ao desconhecido - que o senhor seja um de nossos perseguidores e me coloco em suas mãos. O que deseja de mim?

A santa confiança do padre, a nobreza manifestada em todos os seus traços, teriam desarmado assassinos. O misterioso personagem que viera animar aquele cenário de miséria e resignação contemplou por um momento o grupo formado por aqueles três seres; depois assumiu um tom confidencial, dirigiu-se ao padre nestes termos: - Meu bom padre, eu vinha suplicar-lhe que celebrasse uma missa fúnebre pelo descanso da alma... de um. .. de uma pessoa sagrada cujo corpo jamais repousará em terra santa ...
O padre estremeceu involuntariamente. As duas religiosas, ainda não compreendendo de quem o desconhecido queria falar, permaneceram com o pescoço esticado, o rosto voltado para os dois interlocutores numa atitude de curiosidade. O eclesiástico examinou o estranho: uma ansiedade inequívoca estava estampada em seu rosto e seu olhar expressava súplicas ardentes.
- Muito bem - respondeu o padre -, esta noite, à meia-noite, volte aqui e estarei pronto para celebrar o único serviço fúnebre que podemos oferecer em expiação do crime do qual o senhor está falando. ..
O desconhecido estremeceu, mas uma satisfação ao mesmo tempo doce e grave pareceu triunfar sobre uma dor secreta. Depois de ter saudado respeitosamente o padre e as duas santas senhoritas, desapareceu dando mostras de uma espécie de gratidão muda que foi compreendida por aquelas três almas generosas. Cerca de duas horas após esta cena, o desconhecido voltou, bateu discretamente na porta do celeiro e foi introduzido pela senhorita de Beauséant, que o conduziu ao segundo quarto daquele modesto reduto, onde tudo havia sido preparado para a cerimônia.
Um profundo silêncio, que teria permitido ouvir o mais leve grito proferido na estrada para a Alemanha, expandia uma espécie de majestade sombria sobre aquele cenário noturno. Enfim a grandeza do ato contrastava tão fortemente com a pobreza das coisas, que dali resultava um sentimento de temor religioso. De cada lado do altar, as duas velhas reclusas, ajoelhadas sobre as telhas do soalho sem se preocupar com sua umidade mortal, rezavam em harmonia com o padre, que, revestido de seus trajes pontificais, preparava um cálice de ouro ornado de pedras preciosas, vaso sagrado sem dúvida salvo da pilhagem da abadia de Chelles. Junto a esse cibório, monumento de real magnificência, a água e o vinho destinados ao santo sacrifício estavam em dois copos miseramente dignos do último dos cabarés. Na ausência do missal, o padre colocara seu breviário sobre um canto do altar. Um prato comum estava preparado para a lavagem das mãos inocentes e puras de sangue. Tudo era imenso mas pequeno, pobre mas nobre, simultaneamente profano e santo. O desconhecido veio ajoelhar-se piedosamente entre as duas religiosas. Mas de repente, percebendo um fumo no cálice e no crucifixo, pois, nada tendo para anunciar o destino daquela missa fúnebre, o padre pusera o próprio Deus de luto, foi tomado por uma lembrança tão forte que gotas de suor se formaram sobre sua testa alta. Os quatro silenciosos atores daquela cena entreolharam-se então misteriosamente e suas almas, agindo incansavelmente umas sobre as outras, comunicaram-se assim seus sentimentos e se confundiram numa comiseração religiosa; parecia que seus pensamentos evocavam o mártir cujos restos tinham sido devorados pela cal viva e que sua sombra estava diante deles em toda a sua leal majestade. Eles celebravam um óbito sem o corpo do defunto. Sob aquelas telhas e aquelas latas desconexas, quatro cristãos iriam interceder junto a Deus por um rei da França e fazer seu funeral sem caixão. Era a mais pura de todas as devoções, um espantoso ato de fidelidade realizado sem segundas intenções. Foi sem dúvida, aos olhos de Deus, como o copo d'água que equilibra as maiores virtudes. Toda a Monarquia estava ali, nas orações de um padre e de duas pobres mulheres, mas talvez também a Revolução estivesse representada por aquele homem cujo rosto traía remorsos demais para que não se duvidasse de que ele proferia seus votos com imenso arrependimento.
Em vez de pronunciar as palavras latinas: "Introibo ad altare Dei etc.", o padre, por inspiração divina, olhou para os três assistentes que encarnavam a França cristã e lhes disse, para apagar as misérias daquela espelunca: - Vamos entrar no santuário de Deus!
A estas palavras lançadas com uma unção penetrante, um santo temor tomou de assalto o assistente e as duas religiosas. Sob as abóbadas de São Pedro em Roma, Deus não se teria mostrado mais majestoso do que o fez então naquele asilo da indigência aos olhos daqueles cristãos: tanto é verdade que entre o homem e Ele qualquer intermediário parece inútil e que Ele só obtém sua grandeza de si mesmo. O fervor do desconhecido era verdadeiro. Era assim unânime o sentimento que unia as preces daqueles quatro servidores de Deus e do Rei. As palavras santas ecoavam como música celeste em meio ao silêncio.
Houve um momento em que o desconhecido não conteve as lágrimas; foi no Pater noster. O padre acrescentou esta oração latina, que foi sem dúvida compreendida pelo estranho: Et remitte scelus regicidis sicut Ludovicus eis remisit semetipse! (E perdoe aos regicidas como os perdoou o próprio Luís XVI.)
As duas religiosas viram duas grandes lágrimas traçando um caminho úmido e longo desde as faces masculinas do desconhecido e caindo no soalho. O ofício dos mortos foi recitado. O Domine salvum fac regem, rezado em voz baixa, enterneceu aquelas fiéis realistas que pensaram que o menino-rei, pelo qual suplicavam naquele momento ao Altíssimo, estava cativo entre as mãos de seus inimigos. O desconhecido tremeu pensando que ainda poderia ser cometido um novo crime do qual seria sem dúvida forçado a participar. Quando o serviço fúnebre terminou, o padre fez um sinal às duas religiosas, que se retiraram. Tão logo se viu sozinho com o desconhecido, foi até ele com ar doce e triste e lhe disse então com voz paternal: - Meu filho, se você mergulhou suas mãos no sangue do Rei Mártir, confie em mim. Não existe erro que, aos olhos de Deus, não seja apagado por um arrependimento tão tocante e tão sincero como parece ser o seu.
Às primeiras palavras pronunciadas pelo eclesiástico, o estranho deixou escapar um movimento de terror involuntário, mas retomou uma atitude calma e olhou com segurança o padre espantado:
- Meu bom padre - disse ele com a voz visivelmente alterada -, ninguém é mais inocente do que eu do sangue derramado. ..
- Eu acredito - disse o padre...
Ele fez uma pausa durante a qual examinou mais uma vez seu penitente. Então, persistindo em tomá-lo por um daqueles medrosos Convencionais que entregaram uma cabeça inviolável e sagrada a fim de conservar a sua, continuou com voz grave:
- Pense, meu filho, que não basta, para ser absolvido desse grande crime, o fato de com ele não ter cooperado. Aqueles que, podendo defender o rei, deixaram sua espada na bainha terão contas bem grandes a prestar diante do rei dos céus. . . Ah! É - acrescentou o velho padre sacudindo a cabeça da direita para a esquerda num movimento expressivo -, é, bem deveras!... pois, ao permanecer ociosos, tornaram-se cúmplices involuntários deste terrível delito...
- O senhor acha - perguntou o desconhecido estupefato - que uma participação indireta será punida. .. É então culpado o soldado que recebeu ordens de formar alas?
O padre ficou indeciso. Feliz com o embaraço no qual lançava aquele puritano da realeza colocando-o entre o dogma da obediência passiva que deve, segundo os partidários da monarquia, dominar os códigos militares e o dogma igualmente importante que consagra o respeito devido à pessoa dos reis, o estranho apressou-se em ver na hesitação do padre uma solução favorável para as dúvidas pelas quais parecia atormentado. Então, para não deixar o venerável jansenista refletir por mais tempo, ele disse: - Eu coraria ao pensamento de vos oferecer um pagamento qualquer pelo serviço funerário que o senhor acaba de celebrar pelo descanso da alma do rei e pela tranqüilidade de minha consciência. Só se pode pagar uma coisa inestimável com uma oferenda que também não tenha preço. Digne-se aceitar, senhor, o dom que lhe faço de uma santa relíquia... Virá talvez o dia em que compreenderá o seu valor.
Dizendo estas palavras, o estranho apresentou ao eclesiástico uma pequena caixa extremamente leve. O padre a segurou por assim dizer involuntariamente, pois a solenidade das palavras daquele homem, o tom em que as disse, o respeito com o qual segurava aquela caixa, haviam-no mergulhado em profunda surpresa. Eles voltaram então para o cômodo onde os aguardavam as duas religiosas.
- Os senhores estão - disse-lhes o desconhecido - numa casa cujo proprietário, Mucius Sccevola, o gesseiro que mora no primeiro andar, é famoso na seção por seu patriotismo; mas ele está secretamente ligado aos Bourbons. Ele era outrora o picador de Sua Alteza o príncipe de Conti e deve a ele sua fortuna. Não saindo de sua casa, os senhores estão mais seguros aqui do que em qualquer outro lugar da França. Fiquem aqui. Almas piedosas cuidarão de suas necessidades e os senhores poderão esperar sem perigo por tempos menos ruins. Em um ano, dia 21 de janeiro ... (ao pronunciar estas últimas palavras, não conseguiu dissimular um movimento involuntário), se adotarem este triste lugar como asilo, voltarei para celebrar consigo a missa expiatória. ..
Ele não terminou. Saudou os mudos habitantes do celeiro, lançou um último olhar aos sintomas que davam provas de sua indigência e desapareceu.
Para as duas inocentes religiosas, tal aventura tinha todo o interesse de um romance. Então, desde que o venerável abade lhes deu ciência do misterioso presente tão solenemente dado por aquele homem, a caixa foi por elas colocada sobre a mesa e as três figuras inquietas, fracamente iluminadas pela vela, traíram uma indescritível curiosidade. A senhorita de Langeais abriu a caixa, encontrou nela um lenço de linho muito fino, empapado de suor e, ao desdobrá-lo, reconheceram as manchas que nele havia.
- É sangue!. .. - disse o padre.
- Está marcado com a coroa real! - exclamou a outra irmã.
As duas irmãs deixaram cair com horror a preciosa relíquia. Para aquelas duas almas inocentes, o mistério do qual se envolvia o estranho tornou-se inexplicável. Quanto ao padre, desde aquele dia nem mesmo tentou buscar qualquer explicação.
Os três prisioneiros não tardaram a perceber, apesar do Terror, que uma mão poderosa se erguera sobre eles. Primeiro receberam lenha e provisões. Depois, as duas religiosas descobriram que uma mulher estava associada a seu protetor, quando lhes foi enviada roupa de cama e vestuário que foram forçadas a conservar. Enfim, Mucius Sccevola lhes deu duas cartas cívicas. Freqüentemente lhes chegaram, por vias tortuosas, avisos necessários à segurança do padre. E ele reconheceu tal oportunidade naqueles conselhos que não poderiam ter sido dados senão por uma pessoa iniciada nos segredos de Estado. Apesar da fome que pesava sobre Paris, os proscritos encontraram à porta de sua espelunca rações de pão branco que lhes eram levadas regularmente por mãos invisíveis. Entretanto, eles acreditaram reconhecer em Mucius Sccevola o misterioso agente dessa caridade tão engenhosa quanto inteligente. Os nobres habitantes do celeiro não podiam deixar de achar que seu protetor fosse o personagem que viera mandar celebrar a missa expiatória na noite de 22 de janeiro de 1793. Assim, tornou-se ele o objeto de um culto todo especial para aqueles três seres que só tinham esperanças nele e só viviam por causa dele. Acrescentando em seu nome orações especiais em suas preces, à noite e pela manhã; aquelas almas piedosas formulavam votos por sua felicidade, por sua prosperidade, por sua saúde; suplicavam a Deus que afastasse dele todas as ciladas, que o livrasse de seus inimigos e lhe concedesse uma vida longa e em paz. Sendo sua gratidão, por assim dizer, renovada todos os dias, aliava-se necessariamente a um sentimento de curiosidade que se tornou mais intenso a cada dia. As circunstâncias que haviam acompanhado a aparição do estranho eram objeto de suas conversas, eles faziam mil conjecturas a seu respeito e era para eles uma graça adicional a nova distração que ele lhes proporcionava. Eles se prometiam não deixar de demonstrar ao estranho sua amizade na noite em que ele voltaria, conforme sua promessa, para celebrar o triste aniversário da morte de Luís XVI. Essa noite, tal impacientemente esperada, chegou enfim. À meia-noite, o ruído dos passos pesados do desconhecido ecoou na velha escadaria de madeira, o quarto fora preparado para recebê-lo, o altar estava montado. Dessa vez, as irmãs abriram a porta de antemão e ambas se apressaram para iluminar a escadaria. A senhorita de Langeais chegou a descer alguns degraus para ver melhor seu benfeitor.
- Venha - disse ela numa voz emocionada e afetuosa -, venha. .. estamos à sua espera.
O homem ergueu a cabeça, lançou um olhar sombrio à religiosa e não respondeu. Ela sentiu como se uma roupa de gelo caísse sobre seu corpo e ficou em silêncio. Por seu aspecto, a gratidão e a curiosidade expiraram em todos os corações. Ele talvez fosse menos frio, menos taciturno, menos terrível do que pareceu àquelas almas cuja exaltação de sentimentos predispunha às efusões de amizade. Os três pobres prisioneiros, que compreenderam que aquele homem queria permanecer para eles um estranho, resignaram-se. O padre pensou ter percebido nos lábios do desconhecido um sorriso prontamente reprimido no momento em que ele se deu conta dos preparativos feitos para recebê-lo. Ele ouviu a missa e rezou. Mas desapareceu após ter respondido com algumas palavras de polidez negativa ao convite que lhe fez a senhorita de Langeais para partilhar a pequena colação preparada.
Depois do dia 9 de termidor, as religiosas e o abade de Marolles puderam ir a Paris, sem correr o menor perigo. A primeira saída do velho padre foi para ir a uma loja de perfumes, de nome A Rainha das Flores, mantida pelo cidadão e cidadã Ragon, antigos perfumistas da corte que se mantiveram fieis à família real e dos quais os vendeanos se serviam para se corresponder com os príncipes e o comitê realista de Paris. O abade, vestido como queria a época, encontrava-se na soleira da porta dessa loja, situada entre Saint-Roche e a rua Des Frondeurs, quando uma multidão, que lotava a rua Saint-Honoré, o impediu de sair.
- O que há? - perguntou ele à Sra. Ragon.
- Nada - respondeu ela -, é a charrete com o carrasco que vai para a praça Luís XV. Ah! Nós a vimos muito durante o ano passado, mas hoje, quatro dias depois do aniversário do 21 de janeiro, podemos olhar sem sofrimento para este horrendo cortejo.
- Mas - disse o abade -, não é cristão o que a senhora está dizendo.
- Ora! É a execução dos cúmplices de Robespierre, eles se defenderam tanto quanto puderam, mas chegou a hora deles irem para onde mandaram tantos inocentes.
A multidão que lotava a rua Saint-Honoré passou como um rio. Acima das cabeças, o abade de Marolles, cedendo a um movimento de curiosidade, viu de pé, na charrete, aquele que, três dias antes, assistia sua missa.
- Quem é? ... - disse ele - aquele que. . .
- É o carrasco - respondeu o Sr. Ragon, chamando o executor da pena de morte por seu nome monárquico.
- Meu amigo! Meu amigo! - gritou a Sra. Ragon. - O senhor abade está morrendo. E a velha senhora apanhou um vidro de vinagre para fazer voltar a si o velho padre desmaiado.
- Não há dúvidas de que ele me deu - disse ele - o lenço com o qual o rei secou o rosto ao ir para o martírio. .. Pobre homem ! . .. A faca de aço teve coração, quando ele não existia em toda a França L..
Os perfumistas acharam que o pobre padre delirava.
Paris, janeiro de 1831.
Tradução de Celina Portocarrero


São Paulo, Domingo, 16 de Maio de 1999 

Leyla Perrone-Moisés escreve sobre a atualidade da obra do escritor francês
Balzac novo em folha



O escritor francês Honoré de Balzac, que nasceu em 20 de maio de 1799 e morreu em 18 de agosto de 1950

LEYLA PERRONE-MOISÉS 
especial para a Folha
 

Passados dois séculos desde seu nascimento, e um século e meio desde sua morte, Balzac resiste com espantoso vigor. Maior responsável pelo êxito do romance como gênero maior desde o início do século 19, o autor da "Comédia Humana" permanece novinho em folha. O tempo passou, a humanidade conheceu as maiores transformações de sua história em termos científicos e tecnológicos, a vida dos homens mudou devido a essas transformações; entretanto ler Balzac é reconhecer, no passado, nosso presente. Um presente tão ou mais preocupante quanto aquele que ele retratou em seu tempo.
Nos dois últimos séculos, Balzac mereceu a atenção de grandes escritores, pensadores e críticos, confirmando sua importância e fixando determinadas leituras de sua obra. Para lembrar apenas alguns daqueles que o admiraram e sobre ele escreveram, podemos citar Victor Hugo, Flaubert, Zola, Dostoiévski, Tolstói, Gorki, Marx, Engels, Proust, Lukács, Curtius, Auerbach, Adorno, Zweig, Blanchot, Barthes, Butor. Alguns juízos se firmaram, tornando-se lugares-comuns da crítica balzaquiana: a criação de um gênero literário que continua sendo imitado ou contestado até os dias de hoje; a acuidade do olhar do romancista sobre a realidade circundante, capaz de captar ao mesmo tempo os grandes conjuntos e os pormenores mínimos; a capacidade de invenção ficcional, insuperável em número de personagens e variedade de intrigas; a importância da obra como documento sociológico e mesmo como fundadora das ciências sociais.
Balzac é aquilo que se pode chamar um monstro literário. Se considerarmos que a "Comédia Humana" se compõe de mais de 80 narrativas, contando histórias diferentes e interligadas, chegamos à seguinte observação, que nos assusta e encanta: se lermos dois livros de Balzac por ano, teremos leitura para mais de 40 anos de nossas vidas! Isso não deve assustar, mas alegrar aqueles que ainda não começaram, porque ler Balzac não é uma tarefa tediosa; muito pelo contrário, seus livros não nos caem das mãos, mas nos prendem desde a primeira frase até a última. Esses livros todos foram escritos num período de 20 anos, o que constitui um feito atlético por si só admirável, não fosse ainda mais admirável a qualidade desses livros.
As qualidades do romance balzaquiano não são definíveis a partir dos parâmetros da alta literatura moderna, nem mesmo de um ponto de vista apenas literário. Balzac é um escritor impuro, imperfeito, desigual, anterior à elevação da escrita literária à categoria de atividade à parte e acima da vida cotidiana, como ocorreria mais tarde com Flaubert e Mallarmé. Ele foi um escritor profissional, no sentido literal da expressão. Encarando a literatura como profissão, criou a "Société des Gens de Lettres" e esboçou a primeira lei francesa de proteção aos direitos autorais. Os objetivos visados por ele, ao se lançar em sua grande empresa literária, nada tinham de transcendente. Eram objetivos muito práticos e pessoais: sair da condição de jovem burguês anônimo, vindo da província, tornar-se conhecido (o que ele conseguiu, acrescentando ao seu nome a partícula nobiliária "de" Balzac e ganhando fama com sua obra), ganhar dinheiro (o que em parte alcançou) e conquistar mulheres da alta sociedade (o que ele realizou, sendo amante de aristocratas e casando-se com uma condessa). Na busca desses objetivos, passou a sua vida às voltas com problemas financeiros e de autopromoção, que o impeliam a escrever abundantemente, até a exaustão final.
Balzac poderia ser uma personagem típica da "Comédia Humana", um Rastignac, por exemplo. Como todos os jovens burgueses do início do século 19, ele era fascinado pela figura de Napoleão, modelo do "self-made man" que conquistou a ascensão social e o poder de forma fulgurante. "O que ele fez com a espada, eu farei com a pena", declarou o jovem escritor, mais atinado do que tantos outros de seus contemporâneos, retratados por Stendhal na figura de Julien Sorel. Enquanto este confiava apenas em seu charme e aspirava somente a um bom casamento, Balzac apostou no caminho burguês do trabalho. Foi como ganha-pão que ele escolheu a literatura, profissão que lhe trouxe mais glória do que dinheiro e que acabou por matá-lo.
Balzac viveu num período de agitação política e grandes transformações sociais, que foi registrando "ao vivo" em sua obra, como um super-repórter. Diferentemente de seus contemporâneos românticos, ele não buscou nenhuma evasão temporal ou espacial, mas fez do que via e vivia a matéria de seus romances. Nascido no ano do 18 Brumário (ascensão de Napoleão ao poder) e morto logo após a Revolução de 1848, ele testemunhou o Império, a Restauração da monarquia e a Revolução de 1830, que efetuou um pacto entre a monarquia formal e a burguesia reinante de fato. Sua primeira obra importante foi publicada exatamente em 1830, quando o ministro do Interior de Luís-Felipe lançava o lema "Enriqueçam!", e seu ministro das Finanças dizia: "O reino dos banqueiros começa". Era o início do período no qual a sociedade teria o dinheiro como valor maior, buscado por todos e por todos os meios, lícitos ou ilícitos. Em "A Prima Bette", Balzac caracteriza o dinheiro como "o único deus moderno no qual se tem fé".
A imensa maioria das histórias de Balzac termina com a vitória dos maus, dos mais fortes e mais espertos, e a derrota das personagens boas e honestas. Na sociedade burguesa que então se redesenhava, ele detectou claramente quais seriam os vencedores e quais os perdedores. Entre os primeiros estão o banqueiro Nucingen, que fez fortuna graças a várias falências programadas, grandes calotes e jogos com papéis podres. Conseguindo burlar as leis e parecendo sempre muito honesto, Nucingen foi ampliando a circulação de seus títulos até "a Ásia, o México e a Austrália, entre os selvagens" ("A Casa Nucingen"). Também são vencedores os políticos manipuladores da nova ordem social (de Marsay), os caça-dotes, os inescrupulosos de toda espécie, os jornalistas venais que se assumem como "vendedores de frases" ("As Ilusões Perdidas"), os advogados que se fazem cada vez mais necessários para garantir fortunas e encobrir falcatruas. Um desses advogados, o eficiente Derville, acaba por se retirar no campo, enojado de tudo o que viu passar por suas mãos: "Escritórios de advocacia são esgotos que ninguém pode limpar" ("O Coronel Chabert"). Entre os perdedores estão todos os que apostaram em sentimentos e ideais: o amor (o Pai Goriot, Eugénie Grandet, Madame de Mortsauf, Paul de Manerville e outros), o conhecimento metafísico (Louis Lambert), a honra militar (o Coronel Chabert), a perfeição artística (o pintor Frenhofer, de "A Obra-prima Desconhecida"). Muitas das vítimas do sistema são mulheres, manipuladas como valores de troca ou sufocadas no casamento, instituição que a Marquesa de Aiglemont define como "uma prostituição legal" ("A Mulher de 30 Anos").
A obra de Balzac é irregular em sua fatura. A "Comédia Humana" foi escrita atabalhoadamente, num ritmo de produção industrial, sem tempo para muitas releituras e revisões. Os estudos recentes de seus manuscritos provam, entretanto, que, como todos os grandes escritores, ele era um eterno insatisfeito, que buscava sempre o aperfeiçoamento, retocando seus manuscritos, as provas e mesmo as páginas já impressas em livro. Mas a pressa de viver e o assédio dos credores o impediam de levar a cabo esse aprimoramento. O que fez com que o perfeccionista Flaubert dissesse dele: "Que formidável escritor ele teria sido, se soubesse escrever!". Mas, acrescentando em off, para os íntimos, que com um gênio e um fôlego como o de Balzac o belo estilo era dispensável.
De fato, muitos foram os críticos que apontaram as fraquezas estilísticas do texto balzaquiano, eivado de chavões do senso comum, de clichês literários, de digressões reveladoras de um verniz cultural bastante ralo etc. Mas mais numerosos e constantes foram os leitores que, como Flaubert, reconheceram a genialidade e a grandeza do conjunto. Apontar as imperfeições de Balzac é como se, ao contemplar o rio Amazonas, fixássemos nossa atenção apenas nos detritos que ele eventualmente carrega; ou como um míope que ficasse olhando de perto um imenso painel composto para ser olhado à distância. O próprio escritor já indicara o que buscava, no prólogo de sua obra: "Assim descrita, a sociedade devia levar com ela as razões de seu movimento".
Embora a leitura crítica de Balzac tenha se renovado e aumentado numa proporção já fora do domínio de qualquer especialista, alguns pontos fixados por seus grandes leitores permanecem imutáveis. Ninguém põe em dúvida a afirmação de Marx e Engels de que ele viu e fixou, melhor do que ninguém, a sociedade resultante da Revolução Francesa, a cidade grande na qual os indivíduos travariam uma luta feroz e amoral pela sobrevivência, a passagem do mundo rural para o mundo industrializado, o novo poder constituído pelo jornalismo, o naufrágio dos valores do Ancien Régime e o predomínio absoluto do dinheiro na nova sociedade burguesa. Entretanto, ator tanto quanto documentarista dessa sociedade, o homem Balzac invejava a velha aristocracia e temia o povo, cujas revoluções perturbavam as novas regras do jogo, dentro das quais ele mesmo pretendia vencer. A personagem principal da "Comédia Humana" é o bandido Vautrin, que joga segundo as regras e termina como chefe da polícia.
O que a crítica tem revisto e nuançado é o famoso realismo de Balzac. O realismo de Balzac não é simplesmente documental, um realismo de representação e reflexo, mas um realismo que intui as razões ocultas dos fatos, e um verismo de artista expressionista, que exagera os traços para arrancar a verdade íntima dos seres.

A "Comédia" oferece adequação estrutural ao hipertexto, foi criada como um conjunto que pode ser abordado em qualquer ponto



Balzac mostrou que as portas do futuro estavam abertas ao domínio do capital e da mídia sobre os destinos dos homens



Muitas das intrigas da "Comédia Humana" são inverossímeis, e algumas francamente fantásticas. As fulminantes reviradas nos destinos de suas personagens, que passam de repente da miséria à opulência ou vice-versa, podem ser exageradas, mas a volatilidade do capital e a submissão de todos às suas regras cruéis estão ali registradas da maneira mais realista. Da mesma forma, suas personagens, muitas vezes estereotipadas em sua total vilania ou em sua imaculada pureza, são animadas por desejos e sofrimentos que reconhecemos como absolutamente verdadeiros e universais.
Contestando a leitura de Lukács, Adorno já apontara, no ensaio intitulado "Leitura de Balzac", que a visão certeira desse escritor não é objetiva, mas apaixonada e épica, muito diversa do racionalismo hegeliano ou comtiano. O realismo de Balzac é um realismo dos processos e não dos fatos imediatos; "não é um realismo primário, mas derivado: um realismo por perda da realidade". Segundo Adorno, trata-se de uma obra épica que não domina mais o objetal que ela busca recolher, e por isso é obrigada a exagerar, a fixar com uma precisão excessiva um mundo que se tornou estranho e intangível. É essa nova objetalidade que faz de Balzac o iniciador e precursor do romance do século 20, nas suas formas experimentais e aparentemente irrealistas. A mesma "rápida visão das coisas", não analítica, mas analógica e intuitiva, característica da modernidade, foi ressaltada por Curtius em seu estudo sobre Balzac. E os procedimentos literários que criam "a ilusão da referencialidade", apontados por Barthes em Flaubert, valem igualmente para Balzac ("O Efeito de Real", em "O Rumor da Língua").
Os críticos franceses mais recentes, autores da numerosa safra motivada pela comemoração do bicentenário, têm concentrado sua atenção nos aspectos negligenciados pelos leitores-críticos do século 19 e da primeira metade do 20. Contrariando a falsa visão de uma obra una e coesa, retroprojetada por Balzac no prólogo tardio e consolidada artificialmente pelos editores e críticos, leitores como Lucien Dälenbach ("La Canne de Balzac", 1996) põem em evidência o aspecto fragmentário, inacabado e "mal-acabado" da obra, que o próprio Balzac caracterizava como um "mosaico", composto de pedaços que o acaso ou a leitura futura se encarregariam de harmonizar, e de restos culturais reciclados, o que aproxima o autor da "Comédia Humana" dos escritores e artistas plásticos de nosso século.
Na Idade Média, Dante concebeu sua "Divina Comédia" como um mundo fechado e completo, cuja hierarquia dependia do comando divino. Na modernidade, a "Comédia" é humana, caótica e imperfeita, sujeita aos desejos individuais que as leis do mercado ou do acaso contrariam. A leitura dessa "Comédia" só pode ser uma leitura aberta, sem chave final. Michel Butor, que desde os anos 50 apontava o caráter experimental da obra de Balzac e sua semelhança com um "mobile" de Calder, acaba de publicar "Improvisations sur Balzac", estudo em três volumes originado em cursos ministrados na Universidade de Genebra entre 1979 e 1990. Butor aí propõe a leitura de um subtexto latente na "Comédia Humana", um subtexto utópico, imaginativo, criador, que deixaria em aberto a possibilidade de o homem se libertar do real opressivo e caótico que a obra descreve. Esse subtexto utópico constituiria o engajamento secreto do escritor, cuja mensagem não poderia ser recebida por seus contemporâneos de forma explícita. A pluralidade da leitura, segundo vários códigos, dentre os quais o hermenêutico, também foi proposta por Barthes em "S/Z" (1970).
Ao avesso das leituras tradicionais, outros críticos recentes têm estudado os primeiros romances (publicados sob pseudônimos), as obras fantásticas e metafísicas, os artigos jornalísticos sobre temas os mais variados, a correspondência com a musa Madame Hanska. As 414 cartas escritas entre 1832 e 1848 revelam os pormenores de uma intriga balzaquiana verídica, a do burguês endividado que busca, por todos os meios, casar-se com uma condessa polonesa e salvar as propriedades da mesma, ameaçadas de confisco.
Uma das iniciativas atuais mais instigantes dos especialistas de Balzac é a digitalização de sua obra e a elaboração de um enorme programa dotado de hipertexto que nos permitirá navegar pela "Comédia Humana". Ora, a "leitura" de Balzac num programa de computador não é apenas um aproveitamento novidadeiro dos recursos da informática, aplicados a uma obra antiga, mas é profundamente coerente com o projeto balzaquiano. A "Comédia Humana" oferece uma adequação estrutural ao hipertexto, por numerosas razões. A obra foi concebida como um conjunto que pode ser abordado em qualquer ponto, cada livro se prestando à leitura autônoma, ao mesmo tempo em que remete a outros (muitas vezes de modo explícito, nas notas de Balzac: "Ver tal outro livro"). As centenas de personagens que aparecem e reaparecem são dotadas de todos os elementos que podem ser reunidos em fichas: nome, data de nascimento, data de aparecimento no texto, dados genealógicos e familiares, traços físicos e sociais, lugar de residência, data de morte.
Isabelle Tournier, uma das participantes do projeto, observa: "Todo pedaço de texto, personagem, lugar, palavra, situação, é o eco virtual de um ou de outros, simétricos, sinônimos, adicionais, que ressoam ao lado, em algum ponto do grande texto da "Comédia Humana". Em Balzac, tudo funciona ao par, ou entra num paradigma. Como janelas na tela, superpostas, mas levemente deslocadas e visíveis, que aparecem alternadamente no primeiro plano, conforme são acionadas, um nome esconde uma história, sua declinação ou sua retomada, uma história remete a outra história, uma origem a outra mais antiga, um segredo a outro mais bem guardado, uma cena chama outra, um lugar revela uma personagem ou vice-versa" ("Balzac-hypertexte", "Magazine littéraire", fevereiro de 1999).
A realização desse programa evidencia a extraordinária potência e a extensíssima memória de que era dotado o cérebro-computador de Balzac, gerador e gerenciador de todas essas informações cruzadas. Tudo nos leva a crer que, se pudesse dispor desses recursos, ele os teria adotado com entusiasmo. Em seu tempo, ele foi dos primeiros a detectar e a utilizar os novos recursos da tipografia, que permitiram à literatura entrar em sua fase de produção industrial e consumo de massa.
Evidentemente, a "navegação" na "Comédia Humana" não substitui a leitura da obra e só tem sentido como auxiliar dessa leitura. Nada impede, porém, que a informatização da obra abra caminho a outras leituras até agora insuspeitadas, já que muitos processos e relações difíceis de captar na leitura corrente desse enorme texto poderão ser postos em evidência. Outra possibilidade, que já se começa a explorar graças à informática, é o rápido e eficiente confronto dos diferentes estados do texto, dos manuscritos às provas e edições corrigidas pelo autor.
Entretanto todas as informações e interpretações jamais explicarão o prazer intenso que a leitura da "Comédia Humana" tem dado a sucessivas gerações de leitores. Esse prazer nos vem, em grande parte, das origens folhetinescas do texto. Atento às possibilidades novas da imprensa diária, Balzac foi o primeiro grande romancista publicado em forma de folhetim. No caso particular da "Comédia Humana", o prazer do leitor é o prazer bisbilhoteiro de conhecer uma multidão de pessoas, todas interessantíssimas quando vistas de perto, de saber de suas vidas, de entrar em suas casas e vasculhar seus guarda-roupas, seus guarda-comidas e suas camas. O que descobrimos é fascinante, embora nada agradável.
Mais do que realista, Balzac foi profético. Sua obra pretendia mostrar os podres da nova sociedade burguesa para pregar uma volta ao passado, aos valores da monarquia, da aristocracia e do catolicismo. Ele reconhecia que o dinheiro era o novo mestre do mundo, mas pensava que uma distribuição mais hábil do mesmo, comandada por uma aristocracia, poderia manter a sociedade em relativa calma. Pelo menos é o que ele declara nas teses explícitas de sua obra. Mas o que ele mostrou, não totalmente à sua revelia (como se pretendeu durante certo tempo), é que essa volta era impossível, que as portas do futuro estavam abertas para o domínio do capital, do mercado e da mídia sobre os destinos dos homens. E esse é o avesso do prazer que ele nos dá: o desprazer de ver o quanto ele estava certo, de quanto sua visão sombria da sociedade francesa do início do século 19 se tem confirmado, em termos globais, até os dias de hoje. A força revolucionária de sua obra permanece assim inteira. Balzac não aponta soluções, mas mostra claramente, para quem quiser ver, as razões e os processos pelos quais esta sociedade assim se constituiu e assim se encontra.

Leyla Perrone-Moisés é professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e autora de "Flores da Escrivaninha" e "Altas Literaturas" (Companhia das Letras), entre outros.




Balzac
Escritor francês

Biografia de Balzac
Balzac (1799-1850) foi um escritor francês. Entre suas obras destacam-se "A Comédia Humana", "A Mulher de Trinta Anos", da qual se originou o termo, "balzaquiana", "O Lírio do Vale" e "Um Caso Tenebroso". Foi o grande retratista da burguesia do século XIX. A Comédia Humana é uma obra composta de 95 romances, ligados uns aos outros como se fossem os diversos momentos da vida.
Honoré de Balzac (1799-1850) nasceu em Tours, França, em 20 de maio de 1799. Filho do funcionário público Bernard François Balzac e Laure Sallambier. Entre os anos de 1807 e 1813, estuda no Colégio dos Oratorianos de Vendôme. Desde pequeno sonhava viver entre aristocratas, imortalizado pela atividade literária. Logo que aprendeu a escrever passou assinar Balzac e acrescentou um "de", marca de nobreza na França, "Honoré de Balzac".
Em 1814, a família vai morar em Paris. Com 20 anos formou-se em Direito e foi estagiar no escritório de Goyonnet de Merville, que mais tarde se transformaria em Derville, em uma série de romances que chamou de "A Comédia Humana". Os anos de estágio lhe forneceram material para vários romances como "A Duquesa de Langlois", "César Birotteau", e "O Contrato de um Casamento". Os sofrimentos dos réus, as artimanhas dos advogados, os tribunais, a força do dinheiro, todos os problemas na justiça francesa, dessa época, estão nas várias obras de Balzac.
A família se muda para Villeparisis, lugarejo próximo a Paris. Balzac resolve permanecer na cidade, abandonar o estágio e viver de literatura. Sem apoio da família, teria só um ano de mesada, foi morar num quarto da Rua Lesdiguières. Estava convencido que seria um grande escritor. Em 1820, depois de um ano, passado entre leituras, passeios e dúvidas, conclui "Cromwell", uma tragédia composta de versos alexandrinos.
O prazo de um ano havia terminado. Os romances sentimentais estavam na moda, publicados em fascículos mensais. Balzac sabia não ser esse o caminho da arte. Publica vários romances, elaboradas entre 1822 e 1825, sob os pseudônimos de "Lord R'hoone" e "Horace de Saint Aubin", foram alguns dos nomes que assinou. Desgostoso com o que produzia, vai a Villeparisis, onde conhece seu primeiro amor, Laure de Berny, amiga da família, 22 anos mais velha que ele, casada e mãe de sete filhos.
Em 1825, com recursos da família e de Laura de Berny, monta uma editora, mas em 1827, sem sucesso, volta a escrever. Inspirado no escritor Walter Scott, criador de romance histórico, publica "Os Chouans" e a "Fisiologia do Casamento", romances que lhe abriram as portas de importantes círculos literários, assinando seu nome pela primeira vez. Colabora com revistas e periódicos de sucesso. Em um único ano escreve inúmeros artigos, dezenove novela e romances, entre eles, "Catarina de Médicis", "A Pele de Onagro", "Beatriz" e "Pequenas Misérias da Vida Conjugal".
Em 1832, Balzac candidata-se a deputado, mas não teve os votos esperados. Os fidalgos não aceitam em seu meio, um provinciano plebeu. Nesse mesmo ano recebe uma carta de uma mulher que assinava "A Estrangeira", mais tarde descobriu ser a condessa polonesa Eveline Hanska, casada e bem mais velha que ele. Encontram-se na Suíça e tornaram-se amantes.
Em 1834, publica, "Pai Goriot", iniciando o sistema de repetição de personagens de uma obra para outra. Sentiu que podia fazer romances sem começo nem fim, ligados uns aos outros, representando os diversos momentos da vida. Nesse mesmo ano publica "A Comédia Humana", composta de 95 romances, dividido em três partes: "Estudos de Costumes", "Estudos Filosóficos" e "Estudos Analíticos". Publica ainda "O Contrato de Casamento", "O Lírio do Vale", onde celebra sua "Dileta" sob o nome de "Senhora Mortsauf" e "Memórias de Uma Jovem Esposa". Em 1942 publica "A Mulher de Trinta Anos", romance que deu origem a expressão "Balzaquiana", que faz referência às mulheres mais maduras.
Honoré de Balzac faleceu em Paris, França, no dia 18 de agosto de 1850, sem ter sido um aristocrata. É enterrado no Cemitério de Père-Lachaise. Vitor Hugo pronuncia o discurso fúnebre.




An Episode Under the Terror, by Honoré de Balzac

Library of the World's Best Literature (Audio book), Ancient and Modern volume 3 by Charles Dudley Warner, ed.
The Library of the World's Best Literature, Ancient and Modern, is a work of enormous proportions. Setting out with the simple goal of offering "American households a mass of good reading", the editors drew from literature of all times and all kinds what they considered the best pieces of human writing, and compiled an ambitious collection of 45 volumes (with a 46th being an index-guide). Besides the selection and translation of a huge number of poems, letters, short stories and sections of books, the collection offers, before each chapter, a short essay about the author or subject in question. In many cases, chapters contemplate not one author, but certain groups of works, organized by nationality, subject or period; there is, thus, a chapter on Accadian-Babylonian literature, one on the Holy Grail, and one on Chansons, for example.
The result is a collection that holds the interest, for the variety of subjects and forms, but also as a means of first contact with such famous and important authors that many people have heard of, but never read, such as Abelard, Dante or Lord Byron. According to the editor Charles Dudley Warner, this collection "is not a library of reference only, but a library to be read."





Referências

http://ensaio.org/os-100-melhores-contos-de-crime-e-mistrio-da-literatura-univer.html?page=23
https://www.ebiografia.com/balzac/
https://youtu.be/OQMTuoDc__o
https://www.youtube.com/watch?v=OQMTuoDc__o
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/m160501.jpg
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs16059905.htm

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