E a propina?
Diante da Lei vê-se um guardião.
- Aqui ninguém mais, senão você,
podia entrar, porque só para você era feita esta porta. Agora vou-me embora e
posso fechá-Ia.
FRANZ KAFKA (1883-1924 | Checoslováquia)
O Processo
Anulação de
condenação não anula crime
Anulação pode
ser criminosa
“...poderá anular praticamente todas
as condenações, com a consequente prescrição de vários crimes e libertação de
réus presos.”
Crime,
apesar dos anos, subsiste cheio de energia.
Anulação
STF anula sentença de Moro que condenou Aldemir
Bendine na Lava Jato
Decisão é da 2ª
turma, que reconheceu cerceamento de defesa no caso.
quarta-feira, 28 de agosto de 2019
A 2ª
turma do STF anulou nesta terça-feira, 27, decisão que condenou o ex-presidente
da Petrobras Aldemir Bendine por corrupção passiva e lavagem
de dinheiro. A condenação havia sido imposta pelo ex-juiz Federal Sergio Moro,
no âmbito da operação Lava Jato.
Para
a maioria dos ministros da 2ª turma, houve cerceamento da defesa na análise do
caso.
No
processo, o juízo da 13ª vara Criminal Federal de Curitiba/PR, ao concluir a
instrução, abriu prazo comum para que os corréus (delatores e não delatores)
apresentassem suas alegações finais. A defesa do executivo pediu que seu
cliente pudesse apresentar sua manifestação após os colaboradores, com o
argumento de que a abertura de prazo comum, e não sucessivo, para colaboradores
e não colaboradores traria prejuízos a seu cliente. O pedido, no entanto, foi
negado.
Nesta
terça-feira, 27, durante julgamento de agravo regimental em HC, o
advogado Alberto Zacharias Toron (Toron, Torihara e Cunha
Advogados), que defende Bendine, sustentou que, no processo penal, o réu
tem o direito de se defender e de rebater todas as alegações com carga
acusatória.
Segundo
o advogado, o acusado tem o direito de falar por último, independentemente de
onde vier a acusação, sob pena de configuração do cerceamento de defesa.
Lembrou ainda que a condenação foi confirmada, com redução de pena, pelo TRF da
4ª região, sem acolhimento da questão trazida no HC impetrado no Supremo.
STF
No
STF, o ministro Edson Fachin negou seguimento ao HC. Contra a decisão, foi
interposto o agravo regimental.
Fachin
votou no sentido de negar provimento ao recurso, por entender que não existe
previsão legal para a apresentação de alegações finais em momentos diversos por
corréus delatores e delatados. Segundo o ministro, como a colaboração premiada
é uma das estratégias que pode ser usada pela defesa, a opção por esse
instituto não autoriza que o juiz faça distinção entre colaboradores e não
colaboradores.
Divergência
O
ministro Ricardo Lewandowski, por sua vez, divergiu do relator, ao considerar
que ficou configurado constrangimento ilegal. Segundo o ministro, o direito ao
contraditório e à ampla defesa deve permear todo o processo penal, inclusive no
momento do oferecimento das alegações finais.
Como
a colaboração premiada é meio de obtenção de prova, entendeu que a fixação de
prazo simultâneo gera prejuízo à defesa, especialmente porque, no caso, a
sentença condenatória foi desfavorável ao acusado.
"É
irrefutável a conclusão de que, sob pena de nulidade, os réus colaboradores não
podem se manifestar por último, em razão da carga acusatória de suas
informações."
Com
esse entendimento, o ministro votou pelo provimento do recurso para anular a
sentença e os atos posteriores ao encerramento da instrução, para que seja
assegurado ao réu o direito de oferecer novamente os memoriais após os
colaboradores.
A
divergência foi acompanhada pelos ministros Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.
·
Processo: HC
157.627
"Preocupação"
Em
nota, a força-tarefa da operação Lava Jato em Curitiba manifestou preocupação
com a decisão. Para os procuradores, os ministros estabeleceram uma
interpretação que, se for aplicada nos demais casos da Lava Jato, "poderá
anular praticamente todas as condenações, com a consequente prescrição de
vários crimes e libertação de réus presos".
Confira
a íntegra da nota:
A
força-tarefa da operação Lava Jato em Curitiba externa imensa preocupação em
relação à decisão proferida hoje pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que
anulou a sentença do caso Aldemir Bendine.
Por
maioria, os julgadores entenderam que réus delatados devem ter o direito de se
manifestar, ao final do processo, após a defesa dos réus colaboradores.
Os
Ministros estabeleceram uma nova interpretação que, se for aplicada como nova
regra, vai alterar entendimentos pacíficos sobre princípios como o da ampla
defesa.
Contudo,
essa nova regra não está prevista no Código de Processo Penal ou na lei que
regulamentou as delações premiadas.
Se o
entendimento for aplicado nos demais casos da operação Lava Jato, poderá anular
praticamente todas as condenações, com a consequente prescrição de vários
crimes e libertação de réus presos.
A
força-tarefa expressa sua confiança de que o Supremo Tribunal Federal
reavaliará esse tema, modulando os efeitos da decisão.
HC 157627
PROCESSO ELETRÔNICO PÚBLICO
NÚMERO ÚNICO: 0071874-29.2018.1.00.0000
DjeJurisprudênciaPeçasPush
HABEAS
CORPUS
Origem: PR
- PARANÁ
Relator:
MIN. EDSON FACHIN
Redator
do acórdão: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI (HC-AgR)
Relator
do último incidente: MIN. EDSON FACHIN (HC-AgR)
PACTE.(S)
ALDEMIR BENDINE
IMPTE.(S)
ALBERTO ZACHARIAS TORON
(40063/DF, 65371/SP) E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES)
SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA
·
28/08/2019
Petição
Manifestação - Petição: 51291
Data: 28/08/2019 às 20:49:11
·
28/08/2019
Expedido(a)
2ª TURMA - COMUNICA DECISÃO -
PRESIDENTE (MALOTE DIGITAL)
·
28/08/2019
Expedido(a)
2ª TURMA - COMUNICA DECISÃO -
PRESIDENTE (MALOTE DIGITAL)
·
28/08/2019
Expedido(a)
2ª TURMA - COMUNICA DECISÃO -
PRESIDENTE (MALOTE DIGITAL)
·
28/08/2019
Comunicação assinada
2ª TURMA - COMUNICA DECISÃO -
PRESIDENTE (MALOTE DIGITAL)
·
28/08/2019
Comunicação assinada
2ª TURMA - COMUNICA DECISÃO -
PRESIDENTE (MALOTE DIGITAL)
·
28/08/2019
Comunicação assinada
2ª TURMA - COMUNICA DECISÃO -
PRESIDENTE (MALOTE DIGITAL)
·
28/08/2019
Certidão
Certifico a elaboração de 3
ofícios eletrônicos. 2ª Turma, Decisão de 27/08/2019.
·
28/08/2019
Juntada
Certidão de Julgamento da Sessão
Ordinária de 27/08/2019
·
27/08/2019
Concedida a ordem
2ª TURMA
Decisão: A Turma, por maioria,
conheceu do habeas corpus, vencido, no ponto, o Ministro Relator e, no mérito,
também por maioria, deu provimento ao agravo regimental e concedeu a ordem em
favor do paciente, anulando o julgamento proferido na ação penal
5035263-15.2017.404.7000/PR, bem como os atos processuais subsequentes ao
encerramento da instrução processual, assegurando ao paciente, por
consequência, o direito de oferecer novamente seus memoriais escritos após o
decurso do prazo oferecido aos demais réus colaboradores, nos termos do voto
divergente do Ministro Ricardo Lewandowski, redator para o acórdão, vencido o
Ministro Edson Fachin (Relator). Falaram: pelo agravante, o Dr. Alberto
Zacharias Toron e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Antônio Carlos Alpino
Bigonha, Subprocurador-Geral da República. Ausente, justificadamente, o
Ministro Celso de Mello. Presidência da Ministra Cármen Lúcia. 2ª Turma,
27.8.2019.
·
08/08/2019
Ata de Julgamento Publicada, DJE
ATA Nº 17, de 25/06/2019. DJE nº
172, divulgado em 07/08/2019
·
26/06/2019
Juntada
Certidão de Julgamento da Sessão
Ordinária de 25/06/2019
·
25/06/2019
Adiado o julgamento
Decisão: Indicado adiamento para
a próxima sessão. Presidência da Ministra Cármen Lúcia. 2ª Turma, 25.6.2019.
·
30/05/2019
Conclusos
ao(à) Relator(a)
·
30/05/2019
Publicação, DJE
DJE nº 114, divulgado em
29/05/2019
·
28/05/2019
Indeferido
MIN. EDSON
FACHIN
No mais, aguarde-se o julgamento
do agravo regimental já liberado para julgamento.
·
22/05/2019
Conclusos
ao(à) Relator(a)
·
22/05/2019
Petição
Manifestação - Petição: 29883
Data: 22/05/2019 às 14:11:49
·
12/04/2019
Retirado do Julgamento Virtual
MIN. GILMAR
MENDES
Pedido de Destaque
·
12/04/2019
Iniciado
Julgamento Virtual
·
08/04/2019
Conclusos
ao(à) Relator(a)
·
08/04/2019
Petição
Oposição - Petição: 18940 Data:
08/04/2019 às 14:14:52
·
03/04/2019
Pauta publicada no DJE - 2ª Turma
PAUTA Nº 26/2019. DJE nº 66,
divulgado em 02/04/2019
·
01/04/2019
Inclua-se em pauta - minuta extraída
2ª TURMA -
SESSÃO VIRTUAL
Julgamento Virtual: HC-AgR -
Agendado para: 12/04/2019.
·
15/02/2019
Conclusos
ao(à) Relator(a)
·
15/02/2019
Interposto agravo regimental
Juntada Petição: 6512/2019
·
14/02/2019
Petição
Agravo Regimental - Petição: 6512
Data: 14/02/2019 às 18:11:30
·
14/02/2019
Publicação, DJE
DJE nº 30, divulgado em
13/02/2019
·
12/02/2019
Negado seguimento
MIN. EDSON
FACHIN
Em 11/2/2019 [...]Diante do
exposto, nos termos do art. 21, §1°, RISTF, nego seguimento ao habeas corpus.
·
01/08/2018
Conclusos
ao(à) Relator(a)
·
01/08/2018
Petição
Sustentação oral - Petição: 49270
Data: 01/08/2018 às 18:39:55
·
01/08/2018
Manifestação da PGR
·
27/06/2018
Juntada de AR
Referente Ofício 11391/2018 - 13ª
VARA FEDERAL DE CURITIBA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARANÁ - COM CÓPIA DO DESPACHO E
DA PETIÇÃO INICIAL - BI226680266BR
·
26/06/2018
Vista
à PGR
·
26/06/2018
Petição
43143/2018 - 26/06/2018 - (Via
Malote Digital) OFÍCIO Nº 700005128045, Juiz Federal da 13ª Vara Federal de
Curitiba SJPR, 26/06/2018 - Presta informações.
·
07/06/2018
Expedido(a)
Ofício 11391/2018 - 13ª VARA
FEDERAL DE CURITIBA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARANÁ - COM CÓPIA DO DESPACHO E DA
PETIÇÃO INICIAL - BI226680266BR - Data da Remessa: 07/06/2018
·
06/06/2018
Publicação, DJE
DJE nº 111, divulgado em 05/06/2018
·
04/06/2018
Comunicação assinada
INFORMAÇÃO GERAL - SEJ
·
04/06/2018
Certidão
Certifico que elaborei 1 ofício.
Despacho de 1º/6/18.
·
04/06/2018
Despacho
Ausente pedido liminar,
solicitem-se informações ao Juízo de primeiro grau, bem como o encaminhamento
de cópia da sentença proferida e das alegações finais apresentadas pelas
partes, especialmente dos corréus apontados como colaboradores. Com tais informações,
dê-se vista à PGR.
·
30/05/2018
Conclusos
ao(à) Relator(a)
·
30/05/2018
Distribuído por prevenção
MIN. EDSON FACHIN. Prevenção do
Relator/Sucessor: MIN. EDSON FACHIN. Processo que justifica: HC 152676.
Justificativa legal: RISTF, art. 77-D, caput
·
29/05/2018
Autuado
·
29/05/2018
Protocolado
Decisão do STF inspira indagação: E a propina?
Josias de Souza
28/08/2019 15h32
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal
anulou pela primeira vez uma sentença de Sergio Moro na Lava Jato. A decisão
beneficiou Aldemir Bendine, que presidiu a Petrobras sob Dilma Rousseff.
Alegou-se que houve um defeito processual. Coisa não prevista em lei. Nada a
ver com as provas mencionadas no veredicto de Moro, que estava na bica de ser
confirmado pelo TRF-4, tribunal de segunda instância. A reviravolta deixou
boiando na atmosfera uma pergunta incômoda: E a propina de R$ 3 milhões que
Bendine recebeu da Odebrecht?
O miolo da encrenca envolve um debate
capcioso sobre o prazo para a apresentação das últimas manifestações das partes
envolvidas no processo antes da sentença do juiz. Por 3 votos a 1, prevaleceu a
tese segundo a qual Bendine, como réu delatado, deveria ter apresentado suas
"alegações finais" por último, depois dos delatores. A defesa
reclamou que Moro abriu prazo conjunto para a manifestação dos réus, sem
distinguir delatado e delatores. O então juiz da Lava Jato procedeu assim em
todos os processos com a participação de delatores na Lava Jato.
Um observador leigo fica tentado a
perguntar aos seus botões: por que diabos Sergio Moro cometeria um erro tão
banal? Antes de responder, é preciso fazer um esclarecimento: Não há no Código
de Processo Penal nem na Lei de Delações nenhuma menção a prazos distintos para
a manifestação final dos réus. Ou seja, Moro não atropelou a legislação. Para
ele, o fato de ter delatado não retira de um criminoso a condição de réu.
Portanto, não haveria razão para diferenciar corruptos delatores de larápios
delatados.
Na visão de Moro, a acusação continua
sendo uma prerrogativa da Procuradoria. E os procuradores da força-tarefa de
Curitiba falaram nos autos antes de Bendine. Ou seja: o sacrossanto direito de
defesa foi exercido em sua plenitude. Na novíssima interpretação da Segunda
Turma, o delator deve ser tratado não como um réu convencional, mas como uma
espécie de testemunha de acusação. Assim, embora não exista previsão legal, o
juiz deveria ter observado o princípio geral do Direito que concede à defesa a
prerrogativa de se manifestar depois da acusação. Nessa versão, a manifestação
do réu-delator viria obrigatoriamente antes.
Vale a pena repetir a pergunta lá do
alto: E a propina de R$ 3 milhões que Bendine recebeu da Odebrecht? O
ex-mandachuva da Petrobras foi condenado por Moro a 11 anos de cadeia porque
não conseguiu refutar as provas de que se vendeu em troca de favores à
empreiteira. A defesa de Bendine foi malsucedida também no TRF-4, que confirmou
a sentença de primeira instância. Os desembargadores do segundo grau
discordaram apenas do tamanho da pena, reduzindo-a para 7 anos e 9 meses.
Faltava o julgamento de um derradeiro recurso para que Bendine retornasse ao
xilindró, para o cumprimento da pena.
Considerando-se a corrupção sistêmica
que a Lava Jato trouxe à tona, é imperioso constatar que a Segunda Turma do
Supremo responde à epidemia de roubalheira com a patologia do formalismo
processual. Sempre que não consegue livrar um réu das acusações que lhe são
imputadas, os advogados lançam mão de incidentes processuais. Isso muitas vezes
não tem nada a ver com o tão aclamado devido processo legal ou com o pleno
direito de defesa. Trata-se apenas de um antibiótico que livra culpados das
dores de suas penas e infecta no sistema judicial brasileiro o vírus da
impunidade.
No caso de Bendine não houver nem
mesmo a preocupação de demonstrar cabalmente que o suposto defeito processual
resultou em prejuízo efetivo para o exercício do direito de defesa. O
formalismo prevaleceu sobre todas as coisas.
Há uma euforia entre os criminalistas
que atendem à clientela da Lava Jato. Vem aí uma penca de recursos pedindo a
extensão do benefício concedido a Bendine para outros condenados. A defesa de
Lula já ocupa o primeiro lugar na fila. Difícil entender tanta alegria. O
estrago é grande, mas ainda não é definitivo. Bendine não foi inocentado. O
processo retornou à 13ª Vara de Curitiba. Ali, o juiz Luiz Antônio Bonat,
substituto de Moro, tende a reiterar a condenação. O que preocupa é a sensação
de que a suprema Justiça, além de ser cega, perdeu o olfato. Já não consegue
farejar o principal: E a propina?
https://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2019/08/28/decisao-do-stf-inspira-indagacao-e-a-propina/
27. DIANTE DA LEI
FRANZ KAFKA (1883-1924 | Checoslováquia)
Na dicotomia crime-e-castigo, a obra de Kafka, de América, passando por A Metamorfose, por seu Diário e por seus muitos contos e alegorias, se atém ao item "castigo", ou seja, a ênfase fica na culpa e na predestinação do pecado original judaico-cristão que estaria presente nas nossas vidas desde o nosso nascimento: somos todos culpados. Poucos escritores, modernos ou não, se utilizaram da alegoria como Kafka. (Alegoria? "Metáfora continuada com significado diverso daquele diretamente enunciado" -segundo o Koogan-Houaiss.) Boa mostra disso é a sua famosa Diante da Lei, que ele desenvolveria numa de suas obras-primas: O Processo.
Diante da
Lei vê-se um guardião. Chega um homem do campo e pede a ele para entrar na Lei.
Mas o guardião diz-lhe que, por enquanto, não tem como autorizá-lo a entrar. O
homem pensa um pouco e pergunta depois se poderá entrar mais tarde.
- É possível
- responde o guardião. - Mas não agora.
O guardião
afasta-se então da porta da Lei, aberta como sempre, e o homem curva-se
para dar uma olhada lá para dentro. Ao vê-lo assim, o guardião ri e diz a ele:
- Se isso
tanto lhe atrai, experimente entrar, apesar da minha proibição. Mas repare só:
sou forte. E mesmo que eu seja o último dos guardiões. De sala para sala,
guardas cada vez mais fortes estão de prontidão, de tal maneira que não consigo
sequer agüentar o olhar do terceiro depois de mim.
O homem do
campo não esperava tanta dificuldade assim; a Lei haveria de ser
acessível a todos e sempre, pensou ele; mas ao olhar o guardião enrolado
no seu casaco forrado de pele, o nariz agudo, a barba à maneira tártara, longa,
fina e negra, preferiu aguardar até que lhe fosse concedida licença para
entrar. O guardião deu-lhe um banquinho e mandou que se sentasse ao pé da
porta, um pouco de lado. Ali ficou ele dias e anos. Fez diversas diligências
para entrar e com as suas súplicas acabou cansando o guardião. Que lhe fazia de
vez em quando pequenos interrogatórios, perguntava-lhe pela pátria e por muitas
outras coisas, mas eram perguntas lançadas com um tom de indiferença, como
fazem os grandes senhores; no fim acabava sempre dizendo que ainda não podia
deixá-lo entrar. O homem, que bem se provera para a viagem, empregava todos os
meios custosos para subornar o guardião. Ele tudo aceitava, mas dizia sempre:
- Só aceito
para que você se convença de que não deixou de fazer alguma coisa.
Durante anos
seguidos, quase que sem interrupção, o homem observa o guardião. Esquece os
demais e aquele só se lhe parece o único obstáculo à sua entrada na Lei. Nos
primeiros anos maldiz a sua sorte em alto e bom som; depois, à medida que ia
envelhecendo, limitava-se a resmungar com os seus botões. Torna-se infantil, e
como, depois de tanto examinar o guardião durante aqueles anos todos lhe
conhece até as pulgas do casaco de pele que ele veste, pede também às pulgas
que o ajudem a demover o guardião. Finalmente, se enfraquece-lhe a vista e
acaba por não saber se está escuro à sua volta ou se são os olhos que o enganam.
Mas ainda percebe no meio da escuridão um clarão que ternamente cintila por
sobre a porta da Lei. Agora é a morte que se aproxima. Antes morrer - e
acumulam-se na sua cabeça as experiências de tantos anos que vão culminar numa
pergunta que ainda não fizera ao guardião. Acena-lhe num gesto de mão, pois não
conseguia mais mover seu corpo já arrefecido. O guarda da porta precisa se
inclinar bem baixo porque a diferença de alturas se acentuara ainda mais em
detrimento do homenzinho do campo.
- Que deseja
você saber ainda? - pergunta o guardião. - Você é mesmo insaciável.
- Se todos
aspiram à Lei - disse o homem -, como é que, durante todos estes anos, ninguém
mais, a não ser eu, pediu para entrar?
O guardião,
notando que o homem está no fim, grita-lhe ao ouvido quase inerte:
- Aqui
ninguém mais, senão você, podia entrar, porque só para você era feita esta
porta. Agora vou-me embora e posso fechá-Ia.
Tradução de
Flávio Moreira da Costa
Mãos Dadas, de Carlos Drummond de Andrade, com
Georgette Fadel
Referências
https://www.globalframe.com.br/gf_base/empresas/MIGA/imagens/92A1F9049905C4D1C19E95DD3E90678A8441_aldemirbendine.jpg
https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI309776,71043-STF+anula+sentenca+de+Moro+que+condenou+Aldemir+Bendine+na+Lava+Jato
http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5472232
https://conteudo.imguol.com.br/blogs/58/files/2019/08/SupremoEstatuaAlanMarquesFolha.jpg
https://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2019/08/28/decisao-do-stf-inspira-indagacao-e-a-propina/
http://ensaio.org/os-100-melhores-contos-de-crime-e-mistrio-da-literatura-univer.html?page=25
https://youtu.be/pyyr3U3Lt6c
https://www.youtube.com/watch?v=pyyr3U3Lt6c&feature=youtu.be
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