Carnaval de Ilusões
A Vila desce colorida
Alegoria da Caverna da República de Plantão
E conhecereis a verdade, e a verdade vos
libertará.
João 8:32
João 8:32
Caramba
Nomes da incerteza
*José de Souza Martins:
- Valor Econômico
Capitalismo sem ética não é capitalismo, é
crime organizado. Economia que gera 13 milhões de desempregados não fruto de
competência empresarial, é falta de respeito pelo outro
Desde o dia 1º de janeiro, a formação
da opinião pública no Brasil oscila nas incertezas de palavras redefinidas pelo
conflito ideológico. Com as que ontem se queria dizer uma coisa, hoje se quer
dizer outra. Conceitos viraram preconceitos e, nessa forma, encheram a boca dos
que dizem o que já não sabem. O não saber ganhou aqui uma linguagem.
Por seu lado, os que ouvem esse dizer
indizente estão mais confusos do que suportam, acostumados que estavam com uma
linguagem simples e clara que todos conheciam. A nova linguagem é a da
incerteza com que nos fazem pensar sem querer e querer sem pensar. O real está
desencaixado, anômico.
Essa linguagem nos tem sido
apresentada como se fosse a de uma nova era, direita e de direita, contra uma
era só de esquerda. Mas estamos confusos até mesmo quanto ao que quer dizer
direita e, mais ainda, quanto ao que quer dizer esquerda. Fica evidente que
quem perdeu o poder, perdeu-o porque sua fala foi esvaziada pelo
desenraizamento. Em todas as eleições dos últimos anos, as esquerdas foram
derrotadas porque não sabiam dizer o que eram. Nem ao que vinham. Perderam-se
no desencontro entre linguagem e alianças esquisitas.
A confusa direita acabou revelando que
é de direita sem saber o que a direita é, votada por um eleitorado que tampouco
o sabe. Tudo o que as esquerdas e o centro fizeram no poder passou a ser
avaliado e concebido como o que deveria ser banido eleitoralmente. O não dessa
direita é apenas um não sem um sim alternativo.
Os partidos, de esquerda e de direita,
esqueceram-se de que a classe média é apenas média. Como toda média, é apenas
um ponto na escala de vacilações da sociedade. Para a classe média, direita é o
setor político que pode saciar o que a esquerda não lhe deu, no muito mais de
sua voracidade, do que queria e até do que a esquerda dissera que carecia.
Essa direita, que não é uma convicção
político-ideológica, é em boa parte apenas disposição para seguir quem
personifica os urros do ressentimento. Esta confusa direita do poder foi criada
na corrosão dos partidos no processo eleitoral, que emergiu das urnas com uma
cara desconhecida, sem doutrina nem direção.
Portanto, nesse vocabulário dominado
pela incerteza, os significados vão sendo inventados de um dia para o outro.
Vários dos membros do governo não têm hoje, sobre o próprio governo, as mesmas
certezas que diziam ter no dia 1º de janeiro. Mesmo o presidente da República
vem desenvolvendo a peculiar linguagem de desdizer no dia seguinte o que
dissera no dia anterior. O vocabulário da dúvida está implantado na alma do
poder. É uma técnica antidemocrática de dominação.
Não só lá, mas também nos diferentes
âmbitos da sociedade. Num grupo de conversação, testemunhei alguém dizer que a
coisa está ficando preta. Na hora, alguém da seita dos politicamente corretos
reagiu e repreendeu quem dissera a verdade ao definir a situação com a cor que
melhor cabia. "Isso é racismo", acrescentou.
As nuvens negras anunciadoras de
temporal, raiz desse dito popular, são apenas nuvens negras. Na boa e quase
sempre correta e poética meteorologia popular, esse dito não ofende ninguém,
não discrimina as nuvens e nada diz além do fato de que, provavelmente, vai
cair um temporal. Ou, em português claro: vai chover, independentemente da cor
de quem prognostica ou a de quem se molhará.
Nesse quadro de mudança de sentido das
palavras, no incômodo que nos provoca o fato de que o que dizemos já não é o
que queremos dizer, há um efeito desconstrutivo e revelador, formador de
consciência social e política: capitalismo sem ética não é capitalismo - é
crime organizado. Por isso está mais nas páginas policiais dos jornais do que
nas páginas econômicas.
Economia que gera 13 milhões de
desempregados e fome não é fruto de ciência e competência empresarial, é falta
de respeito pelo outro. Partido político sem ética não é partido político: é
quadrilha. Por isso, alguns dos nossos estão mais nas mesmas páginas policiais
do que nas páginas políticas. Movimentos sociais que não reconhecem o direito à
singularidade do outro não são movimentos sociais: são hordas. Por isso
escaparam da linha reta do possível para cair prisioneiros do aparelhismo
partidário, o peleguismo carneiril da renúncia ao protagonismo histórico a que
os simples têm direito.
Socialismo sem liberdade de
pensamento, de crítica, de individualidade, de discordância, não é socialismo:
é barbárie. Democracia em que todos são iguais perante a lei, mas em que alguns
são mais iguais, os de "A Revolução dos Bichos", de George Orwell,
não é democracia. É usurpação política. Governo em que os governantes se acham
acima da lei e da ordem não é governo, é golpe.
*José de Souza Martins é sociólogo.
Professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Membro da Academia Paulista
de Letras. Entre outros livros, autor de “Fronteira - A Degradação do Outro nos
Confins do Humano” (Contexto).
"Que é a verdade?" (João
18:38).
Mito da Caverna de Platão (resumo)
Resumo do mito da caverna de Platão, o
que é, metáfora, teoria e ideia
O que é o mito
O Mito da Caverna, também conhecido como “Alegoria da Caverna” é uma passagem do livro “A República” do filósofo grego Platão. É mais uma alegoria do que propriamente um mito. É considerada uma das mais importantes alegorias da história da Filosofia. Através desta metáfora é possível conhecer uma importante teoria platônica: como, através do conhecimento, é possível captar a existência do mundo sensível (conhecido através dos sentidos) e do mundo inteligível (conhecido somente através da razão).
O Mito da Caverna
O mito fala sobre prisioneiros (desde
o nascimento) que vivem presos em correntes numa caverna e que passam todo
tempo olhando para a parede do fundo que é iluminada pela luz gerada por uma
fogueira. Nesta parede são projetadas sombras de estátuas representando
pessoas, animais, plantas e objetos, mostrando cenas e situações do dia a dia.
Os prisioneiros ficam dando nomes às imagens (sombras), analisando e julgando
as situações.
Vamos imaginar que um dos prisioneiros
fosse forçado a sair das correntes para poder explorar o interior da caverna e
o mundo externo. Entraria em contato com a realidade e perceberia que passou a vida
toda analisando e julgando apenas imagens projetadas por estátuas. Ao sair da
caverna e entrar em contato com o mundo real ficaria encantado com os seres de
verdade, com a natureza, com os animais e etc. Voltaria para a caverna para
passar todo conhecimento adquirido fora da caverna para seus colegas ainda
presos. Porém, seria ridicularizado ao contar tudo o que viu e sentiu, pois
seus colegas só conseguem acreditar na realidade que enxergam na parede
iluminada da caverna. Os prisioneiros vão o chamar de louco, ameaçando-o de
morte caso não pare de falar daquelas ideias consideradas absurdas.
Mito da Caverna: uma das principais alegorias
da história da Filosofia
O que Platão quis dizer com o mito
Os seres humanos têm uma visão
distorcida da realidade. No mito, os prisioneiros somos nós que enxergamos e
acreditamos apenas em imagens criadas pela cultura, conceitos e informações que
recebemos durante a vida. A caverna simboliza o mundo, pois nos apresenta
imagens que não representam a realidade. Só é possível conhecer a realidade,
quando nos libertamos destas influências culturais e sociais, ou seja, quando
saímos da caverna.
Carnaval de Ilusões
Martinho da Vila
Ciranda cirandinha
Vamos todos cirandar
Vamos dar a meia volta
Volta e meia vamos dar
Fantasia
Deusa dos sonhos esteja presente
Nos devaneios de um inocente
Ó soberana das fascinações
Põe os seres do teu reino encantado
Desfilando para o povo deslumbrado
Num carnaval de ilusões
Na doce pausa
Dos folguedos infantis
Repousam a bola
E a bonequinha querida
No turbilhão do carrossel
Da alegre vida
Morfeu embala a criança tão feliz
Como num sonho encantador
Viaja ao mundo da fabulação
Terra da riqueza
E do fulgor
De tanta beleza
E do esplendor
Guiadas pela fada ilusão
Se juntam lendárias figuras
Personagens de leituras
Revividos na memória
Que ajusta ao imperfeito
A perfeição dos conceitos
De deleitosas histórias
Neste clima extasiante
O cortejo deslumbrante
Tudo envolve ao despertar
E ao mundo de verdade
Sem saber a realidade
Retorna o petiz a cantar
Ciranda, cirandinha
Vamos todos cirandar
Vamos dar a meia volta
Volta e meia vamos dar
Composição: Martinho da Vila
4 – Carnaval de ilusões: renovação do
samba-enredo através do partido-alto
Após cantar Boa noite, Martinho
da Vila aparece novamente conversando com seus ouvintes. Em um comentário muito
rápido, o sambista anuncia o próximo samba a ser interpretado: "Em 67, a
Vila chegou na (sic) cidade com um enredo genial! Gabriel e Dario bolaram um
carnaval de ilusões, sonhado por uma criança" (VILA, 1969, lado A, faixa
1, 1min24s a 1min34s). Imediatamente começa a cantar o refrão de Carnaval
de ilusões, samba-enredo composto para o desfile da Vila Isabel em 1967. Sua
letra, escrita por Gemeu, fazia referências ao universo infantil, criando um
clima de sonho e de imaginação. A canção (Ex.3) se inicia citando a cantiga de
roda Ciranda, cirandinha:
Enquanto o coro feminino repete esse
refrão, Martinho declama o texto original de Gemeu, onde se percebem várias
figuras do mundo infantil – os folguedos infantis, a bola, a bonequinha e o
carrossel – embalados por um clima de sonho e imaginação ("Fantasia, deusa
dos sonhos esteja presente", "seres do teu reino encantado").
Fantasia, deusa dos sonhos esteja
presente
Nos devaneios de um inocente
Ó soberana das fascinações
Põe os seres do teu reino encantado
Desfilando para o povo deslumbrado
Num carnaval de ilusões
Na doce pausa dos folguedos infantis
Repousam a bola e a bonequinha querida
No turbilhão do carrossel da alegre vida
Morfeu embala a criança tão feliz
Como num sonho encantador
Viaja ao mundo da fabulação
(VILA, 1969, lado A, faixa 1, 1min46s a 2min21s)
Nos devaneios de um inocente
Ó soberana das fascinações
Põe os seres do teu reino encantado
Desfilando para o povo deslumbrado
Num carnaval de ilusões
Na doce pausa dos folguedos infantis
Repousam a bola e a bonequinha querida
No turbilhão do carrossel da alegre vida
Morfeu embala a criança tão feliz
Como num sonho encantador
Viaja ao mundo da fabulação
(VILA, 1969, lado A, faixa 1, 1min46s a 2min21s)
Depois disso, Martinho volta a cantar
(Ex.4):
Enfim, à semelhança do que havia
acontecido anteriormente, o coro feminino repete esse trecho da canção,
enquanto Martinho declama outra parte do texto original de Gemeu, trazendo
novos elementos ligados à infância (fada, figuras lendárias, personagens de
leituras):
Guiadas pela fada Ilusão
Se juntam lendárias figuras
Personagens de leituras
Revividos na memória
Que ajusta ao imperfeito
A perfeição dos conceitos
De deleitosas histórias
(VILA, 1969, lado A, faixa 1, 2min38s a 2min55s)
Se juntam lendárias figuras
Personagens de leituras
Revividos na memória
Que ajusta ao imperfeito
A perfeição dos conceitos
De deleitosas histórias
(VILA, 1969, lado A, faixa 1, 2min38s a 2min55s)
O fato de Martinho declamar trechos
dessa canção ao invés de cantá-la por inteiro sugere que ele pretende destacar
o texto de Gemeu. Isso se deve ao fato de que a temática desenvolvida
por Gemeu e transformada por Martinho em samba-enredo era algo diferenciado em
relação ao que usualmente acontecia nesse segmento do samba. Isso porque até
então os sambas-enredo costumavam abordar "grandes" personagens ou
"grandes" eventos da história brasileira, repertório que ficou
conhecido como "samba-lençol"14. Para se ter um exemplo disso, no mesmo
ano em que a Vila desfilou com Carnaval de ilusões, a Mangueira sagrou-se
a campeã do carnaval com o samba-enredo O mundo encantado de Monteiro
Lobato. Essa referência ao "mundo encantado", presente no título
desse samba-enredo, sugere que a canção vá homenagear o escritor em questão por
sua produção infanto-juvenil. Contudo, ao longo de seu texto, são muito breves
as alusões a esse universo da fantasia, que ficam restritas ao trecho
"Relembro / Aquele mundo encantado / Fantasiado de dourado / Oh, doce ilusão
/ Sublime relicário de criança". De resto, a composição consiste em uma
série de elogios ao "escritor genial", "grande sonhador",
possuidor de "uma luz divinal", de uma "escritura
emocionante" e criador de "obras imortais", "contos
triunfais" e "personagens fascinantes". Mesmo abordando algo que
se liga ao universo infantil, a canção não priorizou a descrição desse
universo, tal qual acontece no samba-enredo de Martinho, mas se preocupou em
exaltar (monumentalizar) a figura de Monteiro Lobato. Do ponto de vista
harmônico, não se observa um diatonismo estrito, mas aparecem algumas
Dominantes individuais e o acorde de Subdominante menor, que ampliam um pouco a
tonalidade15.
Por sua vez, no Carnaval de
ilusões de Martinho da Vila observa-se um tratamento muito mais simples,
tanto poética quanto musicalmente. Em termos narrativos, o sambista se afasta
de um tratamento monumental ao abordar um tema ligado ao universo
infantil, ao cotidiano. Musicalmente, como anteriormente exposto, Martinho se
mantém naquele loop de acordes estritamente diatônico. Tais
características, cabe lembrar, foram repetidas pelo cancionista em outros
sambas-enredo que compôs para a Vila Isabel.
Esse pode ser um indício da
aproximação que Martinho promoveu entre o samba-enredo e o partido-alto. Ou, na
verdade, de uma reaproximação. Isso porque o partido-alto, conforme Nei Lopes,
é composto por um refrão, cantado em coro, e uma parte solada, com versos
improvisados (LOPES, 1992, p.51) e que o samba composto para o carnaval até o
início dos anos 1930 também apresentava uma segunda parte aberta à improvisação
de versos (FENERICK, 2005, p.119). Contudo, a partir das intervenções da
política varguista no repertório carnavalesco, que objetivavam tirar a
imprevisibilidade do samba e fazer com que ele passasse a veicular temas
nacionais, o samba-enredo trilhou um caminho independente do partido-alto. É
nesse sentido que se pode pensar que Martinho tenha reaproximado esses dois
segmentos e, com isso, substituiu o caráter monumental que o
samba-enredo havia assumido pela simplicidade do partido-alto.
Em decorrência disso, Martinho foi
saudado por alguns críticos musicais e jornalistas do período como um
importante renovador do samba-enredo. É o que se percebe, por
exemplo, com Tárik de Souza, que afirma que "as modificações que
[Martinho] introduziu com a trilogia Carnaval de Ilusões (67), Quatro
Séculos de Modas (68) e Iaiá do Cais Dourado (69) foram
cruciais" (SOUZA, 1983, p.166)16. O autor destaca ainda que não eram
apenas nas letras que Martinho teria realizado transformações:
O samba enredo iniciava, desde
Martinho, um processo de confluências e modificações que acelerariam seu ritmo,
aproximando-o da velocidade da marchinha e dos chamados sambas-de-embalo ou
empolgação, que transformariam esse gênero no dominante do carnaval. (SOUZA,
1983, p.166-7)
Contudo, Tárik observa que Martinho
não foi renovador somente no samba-enredo, mas que introduziu
inovações no próprio partido-alto:
Numa posição paralela com Jorge Ben
que fundiu o samba ao cadenciado maracatu, com uma pitada de América Central
e rhythm & blues americano, Martinho apanhou o aleatório partido
alto, sempre complementado no ato por versos improvisados (o que é obviamente
impossível numa reprodução gravada) e cristalizou-o, dando-lhe estrutura
definida e formato identificável, tal como Luiz Gonzaga fez com o difuso baião
nordestino. Martinho, portanto, na célebre classificação de Ezra Pound é um
inventor, que deu origem a forma conceitualmente nova, que já não guarda senão
semelhança com o original. (SOUZA, 1983, p.167-8)
De volta ao fonograma analisado,
verificamos que ele apresenta certa unidade entre suas duas partes, uma vez
que, antes de apresentar o lado renovador de Martinho presente
em Carnaval de ilusões, foi enfatizado o caráter "autêntico" de
sua produção musical, mostrando sua ligação com o carnaval e as escolas de
samba. Percebe-se, assim, que, para ser visto como alguém capaz de renovar,
foi preciso que Martinho se integrasse ao circuito "tradição" para se
legitimar. Nesse sentido, ganha destaque o conjunto de ações que acompanhou a
trajetória do sambista ao longo da década de 1970 no sentido de aproximá-lo
cada vez mais do pólo da "autenticidade" do samba.
Caramba
Martinho da Vila
Fala fala falador
Não lhe dou bola porque eu sou bamba
Malha, malha malhador
Que não aceita a evolução do samba
A minha Vila deslumbrou
Naquela manhã de carnaval
Todo povo incentivou
A ciranda cirandinha
No desfile principal
Só a comissão
Não viu cadência numa grande bateria
Nem se comoveu
Com a beleza do desfile-fantasia
Caramba, caramba
Nem o Chico entendeu
O enredo do meu samba
Mas esse ano eu vou deixar cair
Não quero mais ficar com o quarto lugar
Rapaziada vai se reunir
E a minha Vila vai descer pra clarear
Fala, fala falador.
Não lhe dou bola porque eu sou bamba
Malha, malha malhador
Que não aceita a evolução do samba
A minha Vila deslumbrou
Naquela manhã de carnaval
Todo povo incentivou
A ciranda cirandinha
No desfile principal
Só a comissão
Não viu cadência numa grande bateria
Nem se comoveu
Com a beleza do desfile-fantasia
Caramba, caramba
Nem o Chico entendeu
O enredo do meu samba
Mas esse ano eu vou deixar cair
Não quero mais ficar com o quarto lugar
Rapaziada vai se reunir
E a minha Vila vai descer pra clarear
Fala, fala falador.
Ciranda Cirandinha
Martinho da Vila
Fala fala falador
Não lhe dou bola porque eu sou bamba
Malha, malha malhador
Que não aceita a evolução do samba
A minha Vila deslumbrou
Naquela manhã de carnaval
Todo povo incentivou
A ciranda cirandinha
No desfile principal
Só a comissão
Não viu cadência numa grande bateria
Nem se comoveu
Com a beleza do desfile-fantasia
Caramba, caramba
Nem o Chico entendeu
O enredo do meu samba
Mas esse ano eu vou deixar cair
Não quero mais ficar com o quarto
lugar
Rapaziada vai se reunir
E a minha Vila vai descer pra clarear
Fala, fala falador
Composição: Martinho da Vila
5 – Caramba: uma nova e incompreendida
"modernização" para o samba
Após destacar o seu pertencimento à
"tradição" do samba com Boa noite e apresentar seu
caráter renovador com Carnaval de ilusões, Martinho faz seu
terceiro e último comentário no fonograma antes de iniciar a também última
canção. Tal comentário ainda se remetia ao samba-enredo Carnaval de
ilusões, aludindo à recepção que o mesmo obteve no desfile em que foi
apresentado:
Botar música nessa poesia do Gemeu não
foi mole, não
E os críticos meteram o pau no samba-enredo
E a Vila perdeu o carnaval
O meu amigo Chico Buarque de Hollanda dormiu
O resto da comissão não entendeu nada
No dia do resultado, eu fiz o meu primeiro samba de protesto
(VILA, 1969, lado A, faixa 1, 3min57s a 4min17s)
E os críticos meteram o pau no samba-enredo
E a Vila perdeu o carnaval
O meu amigo Chico Buarque de Hollanda dormiu
O resto da comissão não entendeu nada
No dia do resultado, eu fiz o meu primeiro samba de protesto
(VILA, 1969, lado A, faixa 1, 3min57s a 4min17s)
Se o fato de ter anteriormente
declamado trechos de Carnaval de ilusões dava destaque à poesia de
Gemeu, agora, com o início desse comentário, Martinho chama a atenção de seu
ouvinte para sua própria habilidade enquanto compositor ao destacar a
dificuldade de transformar aquele texto em um samba-enredo. Por isso, o
sambista reclama do pouco reconhecimento que recebeu por parte da comissão
julgadora – da qual também participava Chico Buarque – ao realizar essa
empreitada. Esse aspecto se encontra desenvolvido no texto de sua canção Caramba,
que se segue ao comentário já apresentado. Vejamos sua primeira parte (Ex.5):
Nas duas primeiras frases desse samba
("Fala, fala, falador / Não lhe dou bola porque eu sou bamba"),
Martinho diz não estar incomodado diante das más avaliações que recebeu, uma
vez que ele é um detentor da "tradição" do samba, visto que se afirma
como um bamba. Por sua vez, as frases seguintes ("Malha, malha,
malhador / Que não aceita a evolução do samba") completam o discurso do
cancionista: como um "autêntico" sambista, ele pode dar um passo
à frente no samba, algo que acaba não sendo compreendido ou aceito pelos
ouvintes. Isso se encontra reforçado no juízo que Martinho faz sobre a comissão
julgadora do desfile, tal como se apresenta na segunda parte de Caramba (Ex.6):
Nesse posicionamento de Martinho, pode-se
perceber alguma ressonância daquela figura romântica do gênio:criador, inovador, à
frente de seu tempo, e que acaba sendo incompreendido por seus
contemporâneos17. Em uma matéria de jornal, localizamos
uma citação de Martinho na qual o sambista toma para si essa figura de maneira
ainda mais clara. Na verdade, o texto dessa matéria trazia críticas ao show do
disco Rosa do povo, de Martinho (VILA, 1977, LP). Ainda assim, o
jornalista apresentou a fala do próprio sambista, que se defendeu das críticas
apoiando-se nessa figura do artista incompreendido:
O espectador paga 60 cruzeiros,
senta-se em poltronas desconfortáveis e tem início o show: durante três minutos
um gravador reproduz a fita em que Martinho declama o poema Rosa do Povo,
de Carlos Drummond de Andrade. Mais tarde, a dose seria repetida: do gravador,
no ambiente todo escuro, ouvem-se, por cinco minutos, as vozes de Martinho e
João Nogueira cantando um samba da dupla, João e José. Por que não a
apresentação do poema e da música ao vivo? Afinal, ninguém ali entrou para
ouvir discos. "O artista é assim mesmo", responde Martinho da Vila,
"tem umas ideias diferentes e não pode ficar preocupado se as pessoas vão
entender ou não" (SANTOS, 1977, p.92).
Interessante perceber que, se o
jornalista em questão não assumia o partido de Martinho, Tárik de Souza, por
outro lado, reproduz uma visão muito próxima à do próprio sambista. Após falar
sobre as inovações de Martinho no samba-enredo e no partido-alto, o
crítico comenta:
Todas essas mudanças mal percebidas ou
pouco analisadas dão medida do grau de marginalização cultural a que o samba
ainda continua relegado. Apesar de ter sido projetado através da via comum dos
festivais, [...] o partido alto de Martinho não pegou carona, sequer como
pingente, na chamada linha evolutiva da música popular brasileira. [...] As
modificações introduzidas de dentro pelos próprios sambistas com a
incorporação de outras influências brasileiras – como são os casos de Paulinho
da Viola e Martinho da Vila – permanecem à parte dessa evolução, na verdade
paralela e integrada (SOUZA, 1983, p.167, grifo no original)
Como um "autêntico" artista
do universo do samba, que consegue inovar em virtude de seu
conhecimento e domínio da "tradição", mas que não é compreendido por
seus pares, Martinho finaliza essa canção com um pequeno refrão que retoma a
crítica, presente já no comentário que a antecede, a um "monstro
sagrado"18 da MPB, Chico Buarque.
Ex.7
Os versos "Nem o Chico entendeu /
o enredo do meu samba" trazem uma mensagem bastante forte: nem mesmo um
cancionista tão reconhecido como Chico Buarque teria sido capaz de perceber as
inovações que Martinho estava fazendo. Nesse sentido, Martinho estaria se
colocando à frente de Chico, visto que ele representaria a renovação desse
repertório, enquanto que este último estaria ainda preso a algum cânone.
Mais do que isso, cabe perceber o novo
significado que Martinho atribui ao protesto. É sabido que, para a MPB, a
expressão "canção de protesto" era empregada para rotular um
repertório engajado, que denunciava injustiças sociais e políticas, convidando
para a revolução. Por sua vez, Martinho da Vila, ao caracterizar sua canção
"Caramba" como um "samba de protesto", o faz com um novo
sentido, uma vez que ele não está reclamando sobre os problemas do
"povo", mas está, de certo modo, contestando a legitimidade e a
avaliação do júri, inclusive de Chico Buarque. De modo mais amplo, pode-se
dizer que o "inimigo" de Martinho nessa canção não é o latifúndio, o
imperialismo ou o governo militar, tal qual acontecia na canção de protesto,
mas é a própria MPB, que, conforme Napolitano, funcionava como um
"totem-tabu" da música popular:
Como "totem", sugere
cânones, modelos, percepções estéticas e informa valores ideológicos. Como
"tabu", delimita, veta e discrimina hierarquias culturais,
prescrevendo possibilidades e interdições de escuta (NAPOLITANO, 2005, p.129).
Quatro Séculos de Modas e Costumes
Martinho da Vila
A Vila desce colorida
Para mostrar no carnaval
Quatro séculos de modas e costumes
O moderno e o tradicional
Negros, brancos, índios
Eis a miscigenação
Ditando a moda
Fixando os costumes
Os rituais e a tradição
E surgem tipos brasileiros
Saveiros e batedor
O carioca e o gaúcho
Jangadeiro e cantador
Lá vem o negro
Vejam as mucamas
Também vem com o branco
Elegantes damas
Desfilas modas no Rio
Costumes do norte
E a dança do sul
Capoeira, desafios
Frevos e maracatu
Laiaraiá, ô
Laiaraiá
Festa da menina-moça
Na tribo dos carajás
Candomblés lá da Bahia
Onde baixam os orixás
É a Vila que desce!
Composição: Martinho da Vila
Quatro séculos de modas e costumes
Martinho da Vila
A Vila desce colorida
Para mostrar no carnaval
Quatro séculos de modas e costumes
O moderno e o tradicional
Negros, brancos, índios
Eis a miscigenação
Ditando a moda
Fixando os costumes
Os rituais e a tradição
Para mostrar no carnaval
Quatro séculos de modas e costumes
O moderno e o tradicional
Negros, brancos, índios
Eis a miscigenação
Ditando a moda
Fixando os costumes
Os rituais e a tradição
E surgem tipos brasileiros
Saveiros e batedor
O carioca e o gaúcho
Jangadeiro e cantador
Saveiros e batedor
O carioca e o gaúcho
Jangadeiro e cantador
Lá vem o negro
Vejam as mucamas
Também vem com o branco
Elegantes damas
Vejam as mucamas
Também vem com o branco
Elegantes damas
Desfilas modas no Rio
Costumes do norte
E a dança do sul
Capoeira, desafios
Frevos e maracatu
Costumes do norte
E a dança do sul
Capoeira, desafios
Frevos e maracatu
Laiaraiá, ô
Laiaraiá
Laiaraiá
Festa da menina-moça
Na tribo dos carajás
Candomblés lá da Bahia
Onde baixam os orixás
Na tribo dos carajás
Candomblés lá da Bahia
Onde baixam os orixás
É a Vila que desce
Compositores: Martinho Ferreira
Letra de Quatro séculos de modas e
costumes © Irmaos Vitale SA Industria E Comercio
Referências
http://gilvanmelo.blogspot.com/2019/06/jose-de-souza-martins-nomes-da-incerteza.html
https://www.estudosdabiblia.net/d2.htm
https://www.suapesquisa.com/uploads/site/156x133_mito_da_caverna.gif
https://www.suapesquisa.com/platao/mito_da_caverna.htm
https://youtu.be/3K99Ie8xsuY
https://www.letras.mus.br/martinho-da-vila/285160/
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-75992013000200016
https://youtu.be/WRTXL29c5wQ
https://www.letras.com.br/martinho-da-vila/caramba
https://youtu.be/o1RQWPJxWXE
https://www.letras.mus.br/martinho-da-vila/285161/
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-75992013000200016
https://youtu.be/9hrNoRf7rBk
https://www.letras.mus.br/martinho-da-vila/285174/
Letra de Quatro séculos de modas e
costumes © Irmaos Vitale SA Industria E Comercio
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