‘São nulas as provas obtidas com ilicitude’,
diz ex-ministro do STF
Por Valor, com Agência O Globo | Valor
SÃO PAULO - Ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) entre 1990 e 2006, o jurista Carlos Velloso
declarou, em entrevista ao jornal O Globo, que os vazamentos de conversas entre
o ministro da Justiça, Sergio Moro, e o procurador da República Deltan
Dallagnol no âmbito da Lava-Jato não devem virar trunfos jurídicos para
acusados pela operação, tampouco enfraquecer as investigações contra corrupção,
já que as provas "são ilícitas".
Para Velloso, a opinião pública está
"contra a impunidade", mas enxerga riscos maiores no exercício da
magistratura.
Segundo ele, os vazamentos das
conversas tratam de tema que deve ser tratado com cautela, porque derivaram de
ilegalidade, que foi a invasão dos telefones por hackers.
"É um meio de comunicação em que
prevalece a privacidade. Então há um caso surgido de provas ilícitas, algo que
a Constituição não admite. A lei diz que são nulas as provas obtidas com
ilicitude, e esta é a primeira questão que tem que ser posta em mesa para
debate".
16/06/2019 às 13h57
''Há uma campanha para desacreditar a
Lava-Jato'', diz Carlos Velloso
Carlos Velloso, ex-presidente do STF,
diz que hackers são criminosos e que aqueles a favor de um país sem corrupção
querem Moro no Ministério da Justiça
Ana Dubeux AM Ana Maria
Campos
postado em 16/06/2019 08:00 /
atualizado em 16/06/2019 08:32
(foto: Breno Fortes/CB/D.A Press)
Em meio ao vazamento de conversas que
manteve em aplicativos de celular, o ministro da Justiça e Segurança Pública,
Sérgio Moro, vive uma avalanche de críticas e também de palavras de apoio e
admiração nas redes sociais. Em meio à polêmica, há vozes do próprio
Judiciário.
Ex-presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), o ministro aposentado Carlos Mário da Silva Velloso, hoje
advogado, é um dos que saem em defesa do ex-juiz da 13ª Vara Criminal de
Curitiba.
Para Velloso, existe em curso uma campanha para desacreditar a Operação Lava-Jato, que desvendou o maior esquema de corrupção do país. Moro seria alvo de uma ação criminosa por meio da invasão de celulares de seus interlocutores, procuradores da força-tarefa de Curitiba, entre os quais, o coordenador do grupo, Deltan Dallagnol.
Pelo que surgiu até agora, não há, na opinião de Velloso, nada que indique uma atuação ilegal, grave ou ativismo político contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por parte do ex-magistrado e dos integrantes do Ministério Público, como acusam os críticos de Moro.
Velloso aponta uma nova forma de processar denúncias de corrupção, com métodos menos fundamentados na doutrina e mais baseados na prática, decorrentes dos ensinamentos de Harvard, onde estudaram alguns dos integrantes da força-tarefa. E o ex-presidente do STF faz um alerta: se houve uma invasão de chats de autoridades públicas, nenhum cidadão está protegido. “Toda a sociedade corre perigo: as autoridades, os empresários e demais cidadãos”, adverte.
Na entrevista, concedida ao Correio na última sexta-feira, Velloso ressalta que ainda é cedo para se falar em nomeações para o STF, mas defende que Moro seria um bom nome para a vaga. Quanto ao afastamento do ex-juiz do Ministério da Justiça, como já se cogita, ele afirma: “A quem interessa que Moro deixe o ministério? Os homens de bem não devem pensar assim”.
Para Velloso, existe em curso uma campanha para desacreditar a Operação Lava-Jato, que desvendou o maior esquema de corrupção do país. Moro seria alvo de uma ação criminosa por meio da invasão de celulares de seus interlocutores, procuradores da força-tarefa de Curitiba, entre os quais, o coordenador do grupo, Deltan Dallagnol.
Pelo que surgiu até agora, não há, na opinião de Velloso, nada que indique uma atuação ilegal, grave ou ativismo político contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por parte do ex-magistrado e dos integrantes do Ministério Público, como acusam os críticos de Moro.
Velloso aponta uma nova forma de processar denúncias de corrupção, com métodos menos fundamentados na doutrina e mais baseados na prática, decorrentes dos ensinamentos de Harvard, onde estudaram alguns dos integrantes da força-tarefa. E o ex-presidente do STF faz um alerta: se houve uma invasão de chats de autoridades públicas, nenhum cidadão está protegido. “Toda a sociedade corre perigo: as autoridades, os empresários e demais cidadãos”, adverte.
Na entrevista, concedida ao Correio na última sexta-feira, Velloso ressalta que ainda é cedo para se falar em nomeações para o STF, mas defende que Moro seria um bom nome para a vaga. Quanto ao afastamento do ex-juiz do Ministério da Justiça, como já se cogita, ele afirma: “A quem interessa que Moro deixe o ministério? Os homens de bem não devem pensar assim”.
O que está por trás do vazamento de
mensagens, possivelmente por hackers, do ministro Sérgio Moro e de integrantes
da força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba?
A operação Lava-Jato esclareceu a
ocorrência de monumental corrupção na administração pública, especialmente na
Petrobras. Agentes públicos e do poder econômico em conluio se apropriaram de
bilhões de reais de dinheiro público. Homens poderosos do poder econômico e do
poder público estão presos ou estão sendo processados. Há acordos de delação
premiada que escancaram essa corrupção. Muito dinheiro público roubado está
sendo recuperado. Quem estaria por trás dessa articulação contra Sérgio Moro e
a força-tarefa da Lava-Jato? É fácil responder. Sem dúvida existe campanha para
desacreditar a operação Lava-Jato, mediante meios ilegais, ilícitos, como
ocorreu.
É o sistema reagindo ao combate à
corrupção?
A reação ao combate à corrupção não
vai dar certo. É que o Judiciário brasileiro é muito cônscio de suas
atribuições, de sua independência. Há um trabalho sincronizado de juízes,
membros do Ministério Público, Polícia Federal, agentes da Receita Federal e de
órgãos administrativos. A opinião pública está do lado do combate a esse mal
que degrada a República, que é a corrupção. Esse trabalho está dando certo. E dando
certo, porque ele está sendo feito vigorosamente, mas com respeito às garantias
constitucionais. Os tribunais estão atentos a isso.
A Lava-Jato será desacreditada?
Interceptações ilegais de conversas ao
telefone, invasões de conversas privadas constituem ilegalidades muito graves.
Constituem crime. São provas ilícitas. Se há invasão de conversas ao telefone
ou em outros meios de conversações de procuradores ou juízes, toda a República
pode ser hackeada e ninguém, homens públicos e entes privados, ficaria seguro.
Toda a sociedade corre perigo: as autoridades, os empresários e demais
cidadãos. Hackers chamam concorrência. Investigações privilegiadas podem
beneficiar ou prejudicar. Esse tipo de atuação é ilícita e condenável.
Os críticos de Moro dizem que, ao
levantar o sigilo de conversas entre a então presidente Dilma Rousseff e o
ex-presidente Lula, ele incorreu no mesmo tipo de quebra de confidencialidade.
Concorda?
Levantamento de sigilo de conversas de
Dilma e Lula... Isso são coisas diferentes. E se procedente a sua indagação, um
malfeito não justifica outro malfeito.
Esse tipo de troca de impressões
reveladas nas mensagens entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol é comum?
Esse tipo de troca de impressões a que
você se refere entre juízes e promotores pode ser inadequado, mas não tem a
gravidade que alguns desejam lhe imputar. Juízes, advogados e promotores
mantêm, de regra, bom relacionamento, o que é bom.
O que é mais grave: a invasão no
telefone de autoridades públicas ou o conteúdo das conversas?
O que li a respeito na imprensa é que
o juiz Sérgio Moro teria conversado com o procurador a respeito de algo
relativo à denominada operação Lava-Jato. Na conversa noticiada, não vi nenhum
diálogo relativo a um caso que envolvesse combinação de procurador e juiz a
respeito de provas a serem produzidas para alcançar um determinado fim. Haveria
um momento em que o procurador diz que repetirá pedido que fora indeferido pelo
juiz ou tribunal, e o juiz Moro acrescenta que isso somente seria possível com
a existência de novos fatos, ou fatos graves. E parece que o novo pedido foi
indeferido.
Mas indica uma parcialidade na
investigação e na condução dos processos da Lava-Jato?
Primeiro, diante de sua indagação se
há revelação de conduta parcial do juiz, é preciso dizer que, se houvesse, o
que não vejo, você deve considerar que estaríamos diante de uma prova nula,
porque ilícita.
O ministro Edson Fachin declarou que a Lava-Jato trouxe um novo padrão normativo e jurídico. O senhor concorda?
Estou de acordo com o ministro Fachin.
Realmente a Lava-Jato prestou e tem prestado inestimáveis serviços à sociedade
brasileira. Realmente tem um novo parâmetro. Aqueles jovens procuradores e o
próprio juiz Moro absorveram muito do pragmatismo jurídico norte-americano.
Estiveram em Harvard. Esse pragmatismo prega menos doutrina e mais atuação
objetiva, tanto de juízes, quanto de procuradores, quanto de advogados.
Houve alguma atuação política
indevida, pelo que se vê até agora, nos processos contra o ex-presidente Lula?
Houve ativismo político?
Penso que não. Afinal de contas, as
ações contra Lula têm corrido publicamente, ao vivo e em cores, na tevê. O
julgamento pelo Tribunal Regional Federal foi ao vivo e em cores. Então, temos
no (ex) juiz Moro um juiz severo, mas um juiz que cumpre as garantias
constitucionais. Prestou grandes serviços à Justiça.
Como o cidadão comum entende essa
crise, a união entre Moro e o Ministério Público na Lava-Jato?
Não acho que houve essa união. O que
houve foi um trabalho harmônico, entre juiz, Ministério Público, Polícia
Federal, Receita Federal e órgãos administrativos. Mas união não ocorreu.
Na sua opinião, a figura de Sérgio
Moro como ministro da Justiça e Segurança Pública fica comprometida?
Não. Absolutamente. Mesmo porque
estamos diante de grampos telefônicos, de WhatsApp, cuja autenticidade ainda
não foi atestada e nós temos que ter muita cautela em relação a isso. É preciso
que seja investigado a fundo. Temos que aguardar para fazer qualquer juízo de
valor de mérito.
E o pacote anticrime? Toda essa
repercussão prejudica a aprovação das medidas no Congresso?
Não sei por que prejudicaria. Ao
contrário, precisamos pensar na criação de mecanismos de defesa contra esses
ataques cibernéticos, esses ataques ao direito à privacidade, que todos os
cidadãos, todos os indivíduos têm assegurados pela Constituição.
Na condição de ex-presidente do STF, o
senhor acredita que Moro seria um bom ministro do Supremo?
Eu acho que essas colocações são
precoces. Não temos vaga no Supremo. Então, não devemos pensar em ocupar vaga.
Agora, quero dizer que o ministro Moro apresenta todas as condições
constitucionais para ocupar o cargo de ministro de qualquer tribunal superior,
inclusive do Supremo Tribunal Federal.
O presidente Bolsonaro, por causa da
regra da aposentadoria compulsória, poderá fazer duas nomeações para o STF
neste mandato. Ele já disse que chegou a hora de o Supremo ter um ministro
evangélico. O que o senhor acha disso?
Eu não vejo isso como importante,
pensar em nomear um ministro que seja evangélico, ou muçulmano, ou católico… Em
primeiro lugar, o STF tem dois ministros que professam o Judaísmo, a religião mosaica.
São todos, portanto, evangélicos. Não acho isso necessário. Temos um Estado
laico. Não vamos abominar qualquer um dos integrantes de religião. Não é isso.
Mas isso não é condição para ser nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal.
As condições são de ser um jurista com alto saber jurídico e reputação ilibada.
Numa das mensagens vazadas, Moro diz
“In Fux, we trust”. Essa frase constrange ou enaltece o ministro Luiz Fux?
Eu confio no Supremo Tribunal Federal.
Confio em todos os ministros do STF. Acho que isso é uma manifestação legítima
e até engrandecedora.
Fizemos uma entrevista recentemente
com o ex-presidente José Sarney e ele disse que as instituições, referindo-se
ao Executivo, Legislativo e Judiciário, estão fragilizadas. O senhor acredita
realmente nisso? Acredita que esse é um momento delicado para o país?
Penso que temos uma democracia
consolidada. Temos instituições consolidadas. Instituições fortes. Mas, numa
democracia, divergências e críticas são naturais. Em qualquer Estado
democrático, isso ocorre. Em última análise, penso que as instituições públicas
estão consolidadas.
Como o país sairá dessa polêmica?
Se não me matar, sairá mais forte
(risos). Aprendemos com a queda, com o erro. Um velho juiz de Minas me dizia: '
errar é humano, persistir no erro é demoníaco”.
O senhor usa o WhatsApp?
Uso, sim. Temos que ser do nosso
tempo. Mas o Telegram, não conheço. Tenho Facebook e o Instagram.
O que o senhor diria para os críticos
que, ao longo da semana, disseram que Moro deveria pedir para sair?
Quem pediu? A quem interessa? Dr.
Pedro Aleixo, que foi vice-presidente da República, um jurista mineiro de
grande porte e envergadura, diante de questões como essa, indagava: “Cui
prodest?” A quem interessa? A quem interessa que Moro deixe o ministério? Os
homens de bem não devem pensar assim. Moro foi um bom juiz. Um juiz severo, mas
garantidor das garantias individuais. É meu modo de ver. In Moro, I trust.
sábado, 22 de junho de 2019
- O Estado de S.Paulo
Sergio Moro sai menor do episódio
recente, mas na esfera política o jogo continua em aberto
O mundo político e a opinião pública
estão há duas semanas às voltas com o vazamento de conversas telefônicas
envolvendo o ministro Sergio Moro e procuradores da Lava Jato. São conversas
constrangedoras e inadequadas quando se levam em conta as expectativas do
sistema de justiça em que vivemos. As revelações, além do mais, deixam patente
algo que todos sabem, mas nem todos levam suficientemente a sério: hoje não há
ser vivo que se possa considerar imune a invasões de privacidade. A era
digital, com seus recursos e instrumentos, fez com que os dados se tornassem
moeda preciosa e facilmente manipulável.
Em entrevista publicada recentemente,
o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso observou que
“hoje, o exercício da função pública é cada vez mais uma profissão de risco. A
cada ano a privacidade vai se tornando mais vulnerável”. Para ele, “o que foi
feito para facilitar e proteger reverte-se à condição de pesadelo”.
O cenário é sombrio quando se trata de
segurança informacional. A revolução digital facilitou muita coisa, ampliou
acessos e transparência, mas permitiu também que a vulnerabilidade se
expandisse. Na velocidade de um clique, qualquer um pode perder dados valiosos
e ter sua identidade virtual sequestrada.
Segundo dados governamentais, em 2018
ocorreram 20,5 mil notificações de incidentes computacionais em órgãos do
governo, dos quais 9,9 mil foram confirmados. Desde 2014 o número não fica
abaixo de 9 mil. No levantamento feito, 26% do total dos casos são de
adulteração de sites públicos por hackers. Em segundo lugar estão os vazamentos
de dados, com 20%.
A situação estrutural em que estamos
remete ao que o sociólogo alemão Ulrich Beck (1944-2015) chamou de “sociedade
de risco”, expressão de uma fase histórica de transições aceleradas e
reconfigurações. Em sua formulação, a “sociedade de risco” se tornaria
progressivamente o casulo em que habitariam todos os humanos. Um casulo
instável, marcado pela incerteza, por ameaças recorrentes e pela dificuldade de
planejamento, no qual a vida transcorreria impulsionada pela inovação
tecnológica, sem fornecer muitos espaços para a intervenção política. O risco
não cairia do céu como uma fatalidade: viria por decisões humanas, “incertezas
fabricadas”, rotinas, descuidos.
Quando Beck publicou Sociedade de
risco (1986), a vida ainda não estava saturada de tecnologia de comunicação e
informação, os celulares mal haviam sido projetados, os computadores e a
internet engatinhavam, a própria globalização não havia se aprofundado tanto.
Mas Beck antevia que o risco se converteria em companheiro de viagem da
humanidade. Ganhos conseguidos como progresso iriam se mostrar carregados de
perigo. Chernobyl aconteceria pouco depois da publicação do livro. A paisagem
ficaria tingida por tragédias ambientais, crises econômicas sucessivas,
tsunamis inesperados, aquecimento global.
A intensificação das relações de
troca, de comunicação e de circulação de pessoas para além das fronteiras
nacionais fez com que as sociedades nacionais, com seus respectivos governos,
passassem a viver sob pressão. Muitos espaços e atores “transnacionais”
condicionam as operações estatais. Os Estados não são mais os únicos sujeitos a
determinar as leis e o Direito Internacional. Perderam soberania e, com isso,
não conseguem mais prover segurança ou proteção para seus cidadãos, nem para
seus próprios órgãos e servidores públicos. A vulnerabilidade digital é parte
desse quadro.
O caso Moro associa-se à
vulnerabilidade, mas não tem que ver somente com isso. O vazamento sugere que o
então juiz não teria mantido a devida equidistância entre as partes, um tema
controvertido, sobre o qual não há consenso. É evidente que ele não saiu bem na
foto e foi forçado a descer do pedestal em que estava, ao mesmo tempo que ficou
mais dependente do apoio de Bolsonaro.
A Lava Jato também sai desgastada do
episódio e poderá enfrentar dificuldades, caso se tenha uma sucessão arrasadora
de novas revelações. Ocorre, porém, que a operação conta com grande apoio
popular, que valoriza o que ela trouxe de avanço no combate à grande corrupção.
Isso ajuda a blindá-la.
As conversas ora reveladas mostram que
a Lava Jato adotou procedimentos estranhos às práticas forenses estabelecidas.
Nada que não se soubesse, pois a operação sempre se vangloriou de estar assentada
numa colaboração explícita entre juiz, Ministério Público Federal e Polícia
Federal. Foi assim que conseguiu seus trunfos principais e conquistou o apoio
de que desfruta.
O ministro da Justiça sai menor do
episódio, que poderá manchar sua imagem e sua biografia. Na esfera política,
porém, o jogo continua em aberto, até para o próprio Moro.
A polarização voltou a se
intensificar, com as torcidas se organizando em claques para apoiar Lula ou a
Lava Jato. É uma situação que leva água para o moinho do bolsonarismo, que faz
da hostilidade maniqueísta seu procedimento principal. Não beneficia quem a ele
se opõe, não desintoxica o ambiente.
Houve, porém, alguns ganhos. Ao menos
um dos personagens desceu do pedestal. Demos de cara, também, com o lado sombrio
da era digital. A gravidade das mensagens trocadas entre integrantes da Lava
Jato tem seu reverso no vazamento de dados conseguidos graças a procedimentos
criminosos. A privacidade evaporou, relativizando o que possa ter havido de
delito nas articulações entre Moro, procuradores e policiais federais.
Aprendemos a importância de ficar atentos.
Agora, podemos avaliar se as opções da
Lava Jato foram acertadas. “Promotores de justiça” (como são os procuradores) e
juízes estão ou não do mesmo lado, o lado da Justiça, podendo por isso
interagir com liberdade? Ou tudo dependeria do crime cometido e do status do
criminoso? São questões complexas, por cuja adequada resolução passa parte
importante do futuro da democracia entre nós.
*Professor titular de teoria política
e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp
Supremo anula provas contra Daniel Dantas na
operação Satiagraha
Ministros entenderam que polícia não
poderiam apreender HD no 3º andar de um prédio quando tinham mandado de busca
no 28º
Talita Fernandes e Beatriz Bulla, O
Estado de S. Paulo
16 de dezembro de 2014 | 18h45
Brasília - A Segunda Turma do Supremo
Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade anular as provas obtidas contra
o banqueiro Daniel Dantas em busca e apreensão feita na sede do Banco
Opportunity, no âmbito das investigações das Operações Satiagraha e Chacal. Por quatro
votos a zero, os ministros da segunda turma acataram o pedido de habeas corpus
da defesa de Dantas, e invalidaram provas obtidas por meio da apreensão de um
disco rígido (HD) em outubro de 2004, na sede do Opportunity.
Por quatro
votos a zero, os ministros da segunda turma acataram o pedido de habeas corpus
da defesa de Daniel Dantas Foto: José Luis da Conceição/Estadão
A defesa alegou que o material foi
coletado em endereço diferente daquele que constava no mandado judicial que
autorizava a busca e apreensão e que, portanto, as provas eram ilegais.
Na ocasião, os policiais federais
apreenderam o HD no 3º andar de um prédio localizado em São Paulo, onde está
localizada a sede do Opportunity. Contudo, o mandado expedido por um juiz da 5ª
vara da Justiça Federal de São Paulo, autorizava busca e apreensão no 28º
andar. O juiz responsável pela autorização soube da divergência dos endereços,
mas mesmo assim autorizou a obtenção de provas. Diante disso, os ministros do
Supremo viram a divergência dos endereços como uma "violação do direito
constitucional de inviolabilidade domiciliar".
Ao proferir o seu voto, o ministro
Celso de Mello constatou que a obtenção de provas "realizou-se à margem do
sistema jurídico constitucional e legal brasileiro". "Ninguém pode
ser investigado, processado e muito menos condenado com base em provas ilícitas",
concluiu.
Já o ministro Gilmar Mendes, relator
do HC, disse que a autorização judicial emitida "não deixou margem para
dúvida", já que não houve equívoco de endereço. "Ocorreu que os
policiais identificaram um novo local de interesse, fora do âmbito do mandado
expressamente direcionado ao 28º andar", afirmou. Por isso, Mendes
destacou que o ofício que permitiu a cópia dos documentos do banco "não é
um mandado de busca de apreensão nem a ele é equivalente".
Também votaram favoráveis pela
anulação das provas a ministra Cármen Lúcia, que na semana anterior havia
pedido vista para avaliar melhor o caso, e o presidente da segunda turma, o
ministro Teori Zavascki.
Satiagraha. A Operação
Satiagraha, responsável pela prisão, em 2008, do banqueiro Daniel Dantas e do
ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, é um desdobramento da Operação Chacal,
deflagrada pela PF em 2004. As duas operações foram criadas para apurar crimes
de corrupção, desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro.
Em 2011, por decisão dos ministros do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), as provas da Operação Satiagraha foram
anuladas. Em 2012, a Procuradoria Geral da República entrou com um recurso
contra a anulação das provas no STF, onde o caso segue sob relatoria do
ministro Luiz Fux.
16/12/2014 às 18h20
STF anula provas contra Daniel Dantas obtidas
na sede do Opportunity
Por Thiago Resende | Valor
BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou como ilegais provas obtidas na sede do Banco Opportunity contra o empresário Daniel Valente Dantas, investigado pelas operações Satiagraha e Chacal, da Polícia Federal (PF), envolvendo crimes financeiros. O habeas corpus foi julgado pela Segunda Turma da Corte e cabe recurso da decisão, que foi unânime.
BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou como ilegais provas obtidas na sede do Banco Opportunity contra o empresário Daniel Valente Dantas, investigado pelas operações Satiagraha e Chacal, da Polícia Federal (PF), envolvendo crimes financeiros. O habeas corpus foi julgado pela Segunda Turma da Corte e cabe recurso da decisão, que foi unânime.
A defesa de Dantas alegou que dados de
um disco rígido da instituição financeira foram copiados sem ordem judicial
específica.
Em outubro de 2004, policiais federais
cumpriam mandado de busca e apreensão no endereço profissional do empresário,
localizado no 28º andar de um edifício no Rio de Janeiro. O documento foi
expedido pelo juiz da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo. A sede do banco,
no entanto, ficava em outro andar do mesmo prédio. Então, um juiz substituto
autorizou a cópia de informações da instituição financeira.
O relator do processo, ministro Gilmar
Mendes, já havia votado a favor da ilegalidade das provas e da devolução do
material apreendido na sede do banco e de eventuais cópias dos dados. Para ele,
um mandado como esse deve indicar, da forma mais precisa possível, o local em
que será realizada a ação.
"Ocorreu que os policiais
identificaram um novo local de interesse, fora do âmbito do mandado
expressamente direcionado ao 28º andar", afirmou Mendes.
A ministra Cármen Lúcia, que tinha
pedido vista (mais tempo para analisar) do caso, reabriu o julgamento do habeas
corpus, concordando com o voto do relator. A ação dos agentes foi uma
"intrusão em espaço privado", o que descumpre normas constitucionais,
argumentou ela.
"Ninguém pode ser investigado,
ninguém pode ser denunciado, ninguém pode ser processado e muito menos
condenado com base unicamente em provas ilícitas", disse o ministro Celso
de Mello, elogiando o voto do relator, que, segundo ele, é "preciso,
coerente e integralmente compatível com o nosso sistema judicial".
"Não podemos, não importa de quem
se cuide, de quem se trate, não importa de que infração penal se cogite, o fato
é que todos estamos sobre o império e a proteção da autoridade das leis e da
Constituição da República. E esse é o anteparo que nos protege contra eventuais
abusos, conscientes ou não, dolosos ou não, de agentes da autoridade
pública", completou Mello.
O presidente da Turma, Teori Zavascki,
pouco comentou sobre o caso - apenas declarou que concordava com o voto do
relator, o que tornou a decisão unânime.
(Thiago Resende | Valor)
Gilmar Mendes defende uso de provas ilegais
contra a Lava Jato
Brasil 11.06.19 10:46
Gilmar Mendes disse que as mensagens
roubadas a Sergio Moro e Deltan Dallagnol podem ser usadas para soltar os
criminosos presos pela Lava Jato:
“Não necessariamente [anula]. Porque
se amanhã [uma pessoa] tiver sido alvo de uma condenação por exemplo por
assassinato, e aí se descobrir por uma prova ilegal que ela não é autor do
crime, se diz que em geral essa prova é válida.”
Ele está dizendo que as mensagens
roubadas provam que Lula não embolsou propina? É isso mesmo?
sábado, 22 de junho de 2019
- O Globo
Esse debate que se desenrola sobre os
diálogos entre o então juiz Sérgio Moro e o chefe dos procuradores da Operação
Lava-Jato, Deltan Dallagnol não parece ter o poder de levar a uma decisão
drástica do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a nulidade da condenação do
ex-presidente Lula.
Principalmente porque as supostas
provas levantadas pelo site The Intercept são flagrantemente ilegais, fruto de
um mais que provável hackeamento de celulares de diversas autoridades
envolvidas na Operação Lava-Jato.
Mas, sobretudo, porque ficou claro que
não é possível definir como transgressão às normas legais as conversas entre
Moro e Dallagnol, muito devido às incongruências de nossa legislação.
Há normas para todos os gostos, desde
a Constituição até os regimentos internos dos diversos tribunais, passando
pelas normas próprias das organizações que regem o exercício da advocacia.
Umas permitem que se entenda que as
partes podem conversar com os juizes separadamente, outras definem que uma
parte só pode ser ouvida na presença da outra.
O aconselhamento do juiz a uma das
partes pode ser causa de nulidade, mas a definição do que seja aconselhamento
fica por conta da interpretação de cada jurista. O hoje ministro Sérgio Moro,
que citou o testemunho público do advogado Luis Carlos Dias Torres, garante que
sempre conversou com dezenas de advogados que o procuraram dentro da Operação
Lava-Jato.
Esse não foi o caso dos advogados de
Lula, que nunca pediram uma audiência. Mesmo assim, como o próprio Zanin
admitiu, houve várias conversas entre o Juiz e a defesa do ex-presidente nos
intervalos das audiências.
A questão do contato dos juízes com as
partes tem a solução encontrada em muitos países, a do juiz de instrução, que
trabalha na fase investigatória, mas não julga. Para o jurista José Paulo
Cavalcanti, ex-ministro da Justiça e membro da Comissão da Verdade, essa
solução faz mais sentido nos países do primeiro mundo, em que as sentenças de
primeira instância já levam o cidadão para a cadeia, exemplos dos Estados
Unidos, Canadá, França, Alemanha, Inglaterra.
Separando quem aceita a denúncia de
quem julga, como se fossem duas instâncias, para proteção do réu. Aqui,
ressalta José Paulo Cavalcanti, a sentença de primeira instância é toda revista
por tribunais, que reavaliam provas, podem pedir outras. E analisam o mérito.
No fundo, a primeira instância dos
países de primeiro mundo equivale à nossa segunda instância, explica José Paulo
Cavalcanti. Com uma diferença grande, ele ressalta. “Não existe estrutura,
aqui, para que isso funcione. Na última estatística de Pernambuco, apenas em
120 dos 184 municípios, havia juiz. Há juízes acumulando comarcas, com certeza,
no Brasil todo.
Assim, parece fazer mais sentido a ele
que julguem, “acelerando os processos. Evitando os riscos de prescrição.
Deixando a revisão para os tribunais”.
Outra peculiaridade de nosso sistema
judiciário são os “memoriais”, ferramenta fruto da prática cotidiana forense e
que deriva do “memorial de alegações finais”.
Servem para que os advogados façam um
resumo de suas razões para chamar a atenção dos juízes e ministros que julgarão
o caso. Há recomendações expressas, baseadas na eficácia de tais “memoriais”:
devem ser entregues próximo da hora do começo do julgamento, e não devem ter
mais que três laudas, para que o magistrado possa ler com atenção.
A prática tornou-se tão recorrente que
o Código de Processo Penal de 1973 a reconheceu, a fim de substituir o debate
oral, devido ao acúmulo de julgamentos. O CPC de 2015 se refere aos “memoriais”
nos julgamentos eletrônicos, onde não há debate oral. Alguns tribunais de
apelação contemplam essa possibilidade, outros não. São considerados “atos
processuais facultativos”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) não
os considera “atos essenciais à defesa”, mas “faculdade que pode ser exercida
pelas partes” em qualquer momento anterior ao julgamento. Geralmente, os
advogados fazem questão de entregar tais “memoriais” pessoalmente ao
desembargador ou ministro, ocasião em que exercem os chamados “embargos
auriculares”, reforço de argumentos por conversas particulares.
Tais “embargos auriculares” são também
peculiaridades nossas, e muitas vezes advogados que já foram ministros nos
tribunais superiores usam de seus conhecimentos pessoais para conseguir
audiências privadas para defender seus clientes.
Referências
https://www.valor.com.br/politica/6308531/%3Fsao-nulas-provas-obtidas-com-ilicitude%3F-diz-ex-ministro-do-stf
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https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2019/06/16/interna_politica,763256/entrevista-carlos-velloso-ao-correio-braziliense-lava-jato-sob-ataque.shtml
http://gilvanmelo.blogspot.com/2019/06/marco-aurelio-nogueira-era-digital-de.html
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https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,supremo-anula-provas-contra-daniel-dantas-na-operacao-satiagraha,1608134
https://www.valor.com.br/politica/3825804/stf-anula-provas-contra-daniel-dantas-obtidas-na-sede-do-opportunity
https://www.oantagonista.com/brasil/gilmar-mendes-defende-uso-de-provas-ilegais-contra-a-lava-jato/
http://gilvanmelo.blogspot.com/2019/06/merval-pereiraleis-para-todos-os-gostos.html
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