sábado, 5 de janeiro de 2019

BALAS DE ESTALO EM MUTAÇÕES


Com 135 anos de permanências

Crônica de Machado de Assis de 15 de agosto de 1883
por Machado de Assis

Crônica agrupada posteriormente e publicada em Balas de Estalo .

c'est pas plus malin que çà.

NOTA-SE há algum tempo certa tristeza nos generais da armada. Há em todos uma invencível melancolia, um abatimento misterioso. A expressão jovial do Sr. Silveira da Mota acabou. O Sr. De Lamare, conquanto tivesse sempre os mesmos modos pacatos, mostra na fisionomia alguma coisa nova e diferente, uma espécie de aflição concentrada. Não falo do Sr. Barão da Passagem, nem do Sr. Lomba; todos sabem que esses jazem no leito da dor com a mais impenetrável das moléstias humanas.

Não atinando com a causa do fenômeno, os médicos resolveram fazer uma conferência, e todos foram de opinião que a moléstia tinha uma origem puramente moral. Os generais sentem necessidade de alguma coisa. Não pode ser aumento dos vencimentos; eles contentam-se com o soldo. Nem honras, eles as têm bastantes, e não querem mais. Nisto interveio o Sr. Meira de Vasconcelos. S. Ex.ª conversou com os enfermos, e descobriu que eles padeciam de uma necessidade de denominação nova. Fácil era o remédio; eis a receita que S. Ex.ª lavrou ontem, no Senado, em forma de aditivo ao orçamento da Marinha:

Os postos de generais do corpo da Armada passarão a ter as seguintes denominações, sem alteração dos vencimentos nem das honras militares: — Almirante (passa a ser) almirante da armada; vice-almirante (idem) almirante; chefe da esquadra (idem) vice-almirante; chefe de divisão (idem) contra-almirante.

Não é de supor que o Senado rejeite uma coisa tão simples; podemos felicitar desde já os ilustres enfermos.

Não terá escapado ao leitor, que, por este artigo passamos a ter quatro categorias de almirantes, em vez de duas; e ninguém imagina corno isto faz crescer os pepinos. Outra coisa também não terá escapado ao leitor, é o dom prolífico deste aditivo, porquanto ele ainda pode dar de si, quando a moléstia atacar os outros oficiais, uma boa dúzia de almirantes: — um quase-almirante, um almirante-adjunto, um almirante suplente, etc., até chegar ao atual aspirante de marinha, que será aspirante a almirante.

Não há que dizer nada contra a medicação. A Câmara Municipal aplica-a todos os dias às ruas. Quando alguma destas padece de falta de iluminação ou sobra de atoleiros, a Câmara muda-lhe o nome. Rua de D. Zeferina, Rua de D. Amália, Rua do Comendador Alves, Rua do Brigadeiro José Anastácio da Cunha Souto; c'est pas plus malin que çà. Foi assim que duas velhas ruas, a da Carioca e a do Rio Comprido, cansadas de trazer um nome que as prendia demasiadamente à história da cidade, pelo que padeciam de enxaquecas, foram crismadas pela ilustre corporação: — uma passou a chamar-se São Francisco de Assis, outra Malvino Reis.


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Creio que o leitor sabe de um banquete que as sumidades inglesas deram agora ao célebre ator Irving. O presidente da festa foi o lord chief justice. Levantando o brinde à rainha, disse, entre outras, estas palavras:

Usarei de uma metáfora apropriada à ocasião; direi que Sua Majestade, durante muitos anos, tem desempenhado um grande papel no tablado dos negócios humanos, representando com graça, com dignidade, com honra e com uma nobre simpleza (Apoiados). Os seus súbditos sabem como ela amava o drama na mocidade... Agora, nos últimos tempos, sob a influência de uma grande tristeza, tem se retirado do teatro público.

Ah! Se o Sr. Lafayette caísse em usar cá uma tal metáfora! Se Sganarello lhe deu tantas amarguras, que diríamos desta comparação da rainha com uma atriz, e do governo com um tablado? Não sei se já disse que o discurso foi do lord chief justice.
Já o fato de ir este homem jantar com um ator é extraordinário; mas o que dirá o leitor de um bilhete com que Gladstone, que atualmente governa a Inglaterra, pede desculpa a Irving de não poder comparecer, acrescentando que há dois anos para cá, só tem ido aos jantares de lord mayor, que são jantares de rigor? E a ênfase com que o bispo de York escreve, dizendo que os que se interessam pela moralidade pública, devem simpatizar com as honras feitas a Irving, que tão nobremente tem levantado a arte dramática na Inglaterra?

Não quero citar mais nada; bastam-se estas palavras do lindo brinde do lord chief justice ao artista festejado:

Em conclusão: assim como a América nos mandou Booth, assim mandamos Irving à América, e assim como Irving e a Inglaterra receberam Booth de braços abertos, assim também, estou certo, aquele grande e generoso país receberá o nosso primeiro e admirável ator.


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À vista destes deploráveis exemplos quer-me parecer que Sganarello e Molière não fariam tão má figura na Câmara dos Comuns...

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Não vamos agora dar um banquete ao Sr. Pedrosa só para imitar os ingleses.

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Um articulista anônimo, tratando há dias do uso da folga acadêmica nas quintas-feiras, escreveu que Moisés e Cristo só recomendaram um dia de descanso na semana, e acrescenta que nem Spencer nem Comte indicaram dois.

Nada direi de Spencer; mas pelo que respeita a Comte, nosso imortal mestre, declaro que a afirmação é falsa. Comte permite (excepcionalmente, é verdade) a observância de dois dias de repouso. Eis o que se lê no Catecismo do grande filósofo.

O dia de descanso deve ser um e o mesmo para todas as classes de homens. Segundo o judaísmo, esse dia é o sábado; — e segundo o cristianismo, é o domingo. O positivismo pode admitir, em certos casos, a guarda do sábado e do domingo, ao mesmo tempo. Tal é, por exemplo, o daquelas instituições criadas para a contemplação dos filhos da Grã-Bretanha, como sejam, entre outras, os parlamentos de alguns países, etc. E a razão é esta. Sendo os ingleses, em geral, muito ocupados, pouco tempo lhes resta para ver as coisas alheias. Daí a necessidade de limitar os dias de trabalho parlamentar dos ditos países, a fim de que aqueles insulares possam gozar da vista recreativa das mencionadas instituições. (Cat. Posit., p. 302).

Rio de Janeiro, 3 do Brigadeiro José Anastácio da Cunha Souto de 94 (14 de agosto de 1883) .

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Balas de Estalo (Machado de Assis)
Crônicas jornalísticas
  



Como um bando de gaivotas, pairando
Sobre um mar de anil serenando
 “Ocupação de Humaitá”
Machado de Assis: Crítica literária e textos diversos
editado por Sílvia Maria Azevedo, Adriana Dusilek,
Daniela Mantarro Callipo



Capa > v. 48, n. 2 (2008) > Ramos
Balas de Estalo de Machado de Assis: humor e política no Segundo Reinado
Ana Flávia Cernic Ramos

Resumo

Este artigo analisa a participação de Machado de Assis, sob o pseudônimo Lélio, na série coletiva “Balas de Estalo”, publicada na Gazeta de Notícias entre os anos de 1883 e 1886. Inserida no contexto de mudanças urbanas, da imigração, do abolicionismo, “Balas de Estalo” ajudou na criação de um projeto político baseado no declínio das principais instituições do país, tais como a monarquia, a igreja e a escravidão. O tema dessa pesquisa é compreender de que maneira Machado de Assis participou dessa série, como ele criou sua personagem Lélio e, finalmente, como ele analisou a política imperial no final do século XIX.

Palavras-chave: Império. Imprensa. Literatos. Crônica. História. Política.

Palavras-chave

Império; Imprensa; Literatos; Crônica; História; Política; Empire; Brazilian press; Writers; Brazilian history; Imperial politics

Texto completo:
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E-ISSN: 1981-7886
ISSN: 0101-3505




O Mar Serenou
Clara Nunes



O mar serenou quando ela pisou
Na areia
Quem samba na beira do mar
É sereia

O pescador não tem medo
É segredo se volta ou se fica no fundo do mar
Ao ver a morena bonita
Sambando se explica que não vai pescar
Deixa o mar serenar

O mar serenou quando ela pisou
Na areia
Quem samba na beira do mar
É sereia

A lua brilhava vaidosa
De si orgulhosa e prosa com que Deus lhe deu
Ao ver a morena sambando
Foi se acabrunhando então adormeceu
O sol apareceu

O mar serenou quando ela pisou
Na areia
Quem samba na beira do mar
É sereia

Um frio danado que vinha
Do lado gelado que o povo até se intimidou
Morena aceitou o desafio
Sambou e o frio sentiu seu calor
E o samba se esquentou

O mar serenou quando ela pisou
Na areia
Quem samba na beira do mar
É sereia

A estrela que estava escondida
Sentiu-se atraída depois então apareceu
Mas ficou tão enternecida
Indagou a si mesma
A estrela afinal será ela ou sou eu

O mar serenou quando ela pisou
Na areia
Quem samba na beira do mar
É sereia
Composição: Candeia


Antônimo de permanência

56 antônimos de permanência para 6 sentidos da palavra. O contrário de permanência é:
1. partidaalteração, mutação, rapidezevasão, modificação, mudança, fugacidade, brevidadetransformaçãovariaçãodesistência, reviramento, convertimento, defeção, retiradaefemeridadeafastamento, abandonamento, deserçãoausênciadesaparecimentomortalidade,falta, transfúgio, desaparição.
2. descontinuaçãovariabilidadeausênciavolubilidadeabandono.
3. decadênciarenúncia.
4. irregularidadedescontinuidadeinstabilidade.
5. inconstânciavariedademutabilidade.
6. repúdiolapsolacuna, renunciação, suspensãofalhanequiceomissãomudançainterrupçãoparalisaçãoabdicaçãoresignaçãoinsegurançaevasãocessaçãoefemeridade.





ANÁLISE
É de Machado! Uma típica 'bala de estalo'!
VALENTIM FACIOLI
especial para a Folha

Faltando um mês para os 90 anos da morte do velho Machadão (com perdão da intimidade!), eis que temos uma crônica magnífica recém-exumada da "Gazeta de Notícias" por Daniela Mantarro Callipo, que trabalha em Assis, coincidentemente.
Isso até cheira a sortilégios do estrambótico bibliômano das "Memórias Póstumas", em que fica previsto que, depois de 70 anos de esquecimento, as memórias de Brás Cubas, "exemplar único", seriam reencontradas "por acaso, no pardieiro de um alfarrabista".
Em 1991, Haroldo Maranhão descobriu o conto "Terpsícore", que saíra em 1886 também na "Gazeta de Notícias", e o publicou no jornal "O Globo", do Rio de Janeiro. Esse conto mereceu uma linda edição em livro pela editora Boitempo, de São Paulo, em 1996, com prefácio de Davi Arrigucci Jr.
A presente crônica, assinada por Lélio, parece ter mesmo escapado das pesquisas anteriores, o que pode ser visto, no retardo de sua circulação, como um "prêmio" para os atuais leitores de Machado de Assis, nestes 90 anos da morte. É um consolo.
Essa crônica guarda enorme semelhança estrutural com a prática machadiana nesse gênero jornalístico, em especial com as outras das "Balas de Estalo" já pacificamente identificadas e republicadas nas obras de Machado de Assis.
O tom do texto é, sem dúvida, de fina ironia, mas não só isso, porque chega à sátira amena, mas decidida; de fato, encontra na palavra de um preto velho e, por suposto, analfabeto ("filósofo sem livros") a "fórmula prática, tangível, segura, sublime, o fundo dos fundos, a substância das substâncias" para resolver o problema eleitoral "daquele ano de calamidades", no Império escravocrata.
Parece, contudo, que o mais machadiano dos aspectos estruturais da crônica são os negaceios e artimanhas do narrador. Aí a coisa parece inconfundível. O narrador, evidentemente ficcional, assume uma postura principal, que é a de "conselheiro" de mistura com "médico, sendo também um ilustrado, atento e patriota leitor de jornal, que procura a "paz pública' e quer evitar a "pancadaria eleitoral'". E não se esquece de dialogar com o leitor.
Essa mistura parece formar, em todo caso, um tipo, nem sempre muito diferente, de inúmeros outros tipos de narrador/personagem das "Balas de Estalo". Parece também que esse tipo de narrador misturado (ou volúvel, na leitura de Roberto Schwarz), não sendo nada confiável, se autojustifica ao mesmo tempo que também se descredencia, na matéria disparatada com que procura o "remédio único e verdadeiro" que oferece aos seus "concidadãos".
Assim, ele recorre a um pequeno episódio da disputa de fronteira com a Argentina (que, "se é verdadeiro, ignoro") e dele extrai uma relação maliciosa entre república e império, bem como, por outra analogia, entre "penachos e emolumentos", relativizando tudo para insinuar que o sr. Fulano e o sr. Sicrano, candidatos, não guardam entre si nenhuma diferença significativa, pois o eleitor pode carregar as bandeiras de ambos, "uma na mão, outra no bolso".
Enfim, liberais e conservadores seriam, de fato, da "mesma igreja", como esclarece "atarantado", mas sibilinamente, o preto velho.
Essa é um aposição muito conhecida (e tematizada) de Machado de Assis, por exemplo em "Esaú e Jacó".
Creio que se pode atestar ainda a autoria machadiana do texto (salvo um drible de gênio) pela linguagem elegante, precisa e pela sintaxe entre a venaculização e certo "abrasileiramento" da colocação pronominal, por exemplo.
Sobressai ainda o uso, que acredito raro, do termo "conseguintemente", em lugar de consequentemente, que também comparece no derradeiro capítulo das "Memórias Póstumas", o celebérrimo "Das Negativas".
Finalmente, vale assinalar o uso do gancho jornalístico para prender a atenção do leitor, sendo o remédio prometido só revelado ao final. E, ainda, que a reforma eleitoral (ou remédio), tematizada no conto "Sereníssima República", também mereça outra crônica galhofeira e satírica do mesmo Lélio, no dia 9 de janeiro, logo depois das eleições, bem como inúmeras referências à politicagem cotidiana na maioria das crônicas das "Balas de Estalo".

São Paulo, sábado, 22 de agosto de 1998
FOLHA DE SÃO PAULO Ilustrada


Valentim Facioli é professor de literatura brasileira na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP





Referências


https://pt.wikisource.org/wiki/Cr%C3%B4nica_de_Machado_de_Assis_de_15_de_agosto_de_1883
https://books.google.com.br/books?id=0RZSDwAAQBAJ&pg=PT449&lpg=PT449&dq=Como+um+bando+de+gaivotas,+pairando+Sobre+um+mar+de+anil+serenando.&source=bl&ots=sy8HNwPB6D&sig=8NvvladB26QBDhDgN-SW_x5nTBs&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwiu_KiOjtffAhXGFJAKHRi1AboQ6AEwAHoECAcQAQ#v=onepage&q=Como%20um%20bando%20de%20gaivotas%2C%20pairando%20Sobre%20um%20mar%20de%20anil%20serenando.&f=false
https://periodicos.fclar.unesp.br/letras/article/view/1194/0
https://youtu.be/drGewMyo00A
https://www.letras.mus.br/clara-nunes/120355/
https://www.antonimos.com.br/permanencia/

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq22089807.htm

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