13 é um quadrado perfeito?
2017 é um quadrado imperfeito?
‘O
fenômeno político vulgarizado sob o nome de “populismo”, em voga no Brasil e na
América Latina durante várias décadas, representou uma forma de militância
política que envolveu e mobilizou grandes massas, principalmente urbanas, dos
estratos mais humildes da população, setores operários e da pequena burguesia
das cidades e do campo. Surge numa conjuntura em que a estrutura de poder
oligárquico está em crise; quando as classes dominantes se mantém incapazes de
manter-se no poder, mediante procedimentos eleitorais tradicionais.’ O POPULISMO NA POLÍTICA BRASILEIRA
Francisco Weffort Paz e Terra
‘(...)
O populismo que ele incorpora está
substituindo o julgamento individual sobre a Constituição e o governo. (...)
(...)
É muito ruim que a maior economia do mundo, que é também a mais antiga
democracia moderna esteja na mão de um populista.
(...)
(...)
A democracia é a melhor forma de todas as formas possíveis de governo,
ainda que seja capaz de apresentar problemas de toda espécie, como promessas
demais, muitas das quais descumpridas. Existe a corrupção. Mas a democracia é
muito valiosa e precisamos reformá-la e protegê-la dela própria. (...)
(...)
Nos anos 2000, a democracia parecia ser a onda do futuro. Todo mundo falava
disso. Mas agora vemos que a democracia não está avançando como se esperava.
(...)
(...)
Uma das coisas que chamam atenção nas democracias avançadas é a atuação dos
grupos de interesse. Eles estão se tornando mais poderosos. Quanto mais
avançado o país, mais poderosos são os grupos, porque são ainda mais profissionais.
(...)
(...)
Alguns Estados estão gastando recursos de que não dispõem. Outros estão com déficits
estruturais. (...)’ ENTREVISTA
ADRIAN WOOLDRIDGE Veja Páginas Amarelas 18 de outubro de 2017
Entrelinhas
“Um
galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos.”
Tecendo a manhã-João Cabral de Melo Neto
Primeiro
segmento:
2003-2006
Segundo
segmento:
2007-2010
Terceiro
segmento:
2011-2014
Quarto
segmento:
2015-2018
Vértices:
Luís Inácio da Silva
José Alencar Gomes da Silva
Dilma Vana
Rousseff
Michel Miguel
Elias Temer Lulia
Como
Saber se um Número é Quadrado Perfeito?
13 é um quadrado perfeito?
13 = 131
Portanto 13 não é um quadrado perfeito pois basta ter um expoente ímpar
para não ser quadrado perfeito.
Verbetes
dos Vértices do Quadrado Neopopulista Imperfeito
ALENCAR, José
*sen. MG 1999-2002; vice-pres. Rep. 2003- ;
min. Defesa
2004-2006.
José Alencar Gomes da Silva nasceu em Itamuri,
município de Muriaé (MG), no dia 17 de outubro de 1931, filho de Antônio Gomes
da Silva e de Dolores Peres Gomes da Silva.
Começou sua vida profissional aos
14 anos, como balconista em um armarinho em Muriaé. Aos 18 anos tornou-se
comerciante e, dali em diante, foi também viajante comercial, atacadista de
cereais, dono de uma fábrica de macarrão, atacadista de tecidos e industrial do
ramo de confecções. Em 1959 assumiu os negócios do irmão falecido na fábrica
União dos Cometas. Em 1963 construiu a Companhia Industrial de Roupas União dos
Cometas. Em 1967, em parceria com o empresário e deputado Luís de Paula
Ferreira Lima, fundou a Companhia de Tecidos Norte de Minas (Coteminas) na
cidade mineira de Montes Claros. Atuou também em entidades de classe
empresarial, tendo sido presidente da Associação Comercial de Ubá (1965-1966),
diretor da Associação Comercial de Minas (1973), presidente da Federação das
Indústrias do Estado de Minas Gerais (1989-1995) e vice-presidente da
Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Entrou para a política em 1993, quando se filiou ao Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB), e em 1994 disputou as eleições para o governo de
Minas Gerais, sem obter êxito. Em 1998 foi eleito senador pelo estado de Minas
Gerais na legenda do PMDB, com quase três milhões de votos. Assumiu o mandato
no Senado em fevereiro de 1999 e foi presidente da Comissão de Serviços de
Infraestrutura e membro das comissões de Assuntos Econômicos e de Assuntos
Sociais. Em 2001, deixou o PMDB e ingressou no Partido Liberal (PL). Em junho
de 2002, durante a convenção nacional do PL que aprovou a aliança com o PT, foi
escolhido candidato a vice-presidente da República para compor a chapa de Luís
Inácio Lula da Silva, candidato do PT, nas eleições presidenciais de outubro.
Esperava-se que ampliasse a votação de Lula ao atrair a confiança do grande
empresariado e demonstrar que o PT não era mais o partido “radical” de outrora.
Com a vitória de Lula nas eleições presidenciais, renunciou ao Senado em
dezembro, assumindo em seu lugar Aelton Freitas.
José Alencar foi empossado na
vice-presidência da República no dia 1º de janeiro de 2003. Nessa função, desde
o início do governo Lula manifestou-se várias vezes de forma contrária à
política de juros altos praticada pelo governo, que, em sua opinião,
representava um obstáculo ao crescimento econômico, à geração de empregos e à distribuição
de renda. No entanto, ao falar da pouca influência que tinha sobre a condução
de tal política, disse que o “vice não manda nada”. Ainda em suas palavras,
“vice pede com empenho, com dedicação e responsabilidade, e eu tenho pedido o
tempo todo do nosso governo. Nunca me ouviram. (...) Nem o próprio presidente”.
Em 8 de novembro de 2004 passou a
acumular a função de ministro da Defesa, em substituição ao diplomata José
Viegas Filho, que pediu demissão após entrar em conflito com o comando do Exército
a respeito de uma nota divulgada por este à imprensa em que se fazia uma
apologia dos valores do regime militar (1964-1985). A nomeação do
vice-presidente para a pasta da Defesa foi vista como um meio de prestigiar as
Forças Armadas e também como um modo de torná-la menos vulnerável às pressões
militares.
Durante sua gestão no Ministério
da Defesa, rejeitou a proposta feita pelos Estados Unidos de criação de um
Exército único na América do Sul e de ampliação das funções constitucionais
militares visando ao combate ao terrorismo e ao crime organizado; expandiu a
área de atuação do Projeto Calha Norte, destinado a reforçar a presença
nacional em áreas da fronteira amazônica através da ocupação militar e de
programas de infra-estrutura; retomou o Projeto Rondon, coordenado pelo
Ministério da Defesa em parceria com o ministério da Educação e destinado à
realização de atividades assistenciais em comunidades carentes isoladas, com a
participação de universitários; e apoiou as negociações da Agência Espacial Brasileira
com a Roskosmos, agência espacial russa, com o fim de levar o astronauta
brasileiro Marcos César Pontes para o espaço em uma espaçonave Soyuz,
missão que acabou acontecendo em março de 2006.
Em setembro de 2005, deixou o PL,
cuja imagem se havia desgastado nos meses anteriores pelas denúncias de
envolvimento no escândalo do “mensalão”. No mesmo mês filiou-se ao Partido
Municipalista Renovador (PMR), pouco depois rebatizado de Partido Republicano
Brasileiro (PRB). Em 3 de abril de 2006, deixou o cargo de ministro da Defesa
para poder concorrer às eleições de outubro daquele ano. Foi substituído pelo
político Valdir Pires. Em junho, foi confirmado candidato a vice-presidência da
República na chapa de reeleição do presidente Lula. Com a nova vitória de Lula,
foi mais uma vez empossado na vice-presidência da República, agora no dia 1º de
janeiro de 2007. Assim como no período anterior, seu principal ponto de
discordância com o governo continuou a ser a política de juros altos.
Durantes os períodos em que
exerceu o cargo de vice-presidente, ocupou interinamente a presidência da
República em várias ocasiões, durante viagens internacionais do presidente
Lula, somando ao todo mais de 400 dias de exercício. A partir de 2006, passou
por uma série de longas e complexas cirurgias para a extração de tumores
malignos, problema enfrentado desde 1997.
Casado com Mariza Campos Gomes da
Silva, teve três filhos.
Paulo Celso Liberato Correa
TEMER, Michel
*const. 1987-1988;
dep. fed. SP 1987-1991, 1993 e 1994-
Michel Miguel
Elias Temer Lulia nasceu em
Tietê (SP) no dia 23 de setembro de 1940, filho de Miguel Elias Temer Lulia e
de March Barbar Lulia.
Bacharelou-se em direito pela Universidade de São
Paulo (USP) em 1963 e doutorou-se pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP) em 1974.
Antes de ingressar na política, dedicou-se à carreira
jurídica, exercendo a advocacia por sete anos. Procurador do estado de São
Paulo a partir de 1970, foi indicado em 1983, pelo recém-eleito governador
Franco Montoro (1983-1987), para ocupar a Procuradoria Geral do estado.
Permaneceu no cargo até o ano seguinte, quando foi nomeado secretário de
Segurança Pública. Após uma onda de violência registrada na cidade de São
Paulo, declarou-se favorável ao aumento do efetivo da Polícia Militar e incentivou
os sistemas privados de segurança, como uma forma de ajuda ao estado.
Reestruturou a polícia estadual através da aprovação de uma lei de sua autoria
que estabelecia a aposentadoria compulsória para os delegados de polícia que
completassem 30 anos de serviço público — 25 dos quais, no mínimo, dedicados ao
serviço policial — e que estivessem há pelo menos cinco anos na classe
especial, o nível mais alto da carreira. Dessa forma, esperava afastar antigas
lideranças, de maneira a adaptar a polícia ao novo quadro político que se
delineava no governo Montoro.
Em meados de 1986, exonerou-se da secretaria
para candidatar-se a deputado federal constituinte nas eleições de novembro
daquele ano, na legenda do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
Elegeu-se suplente, e em 16 de março de 1987 assumiu o mandato na vaga do
deputado Tidei de Lima, que se licenciou para assumir a Secretaria de
Agricultura do estado de São Paulo. Durante os trabalhos da Assembléia Nacional
Constituinte foi membro titular da Subcomissão do Poder Judiciário e do
Ministério Público, da Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de
Governo, titular da Comissão de Redação e suplente da Comissão de
Sistematização.
Nas votações da Constituinte, opôs-se à pena de morte,
à limitação do direito de propriedade privada, à estabilidade no emprego, à
remuneração 50% superior para o trabalho extra, à jornada semanal de 40 horas,
ao turno ininterrupto de seis horas, à estatização do sistema financeiro, à
limitação dos encargos da dívida externa e à desapropriação da propriedade
produtiva. Votou a favor do rompimento de relações diplomáticas com países com
política de discriminação racial, do mandado de segurança coletivo, da
legalização do aborto, da unicidade sindical, da soberania popular, do
presidencialismo, do mandato de cinco anos para o presidente José Sarney e da
anistia aos micro e pequenos empresários. Após a promulgação da nova Carta
Constitucional em 5 de outubro de 1988, voltou a participar dos trabalhos
legislativos ordinários na Câmara dos Deputados.
No pleito de outubro de 1990 candidatou-se à
reeleição, obtendo, mais uma vez, uma suplência. Deixou a Câmara dos Deputados
em janeiro do ano seguinte, ao final da legislatura. Em 1992, foi reconduzido
ao cargo de procurador-geral do estado de São Paulo. Exerceu o mandato de
deputado federal por apenas dois dias — 5 e 6 de janeiro de 1993 —,
licenciando-se para assumir novamente o cargo de secretário de Segurança
Pública de São Paulo, dessa vez no governo de Luís Antônio Fleury Filho
(1991-1995). Sua ida para a Secretaria de Segurança ocorreu após o episódio que
ficou conhecido como “Massacre do Carandiru”, quando, em outubro de 1992, 111
presos da Casa de Detenção foram mortos durante uma revolta por tropas de
choque da Polícia Militar. Temer reabriu o diálogo com as entidades de defesa
dos direitos humanos e obrigou os policiais que se envolvessem em confrontos
seguidos de morte a passar por um tratamento psiquiátrico. Ao mesmo tempo impôs
a obrigatoriedade do exame residuográfico — que mede vestígios de pólvora — nas
mãos dos criminosos mortos, para controlar a violência da Polícia Militar. A
norma deixou de ser a busca do confronto, o que lhe valeu o respeito da linha
legalista avessa aos excessos praticados por policiais.
No final de 1993, tornou-se secretário de Governo.
Permaneceu à frente da secretaria até 5 de abril de 1994, quando reassumiu uma
cadeira na Câmara, na qual foi efetivado em 19 de abril. Integrou, como membro
titular, a Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias e a
Comissão Mista (Câmara e Senado) de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização.
Nas principais matérias constitucionais apresentadas na Câmara dos Deputados ao
longo da legislatura 1991-1995, esteve presente apenas na votação sobre a
mudança no conceito de empresa nacional, que eliminaria seus privilégios,
colocando-a em igualdade de condições com as empresas estrangeiras, e votou
contra a proposta.
Cotado para ser o candidato do PMDB ao governo
estadual em outubro de 1994, mas não contando com o apoio de Fleury, acabou
preterido pelo então secretário de Agricultura, Barros Munhoz. Assim,
reelegeu-se deputado federal, sendo a maioria de seus votos proveniente de suas
bases eleitorais na região da Grande São Paulo e Tietê. Ainda no mesmo pleito, o
senador e ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, Fernando Henrique
Cardoso, foi eleito presidente da República, apoiado pela coligação entre o
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), o Partido da Frente Liberal
(PFL) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Temer chegou a ser indicado por
membros da bancada peemedebista para o Ministério da Justiça, mas novamente não
contou com o apoio de Fleury Filho. Oficialmente, o PMDB decidiu apoiar o
governo, embora os setores ligados a Orestes Quércia e ao presidente nacional
do partido, deputado Pais de Andrade (CE), fossem contrários a esse
posicionamento. Próximo a Quércia, Temer defendia uma postura de independência
em relação ao governo.
Ao assumir o mandato de deputado em fevereiro de 1995,
por indicação da ala quercista, tornou-se líder do PMDB na Câmara. Ao longo da
legislatura, participaria também, como membro titular, da comissão mista sobre
contratos para produção de bens imóveis e das comissões de Trabalho,
Administração e Serviço Público e de Fiscalização Financeira e Controle.
Em março de 1995, declarou que, pelo critério de
proporcionalidade, o PMDB deveria ter sido contemplado com mais cargos no
governo Fernando Henrique Cardoso. Em abril, sugeriu o rompimento do PMDB com o
governo, caso este não ouvisse as reivindicações regionais dos parlamentares.
Em dezembro, pediu a destituição do relator da medida provisória dos bancos,
deputado Benito Gama (PFL-BA), por se tratar de um político que tinha interesse
no assunto, pois seu nome fora envolvido no escândalo do Banco Econômico. No
entanto, as acusações não foram consideradas suficientes para a destituição do
deputado.
Afastando-se de Quércia, nas votações das emendas
constitucionais propostas pelo governo Fernando Henrique Cardoso em 1995,
seguiu a orientação do palácio do Planalto e votou a favor da quebra do
monopólio dos estados na distribuição de gás canalizado, da abertura da
navegação de cabotagem às embarcações estrangeiras, da mudança no conceito de
empresa nacional, da quebra do monopólio estatal das telecomunicações, da quebra
do monopólio da Petrobras na exploração de petróleo e da prorrogação do Fundo
Social de Emergência (FSE), rebatizado de Fundo de Estabilização Fiscal (FEF),
que permitia que o governo gastasse 20% da arrecadação de impostos, sem que
essas verbas ficassem obrigatoriamente vinculadas aos setores de saúde e
educação (votou apenas no primeiro turno, pois faltou à votação no segundo
turno). Ainda em 1995, foi observador parlamentar na L Sessão da Assembléia
Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque.
Em fevereiro de 1966, entrou com uma notícia-crime no
Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ministro da Fazenda, Pedro Malan, por
omissão no caso do Banco Nacional, após a denúncia de que o Banco Central
sabia, desde outubro de 1995, das fraudes na contabilidade do primeiro. Líder
do bloco formado pelo PMDB, pelo Partido Social Democrático (PSD), pelo Partido
Social Liberal (PSL) e pelo Partido Social Cristão (PSC), em março foi indicado
pelo governo para ser o novo relator da reforma da Previdência, após a derrota
da proposta apresentada pelo relator Euler Ribeiro. A derrota fora imposta por
um grupo dissidente dentro do PMDB, liderado por Pais de Andrade, que defendia
a manutenção da aposentadoria por tempo de serviço, enquanto a emenda a substituía
pelo tempo de contribuição. Ao assumir a nova função, garantiu que utilizaria
como base de sua proposta o projeto desenvolvido pelo Ministério da Previdência
e as emendas já apresentadas, para deflagrar uma negociação política em busca
de sua aprovação.
No mesmo mês, abrindo nova crise no já conturbado
processo de reforma da Previdência, os partidos de oposição solicitaram o seu
afastamento da função de relator, por considerá-lo eticamente impedido, após
denúncia de que solicitara aposentadoria proporcional como procurador do
Estado. Em seu pedido de aposentadoria foi constatada uma série de
irregularidades, como a inclusão de férias e licenças-prêmio não gozadas e dos
anos em que atuou como advogado; a inobservância da idade mínima e do tempo de
contribuição previstos na reforma; a incorporação de vantagens advindas de
cargos no Executivo. Os partidos de oposição alegaram que, com o seu pedido
antecipado de aposentadoria, pretendia gozar de privilégios que viriam a ser
eliminados com sua proposta: a aposentadoria por tempo de serviço,
aposentadoria proporcional, pensão acima do teto do funcionalismo e dupla
aposentadoria, cumulativa à do Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC).
No final de março de 1996, foi aprovada em primeiro
turno sua proposta de reforma da Previdência, acompanhada de denúncias de
coação e promessas de liberação de verba. Um mandado de segurança, impetrado
pelos partidos de oposição — e derrubado em votação no STF —, que apontava o
desrespeito ao regimento interno e o número excessivo de destaques a serem
votados, retardou a tramitação da emenda na Câmara. Em 22 de maio, o governo
sofreu nova derrota com a aprovação dos destaques apresentados pelo deputado
Arnaldo Faria de Sá, do Partido Progressista Brasileiro (PPB) de São Paulo, que
acabava com a necessidade de idade mínima para aposentadoria e garantia a
igualdade de vencimentos entre servidores ativos e inativos. Em junho seguinte,
mais derrotas, com a manutenção em caráter permanente das aposentadorias
proporcionais no serviço público, sem qualquer exigência de idade mínima, e a
manutenção do IPC.
Ainda em junho, Temer votou a favor da criação da
Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que substituiu o
Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF), de 0,2% sobre
transações bancárias, criado como fonte complementar de recursos para a saúde.
As divergências com o grupo quercista ficaram
explicitadas quando Temer ameaçou articular uma intervenção no diretório
paulista do PMDB, que anulou a convenção municipal que escolhera o deputado
federal José Aristodemo Pinotti — ligado ao setor governista do partido — como
candidato à prefeitura de São Paulo no pleito de outubro de 1996.
Em setembro, Temer lançou sua candidatura à
presidência da Câmara dos Deputados, contando com o apoio do palácio do
Planalto, desejoso do apoio do PMDB à emenda que permitiria a reeleição para
presidente da República, governadores e prefeitos. Outros dois postulantes
peemedebistas ao cargo, Pais de Andrade e Luís Carlos Santos (SP), retiraram
suas candidaturas. Na sessão da Câmara de 28 de janeiro de 1997 (primeiro
turno), Temer votou a favor da emenda da reeleição. Com o cumprimento do acordo
selado com o PFL, que elegera Luís Eduardo Magalhães para a presidência da
Câmara em 1995, e que garantia a presidência da Câmara para o PMDB em 1997, foi
eleito presidente da casa em 5 de fevereiro, derrotando, por 257 votos, Wilson
Campos (PSDB-PE) e Prisco Viana (PPB-BA).
Presidente da
Câmara
Michel Temer iniciou sua gestão de dois anos na
presidência da Câmara dos Deputados triplicando a verba de despesa dos
gabinetes e permitindo que os deputados aumentassem os salários de seus
assessores, cumprindo assim uma promessa de campanha, dirigida sobretudo aos
deputados de menor projeção política, o chamado “baixo
clero”. Manteve seu estilo negociador e empenhou-se no
encaminhamento de projetos de interesse do governo, especialmente os das
reformas administrativa e da previdência, sem, contudo, deixar de debater com a
oposição.
Em maio de 1997, decidiu não encaminhar à
Corregedoria-Geral da Câmara a abertura de processos contra os parlamentares
oposicionistas que promoveram um “apitaço” no plenário, em protesto contra a tentativa
do governo de não colocar em votação destaques da oposição sobre a reforma
administrativa. Ainda nesse mês, participou da VIII Conferência de Presidentes
de Parlamentos Democráticos Ibero-Americanos, em Madri. Além de Temer, diversos
parlamentares também foram ao encontro, contribuindo para esvaziar o Congresso,
num momento em que os partidos oposicionistas pressionavam pela abertura de uma
CPI sobre as denúncias de compra de votos para a aprovação da emenda da
reeleição.
Em junho, numa pesquisa do Departamento Intersindical
de Assessoria Parlamentar (DIAP), Temer foi classificado pelos deputados como o
quarto parlamentar mais influente do Congresso Nacional. Descontente com as
críticas do presidente Fernando Henrique à atuação da Câmara, apoiou a criação
do movimento Reage Câmara — conhecido também como Agenda Parlamentar 97 ou
Agenda Brasil —, de
caráter suprapartidário, que tinha como objetivo buscar uma independência maior
em relação ao Executivo, criando uma agenda mínima de assuntos de interesse
para o país.
Em agosto, propôs a abertura do pedido de cassação do
mandato do deputado Chicão Brígido (PMDB-AC), sob acusação de “alugar” o
mandato, ou seja, ficar com parte da verba destinada ao pagamento dos
assessores de sua suplente, Adelaide Neri. Brígido já estava sendo processado
pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara por envolvimento no episódio
da compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição. Ainda em agosto,
Temer envolveu-se numa discussão pública com o presidente do Congresso
Nacional, senador Antônio Carlos Magalhães, do PFL da Bahia, que criticara o
aumento da verba de gabinete por ele concedido aos parlamentares em março.
Em janeiro de 1998, usou seu prestígio político para
conseguir a liberação, através do Ministério das Políticas Regionais, de
oitocentos mil reais destinados ao combate dos efeitos do fenômeno climático El
Niño para três dos seus redutos eleitorais: os municípios paulistas de Tietê,
Cerquilho e Duartina. No mesmo mês, exerceu durante quatro dias a presidência
da República, em virtude das viagens do presidente Fernando Henrique e do vice
Marco Maciel.
Em fevereiro, nova polêmica com Antônio Carlos
Magalhães. Temer decidiu que as mudanças efetuadas pelo Senado na reforma
administrativa — referentes à aposentadoria dos magistrados — voltassem à
Câmara para uma nova análise dos deputados, o que provocou a reação do
presidente do Congresso, que qualificou a medida de “esdrúxula e suicida”. Em
março, empenhou-se na aprovação do apoio do PMDB à reeleição do presidente
Fernando Henrique Cardoso durante a convenção nacional extraordinária do PMDB,
que acabou derrotando a tese da candidatura própria.
Em outubro de 1998, reelegeu-se deputado, sendo o
candidato mais votado do PMDB. No mesmo ano foi representante da Câmara dos
Deputados na IX Conferência de Presidentes de Parlamentos Democráticos
Ibero-Americanos, em Montevidéu, e participou também da I Reunião de
Acompanhamento da Conferência Parlamentar das Américas, em San Juan, Porto Rico.
Ao iniciar novo mandato em fevereiro de 1999, como
candidato único, foi reeleito para a presidência da Câmara dos Deputados,
recebendo 422 votos. Na legislatura 1999-2003, seria também presidente da
Comissão de Finanças e Tributação. Em junho, negou pedido da oposição para
abrir um processo deimpeachment contra
Fernando Henrique Cardoso. Os parlamentares oposicionistas fizeram a
solicitação depois que a imprensa revelou uma gravação telefônica em que o
presidente da República autorizava o presidente do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), André Lara Resende, a pressionar o
fundo de pensões dos funcionários do Banco do Brasil a entrar em um dos
consórcios que participariam do leilão de privatização do Sistema Telebrás.
Nesse período, atuou em favor da manutenção da Justiça do Trabalho, rejeitando
a proposta do relator da reforma do Judiciário, deputado Aluísio Nunes
Ferreira, que defendia a sua extinção.
Em 2000, na discussão sobre a reforma política,
defendeu o financiamento público de campanha, argumentando tratar-se de um
mecanismo que assegurava a igualdade de oportunidades. No início de 2001,
apoiou a candidatura de Aécio Neves – que acabou vencedora – para sua sucessão
na presidência da Câmara.
Nessa mesma época, seu nome foi cogitado para assumir
o Ministério da Justiça ou o da Integração Nacional. Ainda no primeiro semestre
de 2001, lançou a sua pré-candidatura ao governo de São Paulo nas eleições de
2002. Em maio, o grupo do PMDB que liderava, politicamente próximo ao governo
Fernando Henrique e ao PSDB, disputou a convenção estadual do partido em São
Paulo com o grupo de Orestes Quércia, que fazia oposição ao governo federal. No
encontro, a chapa apoiada por Temer recebeu 43% dos votos, e a encabeçada por
Quércia, 55%. Derrotado, o grupo de Temer foi convidado pelo governador
fluminense Anthony Garotinho a ingressar no Partido Socialista Brasileiro
(PSB). Temer apoiaria Garotinho nas eleições presidenciais de 2002 e, em troca,
seria o candidato socialista ao governo de São Paulo. O grupo de Temer também recebeu
convite para ingressar no Partido Popular Socialista (PPS) e no PTB.
Entretanto, Temer preferiu permanecer no PMDB. Em setembro, foi eleito
presidente nacional do partido com quase 60% dos votos, numa conturbada
convenção na qual derrotou Maguito Vilela, o candidato da ala que defendia a
candidatura presidencial de Itamar Franco.
Em outubro de 2002, foi reeleito deputado federal com
252.229 votos. Nas eleições presidenciais então realizadas, apoiou a
candidatura de José Serra, do PSDB. No entanto, com a vitória de Luís Inácio
Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), passou a entabular
conversações, ainda antes da posse, com vistas à participação do PMDB no
governo. Minadas pela ala peemedebista que havia apoiado a candidatura Lula, as
negociações feitas por Temer com o futuro ministro da Casa Civil, José Dirceu,
foram vetadas pelo presidente eleito. O veto representou uma vitória do grupo
que se opunha, no interior do partido, a seu presidente. Em maio de 2003, o
PMDB passou a integrar oficialmente a base de apoio parlamentar ao governo Lula.
Na legislatura 2003-2007, Temer integraria a Comissão
de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara. Em março de 2004, foi reeleito
presidente nacional do PMDB, por um período de dois anos. Na ocasião defendeu
que o partido lançasse candidatos próprios às prefeituras naquele ano, e aos governos
dos estados e à presidência, em 2006. E cobrou “ousadia” do governo federal na
área econômica: “Em 2003, o governo manteve o controle das contas públicas, e
isso foi importante, mas, neste ano, tem de ousar e encontrar caminhos. O que
se espera agora é ousadia no plano econômico. É preciso meios e modos de
compatibilizar o controle da inflação com o crescimento econômico, a geração de
emprego.” Ainda em 2004, disputou as eleições municipais de São Paulo, como
candidato a vice-prefeito na chapa encabeçada por Luísa Erundina, do PSB. No
segundo turno, deu aval para que presidentes de diretórios zonais do PMDB
manifestassem seu apoio ao candidato do PSDB, José Serra, que disputava com a
candidata petista, Marta Suplicy. O episódio foi interpretado como revelador da
proximidade de Temer em relação à candidatura Serra.
Após a renúncia do presidente da Câmara dos Deputados,
Severino Cavalcanti, em setembro de 2005, articulou-se a candidatura de Temer
para presidir novamente a casa. No entanto, houve resistências tanto de setores
do PMDB quanto do governo federal. Assim, Temer acabou por renunciar à
candidatura, mas conclamou a bancada de seu partido a votar no deputado
oposicionista José Tomás Nonô – que foi derrotado pelo candidato governista
Aldo Rebelo.
No primeiro semestre de 2006, foi um dos principais
defensores da tese da candidatura própria do PMDB às eleições presidenciais de
outubro daquele ano. No entanto, em maio, uma convenção extraordinária do
partido decidiu o contrário. Desse modo, inviabilizou-se o lançamento da
candidatura de Anthony Garotinho – o terceiro colocado nas pesquisas de
intenção de voto, atrás de Lula, que disputaria a reeleição, e de Geraldo
Alckmin, do PSBD. Em julho, Temer declarou seu apoio a Alckmin e engajou-se na
sua campanha, procurando atrair líderes e diretórios do PMDB para a candidatura
peessedebista. Com a vitória petista, aderiu ao governo Lula. Foi um dos
principais negociadores da participação de seu partido no novo governo.
Em março de 2007, foi, mais uma vez, reconduzido à
presidência nacional do PMDB. Numa convenção boicotada por duas expressões
importantes do partido, José Sarney e Renan Calheiros, obteve 80% dos votos.
Assumiu o novo mandato prometendo viabilizar a candidatura própria do partido
às eleições presidenciais de 2010. Em outubro de 2006, foi reeleito para a
Câmara dos Deputados, com 99.046 votos. No início de 2009, foi eleito, com
apoio do PT e de Lula, presidente da Câmara dos Deputados.
Foi professor de direito constitucional na PUC-SP e
diretor dos cursos de pós-graduação em direito na mesma instituição. Foi também
professor e diretor da Faculdade de Direito de Itu (SP). Foi autor da lei de
criação dos tribunais de pequenas causas e das delegacias encarregadas dos
crimes contra a mulher, direitos autorais e raciais.
Casou-se com Neusa Aparecida Popinigis, com quem teve
três filhas.
Escreveu artigos em revistas especializadas na área
jurídica e trabalhos técnicos sobre direito, tendo publicado Elementos
de direito constitucional, Seus direitos na Constituinte (1989)
e Constituição
e política(1994).
Eurídice Roberti/ Marcelo Costa/
Marco Aurélio Vannuchi Leme de Mattos
ROUSSEFF,
Dilma
*min. Minas e
En. 2003-2005; min. Casa Civ. Pres.
Rep. 2005-
Dilma Vana
Rousseff nasceu em
Belo Horizonte no dia 14 de dezembro de 1947, filha de Pedro Rousseff e de
Dilma Rousseff. O pai era imigrante búlgaro naturalizado, e seu nome de batismo
era Pétar Russév.
Iniciou sua atuação política ainda no período em que
cursava o antigo colegial, nos primeiros anos da ditadura militar inaugurada em
1964. Aproximou-se então do grupo de esquerda Organização Revolucionária
Marxista – Política Operária (Polop), que buscava constituir-se como
alternativa à linha predominante na esquerda brasileira, representada pelo
Partido Comunista Brasileiro (PCB), que apostava numa aliança entre os
trabalhadores e a burguesia nacionalista como caminho para a construção da
independência econômica e da democracia no Brasil. Enquanto o PCB considerava
tal aliança um momento indispensável da luta pelo socialismo, agrupamentos como
a Polop e a Ação Popular (AP) a recusavam e afirmavam que o país já estava
maduro para a experiência socialista.
A Polop, praticamente desde sua formação, em 1961,
combinou uma forte presença de intelectuais e estudantes em suas fileiras com
uma crescente inserção nos meios militares nacionalistas. Após o golpe de 1964,
a organização, que em suas origens adotava uma orientação estratégica marxista
clássica (referenciada, principalmente, nas idéias de Leon Totsky, Rosa
Luxemburgo e Lênin), voltada para organização do movimento de massas e não para
a luta armada, sofreu (como, de resto, boa parte da esquerda brasileira) o
influxo contagiante da Revolução Cubana e das idéias de Regis Debray, expressas
no livro Revolução
na revolução. Essas novas idéias consistiam numa firme
recusa dos debates político-estratégicos típicos da tradição marxista e num
engajamento apaixonado e imediato em ações militares, de combate ao poder
político estabelecido. No interior da Polop, produziu-se assim uma divisão
entre os defensores da linha tradicional, que recusavam a luta armada, e
aqueles que, influenciados por Debray, por Guevara e pela Revolução Cubana,
defendiam o desencadeamento imediato de ações de guerrilha.
Dilma Rousseff alinhou-se a essa última corrente e, em
1967, quando do 4º Congresso da Polop, em que se produziu uma fratura no
interior da organização, optou por acompanhar aqueles que se afastaram e
criaram, em Minas Gerais, o grupo guerrilheiro Comando de Libertação Nacional
(Colina). Engajou-se a partir de então em atividades clandestinas, sem, no
entanto, tomar parte em ações militares. Uma outra parcela daqueles que
romperam com a Polop construiria, em São Paulo, a Vanguarda Popular Revolucionária
(VPR). Em 1969, as duas organizações oriundas da Polop se uniram, dando origem
à Vanguarda Armada Revolucionária (VAR) – Palmares. A nova organização foi
responsável, naquele mesmo ano, por uma das mais ousadas ações levadas a cabo
pelos grupos guerrilheiros: o roubo do cofre localizado na casa da amante do
ex-governador de São Paulo, Ademar de Barros, Ana Capriglione, no bairro
carioca de Santa Teresa. No cofre, havia 2,5 milhões de dólares.
Presa em janeiro de 1970 em São Paulo, na onda de
repressão às organizações de esquerda desencadeada pela Operação Bandeirante
(Oban), Dilma esteve detida nas dependências da 36ª Delegacia de Polícia, sede
da Oban, e no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo. Foi
torturada na prisão, o que lhe rendeu sequelas, como uma problema na glândula
tireóide. Posteriormente foi condenada e transferida para o Presídio
Tiradentes, ainda em São Paulo. Foi solta no final de 1972.
Após deixar a prisão, mudou-se para Porto Alegre, onde
retomou os estudos e reconstruiu sua atuação política, já distante da luta
armada. Ingressou em 1974 no curso de ciências econômicas na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul e trabalhou de 1975 a 1977 na Fundação de Economia
e Estatística (FEE) do estado. Em 1977, concluiu a graduação.
Com a promulgação da lei da Anistia em 1979,
lideranças de esquerda que se haviam exilado durante o regime militar começaram
a voltar ao país. Entre os retornados encontravam-se Leonel Brizola e outros
líderes trabalhistas, que desejavam reconstruir o Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), duramente atingido pelo golpe de 1964 e a seguir extinto pelo
Ato Institucional nº 2, de 1965. Contudo, Brizola teve seus planos atrapalhados
por Ivete Vargas, também interessada em ressuscitar a sigla. Quando, em maio de
1980, Ivete obteve na Justiça Eleitoral a posse da legenda, Brizola e seus
aliados voltaram-se para a construção de uma nova agremiação trabalhista. Assim
foi fundado, em 16 de setembro do mesmo ano, o Partido Democrático Trabalhista
(PDT), no qual Dilma Rousseff ingressou. O novo trabalhismo mostrou-se
especialmente influente nos estados do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul.
Ligada aos pedetistas gaúchos, de 1980 a 1985 Dilma trabalhou na Assembleia
Legislativa do estado assessorando-os.
De 1986 a 1988, na gestão do pedetista Alceu Collares
na prefeitura de Porto Alegre, Dilma foi secretária municipal da Fazenda. Em
1989, após a derrota dos pedetistas e a vitória de Olívio Dutra, do Partido dos
Trabalhadores (PT), nas eleições para a prefeitura, assumiu a diretoria-geral
da Câmara dos Vereadores de Porto Alegre. Permaneceu nessa função até 1990, ano
em que Alceu Collares foi eleito governador do estado, e de 1991 a 1993 foi
presidente da FEE. Em 1993, assumiu a Secretaria de Energia, Minas e
Comunicações do governo estadual, na qual permaneceu até o final de 1994.
Após o término do governo Collares, Dilma voltou a
trabalhar na FEE, de 1995 a 1997. Tornou-se editora da revista da Fundação, Indicadores
Econômicos FEE, e, como tal, responsável pela
análise da política monetária e do mercado financeiro. Publicou também na
revista artigos como “A privatização do setor elétrico no Chile: o
erro mudou”, no qual expôs pela primeira vez uma concepção das relações entre a
esfera pública e a privada num setor em que recusava, ao mesmo tempo, as
propostas então em voga de privatização completa, e a preservação de monopólios
estatais. No artigo citado, defendia a combinação da competitividade do setor
privado com uma forte regulação estatal, sendo esta última uma condição
indispensável para a manutenção da competitividade e também para a existência
de planejamento de longo prazo.
Nas eleições de 1998 para o governo do Rio Grande do
Sul, o petista Olívio Dutra enfrentou no segundo turno Antônio Britto, do Partido
do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), e contou com o apoio do PDT. Com a
vitória de Dutra, e os acordos para a participação do PDT no governo, Dilma
assumiu em 1999 a Secretaria estadual de Energia, Minas e
Comunicações. Contudo, no ano seguinte, Leonel Brizola, principal líder
pedetista, e Alceu Collares se desentenderam com Olívio Dutra e com o PT gaúcho
a respeito de temas como o espaço destinado aos pedetistas na administração
estadual e as eleições daquele ano para a prefeitura de Porto Alegre. Brizola
determinou o rompimento do PDT com o governo, mas lideranças tradicionais do
partido no estado – como Sereno Chaise, ex-prefeito de Porto Alegre, presidente
do Banrisul e então presidente do PDT gaúcho, e membros do secretariado
estadual, como a própria Dilma – discordaram dessa orientação e optaram por
continuar no governo, deixar o PDT e filiar-se ao PT. Dilma ingressou no PT em
março de 2001, tendo permanecido à frente da secretaria até o término
do governo de Olívio Dutra, em 1º de janeiro de 2003.
Em 2001, o Brasil sofreu com a crise energética que ficou
conhecida como o “apagão”. Desde o governo de Fernando Collor (1990-1992),
havia uma redução dos investimentos em geração e
transmissão de energia elétrica, que não vinham ocorrendo no volume
necessário para garantir a expansão da oferta. Esse desequilíbrio trouxe
uma necessidade de utilização excessiva da água armazenada nos grandes
reservatórios do sistema elétrico brasileiro que, em 2001, devido
às condições hidrológicas desfavoráveis nas regiões Sudeste e Nordeste,
acabaram precipitando a maior crise já ocorrida no Brasil, e conquanto os
estados da região Sul tivessem sido poupados das medidas de racionamento de
energia que foram impostas a quase todo o país, também ali se fez um esforço
voluntário para reduzir o consumo. Em função do cargo que ocupava no governo
gaúcho, Dilma foi responsável pelas negociações com Pedro
Parente, coordenador da Câmara de Gestão da Crise
de Energia Elétrica e chefe da Casa Civil da Presidência da República.
Em 2002, após as eleições presidenciais, que deram a
vitória ao candidato do PT Luís Inácio Lula da Silva, coordenou a equipe de
infraestrutura do governo de transição e foi convidada pelo presidente eleito
para o Ministério das Minas e Energia.
Ministra das
Minas e Energia
Empossada em 1° de janeiro de 2003, com a missão de
reestruturar o setor e impedir que se repetisse a experiência da crise
energética de 2001, Dilma Rousseff afirmou “a necessidade de recuperar as funções de
planejamento do Estado e sua capacidade de formular a política energética do
país”.
Em junho, apresentou um novo modelo de
regulamentação do setor elétrico. O modelo estava em sintonia com as idéias
defendidas pela ministra desde a década anterior e combinava a manutenção da
presença privada com um aumento expressivo nas funções de regulamentação,
planejamento e controle por parte do Estado. Três eram
os objetivos principais: garantir o abastecimento de energia do país, promover
a modicidade tarifária e permitir a retomada dos investimentos. A reforma foi
proposta pelas Medidas Provisórias nº 144 e nº 145, assinadas em dezembro e
aprovadas sem alterações substanciais pelo Congresso Nacional. Em março de
2004, o presidente sancionaria as leis referentes ao novo modelo setorial: a de
nº 10.847, que autorizava a criação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), e
a de nº 10.848, que redefinia as regras de comercialização de energia no
Sistema Interligado Nacional, criava a Câmara de Comercialização de Energia
Elétrica (CCEE), e excluía as empresas do grupo Eletrobrás do Programa Nacional
de Desestatização (PND).
Entre as disposições inovadoras do novo modelo,
destacaram-se a obrigatoriedade da contratação da totalidade da demanda das
distribuidoras por meio da realização de leilões públicos, a oferta da menor
tarifa como critério de outorga de concessão para aproveitamentos
hidrelétricos, e a exigência de licença ambiental prévia para a licitação de
projetos de geração. A nova legislação também criou o Comitê de Monitoramento
do Setor Elétrico (CSME) com a função de acompanhar e avaliar permanentemente a
continuidade e a segurança do suprimento eletro-energético em todo o território
nacional. O comitê deveria funcionar sob a presidência do titular da pasta de
Minas e Energia, sendo integrado por mais quatro representantes desse
ministério, além dos dirigentes máximos da Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel), da Agência Nacional do Petróleo (ANP), da CCEE, da EPE e o Operador
Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Ainda em 2003, em novembro, o Ministério das Minas e
Energia lançou o programa “Luz Para Todos”, com a proposta de levar o
fornecimento de energia elétrica a todo o país, especialmente às áreas rurais.
O programa foi coordenado pelo
ministério, operacionalizado pela Eletrobrás e executado pelas concessionárias
de energia elétrica e cooperativas de eletrificação rural.
Em meados de 2005, o governo Lula e o PT atravessaram
sua maior crise, com a eclosão do chamado “escândalo do mensalão”, a partir de
denúncias do então deputado federal e presidente do PTB, Roberto Jefferson, de
que haveria um esquema de aliciamento de parlamentares para que votassem a
favor de projetos do governo em troca de retribuição financeira. Segundo
Jefferson, o presidente Lula não faria parte do esquema, que teria sido
coordenado por José Dirceu, deputado federal por São Paulo, ex-presidente do PT
e, naquele momento, ministro-chefe da Casa Civil. Além da comissão parlamentar
de inquérito (CPI) dita dos Correios, que investigava denúncias contra o
próprio Roberto Jefferson, foi instalada então a chamada CPI do “Mensalão”
Tendo sido o principal alvo das denúncias, José Dirceu viu sua posição dentro
do governo se enfraquecer e terminou por se demitir da chefia da Casa Civil em
junho de 2005. Dilma Rousseff foi então convidada pelo presidente Lula a
assumir esse cargo, tornando-se a primeira mulher a ocupar a pasta.
Ministra-chefe da
Casa Civil
Após as eleições de 2006, que reconduziram Lula à
Presidência da República, a Casa Civil, conduzida por Dilma, fortaleceu-se como
núcleo coordenador de todas as ações e políticas do governo, sempre em
articulação estreita com a Presidência. Considerada pelo presidente uma
colaboradora dotada de grande capacidade administrativa e de direção, a
ministra assumiu a responsabilidade de comandar a elaboração e a execução do
principal projeto do segundo governo Lula: o Plano de Aceleração do Crescimento
(PAC). Anunciado no discurso de posse do presidente, em 1º de janeiro de 2007,
o plano teve seu lançamento formal no dia 22 daquele mês. O PAC era composto de
um conjunto de projetos, concentrados em áreas como infraestrutura, habitação,
transportes e geração de energia, cujos principais objetivos eram criar
condições para um desenvolvimento econômico sustentado e atender a necessidades
de comunidades desprovidas de acesso a serviços públicos essenciais.
O lançamento do PAC surgiu como uma expressão pública
dessa disposição de reorientar as políticas de governo, distanciando-as do
modelo predominante ao longo de toda a década de 1990, e mesmo no início do
primeiro governo Lula, fortemente pautado pela prioridade fiscal. O PAC foi
criticado, à época de seu lançamento, por uma suposta ausência de delineamento
claro das prioridades e das metas. Posteriormente, foi questionado aquilo que
se considerava um baixo índice de execução das obras previstas e de empenho do
orçamento projetado. Não obstante, o plano seguiu sendo defendido pelo governo
como sua prioridade administrativa e esteve fortemente associado ao crescente
protagonismo de Dilma enquanto coordenadora da administração. Em março de 2008,
Lula declarou, em evento realizado numa favela do Rio de Janeiro, que Dilma é a
“mãe do PAC”. Na mesma época, começaram os rumores de que ela seria a escolhida
por Lula para concorrer à sua sucessão nas eleições presidenciais de 2010.
Em abril de 2009, a ministra anunciou que estava
iniciando tratamento para combater um câncer linfático, mas não se afastou do
cargo. Ainda nesse ano, participou dos debates que se seguiram à descoberta das
grandes reservas de petróleo encontradas na chamada camada “pré-sal” de alguns
pontos do mar territorial brasileiro. A proposta governamental de um marco
regulatório para a exploração do pré-sal foi elaborada sob a coordenação da
Casa Civil e adotou, mais uma vez, uma solução híbrida, já utilizada na
formatação do setor elétrico: permitir a participação de empresas privadas na
exploração das reservas, mas num regime de “partilha” em que o Estado (através
da Petrobras e de uma nova empresa estatal, a ser criada com o fim específico
de atuar nessa área) teria uma participação maior na exploração e também um
papel regulador mais acentuado. Além disso, o projeto estabelecia que uma
parcela dos recursos obtidos com a exploração do petróleo da camada pré-sal
deveria compor um fundo destinado a investimentos em áreas como saúde e
educação.
Foi casada em primeiras núpcias com Cláudio Galeno de
Magalhães Linhares. Do segundo casamento, com Carlos Franklin Paixão de Araújo,
teve uma filha.
Darlan Montenegro
LULA
*const. 1987-1988; dep.
fed. SP 1987-1991; cand. pres. Rep. 1989, 1994, 1998; pres. Rep. 2003-2011.
Luís Inácio da Silva nasceu em Garanhuns (PE) no
dia 27 de outubro de 1945, mas foi registrado como nascido no dia 6 pelo pai,
Aristides Inácio da Silva. Sua mãe chamava-se Eurídice Ferreira de Melo e era
conhecida como dona Lindu. Lula, como foi chamado desde garoto, foi
o penúltimo filho de uma família de sete irmãos.
Seu Aristides e dona Lindu eram
lavradores e cultivavam uma roça de subsistência para garantir o sustento da
família. Poucos meses após o nascimento de Lula seu pai migrou para Santos
(SP), onde trabalhou como carregador no porto. Cinco anos após a partida, seu
Aristides retornou a Garanhuns para rever a família. Trazia consigo dois
meninos, que mais tarde se viria a saber serem seus filhos com uma prima que
havia levado para o Sul e com quem constituiu nova família. Dessa visita
resultou uma nova gravidez de dona Lindu.
Esses primeiros anos da infância
de Lula foram marcados pela dificuldade de sobrevivência da família, mantida
quase somente com os esforços da mãe na lavoura.
Em dezembro de 1952, Lula, sua
mãe e os irmãos enfrentaram uma viagem de 13 dias a bordo de um caminhão
“pau-de-arara” para São Paulo. Deixaram para trás a terra, vendida por 13
contos de réis, na expectativa de viver melhor junto ao pai no Sul. A chegada a
Santos, marcada pela decepção de encontrar o pai com outra família e pelas
dificuldades da mãe em sustentar os filhos na cidade grande, gerou a
necessidade de Lula e seus irmãos buscarem trabalho. Lula trabalhou como
ambulante, ao mesmo tempo que cursava o primário.
Em 1956 a família
mudou-se para São Paulo, fixando residência no bairro operário Vila Carioca.
Por insistência da mãe, e ao contrário dos irmãos que saíram da escola no 3º
ano primário, Lula cursou até a 5ª série. Aos 12 anos teve seu primeiro emprego
fixo numa tinturaria, ao qual se seguiu o de office-boy. Aos 14,
levado para um teste pela mãe, ingressou na Fábrica de Parafusos Marte, onde
trabalhou por quatro anos. Alternou meses de fábrica com meses de Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), onde se tornou torneiro mecânico.
Em 1964 trocou o emprego na
fábrica de parafusos por um outro na Metalúrgica Independência, onde costumava
trabalhar 12 horas seguidas à frente de um torno. Numa daquelas madrugadas, um
parafuso de uma prensa quebrou-se e Lula refez a peça. Quando foi instalá-la, o
colega que operava a prensa cochilou e soltou o braço da máquina, decepando o
dedo mínimo de sua mão esquerda. Treze dias depois, estava de volta ao
trabalho. Trabalhou ainda em outra empresa do ramo até que, em meio à recessão
de 1965, com praticamente toda a família desempregada, passou também pela
experiência do desemprego. Por seis meses perambulou de fábrica em fábrica
atrás de uma vaga, que surgiria na Metalúrgica Villares, em São
Bernardo do Campo.
Em 1967, pelas mãos do irmão,
frei Chico, Lula entrou pela primeira vez no Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo do Campo e Diadema. Frei Chico, militante do Partido Comunista
Brasileiro (PCB), recusou a indicação para participar da chapa da situação que
concorreria à direção do sindicato em 1969, mas indicou Lula para uma
suplência. Como suplente, Lula continuou a trabalhar na Villares. Em 1972, após
nova eleição para a diretoria do sindicato, Lula passou a compor o quadro
efetivo de diretores como primeiro-secretário e afastou-se da Villares por
licença sindical. Entre 1972 e 1975 foi o responsável pelo setor jurídico do
sindicato. Nessas duas primeiras eleições, Lula participou de chapas
encabeçadas por Paulo Vidal. Em 1975, Vidal indicou Lula para concorrer à presidência
do sindicato, passando a ocupar uma secretaria.
Eleito presidente do sindicato,
Lula passou a fazer cursos, debates e viagens que foram importantes na sua
formação política. Mais decisiva, porém, foi a prisão de frei Chico em 1975. O
arbítrio da prisão e tortura do irmão despertaram Lula para o autoritarismo da
ditadura militar. No sindicato, a expectativa de um presidente decorativo,
comandado pelo antecessor Paulo Vidal, foi frustrada por Lula, que rompeu com
ele e se aproximou dos militantes ligados às organizações por local de trabalho
das grandes fábricas montadoras de automóveis da região.
Em seu primeiro mandato como
presidente do sindicato, Lula investiu numa postura independente, recusando-se
a negociar em conjunto com a Federação dos Metalúrgicos do Estado e recorrendo
dos dissídios junto ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em 1977, após a
divulgação pela imprensa internacional de um relatório secreto do Banco Mundial
dando conta de uma manipulação de índices inflacionários em 1973, Lula
encomendou ao Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (DIEESE) um estudo que concluiu serem de 34,1% as perdas
salariais dos metalúrgicos em 1973-1974, decorrentes da ciranda dos índices. O
Sindicato de São Bernardo, com o apoio de muitos outros em todo o país, lançou
então uma campanha pela recuperação dos 34,1%. Essa campanha, pela primeira vez
em uma década, aglutinou forças sindicais contra a política econômica da
ditadura e marcou a “descoberta” de Lula pela opinião pública, após a
publicação de entrevistas e reportagens sobre o líder metalúrgico.
Nas declarações à imprensa, Lula
procurava mostrar a independência dos metalúrgicos e seu sindicato frente aos
partidos políticos, instituições e governo. Na época, e com mais ênfase nos
anos seguintes, afirmava a necessidade de se fundarem novas bases para a
relação capital-trabalho no Brasil, libertando-se os sindicatos da tutela
estatal estabelecida na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Seu discurso a
favor da liberdade e autonomia sindicais e da livre negociação com o patronato
aglutinava os setores do sindicalismo brasileiro dispostos a mudar a estrutura
sindical. Tal discurso era uma das bases do que sindicalistas e cientistas
sociais denominaram, alguns anos depois, “novo sindicalismo”. Mais que dos
discursos, porém, o “novo sindicalismo” nutriu-se de uma prática sindical
diferente, centrada na ampliação da participação das bases na ação sindical e
na disposição para o enfrentamento, configurado nas greves.
Em 1978 a notoriedade
de Lula, então já em seu segundo mandato como presidente do sindicato,
ampliou-se com a erupção em maio, a partir da fábrica da Scania, de uma greve
que atingiu todas as grandes empresas da região e arrastou em poucos dias 150
mil metalúrgicos de todo o estado de São Paulo. O sindicato não convocou a
greve, mas apresentou-se para negociar com os patrões em nome dos grevistas. Em
1979, fracassadas as tentativas de negociação, o sindicato convocou nova greve,
que teve a duração de cerca de 15 dias. A greve, que resultou na intervenção do
Ministério do Trabalho no sindicato, foi marcada por grandes assembléias
reunindo cerca de 80 mil metalúrgicos no estádio municipal de Vila
Euclides, em São Bernardo. Para suspender o movimento, Lula negociou
com os empresários e o governo um acordo que incluiu a concessão de um pequeno
reajuste aos trabalhadores, a suspensão da intervenção no sindicato, a não
punição aos grevistas e a promessa de abertura de novas negociações em 45 dias.
Em 1980 o sindicato preparou novo
movimento grevista, que se iniciou em 1º de abril e durou 41 dias. O grau de
repressão utilizado pelo governo militar para sufocar o movimento foi ainda
mais intenso. O sindicato sofreu nova intervenção, e Lula e outros dirigentes
foram presos. A categoria, enfraquecida pela intransigência patronal e ameaçada
pela perda do emprego, voltou ao trabalho paulatinamente sem qualquer conquista
salarial. Lula foi processado com base na Lei de Segurança Nacional, foi
condenado em primeira instância, mas foi absolvido pelo Superior Tribunal
Militar (STM). O processo resultou em seu afastamento definitivo da presidência
do sindicato.
Desde 1978 Lula vinha formando a
convicção da inviabilidade de uma solução exclusivamente sindical para os
problemas dos trabalhadores brasileiros. Essa convicção já o havia levado, em
meados do ano, a rever seu posicionamento antipartidário e a abraçar a proposta
de criação de um Partido dos Trabalhadores. Em 1979, uma comissão informal
lançou uma carta de princípios e deslanchou conversações com políticos do
Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Poucos aderiram à idéia do partido, mas
o movimento por sua criação era irreversível, atraindo outros dirigentes
sindicais identificados com o “novo sindicalismo”, militantes de agrupamentos
de esquerda, intelectuais, participantes de movimentos sociais diversos e
membros de comunidades eclesiais de base (CEBs).
Após diversos encontros pelos
estados, em 14 de outubro de 1979 o Partido dos Trabalhadores (PT) foi
oficialmente estruturado com a formação de uma comissão nacional provisória, em
encontro que reuniu cerca de cem pessoas em São Bernardo do Campo. Em
29 de novembro, o Congresso aprovou o fim do bipartidarismo e abriu
oficialmente espaço para a organização de um novo sistema multipartidário. Em
10 de janeiro de 1980, foi lida no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo a
primeira versão do manifesto de lançamento do PT. No mês seguinte, cerca de
quinhentas pessoas reuniram-se no Colégio Sion, também em São Paulo, para
assinar o manifesto como fundadoras do partido. Em 22 de outubro, o PT entrou
com o requerimento de seu registro provisório junto ao Tribunal Superior
Eleitoral (TSE).
A
campanha para o governo de São Paulo
Nos primeiros anos da década de
1980, o PT enfrentou o desafio de obter seu registro definitivo empenhando-se
na formação de comissões municipais e ampliando seu quadro de filiados. As
eleições legislativas e para os governos estaduais de 1982 foram uma etapa
estratégica nesse processo, pela exigência de obtenção de um quociente
eleitoral mínimo (5% do total nacional de votos e 3% dos votos em pelo menos
nove estados). As maiores expectativas depositaram-se em São Paulo, berço
do partido e estado em que o PT dispunha de seu principal nome para a disputa
das eleições majoritárias. Deu-se nesse contexto o lançamento da candidatura de
Lula ao governo do estado, em 1982.
Os objetivos maiores da campanha
eram a ampliação da divulgação do programa e das propostas do PT entre os
eleitores brasileiros e a consolidação do partido, em aliança com os movimentos
sociais na oposição à ditadura militar. Ampliar as bancadas do partido nos legislativos
era outro objetivo importante. Em São Paulo, apesar da consciência da
fragilidade do novo partido, havia algumas expectativas em relação ao sucesso
eleitoral da candidatura de Lula.
Os discursos de campanha de Lula
tiveram como eixo central o acesso da classe trabalhadora ao poder, associando
a luta pela ampliação dos direitos de cidadania ao conteúdo de classe das
propostas do partido, expresso no slogan “Trabalhador vota em
trabalhador”. O slogan explicitava também a tentativa de Lula
e do partido de se diferenciar do restante das oposições (em especial do PMDB,
sucessor do MDB), combatendo a proposta de “voto útil” no candidato
oposicionista com maiores chances de vitória — no caso, o peemedebista Franco
Montoro.
O principal instrumento de propaganda
eleitoral na campanha de Lula para o governo estadual foi o comício. A campanha
foi lançada em 21 de abril de 1982 com um comício para 15 mil pessoas no bairro
operário de Santo Amaro, na capital. Na reta final da campanha, Lula conseguia
reunir cem mil paulistanos em um comício, e um público superior a 20 mil
pessoas em algumas cidades do interior. Seu sucesso nos debates na TV era
comprovado pelas pesquisas, algumas das quais o apontavam como o candidato de
melhor desempenho.
A votação de Lula, porém,
frustrou as esperanças dos petistas. Ainda assim, foram dados 1.144.648 votos
ao candidato operário, que obteve a quarta maior votação. No plano nacional, o
PT conquistou apenas 3,3% dos votos e alcançou o índice de 5% somente em
São Paulo e no Acre, elegendo oito deputados federais (seis em São
Paulo) e 12 deputados estaduais em todo o país. O partido não teve problemas
com o registro porque a exigência do quociente eleitoral mínimo foi transferida
para as eleições de 1986. Duas prefeituras foram conquistadas: Diadema (SP), e
Santa Quitéria (MA).
Lula e as
diretas
Em agosto de 1983 o PT adotou a
idéia de uma grande campanha popular pelas eleições diretas para a presidência
da República. A executiva nacional do partido transformou a campanha em sua prioridade
número um, articulando-se com os demais partidos de oposição e os movimentos
sociais para deslanchá-la. Em 27 de novembro de 1983, em convocação assinada
pelo PT, o PMDB, o Partido Democrático Trabalhista (PDT), a Central Única dos
Trabalhadores (CUT), o Conselho das Classes Trabalhadoras (Conclat) e várias
instituições da sociedade civil organizada, realizou-se um primeiro comício na
praça em frente ao estádio do Pacaembu, em São Paulo. Compareceram ao
evento cerca de 20 mil pessoas, a maioria militantes do PT.
Em janeiro de 1984, Ulisses
Guimarães, presidente do PMDB, decidiu engajar o partido numa mobilização
popular intensa. Em Curitiba, no início do mês, Ulisses organizou um primeiro
grande comício reunindo os governadores do PMDB, Tancredo Neves, de Minas, José
Richa, do Paraná, e Franco Montoro, de São Paulo. O governador paulista
convocou um comitê mais amplo para organizar um comício em 27 de janeiro.
Leonel Brizola, governador do estado do Rio, do PDT, e Lula foram incluídos
nesse novo palanque. A organização esperava cem mil pessoas, mas 250 mil
compareceram à praça da Sé, impulsionando a campanha das Diretas Já, que
levaria mais de um milhão de pessoas às ruas no Rio de Janeiro e voltaria a
repetir esse número em São Paulo, o que caracterizou o movimento como a
maior mobilização popular da história do país. Pesquisas de opinião mostravam
que mais de 80% da população eram favoráveis às diretas.
No entanto, a emenda apresentada
pelo deputado federal Dante de Oliveira, que propunha a realização de eleições
diretas em novembro de 1984, foi rejeitada pela Câmara na sessão do dia 25 de
abril. Lula e o PT defendiam que a campanha de rua deveria continuar, forçando
o recuo da ditadura. O PMDB, entretanto, onde um grupo de políticos já vinha
trabalhando por uma candidatura forte de oposição no Colégio Eleitoral, decidiu
suspender sua participação, lançando o nome de Tancredo Neves, governador de
Minas, para a disputa indireta pela presidência. A campanha refluiu e seu
potencial mobilizador foi em boa parte canalizado para o apoio popular à
candidatura de Tancredo Neves.
Mantendo a opção mobilizadora e a
posição assumida quando do início da campanha das diretas, o PT recusou-se a
participar do Colégio Eleitoral. Essa posição, defendida por Lula e pela
maioria do partido, levou à renúncia do líder do PT na Câmara, Aírton Soares,
que compareceu à votação, realizada em 15 de janeiro de 1985, e votou em
Tancredo Neves. Os deputados que fizeram tal opção foram desligados do
partido. Tancredo derrotou Paulo Maluf, candidato do regime militar, sendo
eleito o novo presidente da República em substituição ao general João Batista
Figueiredo. Contudo, por motivo de doença, não chegou a ser empossado na
presidência, vindo a falecer em 21 de abril de 1985. Seu substituto foi o vice
José Sarney, que já vinha exercendo interinamente o cargo desde 15 de março.
Em novembro de 1985, nas
primeiras eleições diretas para a prefeitura das capitais desde os anos 1960, o
PT venceu o pleito em Fortaleza, elegendo Maria Luísa Fontenelle, que mais
tarde deixaria o partido.
Na
Constituinte
Nas eleições de novembro de 1986,
Lula concorreu a uma cadeira na Assembléia Nacional Constituinte pelo estado de
São Paulo. Eleito com 651.763 votos, foi, em números absolutos, o deputado mais
votado do Brasil. Tratava-se de uma votação ainda mais expressiva pelo fato de
as eleições terem sido marcadas pelo entusiasmo popular com o Plano Cruzado,
plano econômico que congelou preços e salários com o intuito de controlar a
inflação. Na esteira do plano, o PMDB, partido do governo, elegeu os
governadores da maioria dos estados e a maior bancada no Congresso. Ainda
assim, em São Paulo, Lula obteve cerca de 60 mil votos a mais que o
principal líder do PMDB, Ulisses Guimarães.
Empossado em 1º de fevereiro de
1987, Lula exerceu a liderança do PT na Câmara e na Assembleia Nacional
Constituinte. Foi também membro titular da Comissão de Sistematização
(1987-1988) e suplente da Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas
Deficientes e Minorias, da Comissão da Ordem Social (1987).
Nos trabalhos da Constituinte
Lula esteve presente a 95% das votações, posicionando-se contrariamente à pena
de morte e ao mandato de cinco anos para Sarney. Votou a favor do rompimento
das relações diplomáticas com países com política de discriminação racial, da
limitação do direito de propriedade privada, do mandato de segurança coletivo,
do aborto, da estabilidade no emprego, da jornada semanal de 40 horas, do turno
ininterrupto de seis horas, do aviso prévio proporcional, da pluralidade
sindical, da soberania popular, do voto aos 16 anos, do presidencialismo, da
nacionalização do subsolo, da estatização do sistema financeiro, do limite de
12% ao ano para os juros reais, da proibição do comércio de sangue, da
limitação para os encargos da dívida externa, da criação de um fundo de apoio à
reforma agrária, da anistia aos micro e pequenos empresários, da legalização do
jogo do bicho e da desapropriação da propriedade produtiva.
A
campanha presidencial de 1989
Aprovada a nova Constituição em 5
de outubro de 1988, Lula lançou-se à campanha para as eleições municipais
marcadas para 15 de novembro. Ao longo daquele ano ocorreram mais de 2.100
greves (no momento das eleições estimava-se em cerca de um milhão os
trabalhadores parados), caracterizando aquela fase como de grandes mobilizações
sociais, em especial sindicais. Em 8 de novembro a mais significativa dessas
mobilizações, uma greve dos metalúrgicos da Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN) em Volta Redonda (RJ), enfrentou a repressão de tropas do
Exército, em episódio trágico que resultou na morte de três trabalhadores. O
protesto coletivo e organizado das greves, numa conjuntura de crescimento
inflacionário e fracasso dos planos econômicos governamentais, transbordou em
comoção coletiva nacional com o episódio de Volta Redonda, gerando repercussões
eleitorais evidentes na radicalização do voto na oposição, o que acabou por
beneficiar o PT.
Nas eleições daquele ano, o PT
conquistou a prefeitura de capitais importantes como São Paulo, Porto Alegre e
Vitória. Cidades importantes do interior de São Paulo, como Campinas, Santos e
a maioria das cidades do ABC, e de Minas, como Contagem, também elegeram
prefeitos petistas. No total, foram eleitos 39 prefeitos do PT, que foi o
segundo partido mais votado em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro.
Desse crescimento eleitoral, Lula, a figura mais conhecida do partido, saiu
fortalecido, afirmando-se como candidato às eleições presidenciais no ano
seguinte, as primeiras a serem realizadas pelo voto direto no Brasil desde
1960.
Em 6 de dezembro de 1988 Lula foi
indicado candidato à presidência da República pelo 5º Encontro Nacional do
Partido dos Trabalhadores. Em 29 de março de 1989, o Partido Verde (PV), o
Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB)
formalizaram apoio à candidatura Lula, formando-se a Frente Brasil Popular. Nos
meses que se seguiram, a campanha para a presidência da República
desenvolveu-se em clima de grande mobilização popular, para ganhar pouco a
pouco um conteúdo político de polarização ideológica. Responsável pelos maiores
momentos de mobilização popular, e centro do debate ideológico, a candidatura
Lula representou a maior novidade política da campanha.
Seu programa de campanha
centrava-se na superação da crise econômica paralelamente à superação das
marcantes desigualdades sociais características da sociedade brasileira. Eram
pontos enfatizados: uma reforma agrária ampla, a suspensão do pagamento da
dívida externa e a instalação de uma auditoria da dívida, o alongamento do
perfil da dívida interna, a contenção dos lucros das empresas através de
controle de preços, a reforma tributária com combate à sonegação, e o aumento
real progressivo dos salários, puxado por um aumento progressivo do salário
mínimo, que em cinco anos deveria corresponder a quatrocentos dólares.
No início de 1989, em traço que
já havia ficado evidente nas eleições municipais de novembro do ano anterior, o
eleitorado tendia, segundo as pesquisas de opinião, a apoiar majoritariamente
os nomes da oposição. Isso explicava o fato de o ex-governador do Rio de
Janeiro Leonel Brizola, candidato lançado pelo PDT, e Lula largarem na frente
nas pesquisas eleitorais de abril. Naquela conjuntura de inflação galopante, as
greves cresciam em número e intensidade. Em 23/24 de março a CUT comandou uma
greve geral nacional que paralisou os principais centros urbanos do país. Em
abril os bancários promoveram uma greve nacional, e em maio pararam os
metalúrgicos de São Bernardo. A onda de greves, associadas à CUT e ao PT, foi
apresentada pelos meios de comunicação e percebida por setores do próprio
partido como prejudicial à candidatura Lula, embora o candidato afirmasse a
autonomia dos sindicatos e negasse a associação direta entre o PT e a CUT.
Após viagens à Europa (em março)
e aos EUA (em maio), a campanha de Lula se iniciou com um comício em São
Bernardo do Campo, em 14 de maio de 1989, com a presença de 30 mil
pessoas. Isso antecipava o elevado grau de participação que os comícios de Lula
alcançariam ao fim da campanha. No mês seguinte, foi escolhido o candidato à
vice-presidência na chapa de Lula, após intenso debate no interior da Frente
Brasil Popular. O 6º Encontro Nacional do PT, realizado em meados de junho,
indicou o nome do militante verde Fernando Gabeira, abrindo entretanto a
possibilidade de que as articulações da Frente indicassem um outro nome. Foi o
que aconteceu com a escolha de José Paulo Bisol, senador pelo Rio Grande do Sul
do PSDB, que foi convidado em fins de junho. Depois de trocar o PSDB pelo PSB,
no início de julho Bisol foi oficializado como candidato a vice na chapa de
Lula.
Em 17 de julho ocorreu o primeiro
debate televisivo entre os candidatos, e a presença de Lula foi considerada
apagada. No dia 29, uma pesquisa eleitoral retratava a situação crítica de sua
campanha, com uma performance de 6% das intenções de voto, a
pior marca de sua candidatura até então. Um novo debate televisivo, em 15 de
agosto, não resultou em maiores simpatias para o candidato petista.
Paralelamente, crescia em intenções de voto a candidatura do ex-governador de Alagoas,
Fernando Collor de Melo, que se apresentava pelo inexpressivo Partido da
Reconstrução Nacional (PRN), com um discurso de moralização do Estado através
da “caça aos marajás” (funcionários públicos extra-remunerados) e de
modernização econômica do país, através da abertura dos mercados.
O início da virada na campanha
deu-se em setembro. Logo no dia 5, foi ao ar uma entrevista com Lula,
na série produzida pela Rede Globo de Televisão (a rede de maior audiência), em
que o desempenho do candidato foi considerado excelente. Dez dias depois teve
início a propaganda eleitoral gratuita no rádio e TV, e o programa da Frente
Brasil Popular alcançou boa repercussão, com a defesa do programa do PT e
denúncias das mazelas da política nacional e das desigualdades sociais
brasileiras. No dia 17, um grande comício na praça da Sé, em São Paulo,
reuniu 50 mil pessoas, constituindo-se no maior comício até então realizado na
campanha.
Em 3 de outubro, uma pesquisa
eleitoral mostrou pela primeira vez uma recuperação significativa das intenções
de voto de Lula. As reações à possibilidade de Lula chegar ao segundo turno das
eleições foram múltiplas. Em 11 de outubro, o presidente da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), Mário Amato, afirmou que uma eventual
vitória de Lula levaria oitocentos mil empresários a saírem do país. O
candidato Paulo Maluf, do Partido Democrático Social (PDS), iniciou, em seu
programa eleitoral, uma linha de ataques ao PT visando a ampliar seu espaço com
a polarização. A cotação do dólar no mercado paralelo subiu 6,9% apenas no dia
12, ante novas pesquisas apontando a possibilidade de Lula passar ao segundo
turno. Em novo debate no dia 16, o candidato Ronaldo Caiado, ligado à União
Democrática Ruralista (entidade fundada por latifundiários para combater a
reforma agrária), denunciou um suposto caso de corrupção na administração
municipal de São Paulo (prefeitura ocupada por Luísa Erundina, do PT), que
ficou conhecido como caso Lubeca. A denúncia se mostraria falsa cerca de 20
dias depois, mas despertou grande cobertura da imprensa nas duas semanas
seguintes, reforçada pelo desabamento de uma favela, de nome “Nova República”,
também em São Paulo, matando 14 pessoas. A prefeitura de São Paulo passou
a ser apresentada como o calcanhar-de-aquiles do PT, sendo responsabilizada
pelos dois episódios, em especial pelo ex-prefeito Paulo Maluf, que mais tarde
descobriu-se ter ligações com os proprietários do terreno que desabou sobre a
favela.
Ainda em outubro iniciou-se a
fase dos grandes comícios da campanha de Lula. Foram 60 mil os presentes ao
comício realizado em Belo Horizonte no dia 18 de outubro. Em 2 de
novembro 50 mil pessoas compareceram, debaixo de chuva, a um comício em
São Bernardo. No dia 6 foi a vez de Fortaleza, onde 80 mil pessoas foram
às ruas no comício de Lula. Em Recife, no dia seguinte, foram cem mil. Nos dois
últimos comícios gigantes, Lula reuniu duzentas mil pessoas no Rio de Janeiro
no dia 10, e 250 mil em São Paulo, no comício de encerramento da campanha
no primeiro turno, no dia 12. Nos comícios, Lula lembrava as dificuldades de
menino pobre, nordestino e migrante, e as lutas históricas em que esteve
envolvido, como as greves do ABC e a campanha das Diretas Já. Seus discursos
buscavam estabelecer uma identidade entre o candidato à presidência e o homem
comum que poderia votar nele, como em um igual.
As pesquisas de boca de urna
realizadas no dia da eleição, 15 de novembro, apontaram a passagem ao segundo
turno de Fernando Collor, em primeiro lugar, e um empate técnico entre Lula e
Brizola na disputa pela outra vaga. O resultado final, anunciado no dia 21,
indicou 25,11% dos votos para Fernando Collor, 14,16% para Lula e 13,60% para
Brizola.
Iniciada a segunda etapa da
campanha, o desafio inicial da candidatura Lula foi construir uma aliança mais
ampla para enfrentar Collor. A Frente Brasil Popular optou por buscar o apoio
de Brizola, do PSDB, que havia disputado o primeiro turno, com Mário Covas, do
PCB de Roberto Freire e de setores do PMDB, que havia lançado a candidatura de
Ulisses Guimarães. Com maior rapidez, como no caso de Brizola, ou com muita
dificuldade em definir-se, como no caso do PSDB, os apoios se concretizaram.
No segundo turno aumentou o
investimento do PT e seu candidato nos grandes comícios. Em 10 de dezembro,
reuniu-se uma multidão de quatrocentas mil pessoas em São Paulo.
Em Belo Horizonte, foram 150 mil em 12 de dezembro. No dia 13, novo
comício no Rio reuniu quinhentas mil pessoas. No palanque, Lula, Brizola, Covas
e Luís Carlos Prestes, entre muitas outras figuras de expressão nacional.
Paralelamente, o programa eleitoral gratuito, agora com igualdade de tempo
entre os dois candidatos, deu novo fôlego à campanha apresentando a adesão de
uma parcela significativa da intelectualidade e da classe artística à
candidatura Lula, através de declarações de apoio, clipes musicais e esquetes
teatrais. Também através do programa televisivo, Lula multiplicava os efeitos
dos comícios, exibidos muitas vezes ao vivo, mostrando seus discursos
emocionados e as multidões de participantes. O programa multiplicou ainda os
efeitos positivos do primeiro debate eleitoral do segundo turno, transmitido em
cadeia de televisão por um pool de emissoras no dia 3 de
dezembro. Após o debate, as pesquisas apontaram Lula como o vencedor. No dia
seguinte, o programa da Frente Brasil Popular no horário eleitoral editou os
melhores momentos do candidato petista e os piores de Collor, ampliando a
vantagem de Lula.
O mesmo efeito, mas em sentido
inverso, seria usado a favor de Collor após o segundo debate, mas com uma
diferença fundamental. O segundo debate foi realizado em 14 de dezembro, com a
propaganda eleitoral já encerrada, e quem fez uma edição positiva para Collor
do debate, que as pesquisas haviam definido como “empatado”, mas onde o
desempenho de Lula foi inferior ao do primeiro encontro, foi o próprio Jornal
Nacional, telejornal da Rede Globo, dono da maior audiência no horário
nobre da TV brasileira. A posição pró-Collor daquele veículo de comunicação não
era isolada. Dias antes, o programa do jornalista Ferreira Neto, na TV Record,
apresentara uma entrevista com Collor em que durante mais de uma hora o
candidato do PT foi acusado de pretender, entre outras coisas, desapropriar
imóveis urbanos da classe média, encampar empresas privadas e confiscar a
poupança dos aposentados. Aquela foi a face mais evidente de uma adesão
explícita da grande imprensa à candidatura Collor, através do discurso da
inviabilidade da execução do programa de Lula.
O tom da imprensa pode ser medido
por reportagem publicada na principal revista semanal do país, Veja,
em 29 de novembro, que listava à exaustão declarações de empresários como José
Eduardo Andrade Vieira, então principal acionista do Banco Bamerindus, que
afirmava que “dias negros para o país” seriam o resultado de uma vitória de
Lula. Executivos de multinacionais falavam em fuga de capital estrangeiro em
caso de vitória de Lula, todos reforçando a declaração de Mário Amato ainda no
primeiro turno. Para Veja, “aquela fatia da população que é dona de
seu próprio negócio tem a impressão de que vai ficar mais difícil trabalhar,
investir e ganhar dinheiro caso a hipótese Lula se transforme no presidente
Lula. As pessoas que conseguiram formar um pequeno patrimônio ao fim de uma
vida de trabalho, mesmo que seja uma casa posta para alugar, perguntam-se o que
pode lhes acontecer”.
Collor, que no primeiro turno
buscou um tom de campanha liberal no discurso econômico, mas afirmando prioridades
sociais em sua plataforma política, abandonou o discurso socialdemocrata para,
no segundo turno, investir na polarização ideológica do anticomunismo. A
conjuntura daquele fim de ano, marcada pela queda do muro de Berlim (9 de
novembro), momento-chave no contexto de desmoronamento dos regimes socialistas
do Leste europeu, ampliava a repercussão de um discurso que apresentava Lula
como um jurássico representante do comunismo desmoronante.
Ataques pessoais também fizeram
parte do arsenal de campanha de Collor, como as denúncias levadas ao ar no
programa eleitoral do PRN de uma ex-namorada de Lula, acusando-o de tentar
pagar pelo aborto de uma filha comum, Lurian. A filha já era reconhecida por
Lula, e o anúncio de sua existência fora feito no início da campanha pela
imprensa. No entanto, o tom emocional da mãe no vídeo, a uma semana da votação,
teve um peso determinante para o desfecho da contenda.
O resultado das eleições,
anunciado alguns dias depois do segundo turno, que se realizou em 17 de dezembro
de 1989, apontou a vitória de Collor, com 42,75% dos votos contra 37,86 % de
Lula.
Nesse mesmo dia, foi
libertado pela polícia de São Paulo o empresário Abílio Diniz, principal
executivo do grupo Pão de Açúcar, que havia sido sequestrado seis dias antes.
Os dez sequestradores haviam sido cercados pela polícia em uma casa do bairro
de Jabaquara, na Zona Leste da capital paulista, e exigiram a presença de dom
Paulo Evaristo Arns, cardeal-arcebispo de São Paulo, que compareceu ao local
para negociar a libertação do empresário. Na ocasião tentou-se imputar uma
conotação política ao episódio, tendo a polícia paulista divulgado que
encontrara material de propaganda do PT em posse dos sequestradores.
Entre
1989 e 1994
Em 20 de dezembro Lula concedeu
uma entrevista reconhecendo a derrota. Na entrevista declarava que a forma como
Collor havia se comportado no segundo turno era imoral e anunciava a intenção
de seu partido de montar um “governo paralelo”, através da nomeação de
“ministros” responsáveis pela formulação de propostas alternativas às do
governo nas principais áreas da política nacional, em expediente semelhante ao
utilizado por oposições em regimes parlamentaristas.
No ano seguinte, retornando ao
Parlamento, Lula de fato empenhou-se na criação do “governo paralelo”, que,
efetivado em junho de 1990, não conseguiu alcançar maior repercussão política.
A cena política naquele primeiro semestre foi dominada pelo Plano Collor, plano
econômico de contenção inflacionária baseado na desvalorização da moeda, confisco
monetário – incluindo-se aí a poupança dos aposentados – e controle de preços e
salários, que fracassaria meses depois.
Diante do fim do mandato de
deputado, Lula recusou-se a disputar as eleições de outubro de 1990,
apresentando como projeto político a atuação na mobilização da sociedade civil,
percorrendo o país em grandes viagens ao interior chamadas de “caravanas da
cidadania”. Para coordenar o governo paralelo e organizar as caravanas, Lula
passou a dedicar-se ao Instituto Cidadania, organização não governamental
ligada ao PT mas independente das estruturas partidárias. As caravanas só se
iniciariam em 1993.
Lula deixou a Câmara dos
Deputados em janeiro de 1991, ao final da legislatura. Nas eleições para a nova
legislatura, o PT elevou sua bancada na Câmara de 16 para 35 deputados e elegeu
seu primeiro senador — Eduardo Suplicy, de São Paulo.
Em 1992, Lula teve participação
ativa à frente do PT nas mobilizações populares que se seguiram às denúncias de
corrupção no governo Collor, exigindo o impeachment do
presidente. Afastado Collor em setembro de 1992, o PT recusou-se a participar
do governo de Itamar Franco, o vice alçado à presidência pelo impedimento de
Collor, afirmando sua independência.
Nas eleições municipais de 1992,
o PT perdeu a disputa para as prefeituras de Vitória e de São Paulo, mas
conseguiu eleger o sucessor de Olívio Dutra em Porto Alegre (Tarso
Genro) e os prefeitos de outras duas capitais: Belo Horizonte e Goiânia.
Naquele momento, as pesquisas eleitorais apontavam Lula como favorito às
eleições presidenciais que se realizariam em 1994. Esse favoritismo das
pesquisas se manteria até meados daquele ano.
Em abril de 1993, embora antes
comprometido com uma posição parlamentarista, Lula apoiou o presidencialismo no
plebiscito sobre a forma de governo. A posição do PT e a conjuntura política –
o referendo apontaria a mudança na forma de governo já para as eleições
seguintes, nas quais Lula era até ali o favorito – explicavam a mudança.
A
campanha de 1994
A campanha presidencial de 1994
foi condicionada pelos efeitos do Plano Real, o plano de estabilização
econômica lançado em fins de 1993 pelo ministro da Fazenda de Itamar Franco,
Fernando Henrique Cardoso. O plano, baseado em uma desindexação progressiva da
economia e no lançamento após seis meses de uma nova moeda ancorada no câmbio,
acabou por garantir uma estabilidade monetária, cujos efeitos positivos
(contenção da inflação e pequena recuperação no poder de compra dos
trabalhadores de baixa renda) passaram a ser sentidos no segundo semestre de
1994, alavancando a candidatura presidencial do próprio Fernando Henrique
Cardoso, apontado como seu principal fiador.
A estratégia de Lula para a
campanha foi definida ainda no início de 1994, quando o candidato do PT
liderava com folga todas as pesquisas de intenção de voto. A idéia central para
a campanha era alargar a base de alianças do PT, apresentando Lula como um
candidato mais maduro e menos radical que em 1989, disposto a apresentar sua
proposta para todos os setores da sociedade, inclusive o empresariado.
De forma a manter-se em evidência
nos meios de comunicação e, ao mesmo tempo, tomar contato direto com os
problemas do interior do país, respaldando as propostas concretas do plano de
governo em um maior conhecimento da realidade, Lula passou a percorrer o
interior, a partir de abril de 1993, com as “caravanas da cidadania”. A
primeira caravana partiu de Garanhuns, cidade natal de Lula, e reproduziu o
trajeto de sua viagem com a mãe, em 1952, terminando em Vicente de Carvalho,
distrito periférico do Guarujá (SP). Uma numerosa equipe de lideranças
políticas, sindicalistas e técnicos acompanhou Lula nessa e nas outras 13
caravanas que visitaram, ao todo, 26 estados e 350 cidades, de ônibus ou barco,
em um roteiro de cerca de 81 mil quilômetros.
No primeiro semestre
de 1994, a campanha centrou-se no calendário de “caravanas” pelo
interior do país e em reuniões com setores empresariais, em que
Lula procurava apresentar-se, segundo a imprensa, como um candidato soft ou light.
Para o PT, tratava-se de passar a imagem de Lula como um verdadeiro estadista.
Para efetivar tal estratégia, Lula teve de enfrentar, entre fevereiro e maio,
as resistências internas dos setores à esquerda do PT, que defendiam um
programa de governo mais próximo do de 1989, considerado por Lula e outras
lideranças petistas um obstáculo à ampliação do arco de alianças em direção a
uma almejada frente com setores de centro-esquerda. Vencidas as resistências
internas, ainda assim foi impossível alargar as alianças políticas para além
dos partidos de esquerda que, em 1989, já apoiavam Lula. O desejado apoio do
PSDB foi frustrado pelo lançamento de Fernando Henrique como candidato do
partido, em aliança à direita com o Partido da Frente Liberal (PFL), de base
política oligárquica e conservadora.
Em meados de maio, quando as
pesquisas apontavam uma vantagem de Lula que o levaria à vitória ainda no
primeiro turno se as eleições fossem realizadas naquele momento, foi lançada a
Frente Brasil Popular, reeditando, inclusive na denominação, a Frente que
apoiara Lula em 1989. Para candidato a vice-presidente, o mesmo José Paulo
Bisol de 1989, fortalecido por uma atuação marcante nas comissões parlamentares
de inquérito (CPIs) que apuraram a corrupção do governo Collor e as
irregularidades na Comissão de Orçamento do Congresso Nacional. Em julho,
entretanto, Bisol foi alvo de denúncias de favorecimento em empréstimos
subsidiados em bancos oficiais e de apresentação de emendas em benefício
próprio ao Orçamento da União. As denúncias acabaram por levar à renúncia de
Bisol e à escolha de Aluísio Mercadante, economista e deputado federal do PT de
São Paulo, para seu lugar na chapa de Lula.
O mês de julho marcou o início do
declínio da candidatura de Lula nas pesquisas de opinião. Nos meses seguintes,
passou de virtual presidente eleito no primeiro turno a um segundo lugar nas
pesquisas, sem chances de provocar um segundo turno. Com uma campanha
alicerçada no marketing dos resultados da estabilidade
monetária e na garantia de votos no interior que a aliança com o PFL lhe
conferia, a candidatura de Fernando Henrique passou a liderar as pesquisas em
agosto, para garantir a vitória em primeiro turno em outubro.
No início de setembro, o então
ministro da Fazenda Rubens Ricupero revelou, em conversa com um repórter de TV
acidentalmente gravada, que manipulava as informações econômicas a favor da
candidatura de Cardoso. O escândalo foi entretanto rapidamente abafado pela
substituição do ministro, e a candidatura de Lula pouco lucrou com o episódio,
apesar de seus programas no horário eleitoral gratuito terem explorado
fartamente o caso.
Nos últimos meses da campanha, as
tentativas de reeditar os grandes comícios de 1989 foram frustradas. O apelo à
militância petista para que fosse às ruas em apoio ao candidato do PT não foi
capaz de surtir o efeito multiplicador de outras eleições.
Em 3 de outubro as urnas
registraram a eleição de Fernando Henrique, já no primeiro turno, com uma
vantagem de 54,3% dos votos válidos, contra 27% de Lula; 17,86% dos eleitores
não compareceram às urnas.
Entre
1994 e 1998
O primeiro mandato de Fernando
Henrique Cardoso na presidência da República buscou traduzir em uma política de
abertura econômica e em reformas econômicas e políticas o amplo leque de
alianças e a votação consagradora construídos na campanha eleitoral. Para isso
continuava a somar positivamente o apelo da estabilidade do real. Boa parte das
reformas propostas (quebra do monopólio estatal do petróleo, reforma
administrativa, reforma da previdência) esbarrava em dispositivos
constitucionais e atingia aspectos fundamentais para a esquerda brasileira,
como a questão da soberania nacional, envolvida no debate sobre a quebra do
monopólio da Petrobras, bem como para o movimento sindical, como os direitos
previdenciários e dos servidores públicos. Quanto às reformas políticas, a
agenda do governo priorizou a aprovação da emenda constitucional que
estabeleceu a possibilidade da reeleição para ocupantes de cargos executivos, o
que possibilitaria a Fernando Henrique candidatar-se novamente à presidência em
1998.
A oposição às reformas levadas a
cabo pelo governo Fernando Henrique partiu principalmente dos movimentos
sociais. O episódio da greve dos petroleiros em meados de 1995 contra a quebra
do monopólio estatal do petróleo foi emblemático. A greve foi derrotada, e o
TST impôs aos sindicatos da categoria multas pesadíssimas. O recuo do movimento
sindical já visível nos primeiros anos da década de 1990 se acentuaria após
esse episódio. Com uma estratégia mais ofensiva, restou o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que organizava trabalhadores rurais para
a luta pela reforma agrária, empregando como tática principal a ocupação de
terras produtivas. Para que a luta do MST ganhasse apoio da opinião pública,
muito contribuiu a repulsa aos massacres de trabalhadores rurais sem-terra,
como o ocorrido em Corumbiara (RO) em agosto de 1995 após ação de despejo da
Polícia Militar (PM), resultando em dez mortos, e em Eldorado do Carajás (PA)
em abril de 1996, quando, para desobstruir uma estrada, a PM matou 19
trabalhadores sem-terra e feriu outros 68. Mas foram também importantes as
grandes manifestações de massa promovidas pelo MST, como a Marcha sobre
Brasília, um ano após o massacre, que resultaram em uma retomada do debate
sobre a questão agrária e as consequências sociais da estabilidade da moeda de
Fernando Henrique, gerando um dos poucos focos de resistência ativa às
políticas do seu primeiro mandato.
Lula e o PT apoiaram tanto a
greve dos petroleiros quanto o MST. Mas a força da aliança governista no
Congresso Nacional foi avassaladora, e a dificuldade do partido em traduzir em
respaldo político para a oposição as votações expressivas de Lula nos dois
pleitos presidenciais foi evidente, gerando uma situação em que Lula, o PT
e as oposições em geral foram coadjuvantes pouco destacados na conjuntura do
primeiro governo de Fernando Henrique.
Nos anos seguintes a essa segunda
derrota eleitoral, Lula continuou a atuar politicamente através do Instituto
Cidadania, promovendo debates e pesquisas sobre temas relevantes da agenda
política (como o combate à corrupção, o custo da força de trabalho no Brasil e
a gestão de pessoal na administração pública). Através do instituto organizou
também três novas caravanas da cidadania, entre 1995 e 1996. Desta feita cada
caravana percorreu uma microrregião específica — vale do Jequitinhonha (MG),
vale da Ribeira (SP) e Zona da Mata nordestina (PE e PB) — com a preocupação de
produzir propostas alternativas de políticas públicas de desenvolvimento e
combate à pobreza para cada uma dessas regiões.
Em 1997, quando na maior parte
das declarações à imprensa Lula negava a possibilidade de uma terceira
candidatura presidencial, mas as pesquisas eleitorais continuavam a
apresentá-lo como o oposicionista com maior intenção de votos, uma denúncia
gerou um processo relativamente longo de suspeitas de uso ilícito da coisa
pública em administrações petistas, com a participação de pessoas do círculo de
relações pessoais de Lula. Em maio daquele ano, Paulo de Tarso Venceslau,
economista filiado ao PT, com passagens por secretarias municipais de São José
dos Campos e de Campinas em administrações petistas, denunciou à imprensa que
havia dois anos vinha alertando a direção petista sobre as relações de
prefeituras com a firma Consultoria para Empresas e Municípios (CPEM). A firma,
contratada por diversas prefeituras, não apenas do PT, para otimizar a
arrecadação de tributos, realizaria fraudes nos cálculos das cotas dos
municípios no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Um dos
executivos da empresa, Dirceu Teixeira, era irmão de Roberto Teixeira, compadre
e amigo muito próximo de Lula, que cedia a casa onde este residia em São
Bernardo do Campo. Segundo as denúncias, Roberto Teixeira procurava as
prefeituras administradas pelo PT e falava de suas relações pessoais com Lula,
para pressionar os secretários municipais a contratar os serviços da CPEM. Além disso, o esquema em que a
firma estaria envolvida geraria também recursos para o financiamento de
campanhas do PT, razão pela qual o denunciante afirmou que Paulo Okamoto,
ex-tesoureiro de campanha de Lula, teria também pressionado prefeituras a assinar
contratos com a CPEM. Segundo Paulo de Tarso, a direção nacional do PT foi
avisada, Lula inclusive, e se omitiu.
Diante das denúncias e de sua
grande repercussão na imprensa, o PT nomeou uma comissão interna para
investigar o caso. Formada por Hélio Bicudo, José Eduardo Martins Cardoso e
Paul Singer, a comissão ouviu mais de 30 depoimentos nos dois meses seguintes
e, em agosto, encaminhou o resultado de seus trabalhos para a executiva
nacional do PT. A comissão considerou que tanto o denunciante Paulo de Tarso,
por ter implicado dirigentes do partido com o esquema sem apresentar provas,
quanto Roberto Teixeira, pelos fortes indícios de ter realmente participado de
um esquema de fraudes, deveriam ser submetidos à Comissão de Ética, sugestão
mais tarde acatada pelo diretório nacional do partido, apesar de tentativas de
inocentar Teixeira sem sequer submetê-lo à comissão.
No episódio Lula procurou, em um
primeiro momento, desqualificar o próprio denunciante, qualificando como
asneiras as denúncias de Paulo de Tarso. Criticou publicamente a decisão da
direção do PT de nomear uma comissão para investigar as denúncias e mais tarde
esforçou-se no interior do partido para livrar Roberto Teixeira das acusações.
Como as apurações internas do PT revelaram que o esquema da CPEM já havia sido
denunciado por outras prefeituras petistas meses antes das primeiras denúncias
de Venceslau, e que não havia qualquer indício de envolvimento de Lula com o
episódio, o “escândalo” acabou perdendo pouco a pouco o espaço ocupado nos
grandes diários, sem que uma futura candidatura de Lula à presidência fosse tão
diretamente atingida como se imaginava quando do início da cobertura ao caso.
A
campanha de 1998
Ao longo de todo o ano de 1997
Lula reagiu entre a má vontade e a negativa quando questionado sobre uma
terceira candidatura à presidência da República. As perspectivas não pareciam
as melhores diante do fato de que iria concorrer com o presidente Fernando
Henrique Cardoso, candidato à reeleição graças à emenda constitucional aprovada
em seu próprio mandato. As negativas de Lula chegaram a inflamar nomes
alternativos, como o do então governador do Distrito Federal, Cristóvão Buarque
e o do ex-prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro, ambos do PT, ou mesmo o do
ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Sepúlveda Pertence.
Na decisão dos partidos de
oposição, entretanto, pesou o fato de Lula ser reconhecidamente popular e
identificado como a alternativa eleitoralmente mais viável ao presidente
candidato, já que as pesquisas de opinião mostravam sempre uma intenção de voto
de pelo menos 20% em seu nome. Assim, em 11 de dezembro de 1997,
a terceira candidatura de Lula à presidência da República foi oficialmente
lançada.
Em relação às duas eleições
anteriores, a base de apoio da candidatura de Lula alterou-se. Com o nome de
“Frente de Esquerda”, reuniram-se em torno de Lula o PT, o PSB, o PCdoB, o PCB
e, desta feita, o PDT, que indicou o candidato a vice-presidente, Leonel
Brizola. O apoio de Brizola no primeiro turno foi conseguido à custa de uma
costura política das direções nacionais dos partidos da Frente, não sem
dificuldades. O PDT exigiu o apoio petista ao seu candidato a governador no Rio
de Janeiro, Anthony Garotinho. No entanto, o Encontro Estadual do PT
fluminense, realizado em abril de 1998, decidiu pelo lançamento da candidatura
própria de Vladimir Palmeira. Lula ameaçou renunciar à candidatura, e o PDT
rompeu a aliança no Rio Grande do Sul e recuou na indicação de Brizola para
vice na chapa com Lula, motivando uma intervenção da direção nacional do
partido, que anulou o resultado do encontro e impôs na convenção estadual
(instância apenas homologatória do encontro na tradição petista) o apoio a
Garotinho, viabilizando a chapa Lula-Brizola, definitivamente lançada em maio e
oficializada pela convenção petista em 10 de junho. O episódio da intervenção
da direção nacional no Rio, inédito para os padrões do partido, marcou uma
inflexão na trajetória do PT, que se afirmava diferente dos partidos políticos
tradicionais, entre outros motivos pelo respeito à democracia interna,
manifestado na preponderância das deliberações de base sobre as propostas das
direções.
Em três meses de campanha, Lula
percorreu 74 municípios em 18 estados. Não se repetiram, entretanto, as grandes
concentrações populares e os comícios para multidões que haviam marcado as
campanhas anteriores, em especial a de 1989. O horário eleitoral gratuito,
reduzido nessa eleição para 45 dias (antes os programas eram exibidos por 60
dias), também não teve impacto muito positivo. Ao contrário, em seus primeiros
dias exibiu um apelo ao uso de branco pelos apoiadores de Lula, qualificado por
militantes petistas tradicionais como uma traição ao vermelho original do
partido e definido por Brizola como capitulação, pois branco seria a cor da
trégua, de quem já tinha perdido a batalha.
Entre os dias 15 e 18 de agosto,
a Folha de S. Paulo apresentou uma série de reportagens sobre
uma suposta venda irregular de um carro para um doador da campanha eleitoral de
1994. Outros jornais fizeram eco da denúncia, e especulações sobre a compra de
um apartamento por Lula em São Bernardo do Campo também surgiram na
esteira do que parecia ser mais um escândalo de campanha. A presença do nome de
Roberto Teixeira, o compadre de Lula envolvido nas denúncias de 1997 de
favorecimento por prefeituras do PT, esquentou as reportagens. Já no dia 19 de
agosto, no entanto, a Folha de S. Paulo estampou manchete
mostrando que errara na denúncia e que não havia qualquer irregularidade na
transação de Lula com o automóvel em questão. O episódio acabou por
gerar um processo aberto por Lula contra o jornal paulista.
Em 16 de setembro, Lula repetiu
uma prática do PT em outras eleições, de anunciar previamente a lista de
personalidades que poderiam vir a constituir um futuro ministério, desta feita
apresentado como “Conselho Político”, constituído por 36 pessoas de atuação
destacada nas mais diversas áreas, entre as quais Antônio Cândido, Evandro Lins
e Silva, Celso Furtado, Roberto Requião, Luciano Coutinho, Osíris Lopes da
Silva, João Pedro Stédile, Vicente Paulo da Silva, Raimundo Faoro, Dalmo
de Abreu Dallari, Bete Carvalho e Luís Fernando Veríssimo.
Os grandes temas da campanha
giraram em torno da polarização estabilidade econômica/desemprego. No primeiro
semestre de 1998, Lula pregava em seu discurso a necessidade da manutenção da
estabilidade, mas com uma maior atenção às questões sociais. O tom moderado do
discurso em relação ao real e à política econômica do governo era devido tanto
à avaliação de que a eleição de 1994 havia sido perdida pelos efeitos do Plano
Real, e pela incapacidade do PT de se apresentar como fiador da estabilidade,
quanto ao esforço para apresentar um Lula ponderado, capaz de conquistar o voto
de fatias mais amplas do eleitorado. A moderação das críticas à política
econômica, entretanto, não poderia resistir às mudanças conjunturais, visíveis
no segundo semestre.
O agravamento da crise econômica
internacional e o crescimento dos níveis de desemprego no Brasil abriram
espaço, de um lado, para o discurso crítico do candidato do PT em relação à
política de estabilidade econômica do Real e, de outro, para a defesa de Fernando
Henrique Cardoso, apresentando-se como o único capaz de conduzir o país com
serenidade diante das oscilações da economia globalizada e de criar empregos,
após garantir a estabilidade. A radicalização das críticas do PT ao real foi
alvo de intensa discussão no interior do comando da campanha e resultou em
desafios lançados por Lula, em seus comícios e programas de TV, para que
Fernando Henrique debatesse a crise com os candidatos de oposição e na
elaboração de um plano emergencial de combate à crise, apresentado pela Frente
de Esquerda no fim de setembro. O pacote incluía oito medidas, entre as quais
um aviso presidencial ao Banco Central estabelecendo o controle temporário do
câmbio para evitar a fuga de capitais, permitindo a redução dos juros, e um
decreto prevendo o controle sobre determinadas importações. Além disso, Lula
propunha corrigir o salário mínimo a partir de maio de 1999, até dobrar-lhe o
poder de compra em 2002. Também planejava criar mecanismos que gerassem 2,5
milhões de postos de trabalho para adultos e jovens.
Também em fins de setembro, a
pouco mais de dez dias do pleito, quando as pesquisas de opinião apontavam a
vitória certa de Fernando Henrique no primeiro turno, Lula tentou produzir um
último fato político de impacto convocando uma entrevista coletiva conjunta com
Ciro Gomes, dissidente do PSDB de Fernando Henrique e candidato a presidente na
legenda do Partido Popular Socialista (PPS). Na entrevista, os dois candidatos
pregaram o afastamento do presidente do TSE, Ilmar Galvão, que dias antes se
havia declarado favorável à reeleição.
Os resultados da eleição
garantiram a Fernando Henrique a vitória no primeiro turno. Foram 53,06% dos
votos válidos para o presidente candidato à reeleição e 31,71% para Lula. A
votação de Lula foi superior à obtida em 1994, superior mesmo à soma, naquele
pleito, de seus votos e dos de Brizola, agora em sua chapa como vice. Foi,
entretanto, muito pouco para a pretensão de levar o pleito ao segundo turno. Os
números da apuração revelaram ainda um dado expressivo, em especial pela
vigência de regras de obrigatoriedade do voto: 21,49% dos eleitores não
compareceram à votação, o que em números absolutos significava um número de
ausentes superior ao de eleitores de Lula (22.801.119 abstenções, contra 21.475.348
votos em Lula). Somadas as abstenções aos 18,70% de votos brancos e nulos,
chega-se a um universo de 38.378.209 eleitores que não votaram em nenhum
candidato, maior que o de eleitores de Fernando Henrique, que conseguiu
35.936.918 votos.
Nos meses seguintes às eleições a
crise econômica internacional se agravou, e o governo Fernando Henrique, no
início de seu segundo mandato, foi forçado a abandonar a paridade artificial do
real com o dólar. Recorreu então a um acordo com o Fundo Monetário Internacional
(FMI) para manter o fluxo de financiamentos externos e passou a “ancorar” sua
política econômica exclusivamente nos juros altos e na recessão, o que ampliou
ainda mais o nível de desemprego. As previsões de Lula na campanha pareciam
estar se confirmando. Em poucos meses, no início do segundo semestre de 1999,
Fernando Henrique Cardoso alcançou os mais altos índices de impopularidade
entre presidentes da República, desde que tais indicadores começaram a ser
produzidos.
Rumo à presidência da República
Ao fim do processo eleitoral de
1998, após sua terceira derrota em um pleito presidencial, Lula mais uma vez
assumiu o papel de principal referência da oposição política no país. Além das
dificuldades econômicas enfrentadas por Fernando Henrique Cardoso no seu
segundo mandato, também a crise do fornecimento de energia elétrica, o chamado
“apagão”, que chegou ao auge em 2001, contribuiu para o desgaste do governo do
PSDB e para o crescimento de um sentimento de oposição às políticas por ele
implementadas. Principal adversário de Fernando Henrique nos dois pleitos
presidenciais e identificado como o crítico mais constante das chamadas
“políticas neoliberais”, Lula foi eficiente em apresentar-se como uma
alternativa política capaz de se comprometer com a manutenção da estabilidade
econômica, porém dispensando maiores cuidados às questões sociais.
No início do ano de 2002, as
perspectivas para uma quarta candidatura à presidência da República eram
promissoras para Lula. Internamente ao partido, os setores petistas mais à
esquerda, que questionavam a liderança de Lula, perderam espaço para o “campo
majoritário”, que lhe dava sustentação. Nas prévias realizadas em março, Lula
obteve cerca de 85% dos votos do partido (contra 15% depositados no senador
Eduardo Suplicy) para representar novamente a legenda no pleito presidencial.
No plano externo ao partido, a denúncia da irresponsabilidade das privatizações
(reforçada pela crise do setor elétrico) e da fragilidade das políticas sociais
do governo Fernando Henrique o mantinham em evidência pública como liderança
política alternativa.
Para a campanha de 2002, algumas
importantes diferenças em relação aos pleitos anteriores puderam ser
percebidas. Se desde 1994 Lula defendera uma ampliação do arco de alianças em
torno da candidatura do PT, e em 1998 essa ampliação se dera com a incorporação
do PDT de Leonel Brizola à frente de apoio a Lula, em 2002
a ampliação se deu em outra direção. Isso foi obtido com a entrada do
Partido Liberal (PL) na frente eleitoral montada para a candidatura de Lula,
que continuava a contar com os apoios do PCdoB, aliado desde 1989, além do
Partido da Mobilização Nacional (PMN) e do PCB. O PDT, que havia apoiado Lula
em 1998, apoiou o candidato lançado pelo PPS, Ciro Gomes, e o PSB, que havia
composto as chapas anteriores encabeçadas pelo PT, lançou a candidatura de
Anthony Garotinho. Embora sem o apoio formal do PMDB, Lula conquistou o apoio
de importantes nomes do partido, como o ex-presidente José Sarney e o
ex-governador Orestes Quércia, além do ex-presidente Itamar Franco, então sem
partido. O PL se havia caracterizado pela defesa de um ideário associado ao
liberalismo econômico e fora severo crítico do PT em diversas ocasiões. Na
segunda metade da década de 1990 passou a ser associado também à bancada
evangélica do Congresso Nacional e, particularmente à Igreja Universal do Reino
de Deus, que através da legenda lançou e elegeu a maioria de seus
representantes nos legislativos brasileiros. Mas o mais significativo foi que a
aliança com o PL gerou a candidatura a vice-presidente de José Alencar, um
importante empresário do setor industrial de tecidos que garantiu à chapa uma
imagem de conciliação entre trabalhadores e empresários, fator essencial para
que Lula buscasse quebrar algumas das barreiras que havia percebido nas
eleições anteriores em relação ao apoio empresarial à sua candidatura.
Essa ampliação se refletiu em uma
inflexão importante, com a declaração de apoio a Lula de nomes significativos
do empresariado nacional, como Eugênio Staub (Grupo Gradiente) e Josemar
Avelino (Grupo Klabin), e teve consequências materiais, no que tange ao
financiamento de campanha. Enquanto nas duas campanhas anteriores Lula
arrecadara muito menos que o candidato vencedor, em 2002 arrecadou 55,808
milhões de reais, e José Serra, o candidato do PSDB, 55,711 milhões. Entre os
maiores doadores da campanha de Lula estavam empresas do setor financeiro, de
construção e primário-exportador. Vinte e duas dessas empresas fizeram doações
de mais de 500 mil reais.
No que diz respeito ao programa
da campanha, este foi centrado em dois eixos. De um lado, a crítica às
consequências sociais das políticas chamadas de neoliberais dos dois mandatos
presidenciais de Fernando Henrique Cardoso, somadas às propostas de efetivação
de programas sociais amplos, combatendo a fome, a miséria e o desemprego. De
outro lado, a apresentação de compromissos com a manutenção da estabilidade da
moeda e do controle da inflação, expressos na bandeira política de que
"nenhum contrato seria quebrado". A elaboração desse programa esteve
a cargo do Instituto Cidadania, a organização não governamental criada por
Lula, retirando do PT e dos partidos da frente maiores controles sobre as
propostas apresentadas.
No entanto, a despeito do
compromisso de manter todos os contratos, a avaliação de que Lula possuía reais
chances de vitória fez com que diversas agências de avaliação de riscos e
especuladores internacionais alimentassem o clima de insegurança em relação à
estabilidade da economia brasileira. Retirada de investimentos estrangeiros e
"ataques especulativos" ao real agravaram a crise econômica visível
já no início do ano de 2002. O governo Fernando Henrique tomou duas medidas
para tentar conter a crise. A primeira foi buscar recursos no FMI, através de
um empréstimo de 30 bilhões de dólares. Entre os compromissos assumidos com o
Fundo estava o de elevar o superávit primário (verba contingenciada do
orçamento para garantir o pagamento do serviço das dívidas interna e externa)
para o patamar de 4,25% do PIB. A segunda medida, de cunho mais explicitamente
político, foi a convocação dos principais candidatos à sua sucessão para que,
em reunião no palácio do Planalto, assumissem o compromisso público com o
cumprimento do acordo com o FMI em sua eventual gestão presidencial, o que se
acreditava poderia "acalmar os mercados".
Diante das dificuldades
econômicas, Lula fez questão de, além de comparecer ao encontro com Fernando
Henrique, comprometendo-se com o acordo com o FMI, lançar uma carta pública,
chamada de "Carta ao povo brasileiro", divulgada em 10 de julho. Nela
afirmava que o novo modelo que pretendia implantar não poderia “ser produto de
decisões unilaterais do governo”, nem seria implementado por decreto, mas seria
fruto de “uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica
aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento
com estabilidade”. O compromisso central com os contratos assumidos pelo
governo anterior era explicitado novamente no documento: “Premissa dessa transição
será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país”. Os objetivos
claros do documento eram ganhar a confiança do empresariado e conter o
movimento especulativo.
Para a campanha eleitoral, Lula
contratou o publicitário Duda Mendonça, que se encarregou de apresentar, nos
programas da propaganda eleitoral gratuita de rádio e TV, um candidato próximo
dos interesses populares, com grandes habilidades de negociador e bastante
comedido no tom do discurso oposicionista. A imagem que ficou dessa abordagem
publicitária foi a do “Lulinha paz e amor”.
No primeiro turno das eleições
Lula obteve 39.455.233 votos, correspondentes a 46,44% dos votos válidos, e
José Serra obteve 19.705.445, representando 23,19% dos votos válidos. No
segundo turno, que aconteceu em 27 de outubro, a votação de Lula foi de
52.793.364 votos, contra 33.370.739 votos de Serra. Lula alcançou assim 61,27%
dos votos válidos, transformando-se no primeiro operário eleito presidente da
República.
O primeiro governo
As
expectativas negativas em relação ao governo de Lula por parte dos investidores
foram sendo aplacadas antes mesmo de sua posse, à medida que foram sendo
anunciados alguns dos nomes de seu ministério. O núcleo central da
administração foi ocupado por políticos do PT, como José Dirceu na Casa Civil e
Antonio Palocci no Ministério da Fazenda. Mas o anúncio mais surpreendente, que
visava a deixar claro que as promessas de respeito a todos os contratos eram
sérias, foi o do novo presidente do Banco Central, Henrique Meireles. Meireles
acabara de ser eleito deputado federal em Goiás pelo PSDB e havia ocupado o
posto de diretor geral (CEO na sigla em inglês) do Banco de Boston, um dos
principais credores da dívida externa brasileira. Além desses nomes, Roberto
Rodrigues, que havia fundado a Associação Brasileira do Agrobusiness, foi
escolhido para o Ministério da Agricultura, e Luís Fernando Furlan, do grupo
Sadia, para a pasta do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior,
demonstrando a importância que o setor exportador, centrado no agronegócio e na
produção de commodities, teria na formulação da política econômica
do governo.
A posse ocorreu em 1º de janeiro
de 2003, com uma grande festa popular em Brasília, reunindo cerca de 70 mil
pessoas nas ruas da capital federal. Em seu discurso de posse no Congresso,
Lula resgatou os temas da esperança e da mudança: “‘Mudança’; esta é a palavra-
chave, esta foi a grande mensagem da sociedade brasileira nas eleições de
outubro. A esperança finalmente venceu o medo e a sociedade brasileira decidiu
que estava na hora de trilhar novos caminhos”. Na fala ao povo reunido na
Esplanada dos Ministérios, concitou a uma grande mobilização nacional para
acabar com a fome no país.
Tal apelo se materializou na
criação do programa Fome Zero, que buscava parcerias entre o governo, a
iniciativa privada e a população em geral, para garantir alimentação aos setores
mais pobres da população brasileira. As políticas sociais do governo evoluíram,
ao longo dos primeiros anos, para a unificação em torno de um programa
principal, o Bolsa Família. Essa política de complementação de renda unificou
programas anteriores, como Bolsa Escola, do governo anterior, e os tíquetes de
leite e gás, vindo a atender, em 2006, amais de 11,1 milhões de famílias,
ou seja, cerca de 45 milhões de pessoas, que receberam 8,2 bilhões de reais, o
que corresponde a 0,4% do PIB brasileiro.
Dada a composição do ministério,
um dos espaços em que se manteve uma grande expectativa de mudanças estava na
política externa. Com Celso Amorim nomeado ministro das Relações Exteriores e
SamuelPinheiro Guimarães, conhecido crítico da proposta de tratado de
livre comércio continental, a ALCA, na Secretaria-Geral do Itamaraty, a
expectativa era de uma intervenção na política externa mais próxima da
autonomia em relação aos ditames Estados Unidos. Logo no início do governo, a
diplomacia brasileira apoiou o presidente venezuelano Hugo Chavez, enviando
petróleo brasileiro ao país, diante de uma greve da petroleira estatal
venezuelana (PSV) cuja direção política dava todos os sinais de associação com
manobras para a desestabilização do governo, que já havia enfrentado uma
tentativa de golpe no ano anterior.
Em junho de 2004, o governo
brasileiro enviou tropas ao Haiti e passou a comandar a missão militar da ONU
naquele país. A intervenção brasileira atendeu a indicação da política
norte-americana e teve relação direta com a ênfase que o Ministério das Relações
Exteriores deu à pretensão brasileira de integrar permanentemente o Conselho de
Segurança da ONU.
Em
relação à política econômica, priorizou-se a estabilidade, aprofundando-se o
compromisso de campanha de “respeito aos contratos”. Logo que o governo teve
início, foi determinado que a meta de superávit primário para 2003 seria
elevada para 4,5% do PIB, contra os 4,25% implementados pelo governo anterior,
conforme o acordo com o FMI estipulara. Além disso, a taxa Selic de juros foi
elevada em três pontos percentuais, dos 21,9% para 24,9%, chegando a mais de
26% ao ano em maio. A taxa de juros básica brasileira permaneceu ao
longo de todo o primeiro mandato de Lula como a maior do mundo.
Uma das prioridades do governo
foi a aprovação de uma conjunto de reformas constitucionais. A primeira
proposta encaminhada ao Congresso Nacional foi a da reforma da Previdência,
baseada principalmente no aumento dos requisitos e na limitação dos benefícios
para a aposentadoria dos servidores públicos, que deveriam assim recorrer
também aos planos de previdência complementar privados. O projeto apresentado
pelo governo foi referendado pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico Social,
com representação de empresários, centrais sindicais e membros indicados pelo
Executivo. Em 13 de agosto de2003, a proposta foi aprovada em primeiro
turno na Câmara dos Deputados, apesar de uma greve nacional de servidores
públicos federais e manifestações de rua em oposição ao projeto. Após a
aprovação em segundo turno na Câmara e no Senado, em dezembro a proposta foi
sancionada pelo presidente Lula. Outras propostas polêmicas, como a de uma
reforma tributária e uma reforma judiciária foram também apresentadas como
prioritárias. No entanto, ao fim dos debates políticos, tanto as alterações no
sistema fiscal como as mudanças no Judiciário foram bem mais limitadas do que
as proposições iniciais.
A agenda de reformas
constitucionais, especialmente a reforma da Previdência, provocou uma cisão no
interior do PT. A recusa em votar favoravelmente a essa proposta por parte da
senadora por Alagoas Heloísa Helena e dos deputados federais Luciana Genro
(RS), Babá (PA) e João Fontes (SE), que ficaram conhecidos como os
parlamentares “radicais”, resultou na abertura de um processo no Conselho de
Ética do partido e, finalmente, na expulsão dos quatro em 14 de dezembro de
2003. O grupo acabaria por participar da construção de uma nova legenda, o
Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Lula defendeu a expulsão dos “radicais”,
afirmando que era preciso reforçar a unidade do PT na defesa do governo e fazer
respeitar sua autoridade como presidente da República e a de José Genoíno como
presidente do PT.
Por outro lado, nas negociações
para a aprovação das reformas o governo contou com muitos votos da oposição. Isso
ocorreu, particularmente, nos casos das reformas da Previdência e tributária,
em que pesaram os votos do PSDB e do PFL, visto que as propostas eram coerentes
com aquelas por eles defendidas. Para o dia a dia do trabalho no Congresso
Nacional, entretanto, a base de apoio ao governo foi frágil, e o Executivo fez
diversas concessões a partidos e parlamentares que não compunham a aliança
eleitoral que elegera Lula, de forma a constituir uma base aliada majoritária
na Câmara dos Deputados e a negociar maiorias ocasionais no Senado. Foi nesse
contexto que surgiram denúncias de que o PT, em ações comandadas por membros do
primeiro escalão do governo, estaria comprando apoio político com recursos de
“caixa dois”, ou sobras de arrecadação de campanha.
As denúncias deram origem ao
chamado “escândalo do mensalão”. As primeiras notícias de que o PT havia
“comprado” o apoio do PTB nas eleições municipais de 2004 surgiram em setembro
de 2004 na revisaVeja. Dias depois, Miro Teixeira, deputado federal que
no início do governo havia ocupado o Ministério das Comunicações por indicação
do PDT, em declarações ao Jornal do Brasil, afirmou que realmente
havia no Congresso Nacional um esquema de pagamento de “mesadas” a
parlamentares para votarem com o governo, conforme havia noticiado a reportagem
de Veja.
Em maio de 2005, novas denúncias
na imprensa, a partir de gravações secretas de conversas com o diretor do
Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios, Maurício Marinho, revelaram um esquema de
corrupção envolvendo as licitações da empresa, que teria como protagonista
político o deputado federal do PTB Roberto Jefferson. Essas denúncias levaram à
instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para analisar
as denúncias de corrupção nos Correios. Isolado pelas denúncias, Jefferson
declarou à Folha de S. Paulo, publicada no dia 6 de junho,
que Delúbio Soares, tesoureiro do PT, era o
responsável pelo pagamento de mensal de 30 mil reais a alguns deputados para
que votassem favoravelmente às propostas do governo. Jefferson referiu-se a
esse pagamento como “mensalão”. Afirmou ainda que o principal operador do
esquema era o publicitário mineiro Marcos Valério de Sousa. Em 20 de julho, foi
instalada uma nova CPI especificamente criada para apurar o escândalo do
“mensalão”, tema que já vinha ocupando os debates da primeira comissão.
Os trabalhos da CPI do “Mensalão”
se estenderiam até novembro de 2005, enquanto os da CPI dos Correios só se
encerrariam em abril de 2006. Ao longo da crise, membros do primeiro escalão do
governo foram atingidos: José Dirceu, ministro da Casa Civil e principal
articulador político do governo, demitiu-se em junho de 2005 e reassumiu o
mandato de deputado federal; em julho seguinte Luiz Gushiken afastou-se da
Secretaria de Comunicação. No mesmo mês, José Genoíno renunciou à presidência
do PT. A CPI dos Correios recomendou a abertura de processo, por quebra de
decoro parlamentar, contra vários deputados. Jefferson e Dirceu foram cassados.
Quatro parlamentares renunciaram aos mandatos e outros 12 foram absolvidos.
O presidente Lula negou conhecer
os fatos revelados pelas denúncias e apurações, por ele definidos como
“práticas inaceitáveis”, e fez um pronunciamento à nação, em 12 de agosto de
2005, no qual afirmou não ter “nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que
nós temos que pedir desculpas. O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde
errou, tem que pedir desculpas”. Apesar de toda a repercussão do escândalo do
“mensalão”, a popularidade do presidente não foi substancialmente abalada. Em
julho de 2005, no auge das denúncias, as pesquisas indicavam que a avaliação do
desempenho pessoal do presidente Lula melhorara de maio para julho, passando o
índice de aprovação de 57,4% para 59,9%.
Na campanha presidencial, o
“mensalão” retornou ao debate, mas novamente ficou claro que a maioria dos
eleitores não associava as denúncias à figura de Lula. O tema central da
campanha acabou sendo o das políticas sociais do governo, de tal forma
aprovadas que mesmo a oposição se comprometia em mantê-las, especialmente no
que tange ao programa Bolsa Família.
Lula
venceu o primeiro turno, tendo novamente como vice José Alencar, que em
setembro de 2005 deixara o PL, cuja imagem se havia desgastado pelas denúncias
de envolvimento no escândalo do “mensalão”, e se filiara ao Partido Municipalista
Renovador (PMR), pouco depois rebatizado de Partido Republicano Brasileiro
(PRB). A aliança que sustentou os vencedores envolvia assim o PT, o PRB e o
PCdoB. O segundo turno foi realizado em 29 de outubro de 2006. Lula venceu mais
uma vez, com mais de 58 milhões de votos (60,83% dos votos válidos), derrotando
novamente um candidato do PSDB, o governador licenciado de São Paulo, Geraldo
Alckmin.
A
manutenção das altas taxas de popularidade e o resultado final das eleições de
2006, muito semelhante ao de 2002, atribuídos em grande parte ao sucesso das
políticas sociais compensatórias, não significaram, entretanto, uma simples
fidelidade do eleitorado original de Lula. De acordo com Jairo Nicolau,
registrou-se uma mudança qualitativa na distribuição dos votos em Lula e no PT
em 2006, em relação a todas as suas votações anteriores. A vitória esmagadora
de Lula na região Nordeste e sua votação majoritária nos pequenos municípios,
em contraste com as vantagens eleitorais anteriores no Sudeste e nas cidades
mais populosas, seriam o indicador mais claro dessa mudança de perfil da base
eleitoral de Lula e, em menor escala, do PT.
O segundo governo
No
discurso de posse em 1º de janeiro de 2007, no Congresso Nacional, Lula
resgatou novamente sua trajetória de criança pobre, nordestina, retirante, mas
ressaltou que, se havia semelhanças entre aquele momento e o de sua chegada à
presidência da República quatro anos antes, havia também diferenças. Diferenças
pessoais, pois se via agora como mais experiente e conhecedor dos limites do
cargo que ocupava, embora continuasse comprometido com mudanças, mas
principalmente diferenças no país, que chegava a 2007 melhor, “na força da sua
economia, na consistência de suas instituições e no seu equilíbrio social. Em
que momento de nossa história tivemos uma conjugação tão favorável e
auspiciosa: de inflação baixa; crescimento das exportações; expansão do mercado
interno, com aumento do consumo popular e do crédito; e ampliação do emprego e
da renda dos trabalhadores?” Reconhecendo problemas em diversas esferas, Lula
enfatizava que, se em 2003 a ênfase do discurso de posse tinha sido
na mudança, agora, em 2007, a ênfase era em aceleração e crescimento:
“Vamos destravar o Brasil para crescer e incluir de forma mais acelerada”.
O segundo governo manteve muitas
das características do primeiro, como a política econômica ortodoxa, que
continuou a ser comandada por Henrique Meireles no Banco Central e Guido
Mantega no Ministério da Fazenda. Também o Ministério das Relações Exteriores
manteve o mesmo comando. Foi a continuidade de uma outra colaboradora do
primeiro governo de Lula que passou a chamar mais atenção, pela própria ênfase
que Lula passou a atribuir à sua figura, logo identificada como a candidata
preferencial do presidente à sua sucessão. Trata-se de Dilma Rousseff, que fora
ministra das Minas e Energia e assumira a chefia da Casa Civil com a queda de
José Dirceu.
Foi
a ela que Lula entregou a coordenação do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), carro-chefe da proposta anunciada em seu discurso de posse. Para o PAC,
lançado em 28 de janeiro de 2007, foram anunciados investimentos totais de
503,9 bilhões de reais até 2020. Outro programa que recebeu destaque no início
do segundo governo Lula foi o Programa Nacional de Segurança Pública com
Cidadania (Pronasci), criado sob responsabilidade do Ministério da Justiça, com
o objetivo de apoiar os governos estaduais na questão da segurança, considerada
prioritária por boa parte dos eleitores brasileiros nos debates eleitorais de
2006. O programa foi constituído por um conjunto de iniciativas referentes a
remuneração e financiamento para o aperfeiçoamento e treinamento policial,
formação de lideranças comunitárias e atendimento a jovens em situação de
risco, além da construção de presídios federais.
Logo
no primeiro ano da nova gestão, o governo enfrentou o desgaste de uma crise no
setor aéreo nacional, marcada por acidentes com muitas vítimas, problemas no
sistema de controle do tráfego aéreo e atrasos constantes dos vôos, gerando
filas e conflitos nos aeroportos. Em maio de 2007, duas CPIs foram instaladas –
uma na Câmara e outra no Senado – para investigar os motivos do que foi chamado
de “apagão aéreo”. As investigações resultaram no afastamento de diretores da
Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) no segundo semestre de 2007, e a
situação nos aeroportos normalizou-se nos meses seguintes.
Do
ponto de vista da situação econômica, no entanto, os primeiros 20 meses do
segundo governo Lula mantiveram-se dentro do quadro de estabilidade e
crescimento que marcara o final de sua primeira gestão presidencial. Os índices
de inflação haviam caído ao longo dos anos de governo de Lula. Em 2002,
a inflação chegara a 12,53%, caindo para 9,3% no ano seguinte, o primeiro
de Lula na presidência. Os índices continuaram caindo nos anos seguintes,
chegando a 3,14% em 2006 e 4,46% em 2007. O crescimento do PIB avançou da taxa
de 1,1% em 2003 para 5,7% no ano seguinte, patamar novamente alcançado em 2007.
Já as taxas de desemprego caíram de 12,32% em 2003 para 7,89% em 2008. O
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em seu
Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) 2007/2008, classificou o Brasil,
pela primeira vez em sua história, entre os países com Alto Desenvolvimento
Humano, embora o país ocupasse a 70ª. posição no ranking das
nações avaliadas. As reservas internacionais do país aproximaram-se da marca
dos 200 bilhões de dólares. Em fevereiro de 2008, tais reservas superaram o
total da dívida externa e, também pela primeira vez em sua história, o Brasil
tornou-se tecnicamente credor internacional. Enfim, no dia 30 de abril
de 2008, a agência de classificação de risco Standard and
Poors divulgou relatório alterando a classificação da dívida externa
brasileira de médio prazo. Pouco depois o Brasil foi classificado também com um
grau de investimento.
No entanto, no segundo semestre
de 2008, a conjuntura global, que havia sido favorável ao crescimento
brasileiro até então, mudou significativamente. Iniciou-se naquele momento uma
crise econômica de dimensões globais, que atingiu também a economia brasileira.
As taxas de desemprego, por exemplo, elevaram-se rapidamente, atingindo 8,5% em
fevereiro de 2009. Já o PIB passou por dois trimestres de queda – o quarto de
2008 e o primeiro de 2009 –, o que caracterizaria uma recessão.
No
primeiro momento de eclosão da crise Lula reagiu afirmando que o Brasil
apresentava um crescimento econômico sólido e pouco seria atingido pela
situação internacional. Comparando o impacto da crise nos EUA e no Brasil,
afirmou, em outubro de 2008, que “lá (nos EUA), ela é um tsunami; aqui, se ela
chegar, vai chegar uma marolinha que não dá nem para esquiar”. Meses depois,
reconheceu que a situação era mais grave, mas afirmou que o Brasil sairia
“fortalecido” da crise. Com a recuperação parcial dos indicadores econômicos no
início do segundo semestre de 2009, retomou as avaliações anteriores para dizer
que "a crise econômica foi apenas uma marolinha para o Brasil, talvez
um pouco maior".
Do
ponto de vista das relações internacionais, um dos efeitos da crise foi
favorável às posições defendidas pelo Brasil: a ampliação dos fóruns
multilaterais. As reuniões do G-8 (grupo das oito nações mais ricas) foram
substituídas em 2009 por reuniões mais amplas, do que passou a ser denominado
G-20.
As políticas aplicadas pelo
governo para conter a crise foram baseadas em injeção de recursos no setor
privado através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), redução de impostos em alguns setores industriais importantes, como
automóveis e eletrodomésticos, que obtiveram isenção do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) de forma a estimular o consumo dos setores médios, e
elevação do salário mínimo assim como dos valores do programa Bolsa Família,
para garantir o poder de compra dos setores de baixa renda. Em meados de 2009
os efeitos dessas medidas pareciam dar os primeiros sinais positivos, com a
reversão da tendência de queda do PIB no segundo trimestre do ano e a
diminuição das taxas de desemprego, que em setembro estavam em 7,7%.
Tanto
o relativo crescimento econômico da maior parte do período 2003-2008, quanto o
impacto da crise e seu aparente abrandamento no ano de 2009, não significaram a
resolução do grave quadro de desigualdade social que Lula apontou como
principal problema brasileiro em vários momentos de sua trajetória política e
mesmo quando assumiu a presidência da República. E se as políticas sociais por
ele postas em prática contribuíram para retirar milhares de famílias da pobreza
absoluta, também não tiveram grande impacto sobre esse quadro.
No ano de 2009, o Bolsa Família
mantinha-se atendendo a mais de 45 milhões de pessoas (quase 24% da população
total do país). Apesar disso, a melhoria da distribuição de renda resultante do
crescimento econômico de quase seis anos seguidos e de políticas sociais de
grande alcance foi muito pequena. No período compreendido entre o fim de 2002 e
o início de 2008, o índice de Gini (quanto mais próximo de 1 pior, mais
desigual é a distribuição de renda) da renda do trabalho, ou o intervalo entre
a média dos 10% mais pobres da população e a média dos 10% mais ricos, caiu de
0,543 para 0,505. Uma variação que, embora tenha sido comemorada pelo governo,
foi pouco significativa, mesmo para analistas comprometidos com as políticas
então em curso. Segundo o presidente do Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas (IPEA), Márcio Pochmann, "para um país não ser
primitivo, esse índice precisa estar abaixo de 0,45".
No que diz respeito à reforma
agrária, bandeira histórica de Lula e do PT, as metas previstas pelo II Plano
Nacional de Reforma Agrária para cinco anos eram de 550 mil novas famílias
assentadas e 500 mil regularizações de posses fundiárias. Examinados de forma
desagregada os dados oficiais sobre a questão, entre 2003 e 2007 o
governo Lula assentou 163 mil novas famílias (30% do previsto) e
regularizou a situação de 113 mil (23% da meta).
Esses dados explicam, em grande
medida, por que a concentração fundiária, apurada pelo Censo Agropecuário do
IBGE de 2006, piorou no Brasil desde 1995 (data do censo anterior). O índice de
Gini da estrutura agrária brasileira (quanto mais próximo de 1, maior a
concentração de terras) passou de 0,856 em 1995 para 0,872 em 2006. Assim, no
ano desse último censo, os estabelecimentos com mais de mil hectares de terra
ocupavam 43% da área total das propriedades rurais no Brasil, enquanto os que
possuíam menos de 10 hectares ocupavam menos de 2,7% da área total
das propriedades. Os estabelecimentos classificados como pequenos ocupavam
menos de 30% do total das áreas, mas respondiam por 84% das pessoas empregadas
na agricultura.
Outra área importante do ponto de
vista social, a da educação, foi alvo de diversas políticas específicas do
governo Lula em seus dois mandatos. No caso da educação básica, o governo
apresentou o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), elaborado a partir do
“Compromisso Todos pela Educação”, formulado por fundações e ONGs como a
Fundação Roberto Marinho, a Fundação Ayrton Sena e a Fundação Abrinq. Entre
seus objetivos encontravam-se o estabelecimento de um piso salarial nacional
para os professores e a criação de mecanismos de avaliação dos estudantes como
o “prova Brasil” e o “provinha Brasil”.
Já na educação superior, o
governo implementou, no setor privado, o Programa Universidade para Todos
(ProUni), criado pela Lei nº 11.096/2005. O programa possui como finalidade
explícita a concessão de bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes de
cursos de graduação e de cursos sequenciais de formação específica, em
instituições privadas de educação superior. Cotas de vagas no programa para
negros e indígenas são garantidas, na proporção ocupada por essas populações em
cada estado da Federação. As instituições privadas de ensino que
aderem ao programa recebem isenção de tributos. A isenção de tributos foi
estimada na época da aprovação do programa em até 2 bilhões de reais ao ano,
que se somam a cerca de 1 bilhão destinado ao Financiamento Estudantil (FIES),
antes chamado de crédito educativo. O número de bolsas criado pelo programa foi
de 112 mil em 2005 e, em 2009, atingia cerca de 248 mil.
No setor público, particularmente
nas instituições federais de ensino superior, o Ministério da Educação implantou,
a partir de 2007, um programa de reestruturação denominado ReUni. Seu objetivo
é dobrar as matrículas na rede universitária federal, através da ampliação de
vagas nos vestibulares, da diminuição da evasão e da redução do tempo de
formação nos cursos de graduação dessas instituições. Para efetivá-lo o governo
apresentou como contrapartida às instituições a realização de concursos
públicos para docentes e servidores técnico-administrativos e a transferência
de até 7,2 bilhões de reais, num período de cinco anos, para a construção de
novas instalações, condicionando a transferência das verbas ao cumprimento de
metas estabelecidas em acordos firmados por cada universidade com o Ministério
da Educação.
Apesar dos limites do crescimento
econômico e das políticas sociais no que diz respeito à desigualdade social, e
passado o período mais crítico do impacto da crise econômica no Brasil, a
popularidade do presidente Lula continuou em alta. Pesquisas de
setembro de 2009 indicaram que Lula possuía 69% de aprovação (governo
considerado ótimo ou bom). O desafio a que Lula se lançou, ao longo de 2009,
foi o de transferir essa popularidade para a candidata por ele preferida à sua
sucessão, a ministra Dilma Rousseff, apelidada de “mãe do PAC”, programa que se
constituiu como a vitrine da aceleração do crescimento por ele prometida nos
discursos iniciais do segundo governo.
Viúvo do primeiro casamento com
Maria de Lurdes, Lula casou-se pela segunda vez com Marisa, com quem teve
quatro filhos.
Marcelo Badaró
Referências
http://mundovelhomundonovo.blogspot.com.br/2015/09/entrelinhas.html
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/alencar-jose
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/michel-miguel-elias-temer-lulia
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/dilma-vana-rousseff
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/luis-inacio-da-silva
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