‘Mais que as ideias, são os interesses que separam
as pessoas.’
Alexis de
Tocqueville
‘Cabe relembrar a advertência de Tocqueville de que um dos
preços da justiça é a mediocridade
Alexis Tocqueville Democracy in America.’
‘Recall Tocqueville's admonition
that one of the prices justice exacts
is mediocrity. Alexis
de Tocqueville, Democracy in America.’
‘País
dos privilégios’
‘A
balela do STF’
'Não
há na Itália o sistema da delação premiada'
‘As
mãos sujas do Congresso’
'Nós
descobrimos só uma parte do que existia'
‘Governo
Temer está destruindo a Lava Jato, diz procurador’
'A parábola dos cegos e o elefante.'
'Teatro jurídico.'
'A parábola dos cegos e o elefante.'
'Teatro jurídico.'
“Jamais
encontrei um ladrão de carro que me dissesse: ‘E os outros? Por que você não
prendeu os outros?’ Eu teria respondido: ‘Queria começar com você. Se quiser,
pode me dar a lista dos teus colegas que eu processarei eles também.’
“Muitos
foram os condenados. Alguns foram para a cadeia. Mas muitos empresários – devo
dizer que não sei se o nosso sistema corresponde ao de vocês – fizeram acordos
e conseguiram a suspensão condicional da pena. E, portanto, não foram para a
cadeia. Depois, progressivamente, nossos legisladores – nossos processos e
investigações duraram 13 anos – modificaram alguns crimes, como o de
falsificação de balanços e o favorecimento administrativo, reduzindo o prazo de
prescrição; modificaram os valores das provas, retirando o valor de atos
processuais que antes tinham valor como prova, razões pelas quais depois o
número de condenações diminuiu bastante.”
RESUMÃO
ANTAGONISTA: A
suprema impunidade
'Não
há na Itália o sistema da delação premiada'
Gherardo Colombo, ex-magistrado italiano, cita
exemplo de colaborador da Justiça no campo da máfia e do terrorismo
Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo
15 Outubro 2017 | 06h00
Gherardo Colombo, ex-ministro da
Corte de Cassação no período da Operação Mãos Limpas Foto: Daniele La
Monaca/Reuters
Vinte e cinco anos depois de Mãos Limpas, um
condenado por corrupção vai para a cadeia na Itália? Cumpria pena atrás das
grades?
Muitos foram os condenados. Alguns foram para a
cadeia. Mas muitos empresários – devo dizer que não sei se o nosso sistema
corresponde ao de vocês – fizeram acordos e conseguiram a suspensão condicional
da pena. E, portanto, não foram para a cadeia. Depois, progressivamente, nosso
legisladores – nossos processos e investigações duraram 13 anos – modificaram
alguns crimes, como o de falsificação de balanços e o favorecimento
administrativo, reduzindo o prazo de prescrição; modificaram os valores das
provas, retirando o valor de atos processuais que antes tinham valor como
prova, razões pelas quais depois o número de condenações diminuiu bastante.
Quanto caiu o número das condenações caíram na
Itália?
É difícil de dizer. Aqui em Milão, posso fazer um
cálculo aproximado desse fenômeno. Nós pedimos que fossem julgadas cerca de 3,7
mil pessoas. Dessas, foram absolvidos 20%, cerca de 750. Cerca de 40% dos casos
prescreveram, ou seja, cerca de 1.500. Das outras 1,5 mil, cerca de mil fizeram
um algum acordo. Esse é um cálculo que faço de memória. Foram condenados cerca
de 700 pessoas, sendo que alguns ainda puderam gozar da suspensão condicional
da pena.
E quantos desses foram condenados a até 3 anos e,
portanto, puderam fazer serviços sociais em vez de ir para a cadeia?
Eu creio que uma grande parte. A maioria. Além
disso, na Itália, existe a possibilidade para pessoas particularmente idosas de
cumprir a pena em prisão domiciliar. Para cárcere foram poucas pessoas.
Sobretudo em razão das reformas legislativas que um pouco restringiram os
crimes e um pouco reduziram o valor das provas.
O senhor acredita que um acusado de corrupção deve
ser mantido em prisão preventiva na cadeia?
Bem, eu pelo que compreendo, e não conheço
completamente o sistema processual brasileiro, porém, chegam notícias, e se lê
e deve levar em consideração o meu nível de informação sobre o sistema
brasileiro. Porém, o nosso sistema, o sistema italiano, prevê que a custódia
cautelar seja possível somente para evitar o perigo de fuga, o perigo de
destruição de provas ou perigo de reiteração do crime do mesmo tipo. Ora, não
existe na Itália um sistema para a corrupção similar ao vosso da delação
premiada. Não existe. A delação premiada é um termo que não se pode usar. Nós
falamos de colabores de Justiça no campo da Máfia e do terrorismo. A Máfia e o
terrorismo são tratados geralmente de um modo muito particular. Não se pode pôr
na cadeia uma pessoa para fazê-la falar. Ok? Para contar fatos dos outros.
Ainda que esse seja uma distinção muito sutil porque, se uma pessoa se torna
não confiável ao sistema de corrupção do qual ela provém, então não se
justifica mais a custódia cautelar. Porque não há mais o risco de reincidência,
pois os outros não confiam mais nela e não há perigo de fuga porque já
confessou e, geralmente, quem resolve contar o que sabe recebe normalmente uma
pena que não é grave. E não há mais risco de destruição de provas, pois a prova
já foi feita. E em um sistema (delação) no qual não basta que as pessoas sejam
corretas mas é sempre necessário esse, para a sentença, para a condenação, é
sempre necessário que existam também comprovações do que foi dito, como a prova
da passagem do dinheiro por meio financeiro e assim por diante. E isso vale
também para a custódia cautelar. Em relação às pessoas contra quem foram
aplicadas a custódia cautelar na Itália por parte dos magistrados, há uma outra
particularidade que, para mim, é importante, e torna impossível fazer paralelos
entre Mãos Limpas e Lava Jato. Existe uma diferença notável sobre o perfil do
controle dos magistrados. Na Itália existe o Ministério Público que faz a
investigação. Existe o juiz da investigação preliminar que controla a atividade
do Ministério Público e que emite todos os procedimentos que restringem em
qualquer medida a liberdade como a custódia cautelar na cadeia, as
interceptações telefônicas e por aí vai. Quando a investigação termina, um
outro juiz, um juiz para a audiência preliminar, decide se vai mandar a
julgamento o investigado ou mesmo se recusa a abertura do processo. Mas não é
ele que condena porque a condenação só pode ser emitida por um tribunal, que um
juízo diferente e para os casos de corrupção é o juízo de um colegiado,
composto por três pessoas.
E por isso alguns advogados brasileiros dizem que
aqui no Brasil o juiz tem um papel de super-homem no processo?
Notei que o juiz que fez a investigação no processo
contra Lula (Sérgio Moro) era o mesmo que fez a sentença e isso me deixou um
pouco surpreso porque aqui na Itália isso não poderia acontecer.
Um sistema assim no Judiciário, como seria julgado
pela Corte Europeia de Direitos Humanos?
Eu tenho dificuldade para dizer-lhe. Posso dizer que
na Itália, o juiz que faz a investigação, não podia condenar nem mesmo com o
Código de Processo Penal que era de 1930. O juiz de então podia somente decidir
se aceitava ou não a denúncia. Se decidisse pela abertura do processo, o
processo era feito por outro. O articulo 6 da Convenção das Salvaguarda dos
Direitos do Homem para o Conselho Europa diz que cada pessoa tem direito que
sua causa seja examinada imparcialmente, publicamente e em um tempo razoável
por um tribunal independente e imparcial constituído por meio de lei que
decidirá etc. No caso, se fala somente de um tribunal independente e imparcial.
Mas aquele que faz a investigação pode em alguma medida ser influenciado por
aquilo que descobriu, tanto que, na Itália, o juiz que decide não pode conhecer
o conteúdo dos atos processuais senão por meio do debate no tribunal. Quer
dizer que o juiz decide baseado no que acontece diante dele. Outra coisa que
existe em Itália: um juiz tem a obrigação de abster-se de antecipar um juízo,
ou seja, dizer o que pensa a propósito do processo. Não sei se isso existe. Nós
tivemos um grande cuidado além do que estava previsto no Código de Processo
Penal na Itália. Durante o curso de Mãos Limpas sempre evitamos de nos exprimir
sobre a situação de réus em particular. Falávamos da corrupção, mas sempre
evitamos falando sobre a posição dos denunciados, mesmo trabalhando como
procurador e não como juiz (na Itália o Ministério Público faz parte da
magistratura).
E mesmo durante as entrevistas coletivas?
Eu nunca falei sobre a situação de um acusado, mas
somente sobre atos judiciários. Eu pessoalmente evito falar de pessoas que
foram meus acusados, mesmo depois do processo. Quando vou às escolas, eu
procuro evitar falar de acusados, mesmo depois de passados dez anos, 15 anos. É
uma questão que, pelo que me diz respeito, que vai além do texto legal.
Todo caso, como Mãos Limpas, deixa no povo certos
símbolos e, quando se pensa em corrupção na política, se pensa nos símbolos
desses escândalos. Mãos Limpas tem alguns símbolos, como os ex-primeiros-ministros
Arnaldo Forlani e Bettino Craxi. São dois importantes políticos italianos que
foram cumprir a pena na prisão. Forlani foi fazer trabalho social e Craxi fugiu
para a Tunísia.
Quando esses personagens conseguem escapar, não existe o perigo que o povo pense que os juízes fizeram muito barulho por nada?
Quando esses personagens conseguem escapar, não existe o perigo que o povo pense que os juízes fizeram muito barulho por nada?
Isso é o que penso mesmo eu. Já são dez anos que me
demiti da magistratura (era então juiz da Corte Suprema da Itália) e me demiti
porque, para mim, em um país em que a corrupção é difusa, como é difundida na
Itália, é impossível afrontá-la com o instrumento do processo penal. Não se
consegue. A um certo ponto, nós começávamos e as provas nos levavam para as
pessoas que estavam no alto. Os cidadãos comuns protestavam contra eles e,
depois, pouco a pouco, conforme as investigações prosseguiram, as provas nos
levaram em direção à corrupção das pessoas comuns, o fiscal da prefeitura que
fez compras de graça e em troca não fiscaliza a balança dos frios na padaria, e
o inspetor do trabalho que por alguns trocados não verifica se no canteiro de
obra há cintos de segurança e capacetes para os trabalhadores e os enfermeiros
por outros trocados avisa à funerária quando morre alguém no hospital para que
ela chegue primeiro ao lugar para fazer o funeral ou agente da Receita Federal
que não toma conhecimento da regularidade, não da contabilidade das grandes
empresas, mas das pequena. Na Itália, as pessoas começaram a perguntar: ‘Mas
esses caras, o que querem? Querem investigar o que eu estou fazendo?’ De fato, Mãos
Limpas terminou antes que fosse descoberta toda a corrupção. Descobrimos só 5%,
10%, 20%. Porque é toda uma série de relações, um sistema e, em um certo
momento, as pessoas não foram para a cadeia. Mas não foram para a cadeia porque
no Parlamento foram mudadas as leis. E depois as pessoas votaram em quem havia
mudado as leis.
Em algum momento o senhor pensou que havia se
transformado em um moralista radical?
Eu, após quatro meses que havia começado as
investigações, em julho de 1992, lancei uma proposta em uma entrevista de rádio
que era: quem conta como as coisas aconteceram, restitui o dinheiro e se afasta
por anos da vida pública não deve ir para a prisão. O meu comportamento era
absolutamente laico. A corrupção é um crime, ela causa danos e na Itália existe
um Código Penal e um Código de Processo Penal. A lei diz que é crime e a ação
penal é obrigatória, nós somos obrigados a investigar todas as vezes que chegam
uma notícia de crime. Os juízes e também os procuradores devem cultivar o senso
de independência, tornando-se capazes de ser independentes de si mesmo. Isto é,
as ideias pessoais não ter nenhuma relação com os fatos que ele está
investigando, se é um procurador, ou julgando, se é um juiz. Encontramos provas
de propina que foram recebidas na Itália por quem estava no governo e por quem
estava na oposição.
Pelo que o senhor me disse, o senhor seria favorável
ao uso dos colaboradores de Justiça nos casos de corrupção?
Eu tenho muitas reservas com os colaboradores de
Justiça. Para que não se cometam crimes, é preciso que exista entre o cidadão e
o Estado a confiança. E, para mim, cooperar – eu prometo uma pena menor se você
conta quem são seus comparsas – é uma coisa que, em vez de promover confiança,
de algum modo, você a tolhe. Creio que algumas vezes se cometem crimes
realmente graves, como no caso da máfia, que dissolve crianças no ácido, e por
isso, algumas vezes, é necessário recorrer a instrumentos que, infelizmente, em
si não são educativos, que não educam a cidadania. Deve ser uma medida (colaboradores
de Justiça) limitadíssima e, por isso, eu não a introduziria no campo da
corrupção, mas existem muitas pessoas que pensam de modo contrário. Mas, em vez
disso, há uma coisa que se precisa fazer aquilo que eu lhe disse antes: um
fenômeno tão espalhado como a corrupção na Itália não pode ser combatido com o
processo penal. É necessária outra coisa. Prometer a alguém a redução de pena
se fala, essa medida está no processos penal, mas não serve ao processo penal.
O que é necessário fazer é operar a dois campos, que são a educação e a
prevenção. Na Itália, espero que se for possível, ir adiante do ponto desses
pontos de vista. Eu acredito que a situação mudará. Para prevenir a corrupção
são necessárias duas coisas: que as empresas adotem procedimentos para todas as
suas atividades, pois, quando há um procedimento de modo que tudo deixe traços
tudo se torna transparente, pois tudo se torna verificável, como quem
tomou cada decisão, por que a tomou, por quais motivos. E esse é o segundo
ponto de vista: a transparência. E que tudo isso seja público. Do ponto de
visto educativo é necessário para acompanhar as pessoas para saber que a
corrupção faz mal até para quem a comete, pois desregula as instituições.
Evidentemente que nesse meio tempo é necessário descobrir quem participa da
corrupção, mas não porque alguém colaborou, mas porque o contexto social no
qual as pessoas se encontram se rebela e reage, quem assiste a um crime de
corrupção denuncie. No caso de corrupção é difícil que as pessoas aceitem testemunhar.
Atualmente, os políticos atualmente têm mais
consciência das implicações legais no combate à corrupção. Hoje, estudam para
que não caiam em armadilhas em leis feitas por eles. Por isso, o combate à
corrupção pela via legislativa se tornou mais difícil?
Se faz muito mais do que antes por via legislativa
do ponto de vista da prevenção. Pela via legislativa aumentaram até a pena da
corrupção, o que é inútil se não se consegue identificar os corruptos. Sobre o
perfil da prevenção, algumas coisas se fazem. Seria necessário, porém,
conseguir pô-las em prática.
O que os cidadão podem fazer para combater a
corrupção?
Os cidadão devem marginalizar a corrupção, colocá-la
de lado em seu confronto. Existem outros aspectos. A corrupção das altas
esferas, quando existe, é onde a corrupção serve para se enriquecer
injustamente. Nas esferas baixas a corrupção às vezes serve para sobreviver.
Para mim, um sistema importante, que não é feito pelos cidadãos, mas pelas
instituições: de conseguir evitar que as pessoas recorram à transgressão, ou
seja, a lei não serve para elas porque, de outra forma, não poderiam
sobreviver. Eu me recordo a primeira vez que fui ao Brasil em 1993. Dois dias
depois, no Rio, a polícia havia matado cinco crianças na Igreja da Candelária.
Eu fui ao lugar e vi as marcas das pessoas mortas e conversando com os seus
compatriotas e alguém me disse que o salário de um policial equivalia a 25
garrafas de cerveja. Entende como se torna fácil que depois uma pessoa chegue
até mesmo a matar outras pessoas porque alguém me promete um pagamento? Seria
necessário resolver esse problema. O que os cidadãos podem fazer? Podem se
rebelar contra a corrupção, isto é, dizer: ‘Eu não concordo’. Isso é uma coisa
importante. Para mim, se muda também pelo testemunho que se dá: fazendo ver que
há um outro caminho.
A política italiana hoje é mais limpa do que nos
tempos da Primeira República?
Eu penso que o nível de corrupção na Itália seja
mais ou menos o mesmo. Nós encontramos pessoas corruptas em toda parte. Mas,
para mim, é difícil dizer se a política de hoje seja tão corrupta do ponto de
vista do pagamento de mesadas quanto era então. Para mim, a corrupção hoje toma
caminhos diferentes. Existem pessoas que uma vez tinham necessidade de pagar
para obter benefício da política e, agora, talvez, são tão próximas da política
que não têm mais necessidade de pagar. Então, a corrupção era muito ligada ao
financiamento ilícito dos partidos políticos. Hoje não é mais assim. Se existe
o financiamento ilícito, ele passa por outro caminho. Tudo se modificou. É
muito difícil responder a essa pergunta.
Mas os contratos ainda hoje são fraudados?
Às vezes isso é descoberto, situações assim. O
Parlamento italiano continua a fazer leis sobre as licitações públicas. Eu não
sei até que ponto elas servem, pois tornam às vezes muito difícil gerir a
administração pública. Faz dez anos que não sou mais juiz, são pelo menos 12
anos que não faço mais investigações, baseio-me no que emerge na imprensa. Eu
penso que sobretudo a corrupção das pessoas comuns continua.
'Nós
descobrimos só uma parte do que existia'
Piercamillo Davigo, presidente da seção criminal da
Corte de Cassação da Itália, fala sobre diminuição em número de condenações
após Operação Mãos Limpas
Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo
15 Outubro 2017 | 21h00
Piercamillo Davigo, presidente da
seção crminal da Corte de Cassação da Itália Foto: Alex Falcão/Futura Press
Após 25 anos de Mãos Limpas, qual o balanço do
combate à corrupção?
Em 1994, por causa do que havia sido descoberto
pelas investigações, cinco partidos desapareceram nas eleições. Três deles
tinham mais de 100 anos. Todavia a mudança foi mais formal que real, no sentido
que as pessoas estavam em novas legendas, mas sobretudo nos últimos 15
anos, a principal atividade da política não é combater a corrupção, mas
enfrentar as investigações contra a corrupção. Foram adotadas leis que aboliram
ou modificaram crimes, leis que fizeram as provas voltar à estaca zero ou
as tornavam inutilizáveis e leis que fizeram com que as pessoas não pudessem
ser processadas. Muitas delas caíram por decisão da corte constitucional ou
foram interpretadas de modo razoável pelos magistrados, portanto, não causaram
todo o dano que podiam causar. No entanto, muitos processos foram concluídos
com sentenças de absolvição não porque os acusados eram inocentes, mas porque
as provas feitas contra eles foram retiradas. E o resultado foi a queda de condenações
por corrupção, Nos anos 2000, o número de condenações foi um décimo daquele de
1995.
Um décimo cada ano. De tal forma que na Itália
registre um número de condenações por cem mil habitantes inferior ao da
Finlândia, que é o país menos corrupto do mundo.
Quer dizer que há corrupção, mas não as condenações?
O que falta são as condenações. Porque não é nem
mesmo possível descobrir os corruptos, quando são descobertos é muito mais
difícil condená-los. Esse é o problema. Ora, partir de 2012 a situação mudou.
Não porque houve uma melhora da política, mas por causa da pressão da
opinião pública, especialmente no contexto da grave crise econômica, que
obrigou o governo e o parlamento a fazer alguma coisa. Todavia, as normas
existentes, não creio que sejam adequadas para confrontar o fenômeno. Em
particular faltam duas coisas essenciais. De um lado é necessário a aplicação
das medidas previstas para os colaboradores judiciais, como no casos de
criminalidade organizada. Isso quer dizer: a forte redução da pena e a proteção
às pessoas (que colaboram), o que não existe na Itália. Existe somente uma leve
redução da pena para quem colabora.
Para os crimes de corrupção não existem os
benefícios oferecidos para os que colaboram nos casos de máfia?
Exatos, não existem. E não existe nem mesmo as
proteções previstas. A segunda coisa que considero indispensável para combater
a corrupção são as operações sob cobertura (ações controladas por meio de
infiltração de agentes). As operações cobertas na Itália são possíveis em
muitas áreas, como o terrorismo, o tráfico de armas, de drogas, a criminalidade
organizada e até mesmo a pedofilia. Mas não são permitidas em matéria de
corrupção. E não tem jeito de convencer o parlamento a aprovar a introdução dessa
regra. Diante de uma fraude em uma licitação como a formação de cartel para a
divisão de um contrato público, se não é possível infiltrar um agente que
simule ser um empresário para participar da concorrência não é possível
descobrir esse tipo de acordo a menos que alguém denuncie.
De todas a acusações feitas pelos políticos contra
os senhores, qual mais o incomodava?
Não ser imparcial. A imparcialidade é essencial para
um magistrado. Trata-se daquilo que os criminólogos chamam de técnica da
neutralização, isto é, a justificação que um culpado dá para si mesmo para
outros de modo que o fato pareça menos grave. Dou um exemplo: uma das coisas
mais extravagantes que aconteciam quando um acusado era citado era ele dizer:
“E o outros, por que vocês não pegaram os outros?” Pois bem, na Itália,
identificamos apenas 3% dos autores de furtos de veículos. Tirando os casos em
que as pessoas são apanhadas em flagrante, é difícil prender alguém que
roubou um carro. Jamais encontrei um ladrão de carro que me dissesse: “E
os outros? Por que você não prendeu os outros?” Eu teria respondido: “Queria
começar com você. Se quiser, pode me dar a lista dos teus colegas que eu
processarei eles também”. Mas, na Itália, essa coisa é repetida como se
fosse uma coisa sensata na Itália, quando não faz sentido pensar que para
processar alguém é preciso descobrir os autores de todos os crimes. Quando você
reflete sobre isso, você percebe que é uma bobagem.
O senhor diz que as pessoas investigadas em Mãos
Limpas começavam a confessar no interfone, quando a polícia chegava?
Não todos. Um dos investigados começou a confessar
no interfone.
Mas como isso aconteceu?
O ponto é que todos previam que seriam presos porque
havia o efeito dominó. Se alguém falasse, daria os nomes de quem lhe
havia dado dinheiro e para quem havia dado dinheiro. Depois, todos aqueles
que haviam recebido dinheiro começavam a considerar, por sua
vez, que também seriam presos. E assim procuravam se apresentar para confessar
as coisas que imaginavam que tivessem sido descobertas.
Nestes 25 anos, o que mudou na custódia cautelar dos
investigados na Itália?
Na Itália, as normas de custódia cautelar foram
modificadas para limitar os casos de custódia. Obviamente depende muito da
interpretação que pretende dar. Por exemplo, como verificar o perigo de
reincidência. Aqueles que conhecem o fenômeno da corrupção sabem que quem
comete esse crime o faz há muito tempo. Explico: a corrupção é um crime serial.
Quem se vende não se vende em uma única ocasião, se vende muitas vezes por causa
da impunidade. Do mesmo modo, quando alguém paga para obter um contrato
público, o seu sucesso empresarial não se deve à sua competência gerencial, mas
ao fato que tem relações privilegiadas com quem se corrompe e, portanto,
continuarão a se corromper enquanto estiverem na atividade empresarial.
Diminuíram na Itália as possibilidades para se
prender um corrupto?
Não é que diminuíram, tornaram-se mais difíceis.
Motivações mais complexas são necessárias e existem mais dificuldade para pôr
alguém na cadeia do que em prisão domiciliar. Nesse tipo de crime, basta pouco
para mudar uma qualificação. E os defensores podem se comunicar entre eles,
conseguindo tornar o fato menos grave.
O senhor diz que se deve pôr os corruptos na cadeia
porque esse é um crime serial...
Se o investigado por corrupção decide colaborar,
decide falar, torna-se inidôneo para cometer esse crime, pois ninguém mais
pegará dinheiro com ele e ninguém também dará dinheiro para quem delata. Não
sendo mais confiável, seria possível até mesmo não puni-los. O problema são
aqueles que mantêm a capacidade de chantagem porque se mantiveram em silêncio.
E são em condição de chantagear os seus cúmplices que não foram descobertos.
Assim, é necessário ter a custódia cautelar e o cumprimento da pena na prisão
porque os priva da possibilidade de chantagear.
Depois da condenação em definitivo os corruptos
devem cumprir pena na cadeia ou receber penas alternativas?
Duas pessoas que foram condenadas em 1992 e em 1993
foram presas durante as investigações sobre a Expo 2015 em Milão porque
não se desiste. Naquele tempo, haviam ficado em silêncio.
Fiz essa pergunta porque pensava no caso de Arnaldo
Forlani (primeiro-ministro de 1980-1981 e secretário da Democracia Cristã,
então o maior partido da Itália), que foi condenado por corrupção, mas cumpriu
a pena prestando serviço social...
O que posso dizer é que na Itália as penas com menos
de 3 anos podem ser cumpridas por meio da prestação de serviço social, que é
uma medida feita para reintegrar na sociedade pessoas provenientes de setores
marginalizados da sociedade e não para reintegrar quem fosse primeiro-ministro.
Portanto, personagens importantes como Forlani não
foram para a cadeia?
Antes de tudo, não cito nomes de investigados com os
quais me ocupei, mas na Itália essas medidas (alternativas) não deviam ser
aplicadas a pessoas que pertencem à classe dirigente do ponto de vista
político, econômico ou financeiro.
No Brasil, um ex-presidente da Câmara está na cadeia
e outros políticos importantes. Lava Jato deu frutos maiores do que Mãos
Limpas?
Não conheço a situação brasileira em detalhe,
portanto, não posso fazer um juízo. Não posso nem mesmo fazer uma comparação
porque não tenho todos os elementos para uma avaliação.
Mas quando se pensa que importantes figuras da vida
política...
Posso apenas dizer que a situação italiana é
absolutamente insatisfatória. Na Itália, para os delitos da classe dirigente,
não somente para a corrupção, mas para os delitos da classe dirigente, temos
somente um vigésimo dos detentos por cem mil habitantes que existem na
Alemanha. Nós continuamos a fazer processos da mesma forma, às vezes alguém é
condenado, mas é muito mais difícil. Para mim, aquilo que nós descobrimos é
somente uma parte do que existia e muitos conseguiram se manter em silêncio.
Olha, em um certo momento da minha vida profissional me tornei uma espécie de
rei Midas. Porque quando processava alguém, ainda mais se era condenado, mas
permanecia em silêncio, essa pessoa iniciava uma fulgurante carreira política.
Por que demonstravam que eram confiáveis?
Sim. Era confiável porque havia ficado calado.
Uma outra coisa mudou na Itália: o consenso em torno
de Mãos Limpas. Por que a operação perdeu o apoio que tinha no começo?
Sobretudo porque nenhum fenômeno popular é eterno. E
depois porque houve uma campanha de jornal e de televisão contra as
investigações por parte de pessoas que possuíam jornais e canais de TV.
Berlusconi?
Não falo em nomes. E usavam a TV estatal
porque quem está no governo controla também as TVs estatais. Eles pensaram em
salvar-se desacreditando a magistratura, mas o resultado foi que não melhoram a
sua imagem na opinião pública; apenas desacreditaram também a magistratura.
É verdade que os políticos italianos continuam
roubando. O que mudou foi que eles não se envergonham mais?
Digo que os políticos que roubam – não são todos que
roubam – pararam de se envergonhar. No passado, quando os prendíamos, se
envergonhavam, agora não. Penso em um deles que foi condenado
recentemente e quando se soube o que ele havia feito com o dinheiro, disse:
“Era dinheiro meu, faço com ele o que eu quero”. Não. É dinheiro do
contribuinte e não dele.
Aprenderam a roubar melhor do que os políticos de
antes de Mãos Limpas?
Não é melhor. É menos organizado do que antes,
portanto, é mais difícil de combater. Antes organizavam tudo na direção dos
partidos que dirigiam o esquema de propina. Isso parece não acontecer mais, mas
isso não significa que se rouba menos.
O senhor tem um colega – Gherardo Colombo – que
pensa que a educação é mais importante do que as sentenças para combater a
corrupção...
Não só para a corrupção, mas também para o furto de
carros. Ele tem essa visão, mas eu não penso assim. Os homens agem sobretudo de
acordo com seu interesse. Se convém comportar-se bem, aumenta o número dos que
se comportam bem. Se convém se comportar mal, aumenta o número daqueles que se
compartam mal, independentemente da educação.
E
Os Outros Que Se Danem
Nelson Gonçalves
Oh,
este mundo cão,
Ta
na maior confusão,
Ta
todo mundo louco,
É
um tremendo sufoco,
Oh,
este mundo cão,
Não
tem mais salvação,
Ta
em liquidação,
Se
Jesus Cristo,
Que
está vendo tudo isto,
Voltasse
pra nos salvar,
Como
um dia,
Ele
já fez,
Com
certeza que seria,
Humilhado,
espancado , torturado,
Condenado,
crucificado outra vez,
Ambição
e a maldade,
Estão
matando a humanidade,
A
barra tá Lucifer,
É
um salve-se quem puder,
Por
isso se fala tanto,
No
universo em desencanto,
Sodoma
e Gomorra,
Caim
e Abel,
O
mundo é uma zorra
É
uma Babel,
A
confusão é geral,
Ninguém
entende ninguém,
Ninguém
dá nada a ninguém,
Ninguém
ajuda ninguém,
É
tempo de murici,
Cada
qual cuida de si,
E
os outros que se danem Futebol Clube,
E
os outros que se danem Futebol Clube.
Composição:
Antonio Almeida
País
dos privilégios
POR MÍRIAM LEITÃO
15/10/2017 06:05
O Brasil cria mais privilégios a cada semana. Na
quarta-feira o STF demonstrou que se for o senador Aécio Neves que estiver em
questão pode-se ter uma interpretação ambígua até sobre os poderes do Supremo.
Na sexta-feira, o Planalto pediu ao STF para revogar a prisão após a condenação
em segunda instância, um dos raros avanços nos últimos anos sobre o velho
problema do país.
O tratamento desigual é o centro dos erros
brasileiros, mas isso é reafirmado constantemente. Pobres e anônimos vão presos
após qualquer condenação, ou passam anos detidos sem sequer culpa formada.
Ricos e famosos só iam para a prisão após a longa tramitação do processo. O
caso Pimenta Neves é o exemplo. Um dos muitos. Assassino confesso, em crime
premeditado, ficou anos fora da prisão — mesmo após dupla condenação — pela
força das estratégias recursais dos seus advogados. No ano passado, o STF
decidiu que após ser condenado por um órgão colegiado, portanto em segunda
instância, o réu começa a cumprir a pena. Isso, hoje, ameaça diretamente muitos
integrantes da elite política brasileira processados pela Lava-Jato. Alguns
ministros do STF ficaram inconformados com a decisão e iniciaram o bombardeio
para que o entendimento fosse revisto. Agora, a Advocacia-Geral da União enviou
ao STF manifestação a favor da revisão.
No Brasil, se o criminoso fez ensino superior tem
direito à cela especial. Se for político, pode cometer crime comum porque é
protegido por imunidade parlamentar. Se for militar, cumpre pena e fica ao
abrigo da Justiça Militar, aquela mesma que ameaçou e condenou civis durante a
ditadura, mas que protege os seus na democracia. O almirante Othon Luiz
Pinheiro, ex-presidente da Eletronuclear, condenado a 43 anos por corrupção,
exigiu ficar preso em estabelecimento militar e conseguiu. Agora já está solto
na onda recente que houve de liberação de condenados nos vários processos
contra a corrupção que o país tem assistido.
O que houve no STF na quarta-feira mostrou até que
ponto pode chegar o contorcionismo jurídico no país para se confirmar a ideia
da “A revolução dos bichos”, de George Orwell, de que todos são iguais perante
a lei, mas alguns são mais iguais do que os outros. Parlamentares já foram
afastados de seus mandatos por decisão do STF, como Delcídio Amaral e Eduardo
Cunha, como deve ser. Nessa semana, um Supremo dividido decidiu de maneira
diferente. Se a medida cautelar, mesmo que não seja a prisão, afetar o mandato,
o Congresso tem que ser ouvido antes. A última palavra cabe ao Congresso e não
ao Supremo Tribunal Federal.
A ideia de que “o mandato é o que está sendo
protegido e não o parlamentar" é balela. O voto é para que o político
represente o seu estado ou sua região, e não para que cometa crimes. A
imunidade foi pensada para proteger a atividade parlamentar. Por isso tudo o
que se relaciona ao exercício dessa representação está protegida. E assim foi
escrito na Constituição porque em períodos autoritários os parlamentares eram
cassados por suas palavras, ideias, e atividades de representação. Quando se
escreveu na Constituição o princípio da imunidade parlamentar não se pensava,
evidentemente, em crime comum.
A questão da quarta-feira não era sobre o senador
Aécio Neves oficialmente, mas de fato era. Com ele em mente, e o voto da
presidente do Supremo, o STF errou. Minas Gerais votou para que o senador
representasse os interesses do estado, e defendesse as ideias que apresentou na
campanha. Ele não foi eleito para pedir dinheiro a um investigado em cinco
operações anticorrupção. Dinheiro que seria entregue em espécie a um enviado
especial, desses que “a gente mata antes". Não foram esses os poderes que
Minas delegou ao senador quando o elegeu. A tese de que “o mandato é do povo, e
o povo, soberano” só pode ser defendida se vier com a pergunta: qual poder foi
delegado pelo povo ao seu representante? Certamente não foi o de cometer
crimes.
Esse tem sido nosso vício desde o início. O país dos
fidalgos, do “sabe com quem está falando" não aceita o “erga omnes".
A revolução que está sendo feita no processo de combate à corrupção é a de que
a lei é universal. Mas o velho país dos privilégios resiste.
(COM MARCELO LOUREIRO)
Procurador
da Lava Jato diz que governo Temer está destruindo a operação
Bruno Santos - 11.abr.2017/Folhapress
Carlos
Fernando dos Santos Lima, procurador da força-tarefa da Lava Jato, em fórum
sobre negócios
|
DE SÃO PAULO
14/10/2017 21h00
O procurador federal Carlos Fernando dos Santos
Lima, integrante da Lava Jato em Curitiba (PR), publicou em seu perfil no
Facebook que a operação está ameaçada. "Em nenhum momento anterior a Lava
Jato esteve tão a perigo quanto agora", escreveu, com todas as letras
maiúsculas.
O comentário acompanhava o compartilhamento de uma
reportagem sobre um parecer em que o governo Michel Temer,
por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), defende no STF (Supremo Tribunal
Federal) a revisão da possibilidade de prisões após condenação de segunda
instância.
O procurador afirmou que "o Governo Temer está
fazendo, pouco a pouco, o que o Governo Dilma queria, mas não conseguiu:
destruir a Lava Jato e toda a esperança que ela representa".
"Depois da última decisão do STF, é
compreensível as tentativas da AGU, a mando de Temer, de tentar reverter a
decisão de prisão após a decisão de segundo grau. Afinal, não há mais oposição
das ruas às tentativas de acabar com o pouco conquistado", disse.
Veja, abaixo, a publicação de Santos Lima.
Carlos Fernando Dos Santos Lima
O Governo Temer está fazendo, pouco a pouco, o que o
Governo Dilma queria, mas não conseguiu: destruir a Lava Jato e toda a
esperança que ela representa.
Depois da última decisão do STF, é compreensível as tentativas da AGU, a mando de Temer, de tentar reverter a decisão de prisão após a decisão de segundo grau. Afinal, não há mais oposição das ruas às tentativas de acabar com o pouco conquistado.
Hoje a classe política está unida, mas não a favor da população, mas a favor da salvação de todos e, principalmente, da salvação de um modo de financiamento da política com o dinheiro desviado dos cofres públicos.
EM NENHUM MOMENTO ANTERIOR A LAVA JATO ESTEVE TÃO A PERIGO QUANTO AGORA.
Depois da última decisão do STF, é compreensível as tentativas da AGU, a mando de Temer, de tentar reverter a decisão de prisão após a decisão de segundo grau. Afinal, não há mais oposição das ruas às tentativas de acabar com o pouco conquistado.
Hoje a classe política está unida, mas não a favor da população, mas a favor da salvação de todos e, principalmente, da salvação de um modo de financiamento da política com o dinheiro desviado dos cofres públicos.
EM NENHUM MOMENTO ANTERIOR A LAVA JATO ESTEVE TÃO A PERIGO QUANTO AGORA.
Se
a presidente do STF fosse uma princesa indiana naquela fatídica noite de
desempate do veredito do elefante
A
parábola dos cegos e o elefante
Por
Isaias Costa
Talvez a presidente rematasse os votos dos 10 cegos
juízes da Corte, após ordenar que se calassem:
“O elefante é tudo isso que vocês falaram.”,
explicaria. “Tudo isso que cada um de vocês percebeu é só uma parte do
elefante. Não devem negar o que os outros perceberam. Deveriam juntar as
experiência de todos e tentar imaginar como a parte que cada um apalpou se une
com as outras para formar esse todo que é o elefante.”
Teatro
jurídico
O Supremo Tribunal Federal decide que — agora —
caberá ao Congresso dar a palavra final sobre o afastamento de parlamentares
Por Thiago Bronzatto, Robson Bonin | Veja
Na vida brasiliense, é comum o uso da expressão
“teatro político”, pois os jogos de cena são próprios do mundo parlamentar.
Mais raro é o emprego da expressão “teatro jurídico”, por uma razão elementar:
espera-se que, nos tribunais, as decisões produzam segurança jurídica e
previsibilidade — e, para tanto, não devem ser tomadas ao sabor das
circunstâncias ou do tamanho do personagem envolvido. Na quarta-¬feira 11, o
Supremo Tribunal Federal (STF) reuniu-se por treze horas e fez o que deveria
ter evitado: teatro jurídico. Em votação apertadíssima, o STF decretou, por 6
votos a 5, que a corte pode afastar um parlamentar do exercício do seu mandato,
mas a decisão só valerá se tiver o aval da Câmara ou do Senado.
Como se constata pelo placar, o entendimento do STF
está longe de ser pacífico. De um lado, seis ministros (Alexandre de Moraes,
Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Ricardo
Lewandowski) votaram a favor da tese segundo a qual o STF pode impedir um
deputado ou senador de exercer as suas funções parlamentares mas, em nome da
independência e da harmonia entre os poderes, é preciso que tenha o aval do
Congresso. Os demais cinco magistrados (Celso de Mello, Edson Fachin, Luís
Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber) sustentaram que o STF tem a
prerrogativa de arbitrar sobre a suspensão das atividades de um parlamentar sem
a necessidade da concordância de qualquer casa do Congresso.
O teatro jurídico do STF não tem relação com a
decisão vitoriosa. Quem acompanhou as treze horas de debate pôde ver que há
argumentos sólidos para defender a posição que saiu vencedora — assim como a
posição contrária. O teatro aparece quando se compara a posição de hoje adotada
por alguns de seus ministros com a posição que esses mesmos ministros defendiam
até ontem — e, nessa gangorra, fica a sensação de que as decisões são tomadas
de olho nas circunstâncias, e não na letra da lei.
O julgamento de agora foi motivado por uma ação
apresentada ao STF em maio do ano passado por três partidos: PP, PSC e Solidariedade.
As legendas contestavam a decisão do Supremo, tomada pouco antes, de afastar o
então deputado Eduardo Cunha do exercício do seu mandato. Diziam que era uma
violação da Constituição, na medida em que atropelava o Congresso. Afastado do
mandato, Cunha acabou cassado e preso. Detalhe relevante: o STF o puniu por
unanimidade, 11 votos a zero, e ninguém na ocasião disse que era preciso o aval
da Câmara.
Agora, tudo mudou — inclusive o alvo do assunto.
Antes, era o ex-deputado Eduardo Cunha. Desta vez, é o senador Aécio Neves, do
PSDB de Minas Gerais. Há duas semanas, a Primeira Turma do STF decidiu afastar
o senador do mandato, recolher seu passaporte e proibi-lo de sair de casa à
noite, até o encerramento das apurações. Ele é investigado por suspeita de ter
achacado o empresário Joesley Batista em 2 milhões de reais, conforme consta de
uma conversa gravada entre os dois. Parte desses recursos foi paga em dinheiro
vivo a Frederico Pacheco de Medeiros, primo de Aécio. Desde que o STF apertou o
cerco contra Aécio, há duas semanas, o Senado, casa em que há 35 envolvidos na
Lava-Jato, reagiu com notável instinto de sobrevivência e pressionou a corte a
reverter as punições contra o senador. Na quarta¬-feira, a corte assentiu ¬— e
mudou a forma como vinha votando.
À época do afastamento de Eduardo Cunha, o ministro
Marco Aurélio, um dos mais antigos do STF, disse que a iniciativa não era
drástica e estava prevista no Código de Processo Penal. No caso de Aécio, o
magistrado teve nova interpretação. O mesmo Código de Processo Penal já não se
aplicava a deputados e senadores no que diz respeito ao afastamento de suas
funções. Marco Aurélio explicou que evoluiu no seu entendimento. “Evoluir é
mudar o convencimento sobre a matéria. Se fosse hoje, eu não referendaria a
decisão do afastamento do Eduardo Cunha”, afirmou ele a VEJA. A presidente do
STF, Cármen Lúcia, que desempatou o julgamento de agora, também voltou atrás.
No ano passado, ela foi assertiva com relação à remoção de Cunha da cadeira de
deputado e nem mencionou a palavra “aval”: “A imunidade referente ao cargo, e
àqueles que o detêm, não pode ser confundida, em nenhum momento, com impunidade
ou possibilidade de vir a sê-¬lo”. Já no caso de Aécio, Cármen disse que o STF
só pode afastar um parlamentar com o aval do Congresso.
“Acredito que a autoridade do Supremo está em xeque,
mas não necessariamente pelo conteúdo da decisão. O problema é que a população
acredita, por culpa do próprio STF, que a decisão foi política, e não algo que
decorre do direito”, analisa o professor Rubens Glezer, da Fundação Getulio
Vargas. “Esse é um resultado da percepção da inconsistência das decisões, que
mudam ao sabor da ocasião, e do voluntarismo dos ministros, que agem como bem
querem.” Para piorar, o Supremo não é a única instituição a agir segundo os
ventos da hora. A Advocacia-Geral da União, assim como a Câmara e o próprio
Senado, teve há cerca de um ano um entendimento diferente do que tem agora, sem
que as leis tenham sofrido alterações.
Desde que a Primeira Turma afastara Aécio de seu
mandato, o Senado e o Supremo estavam em rota de colisão. O ambiente, agora,
deve desanuviar. Nesta terça-feira, 17, se tudo correr conforme o combinado, o
Senado deve autorizar Aécio Neves a retomar o mandato e, de quebra, ainda aprovará
um projeto de lei blindando de vez os parlamentares de medidas como as que
chegaram a ser aplicadas contra o senador. Com isso, o teatro jurídico do
Supremo terá ajudado a desfazer o clima de confronto entre duas instituições da
República. É um saldo positivo, pois o que o Brasil menos precisa ter neste
momento é uma crise institucional. Mas também é lamentável que a pacificação só
aconteça à custa da credibilidade das instituições.
Entendimentos flexíveis
Em um ano, o Supremo Tribunal Federal, a Advocacia-Geral
da União e o Congresso mudaram de opinião sobre a quem cabe afastar deputados e
senadores
Decisão do STF
Na quarta-feira 11, o plenário do Supremo decidiu,
por 6 votos a 5, que o afastamento de um parlamentar só vale se tiver o aval da
casa em que ele cumpre seu mandato, a Câmara ou o Senado.
Em maio de 2016, por unanimidade, o plenário do
Supremo suspendeu o mandato do deputado Eduardo Cunha para evitar que ele
interferisse nas investigações — e ninguém falou da necessidade de aval da
Câmara
Advocacia-Geral da União
Em 6 de outubro deste ano, a AGU, comandada pela
ministra Grace Mendonça, sustentou no STF que parlamentares não podem ser alvo
de ações como suspensão de mandato, recolhimento noturno e monitoramento com
tornozeleira eletrônica. Essa alegação favoreceu Aécio Neves, presidente
licenciado do PSDB.
Em junho de 2016, a AGU, representada pela então
secretária-geral da área de contencioso, Grace Mendonça, argumentou que o STF
podia, sim, afastar um deputado ou senador em exercício do mandato sem o aval
do Congresso. Essa tese desfavorecia Eduardo Cunha, então presidente da Câmara
Senado e Câmara
Em pareceres elaborados agora, o Senado e a Câmara
alegaram que senadores e deputados não podem ser afastados do seu mandato por
decisão judicial, em nenhuma circunstância, pois isso cabe exclusivamente ao
Congresso
Em junho de 2016, o Senado e a Câmara enviaram um
parecer ao STF defendendo a tese de que a decisão judicial até podia afastar
qualquer parlamentar, mas a decisão tinha de ser avalizada pelo plenário da
Casa em até 24 horas
Com reportagem de Marcela Mattos
Referências
https://www.oantagonista.com/brasil/governo-temer-esta-destruindo-lava-jato-diz-procurador/
https://www.oantagonista.com/brasil/maos-sujas-congresso/
https://www.oantagonista.com/brasil/a-balela-do-stf/
https://www.oantagonista.com/brasil/resposta-bobagem-dos-politicos-investigados/
https://www.oantagonista.com/brasil/maos-sujas-congresso/
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,nao-ha-na-italia-o-sistema-da-delacao-premiada,70002045111
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,nos-descobrimos-so-uma-parte-do-que-existia,70002044845
https://www.letras.mus.br/nelson-goncalves/588265/
http://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/pais-dos-privilegios.html
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/10/1927164-procurador-da-lava-jato-diz-que-governo-temer-esta-destruindo-a-operacao.shtml
https://paralemdoagora.wordpress.com/2014/12/23/a-parabola-dos-cegos-e-o-elefante/
http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2017/10/teatro-juridico.html#more
http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2017/10/teatro-juridico.html#more
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