domingo, 15 de outubro de 2017

E os outros?

‘Mais que as ideias, são os interesses que separam as pessoas.’
Alexis de Tocqueville

‘Cabe relembrar a advertência de Tocqueville de que um dos preços da justiça é a mediocridade Alexis Tocqueville Democracy in America.’

‘Recall Tocqueville's admonition that one of the prices justice exacts is mediocrity. Alexis de Tocqueville, Democracy in America.’


‘País dos privilégios’

‘A balela do STF’

'Não há na Itália o sistema da delação premiada'

‘As mãos sujas do Congresso’

'Nós descobrimos só uma parte do que existia'

‘Governo Temer está destruindo a Lava Jato, diz procurador’

'A parábola dos cegos e o elefante.'

'Teatro jurídico.'



“Jamais encontrei um ladrão de carro que me dissesse: ‘E os outros? Por que você não prendeu os outros?’ Eu teria respondido: ‘Queria começar com você. Se quiser, pode me dar a lista dos teus colegas que eu processarei eles também.’



“Muitos foram os condenados. Alguns foram para a cadeia. Mas muitos empresários – devo dizer que não sei se o nosso sistema corresponde ao de vocês – fizeram acordos e conseguiram a suspensão condicional da pena. E, portanto, não foram para a cadeia. Depois, progressivamente, nossos legisladores – nossos processos e investigações duraram 13 anos – modificaram alguns crimes, como o de falsificação de balanços e o favorecimento administrativo, reduzindo o prazo de prescrição; modificaram os valores das provas, retirando o valor de atos processuais que antes tinham valor como prova, razões pelas quais depois o número de condenações diminuiu bastante.”





RESUMÃO ANTAGONISTA: A suprema impunidade


'Não há na Itália o sistema da delação premiada'
Gherardo Colombo, ex-magistrado italiano, cita exemplo de colaborador da Justiça no campo da máfia e do terrorismo
Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo
15 Outubro 2017 | 06h00


Gherardo Colombo, ex-ministro da Corte de Cassação no período da Operação Mãos Limpas Foto: Daniele La Monaca/Reuters

Vinte e cinco anos depois de Mãos Limpas, um condenado por corrupção vai para a cadeia na Itália? Cumpria pena atrás das grades?
Muitos foram os condenados. Alguns foram para a cadeia. Mas muitos empresários – devo dizer que não sei se o nosso sistema corresponde ao de vocês – fizeram acordos e conseguiram a suspensão condicional da pena. E, portanto, não foram para a cadeia. Depois, progressivamente, nosso legisladores – nossos processos e investigações duraram 13 anos – modificaram alguns crimes, como o de falsificação de balanços e o favorecimento administrativo, reduzindo o prazo de prescrição; modificaram os valores das provas, retirando o valor de atos processuais que antes tinham valor como prova, razões pelas quais depois o número de condenações diminuiu bastante.

Quanto caiu o número das condenações caíram na Itália?
É difícil de dizer. Aqui em Milão, posso fazer um cálculo aproximado desse fenômeno. Nós pedimos que fossem julgadas cerca de 3,7 mil pessoas. Dessas, foram absolvidos 20%, cerca de 750. Cerca de 40% dos casos prescreveram, ou seja, cerca de 1.500. Das outras 1,5 mil, cerca de mil fizeram um algum acordo. Esse é um cálculo que faço de memória. Foram condenados cerca de 700 pessoas, sendo que alguns ainda puderam gozar da suspensão condicional da pena.

E quantos desses foram condenados a até 3 anos e, portanto, puderam fazer serviços sociais em vez de ir para a cadeia?
Eu creio que uma grande parte. A maioria. Além disso, na Itália, existe a possibilidade para pessoas particularmente idosas de cumprir a pena em prisão domiciliar. Para cárcere foram poucas pessoas. Sobretudo em razão das reformas legislativas que um pouco restringiram os crimes e um pouco reduziram o valor das provas.

O senhor acredita que um acusado de corrupção deve ser mantido em prisão preventiva na cadeia?
Bem, eu pelo que compreendo, e não conheço completamente o sistema processual brasileiro, porém, chegam notícias, e se lê e deve levar em consideração o meu nível de informação sobre o sistema brasileiro. Porém, o nosso sistema, o sistema italiano, prevê que a custódia cautelar seja possível somente para evitar o perigo de fuga, o perigo de destruição de provas ou perigo de reiteração do crime do mesmo tipo. Ora, não existe na Itália um sistema para a corrupção similar ao vosso da delação premiada. Não existe. A delação premiada é um termo que não se pode usar. Nós falamos de colabores de Justiça no campo da Máfia e do terrorismo. A Máfia e o terrorismo são tratados geralmente de um modo muito particular. Não se pode pôr na cadeia uma pessoa para fazê-la falar. Ok? Para contar fatos dos outros. Ainda que esse seja uma distinção muito sutil porque, se uma pessoa se torna não confiável ao sistema de corrupção do qual ela provém, então não se justifica mais a custódia cautelar. Porque não há mais o risco de reincidência, pois os outros não confiam mais nela e não há perigo de fuga porque já confessou e, geralmente, quem resolve contar o que sabe recebe normalmente uma pena que não é grave. E não há mais risco de destruição de provas, pois a prova já foi feita. E em um sistema (delação) no qual não basta que as pessoas sejam corretas mas é sempre necessário esse, para a sentença, para a condenação, é sempre necessário que existam também comprovações do que foi dito, como a prova da passagem do dinheiro por meio financeiro e assim por diante. E isso vale também para a custódia cautelar. Em relação às pessoas contra quem foram aplicadas a custódia cautelar na Itália por parte dos magistrados, há uma outra particularidade que, para mim, é importante, e torna impossível fazer paralelos entre Mãos Limpas e Lava Jato. Existe uma diferença notável sobre o perfil do controle dos magistrados. Na Itália existe o Ministério Público que faz a investigação. Existe o juiz da investigação preliminar que controla a atividade do Ministério Público e que emite todos os procedimentos que restringem em qualquer medida a liberdade como a custódia cautelar na cadeia, as interceptações telefônicas e por aí vai. Quando a investigação termina, um outro juiz, um juiz para a audiência preliminar, decide se vai mandar a julgamento o investigado ou mesmo se recusa a abertura do processo. Mas não é ele que condena porque a condenação só pode ser emitida por um tribunal, que um juízo diferente e para os casos de corrupção é o juízo de um colegiado, composto por três pessoas.

E por isso alguns advogados brasileiros dizem que aqui no Brasil o juiz tem um papel de super-homem no processo?
Notei que o juiz que fez a investigação no processo contra Lula (Sérgio Moro) era o mesmo que fez a sentença e isso me deixou um pouco surpreso porque aqui na Itália isso não poderia acontecer.

Um sistema assim no Judiciário, como seria julgado pela Corte Europeia de Direitos Humanos?
Eu tenho dificuldade para dizer-lhe. Posso dizer que na Itália, o juiz que faz a investigação, não podia condenar nem mesmo com o Código de Processo Penal que era de 1930. O juiz de então podia somente decidir se aceitava ou não a denúncia. Se decidisse pela abertura do processo, o processo era feito por outro. O articulo 6 da Convenção das Salvaguarda dos Direitos do Homem para o Conselho Europa diz que cada pessoa tem direito que sua causa seja examinada imparcialmente, publicamente e em um tempo razoável por um tribunal independente e imparcial constituído por meio de lei que decidirá etc. No caso, se fala somente de um tribunal independente e imparcial. Mas aquele que faz a investigação pode em alguma medida ser influenciado por aquilo que descobriu, tanto que, na Itália, o juiz que decide não pode conhecer o conteúdo dos atos processuais senão por meio do debate no tribunal. Quer dizer que o juiz decide baseado no que acontece diante dele. Outra coisa que existe em Itália: um juiz tem a obrigação de abster-se de antecipar um juízo, ou seja, dizer o que pensa a propósito do processo. Não sei se isso existe. Nós tivemos um grande cuidado além do que estava previsto no Código de Processo Penal na Itália. Durante o curso de Mãos Limpas sempre evitamos de nos exprimir sobre a situação de réus em particular. Falávamos da corrupção, mas sempre evitamos falando sobre a posição dos denunciados, mesmo trabalhando como procurador e não como juiz (na Itália o Ministério Público faz parte da magistratura).

E mesmo durante as entrevistas coletivas?
Eu nunca falei sobre a situação de um acusado, mas somente sobre atos judiciários. Eu pessoalmente evito falar de pessoas que foram meus acusados, mesmo depois do processo. Quando vou às escolas, eu procuro evitar falar de acusados, mesmo depois de passados dez anos, 15 anos. É uma questão que, pelo que me diz respeito, que vai além do texto legal.
Todo caso, como Mãos Limpas, deixa no povo certos símbolos e, quando se pensa em corrupção na política, se pensa nos símbolos desses escândalos. Mãos Limpas tem alguns símbolos, como os ex-primeiros-ministros Arnaldo Forlani e Bettino Craxi. São dois importantes políticos italianos que foram cumprir a pena na prisão. Forlani foi fazer trabalho social e Craxi fugiu para a Tunísia. 

Quando esses personagens conseguem escapar, não existe o perigo que o povo pense que os juízes fizeram muito barulho por nada?
Isso é o que penso mesmo eu. Já são dez anos que me demiti da magistratura (era então juiz da Corte Suprema da Itália) e me demiti porque, para mim, em um país em que a corrupção é difusa, como é difundida na Itália, é impossível afrontá-la com o instrumento do processo penal. Não se consegue. A um certo ponto, nós começávamos e as provas nos levavam para as pessoas que estavam no alto. Os cidadãos comuns protestavam contra eles e, depois, pouco a pouco, conforme as investigações prosseguiram, as provas nos levaram em direção à corrupção das pessoas comuns, o fiscal da prefeitura que fez compras de graça e em troca não fiscaliza a balança dos frios na padaria, e o inspetor do trabalho que por alguns trocados não verifica se no canteiro de obra há cintos de segurança e capacetes para os trabalhadores e os enfermeiros por outros trocados avisa à funerária quando morre alguém no hospital para que ela chegue primeiro ao lugar para fazer o funeral ou agente da Receita Federal que não toma conhecimento da regularidade, não da contabilidade das grandes empresas, mas das pequena. Na Itália, as pessoas começaram a perguntar: ‘Mas esses caras, o que querem? Querem investigar o que eu estou fazendo?’ De fato, Mãos Limpas terminou antes que fosse descoberta toda a corrupção. Descobrimos só 5%, 10%, 20%. Porque é toda uma série de relações, um sistema e, em um certo momento, as pessoas não foram para a cadeia. Mas não foram para a cadeia porque no Parlamento foram mudadas as leis. E depois as pessoas votaram em quem havia mudado as leis.

Em algum momento o senhor pensou que havia se transformado em um moralista radical?
Eu, após quatro meses que havia começado as investigações, em julho de 1992, lancei uma proposta em uma entrevista de rádio que era: quem conta como as coisas aconteceram, restitui o dinheiro e se afasta por anos da vida pública não deve ir para a prisão. O meu comportamento era absolutamente laico. A corrupção é um crime, ela causa danos e na Itália existe um Código Penal e um Código de Processo Penal. A lei diz que é crime e a ação penal é obrigatória, nós somos obrigados a investigar todas as vezes que chegam uma notícia de crime. Os juízes e também os procuradores devem cultivar o senso de independência, tornando-se capazes de ser independentes de si mesmo. Isto é, as ideias pessoais não ter nenhuma relação com os fatos que ele está investigando, se é um procurador, ou julgando, se é um juiz. Encontramos provas de propina que foram recebidas na Itália por quem estava no governo e por quem estava na oposição.

Pelo que o senhor me disse, o senhor seria favorável ao uso dos colaboradores de Justiça nos casos de corrupção?
Eu tenho muitas reservas com os colaboradores de Justiça. Para que não se cometam crimes, é preciso que exista entre o cidadão e o Estado a confiança. E, para mim, cooperar – eu prometo uma pena menor se você conta quem são seus comparsas – é uma coisa que, em vez de promover confiança, de algum modo, você a tolhe. Creio que algumas vezes se cometem crimes realmente graves, como no caso da máfia, que dissolve crianças no ácido, e por isso, algumas vezes, é necessário recorrer a instrumentos que, infelizmente, em si não são educativos, que não educam a cidadania. Deve ser uma medida (colaboradores de Justiça) limitadíssima e, por isso, eu não a introduziria no campo da corrupção, mas existem muitas pessoas que pensam de modo contrário. Mas, em vez disso, há uma coisa que se precisa fazer aquilo que eu lhe disse antes: um fenômeno tão espalhado como a corrupção na Itália não pode ser combatido com o processo penal. É necessária outra coisa. Prometer a alguém a redução de pena se fala, essa medida está no processos penal, mas não serve ao processo penal. O que é necessário fazer é operar a dois campos, que são a educação e a prevenção. Na Itália, espero que se for possível, ir adiante do ponto desses pontos de vista. Eu acredito que a situação mudará. Para prevenir a corrupção são necessárias duas coisas: que as empresas adotem procedimentos para todas as suas atividades, pois, quando há um procedimento de modo que tudo deixe traços tudo se torna transparente, pois tudo se torna verificável,  como quem tomou cada decisão, por que a tomou, por quais motivos. E esse é o segundo ponto de vista: a transparência. E que tudo isso seja público. Do ponto de visto educativo é necessário para acompanhar as pessoas para saber que a corrupção faz mal até para quem a comete, pois desregula as instituições. Evidentemente que nesse meio tempo é necessário descobrir quem participa da corrupção, mas não porque alguém colaborou, mas porque o contexto social no qual as pessoas se encontram se rebela e reage, quem assiste a um crime de corrupção denuncie. No caso de corrupção é difícil que as pessoas aceitem testemunhar.

Atualmente, os políticos atualmente têm mais consciência das implicações legais no combate à corrupção. Hoje, estudam para que não caiam em armadilhas em leis feitas por eles. Por isso, o combate à corrupção pela via legislativa se tornou mais difícil?
Se faz muito mais do que antes por via legislativa do ponto de vista da prevenção. Pela via legislativa aumentaram até a pena da corrupção, o que é inútil se não se consegue identificar os corruptos. Sobre o perfil da prevenção, algumas coisas se fazem. Seria necessário, porém, conseguir pô-las em prática.

O que os cidadão podem fazer para combater a corrupção?
Os cidadão devem marginalizar a corrupção, colocá-la de lado em seu confronto. Existem outros aspectos. A corrupção das altas esferas, quando existe, é onde a corrupção serve para se enriquecer injustamente. Nas esferas baixas a corrupção às vezes serve para sobreviver. Para mim, um sistema importante, que não é feito pelos cidadãos, mas pelas instituições: de conseguir evitar que as pessoas recorram à transgressão, ou seja, a lei não serve para elas porque, de outra forma, não poderiam sobreviver. Eu me recordo a primeira vez que fui ao Brasil em 1993. Dois dias depois, no Rio, a polícia havia matado cinco crianças na Igreja da Candelária. Eu fui ao lugar e vi as marcas das pessoas mortas e conversando com os seus compatriotas e alguém me disse que o salário de um policial equivalia a 25 garrafas de cerveja. Entende como se torna fácil que depois uma pessoa chegue até mesmo a matar outras pessoas porque alguém me promete um pagamento? Seria necessário resolver esse problema. O que os cidadãos podem fazer? Podem se rebelar contra a corrupção, isto é, dizer: ‘Eu não concordo’. Isso é uma coisa importante. Para mim, se muda também pelo testemunho que se dá: fazendo ver que há um outro caminho.

A política italiana hoje é mais limpa do que nos tempos da Primeira República?
Eu penso que o nível de corrupção na Itália seja mais ou menos o mesmo. Nós encontramos pessoas corruptas em toda parte. Mas, para mim, é difícil dizer se a política de hoje seja tão corrupta do ponto de vista do pagamento de mesadas quanto era então. Para mim, a corrupção hoje toma caminhos diferentes. Existem pessoas que uma vez tinham necessidade de pagar para obter benefício da política e, agora, talvez, são tão próximas da política que não têm mais necessidade de pagar. Então, a corrupção era muito ligada ao financiamento ilícito dos partidos políticos. Hoje não é mais assim. Se existe o financiamento ilícito, ele passa por outro caminho. Tudo se modificou. É muito difícil responder a essa pergunta.

Mas os contratos ainda hoje são fraudados?
Às vezes isso é descoberto, situações assim. O Parlamento italiano continua a fazer leis sobre as licitações públicas. Eu não sei até que ponto elas servem, pois tornam às vezes muito difícil gerir a administração pública. Faz dez anos que não sou mais juiz, são pelo menos 12 anos que não faço mais investigações, baseio-me no que emerge na imprensa. Eu penso que sobretudo a corrupção das pessoas comuns continua.



'Nós descobrimos só uma parte do que existia'
Piercamillo Davigo, presidente da seção criminal da Corte de Cassação da Itália, fala sobre diminuição em número de condenações após Operação Mãos Limpas
Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo
15 Outubro 2017 | 21h00


Piercamillo Davigo, presidente da seção crminal da Corte de Cassação da Itália Foto: Alex Falcão/Futura Press

Após 25 anos de Mãos Limpas, qual o balanço do combate à corrupção?
Em 1994, por causa do que havia sido descoberto pelas investigações, cinco partidos desapareceram nas eleições. Três deles tinham mais de 100 anos. Todavia a mudança foi mais formal que real, no sentido que as pessoas estavam em novas legendas, mas sobretudo nos últimos 15 anos, a principal atividade da política não é combater a corrupção, mas enfrentar as investigações contra a corrupção. Foram adotadas leis que aboliram ou modificaram crimes, leis que fizeram as provas voltar à estaca zero ou as tornavam inutilizáveis e leis que fizeram com que as pessoas não pudessem ser processadas. Muitas delas caíram por decisão da corte constitucional ou foram interpretadas de modo razoável pelos magistrados, portanto, não causaram todo o dano que podiam causar. No entanto, muitos processos foram concluídos com sentenças de absolvição não porque os acusados eram inocentes, mas porque as provas feitas contra eles foram retiradas. E o resultado foi a queda de condenações por corrupção, Nos anos 2000, o número de condenações foi um décimo daquele de 1995.
Um décimo cada ano. De tal forma que na Itália registre um número de condenações por cem mil habitantes inferior ao da Finlândia, que é o país menos corrupto do mundo.

Quer dizer que há corrupção, mas não as condenações?
O que falta são as condenações. Porque não é nem mesmo possível descobrir os corruptos, quando são descobertos é muito mais difícil condená-los. Esse é o problema. Ora, partir de 2012 a situação mudou. Não porque houve uma melhora da política, mas por causa da pressão da opinião pública, especialmente no contexto da grave crise econômica, que obrigou o governo e o parlamento a fazer alguma coisa. Todavia, as normas existentes, não creio que sejam adequadas para confrontar o fenômeno. Em particular faltam duas coisas essenciais. De um lado é necessário a aplicação das medidas previstas para os colaboradores judiciais, como no casos de criminalidade organizada. Isso quer dizer: a forte redução da pena e a proteção às pessoas (que colaboram), o que não existe na Itália. Existe somente uma leve redução da pena para quem colabora.

Para os crimes de corrupção não existem os benefícios oferecidos para os que colaboram nos casos de máfia?
Exatos, não existem. E não existe nem mesmo as proteções previstas. A segunda coisa que considero indispensável para combater a corrupção são as operações sob cobertura (ações controladas por meio de infiltração de agentes). As operações cobertas na Itália são possíveis em muitas áreas, como o terrorismo, o tráfico de armas, de drogas, a criminalidade organizada e até mesmo a pedofilia. Mas não são permitidas em matéria de corrupção. E não tem jeito de convencer o parlamento a aprovar a introdução dessa regra. Diante de uma fraude em uma licitação como a formação de cartel para a divisão de um contrato público, se não é possível infiltrar um agente que simule ser um empresário para participar da concorrência não é possível descobrir esse tipo de acordo a menos que alguém denuncie.

De todas a acusações feitas pelos políticos contra os senhores, qual mais o incomodava?
Não ser imparcial. A imparcialidade é essencial para um magistrado. Trata-se daquilo que os criminólogos chamam de técnica da neutralização, isto é, a justificação que um culpado dá para si mesmo para outros de modo que o fato pareça menos grave. Dou um exemplo: uma das coisas mais extravagantes que aconteciam quando um acusado era citado era ele dizer: “E o outros, por que vocês não pegaram os outros?” Pois bem, na Itália, identificamos apenas 3% dos autores de furtos de veículos. Tirando os casos em que as pessoas são apanhadas em flagrante, é difícil prender alguém que roubou um carro. Jamais encontrei um ladrão de carro que me dissesse: “E os outros? Por que você não prendeu os outros?” Eu teria respondido: “Queria começar com você. Se quiser, pode me dar a lista dos teus colegas que eu processarei eles também”.  Mas, na Itália, essa coisa é repetida como se fosse uma coisa sensata na Itália, quando não faz sentido pensar que para processar alguém é preciso descobrir os autores de todos os crimes. Quando você reflete sobre isso, você percebe que é uma bobagem.

O senhor diz que as pessoas investigadas em Mãos Limpas começavam a confessar no interfone, quando a polícia chegava?
Não todos. Um dos investigados começou a confessar no interfone.

Mas como isso aconteceu?
O ponto é que todos previam que seriam presos porque havia o efeito dominó.  Se alguém falasse, daria os nomes de quem lhe havia dado dinheiro e para quem havia dado dinheiro. Depois, todos aqueles que  haviam recebido dinheiro começavam  a considerar, por sua vez, que também seriam presos. E assim procuravam se apresentar para confessar as coisas que imaginavam que tivessem sido descobertas.

Nestes 25 anos, o que mudou na custódia cautelar dos investigados na Itália?
Na Itália, as normas de custódia cautelar foram modificadas para limitar os casos de custódia. Obviamente depende muito da interpretação que pretende dar. Por exemplo, como verificar o perigo de reincidência. Aqueles que conhecem o fenômeno da corrupção sabem que quem comete esse crime o faz há muito tempo. Explico: a corrupção é um crime serial. Quem se vende não se vende em uma única ocasião, se vende muitas vezes por causa da impunidade. Do mesmo modo, quando alguém paga para obter um contrato público, o seu sucesso empresarial não se deve à sua competência gerencial, mas ao fato que tem relações privilegiadas com quem se corrompe e, portanto, continuarão a se corromper enquanto estiverem na atividade empresarial.

Diminuíram na Itália as possibilidades para se prender um corrupto?
Não é que diminuíram, tornaram-se mais difíceis. Motivações mais complexas são necessárias e existem mais dificuldade para pôr alguém na cadeia do que em prisão domiciliar. Nesse tipo de crime, basta pouco para mudar uma qualificação. E os defensores podem se comunicar entre eles, conseguindo tornar o fato menos grave.

O senhor diz que se deve pôr os corruptos na cadeia porque esse é um crime serial...
Se o investigado por corrupção decide colaborar, decide falar, torna-se inidôneo para cometer esse crime, pois ninguém mais pegará dinheiro com ele e ninguém também dará dinheiro para quem delata. Não sendo mais confiável, seria possível até mesmo não puni-los. O problema são aqueles que mantêm a capacidade de chantagem porque se mantiveram em silêncio. E são em condição de chantagear os seus cúmplices que não foram descobertos. Assim, é necessário ter a custódia cautelar e o cumprimento da pena na prisão porque os priva da possibilidade de chantagear.

Depois da condenação em definitivo os corruptos devem cumprir pena na cadeia ou receber penas alternativas?
Duas pessoas que foram condenadas em 1992 e em 1993 foram presas durante as investigações sobre a Expo 2015 em Milão porque não se desiste. Naquele tempo, haviam ficado em silêncio.

Fiz essa pergunta porque pensava no caso de Arnaldo Forlani (primeiro-ministro de 1980-1981 e secretário da Democracia Cristã, então o maior partido da Itália), que foi condenado por corrupção, mas cumpriu a pena prestando serviço social...
O que posso dizer é que na Itália as penas com menos de 3 anos podem ser cumpridas por meio da prestação de serviço social, que é uma medida feita para reintegrar na sociedade pessoas provenientes de setores marginalizados da sociedade e não para reintegrar quem fosse primeiro-ministro.

Portanto, personagens importantes como Forlani não foram para a cadeia?
Antes de tudo, não cito nomes de investigados com os quais me ocupei, mas na Itália essas medidas (alternativas) não deviam ser aplicadas a pessoas que pertencem à classe dirigente do ponto de vista político, econômico ou financeiro.

No Brasil, um ex-presidente da Câmara está na cadeia e outros políticos importantes. Lava Jato deu frutos maiores do que Mãos Limpas?
Não conheço a situação brasileira em detalhe, portanto, não posso fazer um juízo. Não posso nem mesmo fazer uma comparação porque não tenho todos os elementos para uma avaliação.

Mas quando se pensa que importantes figuras da vida política...
Posso apenas dizer que a situação italiana é absolutamente insatisfatória. Na Itália, para os delitos da classe dirigente, não somente para a corrupção, mas para os delitos da classe dirigente, temos somente um vigésimo dos detentos por cem mil habitantes que existem na Alemanha. Nós continuamos a fazer processos da mesma forma, às vezes alguém é condenado, mas é muito mais difícil. Para mim, aquilo que nós descobrimos é somente uma parte do que existia e muitos conseguiram se manter em silêncio.  Olha, em um certo momento da minha vida profissional me tornei uma espécie de rei Midas. Porque quando processava alguém, ainda mais se era condenado, mas permanecia em silêncio, essa pessoa iniciava uma fulgurante carreira política.

Por que demonstravam que eram confiáveis?
Sim. Era confiável porque havia ficado calado.

Uma outra coisa mudou na Itália: o consenso em torno de Mãos Limpas. Por que a operação perdeu o apoio que tinha no começo?
Sobretudo porque nenhum fenômeno popular é eterno. E depois porque houve uma campanha de jornal e de televisão contra as investigações por parte de pessoas que possuíam jornais e canais de TV.

Berlusconi?
Não falo em nomes. E usavam a TV estatal  porque quem está no governo controla também as TVs estatais. Eles pensaram em salvar-se desacreditando a magistratura, mas o resultado foi que não melhoram a sua imagem na opinião pública; apenas desacreditaram também a magistratura.

É verdade que os políticos italianos continuam roubando. O que mudou foi que eles não se envergonham mais?
Digo que os políticos que roubam – não são todos que roubam – pararam de se envergonhar. No passado, quando os prendíamos, se envergonhavam, agora não.  Penso em um deles que foi condenado recentemente e quando se soube o que ele havia feito com o dinheiro, disse: “Era dinheiro meu, faço com ele o que eu quero”. Não. É dinheiro do contribuinte e não dele.

Aprenderam a roubar melhor do que os políticos de antes de Mãos Limpas?
Não é melhor. É menos organizado do que antes, portanto, é mais difícil de combater. Antes organizavam tudo na direção dos partidos que dirigiam o esquema de propina. Isso parece não acontecer mais, mas isso não significa que se rouba menos.

O senhor tem um colega – Gherardo Colombo – que pensa que a educação é mais importante do que as sentenças para combater a corrupção...
Não só para a corrupção, mas também para o furto de carros. Ele tem essa visão, mas eu não penso assim. Os homens agem sobretudo de acordo com seu interesse. Se convém comportar-se bem, aumenta o número dos que se comportam bem. Se convém se comportar mal, aumenta o número daqueles que se compartam mal, independentemente da educação.





E Os Outros Que Se Danem
Nelson Gonçalves
 

Oh, este mundo cão,
Ta na maior confusão,
Ta todo mundo louco,
É um tremendo sufoco,
Oh, este mundo cão,
Não tem mais salvação,
Ta em liquidação,
Se Jesus Cristo,
Que está vendo tudo isto,
Voltasse pra nos salvar,
Como um dia,
Ele já fez,
Com certeza que seria,
Humilhado, espancado , torturado,
Condenado, crucificado outra vez,
Ambição e a maldade,
Estão matando a humanidade,
A barra tá Lucifer,
É um salve-se quem puder,
Por isso se fala tanto,
No universo em desencanto,
Sodoma e Gomorra,
Caim e Abel,
O mundo é uma zorra
É uma Babel,
A confusão é geral,
Ninguém entende ninguém,
Ninguém dá nada a ninguém,
Ninguém ajuda ninguém,
É tempo de murici,
Cada qual cuida de si,
E os outros que se danem Futebol Clube,
E os outros que se danem Futebol Clube.

Composição: Antonio Almeida





País dos privilégios
POR MÍRIAM LEITÃO
15/10/2017 06:05
O Brasil cria mais privilégios a cada semana. Na quarta-feira o STF demonstrou que se for o senador Aécio Neves que estiver em questão pode-se ter uma interpretação ambígua até sobre os poderes do Supremo. Na sexta-feira, o Planalto pediu ao STF para revogar a prisão após a condenação em segunda instância, um dos raros avanços nos últimos anos sobre o velho problema do país.
O tratamento desigual é o centro dos erros brasileiros, mas isso é reafirmado constantemente. Pobres e anônimos vão presos após qualquer condenação, ou passam anos detidos sem sequer culpa formada. Ricos e famosos só iam para a prisão após a longa tramitação do processo. O caso Pimenta Neves é o exemplo. Um dos muitos. Assassino confesso, em crime premeditado, ficou anos fora da prisão — mesmo após dupla condenação — pela força das estratégias recursais dos seus advogados. No ano passado, o STF decidiu que após ser condenado por um órgão colegiado, portanto em segunda instância, o réu começa a cumprir a pena. Isso, hoje, ameaça diretamente muitos integrantes da elite política brasileira processados pela Lava-Jato. Alguns ministros do STF ficaram inconformados com a decisão e iniciaram o bombardeio para que o entendimento fosse revisto. Agora, a Advocacia-Geral da União enviou ao STF manifestação a favor da revisão.
No Brasil, se o criminoso fez ensino superior tem direito à cela especial. Se for político, pode cometer crime comum porque é protegido por imunidade parlamentar. Se for militar, cumpre pena e fica ao abrigo da Justiça Militar, aquela mesma que ameaçou e condenou civis durante a ditadura, mas que protege os seus na democracia. O almirante Othon Luiz Pinheiro, ex-presidente da Eletronuclear, condenado a 43 anos por corrupção, exigiu ficar preso em estabelecimento militar e conseguiu. Agora já está solto na onda recente que houve de liberação de condenados nos vários processos contra a corrupção que o país tem assistido.
O que houve no STF na quarta-feira mostrou até que ponto pode chegar o contorcionismo jurídico no país para se confirmar a ideia da “A revolução dos bichos”, de George Orwell, de que todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que os outros. Parlamentares já foram afastados de seus mandatos por decisão do STF, como Delcídio Amaral e Eduardo Cunha, como deve ser. Nessa semana, um Supremo dividido decidiu de maneira diferente. Se a medida cautelar, mesmo que não seja a prisão, afetar o mandato, o Congresso tem que ser ouvido antes. A última palavra cabe ao Congresso e não ao Supremo Tribunal Federal.
A ideia de que “o mandato é o que está sendo protegido e não o parlamentar" é balela. O voto é para que o político represente o seu estado ou sua região, e não para que cometa crimes. A imunidade foi pensada para proteger a atividade parlamentar. Por isso tudo o que se relaciona ao exercício dessa representação está protegida. E assim foi escrito na Constituição porque em períodos autoritários os parlamentares eram cassados por suas palavras, ideias, e atividades de representação. Quando se escreveu na Constituição o princípio da imunidade parlamentar não se pensava, evidentemente, em crime comum.
A questão da quarta-feira não era sobre o senador Aécio Neves oficialmente, mas de fato era. Com ele em mente, e o voto da presidente do Supremo, o STF errou. Minas Gerais votou para que o senador representasse os interesses do estado, e defendesse as ideias que apresentou na campanha. Ele não foi eleito para pedir dinheiro a um investigado em cinco operações anticorrupção. Dinheiro que seria entregue em espécie a um enviado especial, desses que “a gente mata antes". Não foram esses os poderes que Minas delegou ao senador quando o elegeu. A tese de que “o mandato é do povo, e o povo, soberano” só pode ser defendida se vier com a pergunta: qual poder foi delegado pelo povo ao seu representante? Certamente não foi o de cometer crimes.
Esse tem sido nosso vício desde o início. O país dos fidalgos, do “sabe com quem está falando" não aceita o “erga omnes". A revolução que está sendo feita no processo de combate à corrupção é a de que a lei é universal. Mas o velho país dos privilégios resiste.
(COM MARCELO LOUREIRO)


Procurador da Lava Jato diz que governo Temer está destruindo a operação

Bruno Santos - 11.abr.2017/Folhapress





Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador da força-tarefa da Lava Jato, em fórum sobre negócios

DE SÃO PAULO
14/10/2017  21h00
O procurador federal Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da Lava Jato em Curitiba (PR), publicou em seu perfil no Facebook que a operação está ameaçada. "Em nenhum momento anterior a Lava Jato esteve tão a perigo quanto agora", escreveu, com todas as letras maiúsculas.
O comentário acompanhava o compartilhamento de uma reportagem sobre um parecer em que o governo Michel Temer, por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), defende no STF (Supremo Tribunal Federal) a revisão da possibilidade de prisões após condenação de segunda instância.
O procurador afirmou que "o Governo Temer está fazendo, pouco a pouco, o que o Governo Dilma queria, mas não conseguiu: destruir a Lava Jato e toda a esperança que ela representa".
"Depois da última decisão do STF, é compreensível as tentativas da AGU, a mando de Temer, de tentar reverter a decisão de prisão após a decisão de segundo grau. Afinal, não há mais oposição das ruas às tentativas de acabar com o pouco conquistado", disse.
Veja, abaixo, a publicação de Santos Lima.

Carlos Fernando Dos Santos Lima
O Governo Temer está fazendo, pouco a pouco, o que o Governo Dilma queria, mas não conseguiu: destruir a Lava Jato e toda a esperança que ela representa.
Depois da última decisão do STF, é compreensível as tentativas da AGU, a mando de Temer, de tentar reverter a decisão de prisão após a decisão de segundo grau. Afinal, não há mais oposição das ruas às tentativas de acabar com o pouco conquistado.
Hoje a classe política está unida, mas não a favor da população, mas a favor da salvação de todos e, principalmente, da salvação de um modo de financiamento da política com o dinheiro desviado dos cofres públicos.
EM NENHUM MOMENTO ANTERIOR A LAVA JATO ESTEVE TÃO A PERIGO QUANTO AGORA.




Se a presidente do STF fosse uma princesa indiana naquela fatídica noite de desempate do veredito do elefante



A parábola dos cegos e o elefante
Por Isaias Costa


Talvez a presidente rematasse os votos dos 10 cegos juízes da Corte, após ordenar que se calassem:

 “O elefante é tudo isso que vocês falaram.”, explicaria. “Tudo isso que cada um de vocês percebeu é só uma parte do elefante. Não devem negar o que os outros perceberam. Deveriam juntar as experiência de todos e tentar imaginar como a parte que cada um apalpou se une com as outras para formar esse todo que é o elefante.”



Teatro jurídico



O Supremo Tribunal Federal decide que — agora — caberá ao Congresso dar a palavra final sobre o afastamento de parlamentares

Por Thiago Bronzatto, Robson Bonin | Veja

Na vida brasiliense, é comum o uso da expressão “teatro político”, pois os jogos de cena são próprios do mundo parlamentar. Mais raro é o emprego da expressão “teatro jurídico”, por uma razão elementar: espera-se que, nos tribunais, as decisões produzam segurança jurídica e previsibilidade — e, para tanto, não devem ser tomadas ao sabor das circunstâncias ou do tamanho do personagem envolvido. Na quarta-¬feira 11, o Supremo Tribunal Federal (STF) reuniu-se por treze horas e fez o que deveria ter evitado: teatro jurídico. Em votação apertadíssima, o STF decretou, por 6 votos a 5, que a corte pode afastar um parlamentar do exercício do seu mandato, mas a decisão só valerá se tiver o aval da Câmara ou do Senado.

Como se constata pelo placar, o entendimento do STF está longe de ser pacífico. De um lado, seis ministros (Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski) votaram a favor da tese segundo a qual o STF pode impedir um deputado ou senador de exercer as suas funções parlamentares mas, em nome da independência e da harmonia entre os poderes, é preciso que tenha o aval do Congresso. Os demais cinco magistrados (Celso de Mello, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber) sustentaram que o STF tem a prerrogativa de arbitrar sobre a suspensão das atividades de um parlamentar sem a necessidade da concordância de qualquer casa do Congresso.

O teatro jurídico do STF não tem relação com a decisão vitoriosa. Quem acompanhou as treze horas de debate pôde ver que há argumentos sólidos para defender a posição que saiu vencedora — assim como a posição contrária. O teatro aparece quando se compara a posição de hoje adotada por alguns de seus ministros com a posição que esses mesmos ministros defendiam até ontem — e, nessa gangorra, fica a sensação de que as decisões são tomadas de olho nas circunstâncias, e não na letra da lei.

O julgamento de agora foi motivado por uma ação apresentada ao STF em maio do ano passado por três partidos: PP, PSC e Solidariedade. As legendas contestavam a decisão do Supremo, tomada pouco antes, de afastar o então deputado Eduardo Cunha do exercício do seu mandato. Diziam que era uma violação da Constituição, na medida em que atropelava o Congresso. Afastado do mandato, Cunha acabou cassado e preso. Detalhe relevante: o STF o puniu por unanimidade, 11 votos a zero, e ninguém na ocasião disse que era preciso o aval da Câmara.

Agora, tudo mudou — inclusive o alvo do assunto. Antes, era o ex-deputado Eduardo Cunha. Desta vez, é o senador Aécio Neves, do PSDB de Minas Gerais. Há duas semanas, a Primeira Turma do STF decidiu afastar o senador do mandato, recolher seu passaporte e proibi-lo de sair de casa à noite, até o encerramento das apurações. Ele é investigado por suspeita de ter achacado o empresário Joesley Batista em 2 milhões de reais, conforme consta de uma conversa gravada entre os dois. Parte desses recursos foi paga em dinheiro vivo a Frederico Pacheco de Medeiros, primo de Aécio. Desde que o STF apertou o cerco contra Aécio, há duas semanas, o Senado, casa em que há 35 envolvidos na Lava-Jato, reagiu com notável instinto de sobrevivência e pressionou a corte a reverter as punições contra o senador. Na quarta¬-feira, a corte assentiu ¬— e mudou a forma como vinha votando.

À época do afastamento de Eduardo Cunha, o ministro Marco Aurélio, um dos mais antigos do STF, disse que a iniciativa não era drástica e estava prevista no Código de Processo Penal. No caso de Aécio, o magistrado teve nova interpretação. O mesmo Código de Processo Penal já não se aplicava a deputados e senadores no que diz respeito ao afastamento de suas funções. Marco Aurélio explicou que evoluiu no seu entendimento. “Evoluir é mudar o convencimento sobre a matéria. Se fosse hoje, eu não referendaria a decisão do afastamento do Eduardo Cunha”, afirmou ele a VEJA. A presidente do STF, Cármen Lúcia, que desempatou o julgamento de agora, também voltou atrás. No ano passado, ela foi assertiva com relação à remoção de Cunha da cadeira de deputado e nem mencionou a palavra “aval”: “A imunidade referente ao cargo, e àqueles que o detêm, não pode ser confundida, em nenhum momento, com impunidade ou possibilidade de vir a sê-¬lo”. Já no caso de Aécio, Cármen disse que o STF só pode afastar um parlamentar com o aval do Congresso.

“Acredito que a autoridade do Supremo está em xeque, mas não necessariamente pelo conteúdo da decisão. O problema é que a população acredita, por culpa do próprio STF, que a decisão foi política, e não algo que decorre do direito”, analisa o professor Rubens Glezer, da Fundação Getulio Vargas. “Esse é um resultado da percepção da inconsistência das decisões, que mudam ao sabor da ocasião, e do voluntarismo dos ministros, que agem como bem querem.” Para piorar, o Supremo não é a única instituição a agir segundo os ventos da hora. A Advocacia-Geral da União, assim como a Câmara e o próprio Senado, teve há cerca de um ano um entendimento diferente do que tem agora, sem que as leis tenham sofrido alterações.

Desde que a Primeira Turma afastara Aécio de seu mandato, o Senado e o Supremo estavam em rota de colisão. O ambiente, agora, deve desanuviar. Nesta terça-feira, 17, se tudo correr conforme o combinado, o Senado deve autorizar Aécio Neves a retomar o mandato e, de quebra, ainda aprovará um projeto de lei blindando de vez os parlamentares de medidas como as que chegaram a ser aplicadas contra o senador. Com isso, o teatro jurídico do Supremo terá ajudado a desfazer o clima de confronto entre duas instituições da República. É um saldo positivo, pois o que o Brasil menos precisa ter neste momento é uma crise institucional. Mas também é lamentável que a pacificação só aconteça à custa da credibilidade das instituições.

Entendimentos flexíveis
Em um ano, o Supremo Tribunal Federal, a Advocacia-Geral da União e o Congresso mudaram de opinião sobre a quem cabe afastar deputados e senadores

Decisão do STF
Na quarta-feira 11, o plenário do Supremo decidiu, por 6 votos a 5, que o afastamento de um parlamentar só vale se tiver o aval da casa em que ele cumpre seu mandato, a Câmara ou o Senado.

Em maio de 2016, por unanimidade, o plenário do Supremo suspendeu o mandato do deputado Eduardo Cunha para evitar que ele interferisse nas investigações — e ninguém falou da necessidade de aval da Câmara

Advocacia-Geral da União
Em 6 de outubro deste ano, a AGU, comandada pela ministra Grace Mendonça, sustentou no STF que parlamentares não podem ser alvo de ações como suspensão de mandato, recolhimento noturno e monitoramento com tornozeleira eletrônica. Essa alegação favoreceu Aécio Neves, presidente licenciado do PSDB.

Em junho de 2016, a AGU, representada pela então secretária-geral da área de contencioso, Grace Mendonça, argumentou que o STF podia, sim, afastar um deputado ou senador em exercício do mandato sem o aval do Congresso. Essa tese desfavorecia Eduardo Cunha, então presidente da Câmara

Senado e Câmara
Em pareceres elaborados agora, o Senado e a Câmara alegaram que senadores e deputados não podem ser afastados do seu mandato por decisão judicial, em nenhuma circunstância, pois isso cabe exclusivamente ao Congresso

Em junho de 2016, o Senado e a Câmara enviaram um parecer ao STF defendendo a tese de que a decisão judicial até podia afastar qualquer parlamentar, mas a decisão tinha de ser avalizada pelo plenário da Casa em até 24 horas

Com reportagem de Marcela Mattos





Referências

https://www.oantagonista.com/brasil/governo-temer-esta-destruindo-lava-jato-diz-procurador/
https://www.oantagonista.com/brasil/maos-sujas-congresso/
https://www.oantagonista.com/brasil/a-balela-do-stf/
https://www.oantagonista.com/brasil/resposta-bobagem-dos-politicos-investigados/
https://www.oantagonista.com/brasil/maos-sujas-congresso/
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,nao-ha-na-italia-o-sistema-da-delacao-premiada,70002045111
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,nos-descobrimos-so-uma-parte-do-que-existia,70002044845
https://www.letras.mus.br/nelson-goncalves/588265/
http://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/pais-dos-privilegios.html
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/10/1927164-procurador-da-lava-jato-diz-que-governo-temer-esta-destruindo-a-operacao.shtml
https://paralemdoagora.wordpress.com/2014/12/23/a-parabola-dos-cegos-e-o-elefante/
http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2017/10/teatro-juridico.html#more

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