segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Velórios de antigamente...

...E os imbecis de sempre.

“- Antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos.”

Antes familiares de mortos revoltavam-se quando políticos e cabos eleitorais usavam o entorno do velório para cabalar votos e apoios partidários.

O momento de um voltar para si mesmo em profunda reflexão sobre o sentido da vida era turbado.

E os infratores eram severamente punidos com o voto da indiferença e asco nas urnas eleitorais vindouras.

Não era ainda prática comum o testamento vital para que a vontade do pó voltasse serenamente ao pó.

Os costumes mudam quando não se transformam em práticas opostas.

Até quando o caixão de defunto poderá ser usado como palanque de imbecis?


Frases do Nelson Rodrigues parte 2

         Continuamos com a seleção de frases de Nelson Rodrigues retiradas dos jornais onde escrevia regularmente suas memórias e comentários sobre o que acontecia no mundo.
         Desta vez, num paralelismo com a Rebelião das Massas, de Ortega y Gasset, Nelson se pasma com os rumos que a intelectualidade brasileira assumia no final dos anos 1960 e descobre a figura do idiota.

 O Idiota
- Considero Opinião um nome impróprio e, repito, um nome alienado. Com as técnicas modernas de promoção, o homem cada vez pensa menos. É o jornal, é o rádio, é a televisão, é o anúncio, é o partido que pensa por nós. Nós “achamos” o que os outros “acham”. A “opinião” deixou de ser um ato pessoal. Há sujeitos que nascem, envelhecem e morrem sem ter jamais ousado um raciocínio próprio. Há toda uma massa de frases feitas, de sentimentos feitos, de ódios feitos.
- Em nosso século, o "grande homem" pode ser, ao mesmo tempo, uma boa besta.
- Antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos.
- [Até o século XIX] o idiota era apenas o idiota e como tal se comportava. E o primeiro a saber-se idiota era o próprio idiota. Não tinha ilusões. Julgando-se um inepto nato e hereditário, jamais se atreveu a mover uma palha, ou tirar uma cadeira do lugar. Em 50, 100 ou 200 mil anos, nunca um idiota ousou questionar os valores da vida. Simplesmente, não pensava. Os "melhores" pensavam por ele, sentiam por ele, decidiam por ele. Deve-se a Marx o formidável despertar dos idiotas. Estes descobriram que são em maior número e sentiram a embriaguez da onipotência numérica. E, então, aquele sujeito que, há 500 mil anos, limitava-se a babar na gravata, passou a existir socialmente, economicamente, politicamente, culturalmente etc. houve, em toda parte, a explosão triunfal dos idiotas.
- Outrora, os melhores pensavam pelos idiotas; hoje, os idiotas pensam pelos melhores. Criou-se uma situação realmente trágica: — ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina.
-  “A olho nu, qualquer um percebe a ascensão social, econômica, política do idiota. Outro dia, passou por mim um automóvel das Mil e Uma Noites, sim, um desses Mercedes irreais, com cascata artificial e filhote de jacaré. Lá dentro, ia um idiota flamejante”.
- Os intelectuais? Estes desempenham um apagado e vil papel. Servem os moços com a mais deslavada subserviência. Se existissem carruagens, um cabeludo da PUC, na hora de sair, diria: Mande atrelar um arquiteto, um sociólogo, um romancista, um poeta, um ensaísta e um cineasta.
- Tenho escrito, com obsessiva monotonia, sobre o maior tema da nossa época. Falei, dez vezes, sobre a ascensão do idiota. No passado, eram os melhores que faziam os usos, os costumes, os valores, as idéias, os sentimentos, etc.etc. E que fazia o idiota? Resposta: fazia filhos. Mas vejam o idiota (...) sabia-se idiota e estava ciente da própria inépcia. (...) De repente tudo mudou. Após milênios de passividade abjeta o idiota descobriu a própria superioridade numérica. Multidões jamais concebidas começaram a rosnar. Eram eles, os idiotas. (...) O imbecil que falava baixinho, passou a esbravejar, ele que apenas fazia filhos, deu para pensar. Pela primeira vez o idiota é artista plástico, é cientista, sociólogo, romancista, cineasta, dramaturgo, Prêmio Nobel...
         Em nossa época ninguém faz nada, ninguém é nada, sem o apoio dos cretinos de ambos os sexos. Sem esse apoio o sujeito não existe.  E, para sobreviver, o intelectual, o santo ou o herói precisa fingir-se de idiota.
         Eis o que eu queria dizer: o mundo custou a perceber o óbvio ululante, isto é, que a “jovem revolução” da França foi uma obra de idiotas. (...) Não há nada mais impessoal que o idiota e nada mais idiota do que a unanimidade. Os milhões da França exprimiam apenas a onipotência numérica dos imbecis.
- O que mais espanta em tudo isso é o papel da inteligência. Sim, como age, como reage a inteligência. O homem comum pensa que o intelectual pensa. Ilusão. A inteligência não pensa mais. Vive a lamber as botas dos idiotas como uma cadelinha amestrada. Isso aqui, como lá fora.
- O grande acontecimento do sec. XIX foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota. Até então o idiota era apenas o idiota e como tal se comportava. Os melhores pensavam por ele, sentiam por ele, decidiam por ele. (...) Muitos estranham a violência da nossa época. (...) É o ódio do idiota, sempre humilhado, sempre ofendido, sempre frustrado e que agora reage como toda a potência do seu ressentimento.
- Deve-se a Marx o formidável despertar dos idiotas. Estes descobriram que são em maior número e sentem a embriaguez da onipotência numérica.



Antigamente, o defunto tinha domicílio. Ninguém o vestia às pressas, ninguém o despachava às escondidas. Permanecia em casa, dentro de um ambiente em que até os móveis eram cordiais e solidários. Armava-se a câmara-ardente numa doce sala de jantar ou numa cálida sala de visitas, debaixo dos retratos dos outros mortos. Escancaravam-se todas as portas, todas as janelas; e esta casa iluminada podia sugerir, à distância, a idéia de um aniversário, de um casamento ou de um velório mesmo.

Referência

http://correiochegou.blogspot.com.br/2010/11/frases-do-nelson-rodrigues-parte-2.html
https://pensador.uol.com.br/textos_nelson_rodrigues/

https://issuu.com/renatos.grun/docs/nelson_rodrigues_por_ele_mesmo_-_so

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