Posse justa e posse injusta:
aplicações práticas e teóricas
Matheus
Stamillo Santarelli Zuliani
O
estudo do direito das coisas é realmente um estudo fascinante. Tem o poder de
trazer discussões relevantes e que implicam aplicações práticas na vida dos
seres humanos. Hoje o judiciário vive repleto de várias espécies de ações,
inclusive as que discutem posse e propriedade. É diante dessa realidade que o
nosso diploma privado, no livro III, da parte especial, trata, com muito
cuidado, do direito das coisas.
quinta-feira,
17 de julho de 2008
Posse justa e posse injusta: aplicações práticas e teóricas
Matheus
Stamillo Santarelli Zuliani*
O
estudo do direito das coisas é realmente um estudo fascinante. Tem o poder de
trazer discussões relevantes e que implicam aplicações práticas na vida dos
seres humanos. Hoje o judiciário vive repleto de várias espécies de ações,
inclusive as que discutem posse e propriedade. É diante dessa realidade que o
nosso diploma privado, no livro III, da parte especial, trata, com muito
cuidado, do direito das coisas.
O
Código Civil de 2002 (clique aqui) não
conceituou posse, perdendo, assim, a oportunidade de fazer tal façanha.
Contudo, trouxe, no artigo 1.196, o conceito de possuidor, que assim dispõe:
"considera-se
possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos
poderes da propriedade".
Assim,
a incumbência de definir posse ficou a cargo da doutrina, que, por extração
indireta do dispositivo referido, chegou a definir posse como sendo o exercício
de fato da propriedade. É a aparência da propriedade.
A
posse possui várias classificações, sendo que nos atentaremos para a posse
justa e injusta e a posse ad usucapionem e ad interdicta.
O
conceito de posse justa é trazido pelo Código Civil, de forma negativa. O
artigo 1.200 conceitua posse justa como sendo a posse que não é violenta,
clandestina ou precária. Por essa disposição, chega-se ao conceito de posse
injusta, sendo aquela que é adquirida de forma violenta, clandestina ou
precária. Não obstante, posse justa é aquela desprovida de qualquer vício. Como
ensina Silvio de Salvo Venosa, "a justiça ou a injustiça é conceito de
exame objetivo. Não se confunde com a posse de boa-fé ou de má-fé, que exigem
exame subjetivo". O STJ também já reconheceu esse critério em seus
julgados (Resp 9095/sp 199100046426).
Violência
é o ato pelo qual se toma de alguém, abruptamente, a posse de um objeto. Pode
ainda se manifestar na expulsão do legítimo possuidor. A violência pode ser
física ou moral, pode ser contra a pessoa, ou, ainda, contra a coisa. A posse
só pode ser violenta no início da sua aquisição. Uma posse que se iniciou sem
vícios, não se torna injusta pela sua violência. Quando um possuidor legítimo
reage a uma violência, a posse legítima não se transmuda para ilegítima. A
reação é válida e protegida pela lei, quando se atua de forma moderada.
A
clandestinidade caracteriza-se por atuar às escondidas. A aquisição da posse é
obtida sorrateiramente. Ocorre a precariedade da posse no momento em que o
possuidor se nega a restituir a posse ao proprietário. Há uma quebra de
confiança por parte do possuidor, que passa a ter a posse em nome próprio.
Marcus
Vinicius Rios Gonçalves, em sua obra que esgotou o tema (Dos vícios da posse,
3ª edição – Editora Juarez de Oliveira), critica o Código Civil no momento em
que taxa os vícios da posse nessas três hipóteses. Assevera que: "se o
Código Civil limitasse os vícios da posse àquelas três, chegar-se-ia à
conclusão de que o que esbulhou a céu aberto, sem empregar violência, ou sem
abusar da confiança, não tornou viciosa a posse que adquiriu." Continua o
Ilustre Magistrado Paulista: "melhor seria que o Código Civil Brasileiro
tivesse também optado por uma solução genérica, estabelecendo que a posse é
viciosa sempre que oriunda de esbulho, ou seja, sempre que obtida contra a
vontade do anterior possuidor, por meios ilícitos. Infelizmente, o novo Código
Civil manteve a sistemática antiga, de enumeração dos vícios". O autor
sugere seguir o Código Civil Alemão e o Código Civil Suíço, que adotaram a
forma genérica.
Posse
justa ou injusta?
O
Código Civil, no artigo 1.208, dispõe que não induzem posse os atos de mera
permissão ou tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos
violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a
clandestinidade. Esse artigo merece uma atenção profunda. Qual a diferença em
permissão e tolerância? É preciso ressaltar, antes de dissecar a diferença, que
ambos são baseados na confiança. Dessa feita, a permissão pressupõe um comportamento
positivo, enquanto a tolerância se materializa na omissão. Uma vez quebrada
essa confiança, seja na permissão, seja na tolerância, nasce o vício da
precariedade.
É
certo que, enquanto permanece a violência, ou a clandestinidade, não existe
posse. Há nesse exercício mera detenção. A questão é: que espécie de detenção é
essa? Primeiramente é preciso ressaltar que existem duas espécies de detenção.
Uma delas é aquela trazida pelo Código Civil, no artigo 1.198, em que se
considera detentor aquele que, achando-se em uma relação de dependência para
com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou
instruções suas. Está caracterizada a detenção dependente, podendo ser chamado
também de "fâmulo da posse". Considera-se, também, detenção
dependente aquela derivada de mera permissão ou tolerância. Já aquela detenção
que gerou essa dúvida pertence à outra espécie de detenção, chamada de detenção
autônoma ou interessada. Como bem explicou Francisco Eduardo Loureiro:
"Nota-se
que é autônoma, mas ilícita, ao contrário dos casos de servidão da posse, de
permissão e de tolerância, que são detenções dependentes, mas lícitas".
Pontes
de Miranda (1971, Vol. 10:58) denomina "tença" esse período em que há
detenção com a coisa.
Como
bem explicita o diploma privado, enquanto não cessados os atos de violência e
de clandestinidade, não existe posse. Em relação a esses dois vícios, existe
uma fase de transição em que a detenção transmuda para posse. Em relação à
precariedade, tal transformação não ocorre, pois a evidência é clara, não
havendo desapossamento da coisa. O que se vê, efetivamente, é a alteração do
animus do sujeito que já possuía a coisa consigo. Está-se diante, assim, de um
sujeito que tinha a posse justa e que, tendo em vista a alteração de sua
intenção subjetiva, pela recusa em devolver a coisa, passa a ter posse injusta.
Enquanto os vícios da violência e da clandestinidade se manifestam no momento
da aquisição da posse, o vício da precariedade surge no final dela.
Muito
já se disse na doutrina que o vício da precariedade nunca se convalesce.
Contudo, diante da doutrina mais moderna, tal afirmativa vem ganhando
flexibilização. É certo que a quebra da confiança é um dos vícios mais graves,
por isso sempre foi defensável a impossibilidade da convalidação. Todavia,
diante de um lapso temporal desmedido e da exteriorização de atos que
evidenciem a alteração do animus, mostra-se perfeitamente justificável tal
convalidação. Vitor Frederico Kümpel e Flávio Augusto Monteiro de Barros
defendem essa mitigação.
Somente
depois que cessa a violência, ou seja, o antigo possuidor, diante da ciência do
vício, não mais resiste à violência, ou ainda, quando a posse transmuda das escuras
para o conhecimento público, deixa de existir detenção para nascer posse.
Contudo, diante dessa afirmativa, nasce uma questão tormentosa: essa posse é
justa ou injusta? Para essa indagação, existem três posições, sobre as quais
passaremos a discorrer.
Para
a primeira posição, cessando os atos de violência e de clandestinidade, há a
situação de posse justa. Para Carvalho Santos, a posse passa a ser útil, como
se nunca tivesse sido eivada de tal vício. Esse possuidor adquire a posse para
a usucapião. (J.M Carvalho Santos – Código Civil Brasileiro interpretado - 11ª
edição, vol VII). Diz o doutrinador: "o que quer dizer que desde que a
violência cessou, os atos de posse daí por diante praticados constituirão o
ponto de partida da posse útil, como se nunca tivesse sido eivada de tal
vício".
Uma
outra posição defendida por grandes juristas como Silvio Rodrigues, Maria
Helena Diniz e Flávio Augusto Monteiro de Barros, sustenta que a posse injusta
pode, sim, transformar-se em justa, basta que se passe ano e dia de quando
cessar a violência, ou de quando a posse se tornar pública. Essa posição não
ficou imune às críticas. O lapso temporal de ano e dia é notoriamente
reconhecido para a questão do possuidor mantido na posse sem ter contra ele uma
liminar, devido à contumácia do antigo possuidor, que deixou ultrapassar mais
de ano e dia para bater nas portas do judiciário. Tanto que, mesmo depois de
ano e dia, o proprietário esbulhado pode recuperar a coisa mesmo depois desse
prazo.
A
terceira posição, que parece assistir a razão, é muito bem explanada pelo
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Francisco Eduardo
Loureiro, quando tece seus comentários ao artigo 1.208, do Código Civil
Comentado (editora Manole – ed. 2007, página 1.008):
"Via
de conseqüência, nos exatos termos da segunda parte deste artigo, enquanto
perduram a violência e a clandestinidade, não há posse, mas simples detenção.
No momento em que cessam os mencionados ilícitos, nasce a posse, mas injusta,
porque contaminada de moléstia congênita. Dizendo de outro modo, a posse
injusta, violenta ou clandestina, tem vícios ligados a sua causa ilícita. São
vícios pretéritos, mas que maculam a posse mantendo o estigma da origem. Isso
porque, como acima dito, enquanto persistirem os atos violentos e clandestinos,
nem posse haverá, mas mera detenção."
Já
Flávio Tartuce e José Fernando Simão entendem que a análise da cessação dos
vícios, e possibilidade de convalidação ou não, dever ser feita à luz da função
social da posse, diante de caso a caso. Posição de grande peso, porém, muito
moderna, tendente a angariar muitos adeptos por ser convidativa.
Não
obstante todas as posições acima externadas é preciso acentuar o que se entende
por convalescimento da posse. Tal ato é a passagem da posse injusta para a
posse justa. Assim, de acordo com as posições apresentadas, somente há
convalescimento da posse para os que adotarem a linha do segundo pensamento. Já
para a primeira e para a terceira não existe convalescimento, já que aquela
entende que o vício nunca existiu (e o que nunca existiu não se transforma), e
essa entende que não se transfigura, mantendo o vício que a originou.
Conciliando
tudo o que acima foi dito com o artigo 1.203, do Código Civil, chega-se à
conclusão de que a presunção que o dispositivo legal menciona é relativa.
Diante disso, faz-se prova de que cessaram os atos de violência, e de que a
posse passou a ser pública, e o sujeito, então, quebra a presunção da posse
viciada.
Assim,
uma vez cessada a violência e a clandestinidade, existe posse, seja ela justa
ou injusta, e ambas visam a um ponto comum, qual seja, a usucapião. Diante
disso, indaga-se qual seria realmente a diferença substancial entre elas. A
questão transcende a justiça e injustiça da posse, e passa a envolver a posse
ad interdicta e a posse ad usucapionem. Aquela é a posse que se contenta apenas
em se utilizar dos interditos possessórios, e um dos seus requisitos é a
existência da posse justa. Dessa feita, chega-se ao raciocínio de que a posse
justa é extremamente relevante para a disputa entre possuidores. O titular de
posse justa pode obter a proteção possessória, inclusive contra o proprietário
que lhe deseja esbulhar ou turbar a posse, pois tem a melhor posse. Em rigor, a
posse que não é eivada de vícios possui proteção possessória. Pode até ser que,
posteriormente, ao final da ação, não lhe seja deferida a posse, porém, durante
o trâmite processual, ela será protegida pelo fato de ter melhor posse. Isso
não ocorre com a posse injusta. Diante dessa posse, não lhe será deferida a
proteção possessória quando pleiteada pelo antigo possuidor, pois foi adquirida
irregularmente. Assim, no confronto direto entre esses, a melhor posse é
daquele que foi esbulhado. Contudo, perante terceiros, que não o antigo
possuidor, a proteção possessória será deferida por o atual possuidor ter posse
justa. Tal orientação ressalta a importância da melhor posse, tanto enfatizada
pelo Código Civil de 1916, que, conjugada com a posse justa, garante a
efetivação dos interditos possessórios.
Já
em relação à posse ad usucapionem, caracteriza-se por ser a posse com objetivo
de se adquirir a propriedade pela usucapião. Dessa feita, a posse justa ou
injusta (desde que ambas sejam posse ad usucapionem) se mostra de menor
importância, pois, para a aquisição originária da propriedade por esse
instituto, basta tão somente posse (mansa, pacífica, contínua, ininterrupta,
pública e com intenção de ser dono). Aqui, ambas as posses caminham em estradas
distintas, porém na mesma direção, e, enquanto seguem seus trajetos, vão se
aproximando até chegarem ao mesmo denominador comum, que é a usucapião. Nessa
linha, a posse injusta, que possui seu vício na origem, com a consumação dos
requisitos da usucapião, passa a ser posse justa, pois a prescrição aquisitiva
é modo originário de adquirir a propriedade, sanando qualquer vício que a
acompanhe.
Manoel
Rodrigues, jurista português, defende que a prescrição aquisitiva alcança tanto
a posse justa como a posse clandestina e argumenta com os artigos 487, 524 e
526, do Código Civil de Portugal revogado. Seu raciocínio é o seguinte: se o
esbulhado não reage ao esbulho, omitindo-se quanto ao uso de defesas legais,
inclusive judiciais, o esbulhador adquire a posse, iniciando, a partir daí, o
cômputo da posse ad usucapionem (A posse, Editora Almedina, Coimbra 4º edição,
1996, p.287). No vigente estatuto, a situação não muda (artigo 1.297),
afirmando Oliveira Ascenção (sobre a posse prescricional) que "se a posse
tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos de
usucapião só começam a contar desde que cesse a violência ou a posse se torne
pública" (Direitos Reais, Coimbra Editora, 5º edição, 1993, p. 299)
Diante
da exposição, deve-se dar uma atenção especial para dois requisitos da
usucapião: posse pacífica e pública. Pode-se chegar à conclusão equivocada de
que a posse violenta ou clandestina não se harmoniza com a posse pública e
pacífica. A questão é que tais vícios estão presentes no momento da aquisição
da posse, e, depois que cessam a violência e a clandestinidade, ela passa a
existir, e começa correr o tempo para a usucapião. Durante esse prazo, é que
não pode haver violência, pois, caso contrário, a posse deixa de ser pacífica.
Marcus Vinicius Rios Gonçalves explica bem:
"Na
verdade a pacificidade, tida como cessação da violência, é requisito da posse.
De sorte que, nesse sentido, a expressão posse pacífica é redundante,
porquanto, não sendo pacífica, isto é, não havendo cessação da violência, não
haverá posse, mas mera detenção. Destarte, o único sentido útil que se pode dar
à expressão posse pacífica é o daquela em cujo decurso não há emprego da
violência."
Com
tudo isso, tecendo minúcias sobre esse tema extremamente teórico, chega-se a
clarear a aplicação dos institutos da posse, não restando qualquer dúvida
acerca da sua justiça ou injustiça.
A
discussão de posse e domínio muitas vezes envolve propriedades imensuráveis,
que foram adquiridas com o fruto de muito esforço e dedicação. Às vezes,
trata-se de uma pequena casinha, mas que tem uma grande importância, e que se
levou uma vida inteira para adquirir e, em um piscar de olhos, tudo se pôde
perder. É diante dessa realidade social que assola os brasileiros, que os
Juízes devem dar especial atenção para esses institutos, refletindo sobre eles
e dedicando-se ao estudo da posse e propriedade e suas aplicações práticas e
teóricas. Só dessa maneira é que se pode restaurar a esperança dos cidadãos no
judiciário.
__________
Referências Bibliográficas
Barros,
Flávio Augusto Monteiro de. Manual de Direito Civil. Editora Método, 2006, vol.
3
Carvalho
Santos, J. M. de. Código Civil Brasileiro interpretado. Livraria Freitas
Bastos, 1934, Vol. VII
Diniz,
Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Editora Saraiva, 2004, Vol. 4
Gonçalves,
Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Editora Saraiva, 2007, Vol. V
Gonçalves,
Marcus Vinicius Rios. Dos vícios da posse. Editora Juarez de Oliveira.
Loureiro,
Francisco Eduardo. Código Civil comentado, doutrina e jurisprudência.
Coordenador Ministro Cesar Peluso. Editora Manole, 2007.
Rizzardo,
Arnaldo. Direito das coisas. Editora Forense, 2006.
Rodrigues,
Silvio. Direito Civil. Editora Saraiva, 2002, Vol 5.
Tartuce,
Flávio; Simão, José Fernando. Direito Civil, Série Concursos Públicos, Vol. 4.
Editora Método.
Venosa,
Sílvio de Salvo. Direito Civil. Editora Atlas, 2003, Vol V.
Kümpel,
Vitor Frederico. Direito Civil 4 – coleção Curso e Concurso. Editora Saraiva
____________
*Advogado,
professor-assistente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus
DAVID
MARTINS MENDONÇA
CONVALESCIMENTO DA POSSE PRECÁRIA: o
ordenamento jurídico brasileiro e a confusão terminológica no estudo da posse
BRASÍLIA
2014
CONVALESCIMENTO DA POSSE PRECÁRIA:
o ordenamento jurídico brasileiro e a confusão terminológica no estudo da posse
Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito para obtenção do grau
de bacharel em Direito no Centro Universitário de Brasília.
Orientador:
Prof. Luís Antônio Winckler Annes.
BRASÍLIA
2014
AGRADECIMENTO
Sou grato, primeiramente, a Deus que é bom em todo tempo. Tudo que eu tenho de
bom vem Dele. Agradeço aos que amo, meus pais, minha família, em especial à
minha avó, Maria Aparecida Martins Mendonça. Agradeço ao meu orientador, Prof.
Luís Antônio Winckler Annes, pela seriedade e excelência; aos professores Rogério
Araújo, por ter indicado, generosamente, todos os textos base deste trabalho; e
João Paulo de Farias Santos, por ter me inspirado a escrever sobre tema de suas
aulas, brilhantemente lecionadas.
Santo,
Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos; toda terra está cheia de sua glória.
Isaías 6.3b
RESUMO
Este trabalho busca analisar a possibilidade de convalescimento da posse
precária no ordenamento jurídico brasileiro, através da exposição das confusões
conceituais e terminológicas que envolvem a posse, a detenção, a interversão
possessória e o convalescimento. Cuida-se de um trabalho de conclusão do Curso
de Direito. Aborda-se a origem da confusão terminológica, através de
referências às teorias romanistas que se debruçaram sobre as concepções
objetiva e subjetiva da posse. Este trabalho veicula ponderação sobre os
reflexos das divergências terminológicas e conceituais apontadas, em
perspectiva do Direito Civil Constitucional.
PALAVRAS-CHAVE:
Direito Civil. Posse. Caráter da posse. Precariedade. Posse precária.
Interversão possessória. Convalescimento. Terminologia. Confusão Terminológica.
ABSTRACT
This paper seeks to examine the possibility of curing precarious possession in
the Brazilian legal system, through the exhibition of conceptual and
terminological confusion surrounding possession, possessory amendment and
scrambling possession cure. This is a final paper Law Course. Discusses the
origin of terminological confusion, through references to Romanists theories
that have addressed objective and subjective conceptions of possession. This
work conveys observations about the repercussion of terminological and
conceptual differences, identified in a Constitutional perspective of Civil
Law.
KEYWORDS:
Civil Law. Possession. Character of possession. Precariousness. Precarious
possession. Possessory Amendment. Cure. Terminology. Terminological confusion.
SUMÁRIO
1INTRODUÇÃO..................................................................................................................................
7
2 A CONFUSÃO TERMINOLÓGICA E
CONCEITUAL NO TRATAMENTO DA POSSE PELA DOUTRINA
BRASILEIRA....................................................................................................
10
2.1 Origem: as teorias romanistas
da posse no ordenamento jurídico brasileiro ......................... 11
2.2 A interversão possessória e o
convalescimento...........................................................................
17
2.2.1 O caráter da posse: definição
e modalidades................................................................................
19
2.2.2 O Convalescimento da posse
violenta e da posse clandestina
..................................................... 23
3 POSSIBILIDADE DE CONVALESCIMENTO
DA POSSE PRECÁRIA. DETENÇÃO E POSSE PRECÁRIA............................................................................................................................
26
3.1 Posse precária e atos de mera
permissão ou tolerância
................................................................... 36
3.2 Posse precária e detenção
subordinada
...........................................................................................
40
3.3 A regra de interversão do
artigo 1.208 do Código Civil
................................................................. 41
3.4 Posse de força velha e
convalescimento..........................................................................................
42
4 REFLEXOS NA JURISPRUDÊNCIA
PÁTRIA...........................................................................
45
4.1 Justiça e boa-fé: incidência
das teorias objetiva e
subjetiva............................................................ 45
4.2 A constitucionalização do
Direito Civil: necessidade de uma visão pragmática ............................
54
5 CONCLUSÃO ..................................................................................................................................
57
REFERÊNCIAS
..................................................................................................................................
60
1 INTRODUÇÃO
Não basta simplesmente começar a tratar da possibilidade de convalescimento da
posse precária pela análise das posições doutrinárias. Há um óbice, na doutrina
brasileira, em relação ao estudo das relações possessórias, que é anterior e
mais profundo do que se supõe de meras divergências. O problema é, por todos os
renomados doutrinadores, reconhecido como uma grave dissonância terminológica
incidente sobre matéria de maior dificuldade no Direito Civil: a posse. O
problema terminológico no estudo da posse está consolidado desde antes do
nascimento do ordenamento jurídico brasileiro. As doutrinas que observaram as
concepções romanas das relações sobre posse apresentam divergências entre si.
Os próprios textos, com as fórmulas pretorianas, retirados da compilação
promovida pelo imperador Justiniano, do Corpus Iuris Civilis, apresentavam
mesmos termos em latim, ou em grego, com significado muito diferente de acordo
com a época histórica em que foram escritos. Diga-se, a propósito, que foram
objeto de compilação no Império Romano uma série de documentos de datas
distantes umas das outras, abrangendo toda Idade Média. O Direito Civil
Brasileiro, especialmente influenciado pelas doutrinas romanistas, mais que
muitos outros países, herdou a complexidade e a confusão das fórmulas romanas
de vasto período histórico, interpretadas muito depois, por glosadores e
estudiosos que buscavam formular teorias. A percepção dos doutrinadores e dos
profissionais de Direito é alvo dessa confusão terminológica, havendo
dificuldades sobre qual teoria romanista guia o ordenamento jurídico civil
brasileiro, ou quais teorias incidem sobre determinadas partes do ordenamento.
O entendimento de como ocorrem as transformações, os processos de mudança nas
relações sobre posse está afetado também, ou seja, há divergência conceitual
sobre a mudança do caráter da posse. A divergência é notória sobre os termos
essenciais para o estudo da posse. Tudo é objeto de dissenso em matéria de
posse. Várias observações são contrárias sobre a detenção em relação à posse;
sobre as formas de detenção em relação à posse precária; sobre o fenômeno de
convalescimento em face de interversão possessória; entre outras construções
que se formaram em paralelo.
A
jurisprudência acenou, mesmo com toda essa turbulência conceitual, para
formação de um procedimento padrão quando os tribunais se deparam com pedidos
de usucapião em casos que envolvam o que se entendeu por posse precária.
Consideradas todas as encruzilhadas na doutrina sobre o tema, e que, a
jurisprudência apoiou-se nessa base, é impressionante que o judiciário tenha
adotado um mesmo pensamento, ao final, para proceder nos casos que pedem
solução de convalescimento da posse viciada. A análise do ordenamento jurídico
pátrio, o confronto entre doutrinas divergentes paradigmas e a demonstração do
caminho trilhado pela jurisprudência compõem a metodologia dessa monografia. No
primeiro capítulo, busca-se o entendimento da origem da confusão terminológica
nas teorias romanistas objetiva e subjetiva sobre a posse. A própria fonte de
estudo dessas teorias - o Corpus Iuris Civilis - é divergente em relação aos
termos empregados: as mesmas expressões, com significados diferentes a depender
do tempo do documento objeto da compilação. Nesse contexto, procura-se mostrar
que mudança do caráter da posse não significa, necessariamente,
convalescimento: interversão possessória não é o mesmo que convalescimento da
viciosidade. A partir desse passo, procura-se demonstrar o conceito dos vícios
possessórios expressos no ordenamento jurídico: a violência (vis), a
clandestinidade (clam) e, por fim, a própria precariedade (precarium). Este
último vício traz a necessidade de ser objeto de capítulo próprio, por ser
muito mais complexo e alvo de maiores polêmicas doutrinárias. A partir da
conceituação dos vícios, a posse marcada pela precariedade é dissociada de
formas de detenção elencadas pela lei. Assim, o esforço do trabalho
concentrou-se em expor as diferenças de detenção e de posse precária nos
limites da detenção dos fâmulos, da detenção existente enquanto perdura o ato
de violência e o de clandestinidade, bem como da detenção advinda dos atos de
mera permissão ou tolerância, que, não se confundem com a precariedade. Por
fim, expõe-se o lidar da jurisprudência com os conceitos que envolvem o estudo
do convalescimento da posse, através de casos envolvendo ações de usucapião
pelo convalescimento da posse precária. A perspectiva dessa análise não pode se
esquivar de reconhecer o fenômeno da constitucionalização do Direito Civil como
perspectiva imperativa do ordenamento jurídico.
A
perspectiva nesse procedimento deve ser a que se pauta pela
constitucionalização do Direito Civil, fenômeno que faz pensar a solução para o
convalescimento da posse precária. Surge desse contexto a questão: mesmo com
tantos problemas terminológicos, com a instalada confusão doutrinária,
atingiu-se o objetivo almejado pela Constituição na função social da
propriedade?
5 CONCLUSÃO
Todos os autores de textos dedicados ao estudo da posse citados nesse trabalho
reconhecem o que aqui, como alguns, designamos confusão terminológica. A
confusão tem proporções tamanhas nas doutrinas a respeito de posse, que quase
todos os temas tratados na abordagem da relação possessória são controversos. A
confusão instalada começa desde as definições de posse nas teorias clássicas
romanistas e alcança as possibilidades de transição do caráter da posse. As
principais teorias romanistas, a objetiva e a subjetiva, em seu início, já
deflagram a bola de neve hoje armada, porque se referiram a termos retirados de
documentos compilados em janela temporal amplíssima, de toda a história romana
desde a idade média. A confusão terminológica é um problema que, se ignorado,
obstaculiza a formação de novos estudos, por tornar mais difícil a pesquisa e
própria produção literária. Não só isso, o dissenso atinge a interpretação
normativa que se utiliza dos termos tratados na doutrina possessória. Os
reflexos da confusão terminológica também atingem a jurisprudência que
largamente se vale de expressões advindas do Direito Romano para distinguir
tipos de posse e a detenção. Os próprios elementos formadores da posse não têm
conceituação precisa, nem para a teoria subjetiva, nem para objetiva, de onde
pode se extrair que, a depender do ponto de vista adotado, animus domini é o
mesmo que animus rem sibi habendi. Tantos são os instrumentos normativos que
remetem ao caráter da posse. A própria interversão possessória remete ao
instituto. Também o princípio da continuidade do caráter da posse e o
convalescimento dependem da definição de caráter da posse para serem
compreendidos. A confusão terminológica, no entanto, atinge essa figura, o que
decorre da necessidade de se separar causa possessionis, título da posse e
caráter, ou trata-los, como alguns, de uma só coisa. Importante, nesse ponto, é
que a intervertio possessionis remete à causa e ao caráter, da mesma forma o
princípio da continuidade do caráter da posse remete tanto à caráter quanto à
causa, ou ainda, substituindo os dois termos, o título da posse. A causa
possessionis é verificada na origem da formação da posse, referindo-se à uma
forma de aquisição da posse.
Outra
lacuna fechada é a de que detenção não se confunde com posse precária. A
confusão neste ponto é tamanha que, das cinco formas exploradas de detenção
(detenção típica dos atos de violência e clandestinidade, enquanto não
cessarem; detenção advinda de mera permissão; detenção por tolerância; detenção
dos fâmulos da posse e detenção por não haver relevância jurídica na relação à respeito
da coisa); todas se confundem com posse precária a depender do doutrinador
analisado. A confusão maior é a do argumento de que a posse precária não
convalesce por ser tolerância, ou por ser permissão, ou ainda por não ser
citada na regra do artigo 1.208 do Código Civil. Isso também resolvemos, com
apoio da melhor doutrina, da mais atenta. Em todos esses casos a solução teve
base no manejo e entendimento maduros do conceito sofisticado de posse
precária, que nasce numa relação de fidúcia gerada do desdobramento da posse,
em quebra dessa mesma confiança pela mudança na causa possessória, de possuidor
inicialmente justo e direto para possuidor em nome próprio. A interversão
possessória, no caso da posse precária, não muda uma detenção (como ocorre com as
posses violenta e precária) em posse injusta, mas muda uma posse justa em
injusta, sem ponto intermediário de detenção. Ainda se solucionou outro ranço
doutrinário, de que, para o atual ordenamento jurídico, o prazo processual de
ano e dia representa lapso capaz de purgar o vício da posse violenta e da posse
clandestina, mas não o da posse precária. O que não faz sentido, porque o prazo
de ano e dia apenas autoriza a proteção de procedimento especial e, conforme a
instrução da petição inicial, a concessão initio litis e inaudita altera pars
da liminar. Por fim, com base na constitucionalidade do Direito Civil,
finalizamos a análise com a seleção de sete acórdãos modelos, de tribunais de
quatro grandes estados brasileiros, além do Distrito Federal. Não só os
acórdãos foram escolhidos como paradigmas das decisões para os semelhantes
casos nos Tribunais de Justiça de todo País, mas também um artigo de um
magistrado preocupado com o mesmo objeto deste trabalho de conclusão de curso.
Findada a análise de todas as divergências que configuram a problemática, está
claro que, se visto seriamente, como o fez Pontes de Miranda, o ordenamento
jurídico permite que a posse precária convalesça. Isso porque a posse precária
é uma posse injusta como as posses violenta e clandestina, com singular
nascimento, que não retira sua condição de posse injusta. Sendo a posse
precária posse injusta; e por não haver regra que impeça seu convalescimento
(não o faz o artigo 1.208, provou-se); o mesmo que ocorre às posses clandestina
e violenta –
que
podem convalescer, mesmo sem alteração da relação por acordo, se passado o
prazo e cumpridos os demais requisitos para ocorrência de usucapião - deve
ocorrer com a posse precária. A análise jurisprudencial revelou, entretanto, a
confusão em utilizar a perspectiva objetiva para interpretar o fenômeno da
viciosidade da posse. A análise subjetiva é necessária nas ações de usucapião,
porque, muitas vezes, a modalidade de prescrição aquisitiva depende de
averiguação da boa-fé, que, como vimos, é de construção subjetiva. Isso não
quer dizer que a análise da viciosidade possa se dar por qualquer critério
subjetivo, quando essa verificação deveria ser inteiramente objetiva, da mesma
forma que se construiu o ordenamento jurídico brasileiro. Mesmo assim, o
caminho errado e tortuoso já profundamente instalado na doutrina, que tornou
verdade uma teoria sem bases firmes - em que a posse se mistura à detenção e é
verificada por critérios subjetivos - acabou encontrando forma de melhor
garantir a eficiência do princípio da função social da propriedade. Mesmo com
tantos problemas, estabeleceu-se forma de posse precária, que seja transmudada
por atos exteriores inequívocos de mudança do animus (não mais da causa).
Assim, acabou-se por consagrar outra exceção à incidência da teoria objetiva de
Jhering, no que concerne à formação da posse, além da aferição da boa-fé. A
posse precária passou a ser posse desprovida de animus domini, como a detenção
de Savigny.
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USUCAPIÃO O significado do Justo
Título
02/07/2014
por Nelson Rosenvald
NELSON
ROSENVALD
Procurador
de Justiça do MP/MG.
Pós-Doutor
em Direito Civil pela Universidade Roma-Tré
(IT).
Doutor e mestre em Direito Civil pela PUC-SP.
Justo
título é o instrumento que conduz um possuidor a iludir-se por acreditar que
ele lhe outorga a condição de proprietário. Trata-se de um título que, em tese,
apresenta-se como instrumento formalmente idôneo a transferir a propriedade,
malgrado apresente algum defeito que impeça a sua aquisição. Em outras
palavras, é o ato translativo inapto a transferir a propriedade por padecer de
um vício de natureza formal ou substancial.
Em
nosso ordenamento civil, o justo título recebe duplo significado: (a) no art.
1.201 do Código Civil, a expressão colhe acepção ampla, significando qualquer
causa que justifique uma posse; (b) no art. 1.242, o justo título é
interpretado restritivamente como um título apto em tese para transferir
propriedade e outros direitos reais usucapíveis. O sentido amplo do justo
título para fins de posse é extraído ainda do Enunciado nº 303 do Conselho de
Justiça Federal: “Considera-se justo título para presunção relativa da boa-fé
do possuidor o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse,
esteja ou não materializado em instrumento público ou particular. Compreensão
na perspectiva da função social da posse”.
No
sistema brasileiro, a transferência da propriedade demanda que sejam feridos os
três planos do negócio jurídico: existência, validade e eficácia. Não sendo
satisfeita uma das três esferas, inexiste transmissão de propriedade, pois nada
se adquire quando não se aliena.
O
justo título pode se concretizar em uma escritura de compra e venda, formal de
partilha, carta de arrematação, enfim, um instrumento extrinsecamente adequado
à aquisição do bem por modo derivado. Importa que contenha aparência de
legítimo e válido, com potencialidade de transferir direito real, a ponto de induzir
qualquer pessoa normalmente cautelosa a incidir em equívoco sobre a sua real
situação jurídica perante a coisa.
Releva
perceber a atuação do tempo sobre o justo título, pois o transcurso do prazo de
usucapião poderá expurgar o vício originário. Se o possuidor mantiver a posse
ininterrupta pelo prazo variável de cinco a dez anos, com boa-fé, o tempo
encarregar-se-á de sanar os defeitos originários do justo título, convertendo-o
em um título justo para afirmar a nova propriedade.
O
justo título dispensa a formalidade do registro para fins de usucapião. Nesse
diapasão, foi editado o Enunciado nº 86 da Jornada de Direito Civil promovida
pelo Conselho de Justiça Federal: “A expressão justo título, contida nos arts.
1.242 e 1.260 do CC, abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a
transferir a propriedade, independentemente do registro”. Dessa forma, há de se
admitir a promessa ou compromisso de compra e venda como justo título apto a
gerar usucapião, mesmo que desprovido de registro.
É
de se anotar que a Súmula 84 do mesmo STJ preceitua ser “admissível a
oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de
compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”. Daí
se extrai que, se a posse imobiliária no Brasil não é objeto de registro no
RGI, a falta desse ato prejudicará o interessado em lides petitórias, mas não
será obstáculo para a oposição de embargos de terceiro ou ajuizamento de
usucapião, eis que em ambos o objeto da demanda será uma questão puramente
possessória.
Sabemos
que o registro do justo título é dispensado para fins de êxito em uma ação de
usucapião ordinária. Todavia, essa assertiva recebe críticas. Parte da doutrina
considera que o possuidor que não levou seu título ao registro imobiliário não
poderá incidir em erro quanto à situação de proprietário. Destarte, não poderia
existir boa-fé – falsa convicção de dono – com aquele que possui um título que
sequer sofreu avaliação positiva ou negativa por parte do registrador.
Contudo,
parece-nos que, se o possuidor efetivamente registra o justo título, já será
proprietário e não necessitará da usucapião a posteriori, a fim de obter uma
espécie de ratificação de uma titularidade já existente. Seria carecedor de
ação por ausência de interesse de agir, ao ingressar com a ação de usucapião,
por evidente superfetação, eis que as posições de autor e réu confundir-se-iam
na relação processual (pois o proprietário é o legitimado passivo). Essa é a
posição de Orlando Gomes, que vê no justo título meramente um título que possui
a faculdade abstrata de transferir a propriedade.
Dirimindo
o conflito de posicionamentos, o Código Civil soluciona o imbróglio no art.
1.242, ao admitir a convivência harmoniosa entre ambas as formas de justo
título. Depreende-se da leitura do caput que, se o possuidor não registrou o
justo título, a sua usucapião será alcançada em dez anos, contentando-se com a
demonstração do título hábil.
Todavia,
cumpridos três requisitos cumulativos do parágrafo único do art. 1.242, o prazo
será reduzido pela metade, exigindo-se apenas cinco anos de posse ad usucapionem.
Quais sejam: (a) justo título de caráter oneroso, isto é, aquisição do imóvel
mediante compra e venda ou dação em pagamento. Sendo o justo título uma doação
ou formal de partilha, o prazo volve ao caput do artigo, ou seja, dez anos; (b)
ter sido o justo título objeto de registro pelo usucapiente, porém cancelado
pelo atual proprietário posteriormente ao prazo de cinco anos de posse titulada
com registro pelo usucapiente, pois, se o cancelamento se der antes do lustro,
interrompe-se a contagem da usucapião. Por outro lado, se não houvesse o
cancelamento do título registrado, o usucapiente já seria proprietário pelo
modo de aquisição derivada do registro, sendo carecedor de ação de usucapião;
(c) além do justo título oneroso e registrado, acrescido à boa-fé, o
usucapiente provará o exercício da posse qualificada pela função social, seja
pela moradia estabelecida sobre o imóvel ou pela realização de investimentos de
interesse social e econômico. No que tange à moradia ou efetivação de
investimentos no bem imóvel, cuidam-se de dois requisitos alternativos – e não
cumulativos – que serão aferidos pelo magistrado por todo o lapso aquisitivo.
Aliás,
se o cancelamento decorre de negócio jurídico nulo ou anulável, incide a regra.
Da mesma maneira, se o cancelamento resulta de qualquer erro formal do registro
de imóvel, ou se a escritura é falsificada – e porventura, o negócio é
inexistente –, há possibilidade de aplicação do dispositivo e a usucapião
aperfeiçoa-se em cinco anos.
Não
há motivo de preocupação quanto a qualquer colisão da usucapião ordinária de
cinco anos com as espécies de usucapião especial urbana e rural (arts. 183 e
191 da CF). Apesar da coincidência temporal quanto ao lustro legal e da
imposição comum de função social à propriedade, os demais requisitos são
diferenciados. Se, por um lado, a usucapião constitucional é facilitada pela
dispensa do justo título e boa-fé, por outro ângulo é restringida pela
limitação de área máxima dos imóveis (250 m² ou 50 h) e pela exigência de o
possuidor não ser proprietário de outro imóvel ou não poder ver o seu direito
reconhecido mais de uma vez – restrições estas não apreciáveis na usucapião
ordinária.
Três
são as modalidades mais comuns de vícios formais e substanciais que podem
converter um ato jurídico defeituoso em justo título para aquisição pela
usucapião.
a) Venda a non domino
O
transmitente não é dono da coisa, mas o adquirente está na convicção de que
trata com o proprietário, pois o título é instrumentalmente perfeito e seria
capaz de iludir qualquer pessoa naquela situação. Em princípio, não há
transmissão de propriedade, prevalecendo a máxima nemo plus iuris – ninguém
pode dispor de mais direitos do que tem. Daí a importância do tempo na
erradicação do que em princípio seria até mesmo vício de inexistência do
negócio jurídico em face do verdadeiro proprietário.
Daí
a exigência quanto à real existência do título transmissivo formalizado. Não se
pode cogitar de um justo título putativo, pois aquele que se julga
proprietário, com base em uma situação de aparência, apenas terá acesso à
usucapião extraordinária.
Imagine-se
a situação de A, que adquire um imóvel de B, em uma venda a non domino, pois o
verdadeiro proprietário do imóvel era C, pessoa que não prestou o seu
consentimento à suposta aquisição. Bastará ao real proprietário o ajuizamento
de uma ação declaratória para obter o cancelamento de eventual registro, a fim
de ser destruída a sua aparência, eis que só é possível invalidar aquilo que
exista. Mesmo que ocorram sucessivas transmissões do mesmo bem, o fato de a
primeira venda ser a non domino acarreta um vício de origem que não impede que
o proprietário possa buscar a coisa contra o titular atual, mesmo que não tenha
dado início à cadeia sucessória.
Para
o proprietário o negócio realizado entre terceiros é res inter alios acta.
Sendo negócio inexistente para o proprietário, não fica ele vinculado nem
comprometido pelo negócio jurídico do qual não participou e que na maioria dos
casos nasceu de uma falsificação de escrituras e utilização de documentos
adulterados.
Mesmo
tendo o adquirente a non domino efetuado o registro do título, tal condição não
impedirá que o verdadeiro proprietário reivindique a coisa, pois não se adotou
aqui o sistema da fé pública – como no direito alemão. Todavia, aquele que
confiou na aparência de legalidade e segurança do registro apenas merecerá
proteção residual e mediata, através da aquisição pela usucapião ordinária do
parágrafo único do art. 1.242 do Código Civil.
b) Título com vício que
gera invalidade
O
transmitente é o verdadeiro proprietário do bem, mas o ato jurídico é eivado de
vício passível de invalidação por nulidade ou anulabilidade.
Nesses
casos, o título de aquisição se formou com a participação do verdadeiro dono. O
negócio jurídico atende ao plano de existência, mas padece de vício que
acarreta a nulidade ou a anulabilidade. Exemplificando, imóvel alienado por um
dos cônjuges que omite sua condição de casado ao adquirente, ou do
relativamente capaz que transfere propriedade, sonegando sua condição de menor
púbere. Nos dois casos, se o cônjuge prejudicado ou o assistente do menor não
ajuizarem ação anulatória no prazo decadencial, os vícios cederão por
confirmação tácita ao ato (art. 178, CC).
Aliás,
mesmo sendo absoluto o vício contido no título, a ponto de o defeito do negócio
jurídico gerar nulidade por ofensa à norma de ordem pública, poderá este ser
considerado justo título e alicerçar o pleito da usucapião ordinária, caso
preenchidos os requisitos formais. Em princípio, dispõe o art. 1.268, § 2º, do
Código Civil, que “não transfere a propriedade a tradição, quando tiver por
título um negócio jurídico nulo”. Se a transferência não se opera
imediatamente, será possível a sanação mediata do vício pela via da usucapião.
Embora
o ato seja nulo por defeito de forma (art. 166, IV, do CC), poderá o vício ser
sanado com a usucapião ordinária caso não existam outros fatores de invalidade
do título. Exemplificando: se A adquire o imóvel de B, mediante instrumento
particular, quando o ato demandava a solenidade da escritura pública, poderá,
após o período de dez anos, tornar-se proprietário.
Atualmente,
é possível afirmar que o negócio jurídico poderá ser consolidado pelo decurso
do tempo, pois nenhum direito poderá sobreviver à inércia de seu titular
indefinidamente. Essa situação de indefinição estimularia a quebra da paz
social e a ofensa ao princípio da segurança jurídica – considerada como a
estabilidade social das relações jurídicas. Vale a lembrança de que, em
conformidade com o art. 205 do Código Civil, o prazo máximo de prescrição será
de dez anos. Assim, mesmo um título originariamente nulo, poderá ser convertido
em propriedade, mediante o fator tempo.
c) Título que não
atende ao plano de eficácia
Por
derradeiro, há casos em que o negócio jurídico atende aos planos de existência
e validade, porém, apesar de a alienação ter sido realizada pelo verdadeiro
proprietário, sem qualquer causa de nulidade ou de anulabilidade, há algum
fator de eficácia que deixou de ser atendido.
Em
suma, o justo título poderá emanar de uma dessas três situações, sempre sendo
aferido pelo magistrado conforme as circunstâncias do caso.
Presentemente,
já se tem aceitado a promessa de compra e venda como justo título quando o
promissário comprador tiver quitado todas as prestações do negócio jurídico,
sendo insuficiente o mero pagamento do sinal ou de algumas parcelas.
De
fato, se o promissário comprador integralizou o pagamento, culminou por
adquirir o domínio, nada sobejando dos poderes dominiais com o promitente
vendedor, que apenas conta com a formalidade da certidão de titularidade da
propriedade.
Caso
a promessa de compra e venda, além de quitada, tenha sido registrada pelo
promissário comprador no RGI, o prazo para a usucapião ordinária será de apenas
cinco anos, na forma do art. 1.242, parágrafo único, do Código Civil. Com
efeito, muitas vezes será bem mais prático ao promissário comprador recorrer a
essa pretensão do que ajuizar ação de adjudicação compulsória em face de
herdeiros do promitente vendedor.
Complementando
a explanação sobre esse árduo e fascinante tema, não se descure que o justo
título deve caracterizar o imóvel de forma cristalina (venda ad mensuram), pois
a equivocada convicção de dono do possuidor limita-se rigorosamente à área e à
metragem descritas no instrumento que possui. Caso contrário, ele,
ardilosamente, poderia prevalecer-se de posse sobre área superior à titulada e
requerer usucapião ordinária sobre as medidas da escritura, além do excesso.
Sobre essa área a maior poderá eventualmente ajuizar usucapião extraordinária.
Em suma, se o justo título não abranger a área retificanda, não poderá sobre
ela ensejar usucapião ordinária.
Também
não o auxilia eventual alegação de compra ad corpus, pois, mesmo sem exatidão
de dimensões, o imóvel vendido deverá ser designado por limites certos, daí só
podendo haver usucapião dentro daquelas divisas exatas. A ação de retificação
de registro será manuseada, sem recurso à via contenciosa, quando o título não
exprimir a verdade, desde que respeitadas a descrição e a confrontação do
imóvel.
Mesmo
não tendo o possuidor alcançado a usucapião, a simples constatação do justo
título – conjugada à boa-fé – faculta-lhe o direito de indenização e retenção
por benfeitorias (art. 1.219 do CC), além da apropriação de todos os frutos
percebidos na constância da boa-fé (art. 1.214 do CC).
Valer-se-á
ainda o possuidor com justo título, que perdeu o domínio em face do
reivindicante, do direito à evicção contra o alienante que o resguardou no ato
da alienação, perante terceiros, pelo eventual sacrifício da propriedade (art.
447 do CC). Postulará o evicto o valor atual do imóvel (as acessões posteriores
serão reclamadas do reivindicante) e os demais prejuízos resultantes da perda
da coisa, como despesas contratuais, custas judiciais, encargos de sucumbência
da lide reivindicatória e juros moratórios.
Mas
o justo título isoladamente não conduz à usucapião ordinária. Em todo o
transcurso do prazo aquisitivo, necessariamente contará o possuidor com a
boa-fé.
Boa-fé
é o estado subjetivo de ignorância do possuidor quanto ao vício ou obstáculo
que lhe impede a aquisição da coisa (art. 1.201 do CC). Para fins de usucapião,
resulta na convicção de que o bem possuído lhe pertence. Ao adquirir a coisa,
falsamente supôs ser o proprietário.
A
boa-fé, portanto, é mais que o animus domini. Enquanto a maior parte dos
possuidores detém intenção de dono – mas sabem que não o são –, o possuidor com
boa-fé incide em estado de erro, que gera nele a falsa percepção de ser o
titular da propriedade. A boa-fé também é chamada de opinio domini, pois o
possuidor literalmente tem a opinião de dono. De forma lúdica, a mesma
diferença entre animus domini e boa-fé é vista no comportamento do neurótico e
do psicótico: o primeiro busca a coisa para si obsessivamente; já o segundo
acredita piamente que ela já lhe pertence.
Sendo
o estado psicológico de boa-fé conservado pelo prazo de cinco ou dez anos, o
possuidor obterá a usucapião ordinária. Ao revés, o possuidor apenas dotado de
animus domini terá de aguardar prazo mais elástico da modalidade
extraordinária.
Definitivamente,
só poderá alegar boa-fé para fins de usucapião o possuidor municiado de um
justo título. Esse é o elemento objetivo que presume a convicção de dono do
possuidor, consoante o exposto no parágrafo único do art. 1.201 do Código
Civil. Há a possibilidade de haver justo título sem boa-fé; basta pensarmos no
possuidor que em determinado instante toma ciência dos vícios da posse. Porém,
para fins de redução do prazo da usucapião, uma coisa não pode prescindir da
outra.
Por
isso, com rara felicidade, Caio Mário conceitua a boa-fé como a “integração
ética do justo título”, pois reside na convicção do possuidor de que o fenômeno
jurídico gerou a transmissão da propriedade.
Essa
presunção é de caráter apenas juris tantum, pois existem casos em que o
detentor do justo título conhece a origem viciosa ou os defeitos da posse, fato
que acarretará sua má-fé, independentemente de qualquer conduta a ser adotada
na via judicial pelo retomante. De qualquer forma, exibido o justo título, fica
dispensado o possuidor de provar a boa-fé, cabendo à parte contrária realizar a
prova da má-fé do usucapiente.
Quando
a boa-fé for constituída desde os primórdios da posse, caberá àquele que
pretende opor-se a ela ajuizar a competente ação possessória ou petitória para
converter a boa-fé em má-fé, a contar do momento da citação (art. 1.202, CC). É
nessa fase de convocação à lide que o possuidor abandona o seu estado de
ignorância e passa a conhecer as razões de inconformidade à sua posse. Claro
que a transmudação da boa-fé em má-fé é consequente somente de uma sentença
procedente transitada em julgado que venha a acolher a pretensão do autor,
pois, em caso de improcedência, restará reforçada a boa-fé do possuidor.
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Comentários
Adao
Gonçalves
Serra
parabéns
ótima matéria.
19
de junho de 2015 17:16
Gabriel
Silame
IEC
PUC Minas
Melhor
professor, disparado!!
1
de dezembro de 2015 15:54
Kaique
Ribeiro
Faculdade
Montes Belos
parabéns!!
otimá, bem esclarecida, se as matérias juridicas fossem assim, na letra da lei.....
obrigado
otimá, bem esclarecida, se as matérias juridicas fossem assim, na letra da lei.....
obrigado
22
de abril de 2016 22:41· Editado
José
Luciano Filho Luciano
Aposentados
do INSS em Cosipa - Companhia Siderurgica Paulista
EXCELENTE
MATÉRIA -DIREITO GRANBERY JF
25
de setembro de 2016 16:27
Referências
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI64980,101048-Posse+justa+e+posse+injusta+aplicacoes+praticas+e+teóricas
http://repositorio.uniceub.br/bitstream/235/6103/1/21034394.pdf
http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/o-significado-do-justo-titulo/13953
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