terça-feira, 17 de agosto de 2021

Estremecida

"...resolvo, cedendo ao império das circunstâncias, partir com toda minha família para a Europa amanhã, deixando a Pátria, de nós estremecida, ..." ***
*** Carta assinada por D. Pedro II foi enviada ao Governo Provisório um dia após a Proclamação da República — Foto: Projeto Dami / Divulgação Museu Imperial ***
*** Estremecida é o feminino de estremecido. O mesmo que: amada, querida. *** Proclamação da República O ideal republicano que surgiu no Brasil através de vários movimentos, somente após a "Guerra do Paraguai" ressurgiu, se fortaleceu e se propagou rapidamente. O regime monárquico vivia seus momentos finais. No dia 15 de novembro de 1889, pela conjugação de interesses políticos, o governo imperial foi derrubado. Estava proclamada a República no Brasil. No dia seguinte organizou-se um "Governo Provisório", que determinou o prazo de 24 horas para a família imperial deixar o país. ***
*** Dom Pedro II A família imperial em Petrópolis (1889) *** No dia 16 de novembro de 1889, na véspera da partida para o exílio, Dom Pedro escreveu: "À vista da representação escrita que me foi entregue hoje, às 3 horas da tarde, resolvo, cedendo ao império das circunstâncias, partir com toda minha família para a Europa amanhã, deixando a Pátria, de nós estremecida, à qual me esforcei por dar constantes testemunhos de empenhado amor e dedicação durante quase meio século em que desempenhei o cargo de Chefe de Estado. Ausento-me pois, eu como todas as pessoas da minha família, conservarei do Brasil a mais saudosa lembrança, fazendo ardentes votos por sua grandeza e prosperidade". Exílio e morte Dom Pedro de Alcântara embarcou com a família para Portugal em 17 de novembro de 1889, dois dias após a Proclamação da República. Chegando a Lisboa no dia 7 de dezembro, seguiu para o Porto, onde a imperatriz morreu no dia 28 do mesmo mês. Pedro de Alcântara, com 66 anos, seguiu sozinho para Paris, ficando hospedado no Hotel Bedford, onde passava o dia lendo e estudando. As visitas à Biblioteca Nacional eram seu refúgio. Em novembro de 1891 com sequelas da diabetes, já não saía mais do quarto. Dom Pedro II faleceu no Hotel Bedford, em Paris, França, no dia 5 de dezembro de 1891, em consequência de uma pneumonia. Seus restos mortais foram transladados para Lisboa, e colocados no convento de São Vicente de Fora, junto ao da esposa. Dom Pedro II é uma figura incontornável na história do Brasil. Conheça essa e outras trajetórias essenciais lendo o artigo A biografia das 20 pessoas mais importantes para a história do Brasil. Dilva Frazão Biblioteconomista e professora É bacharel em Biblioteconomia pela UFPE e professora do ensino fundamental. *** *** https://www.ebiografia.com/dompedro_ii/ *** *** *** "Patriotism is the last refuge of a scoundrel". ***
*** Samuel Johnson, por Evert A. Duycknick *** HEROÍSMO E CIRCUNSTÂNCIA Francisco de Vasconcellos Victor Hugo, glória da raça latina, dizia que o herói é apenas uma variedade de assassino. Dependendo do posicionamento e da eventual paixão do observador, o herói pode ser visto como bandido e vice-versa. E não há dúvida alguma que a circunstância pode criar tanto um quanto o outro. Tudo isso vem a propósito da verdadeira canonização de Benjamin Constant Botelho de Magalhães, logo no alvorecer da República, e da injustificável execração do Imperador D. Pedro II e de sua família, por parte daqueles que implantaram o novo regime no Brasil. No dia 16 de novembro de 1889, o governo provisório da recém-fundada República enviou mensagem ao Imperador deposto, em que dizia entre outras coisas: "Em face desta situação, pesa-nos dizer-vo-lo e não o fazemos senão em cumprimento do mais custoso dos deveres, a presença da família imperial no país, ante a nova situação que lhe criou a resolução irrevogável do dia 15, seria absurda, impossível e provocadora de desgostos que a salvação política nos impõe a necessidade de evitar. Obedecendo pois às exigências do voto nacional, com todo o respeito devido à dignidade das funções públicas que acabais de exercer, somos forçados a notificar-vos, que o governo provisório espera do vosso patriotismo o sacrifício de deixardes o território brasileiro, com a vossa família, no mais breve tempo possível. Para esse fim se vos estabelece o prazo máximo de vinte e quatro horas, que contamos não tentareis exceder". Apesar dos respeitosos termos constantes desse trecho da mensagem enviada a D. Pedro II e, nem poderia ser diferente, o texto deixava a nu uma verdadeira bofetada com luva de pelica. Como exigir-se de uma família radicada no país desde o nascimento, onde tinha ela raízes, patrimônio, interesses pessoais, pertences, biblioteca, arquivos, objetos de estimação, que esta mesma família deixasse inopinadamente sua terra no prazo exíguo de 24 horas, levando-se em consideração, que nenhum de seus membros havia esboçado qualquer reação ou resistência ao golpe de 15 de novembro? Como prova da dignidade conformada da Família Imperial, leia-se a resposta altiva e elegante do Imperador aos que o intimavam de forma tão impertinente: "À vista da representação escrita que me foi entregue hoje às 3 horas da tarde, resolvo, cedendo ao império das circunstâncias, partir com toda a minha família para a Europa, amanhã, deixando esta pátria de nos estremecida a qual me esforcei por dar constantes testemunhos de entranhado amor e dedicação durante quase meio século, em que desempenhei o cargo de chefe do Estado. Ausentando-me pois, eu, com todas as pessoas da minha família, conservarei do Brasil a mais saudosa lembrança, fazendo ardentes votos por sua grandeza e prosperidade. Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1889. Pedro de Alcântara". E, como é sabido, o Imperador, cumprindo rigorosamente o ridículo prazo que lhe fora assinalado, viajou para a Europa com sua família a bordo do sinistro Alagoas. Mas não parou aí a iniqüidade dos novos responsáveis pelos destinos do Brasil. Por causa de uma simples quartelada, aquele que deveria merecer a eterna veneração e gratidão de todo os segmentos da sociedade brasileira, inclusive do novo contexto oficial, sofria essa covarde e nefanda execração dos novos donos do poder, sob o olhar indiferente de um povo amorfo e inerte. Ainda em 1889, o decreto 78 A, de 21 de dezembro, baniu do território brasileiro o ex-Imperador e toda sua família. Covardia à distância. Por que não o fizeram no calor da revolução? E apesar do disposto no artigo 72 § 10 da Constituição Federal de 24 de fevereiro de 1891, que autorizava, em tempo de paz, qualquer pessoa a entrar no território nacional ou dele sair com a sua fortuna e bens, quando e como lhe conviesse, independentemente de passaporte, a Família Imperial nunca foi autorizada pelos governos republicanos brasileiros a exercitar esse direito ditado pela Carta Magna da Nação. Somente em 1922, graças ao espírito coerente, viril e justiceiro de Epitácio Pessoa, é que essa ignomínia foi banida desta acolhedora terra de Santa Cruz, borrando-se de vez a aberração que constrangia os melhores sentimentos nacionais. Enfim, como disse muito bem o desventurado monarca, "o império das circunstâncias", lançou ao rol dos execrados, aquele que deveria ter sido sempre alçado ao panteão dos grandes da Pátria. Não nos esqueçamos que Deodoro, naquela madrugada de 15 de novembro, Frederico 11, no calendário positivista, deu vivas a D. Pedro II, antes de saudar a República, já acossado pela turba que em torno dele bradava pelo novo regime. Isto significa que no fundo não se confundiam na mentalidade nacional a figura do Imperador e o regime político que ele representava. Essa realidade não passou desapercebida ao espírito atento e perspicaz de Mestre Câmara Cascudo, ao abordar o tema na sua justiceira obra sobre o Conde d'Eu. Mas na hora do linchamento político, a tradicional forma de governo vigente no país, barafustou a consciência pública, e foi tanta a poeira levantada que, do todo caótico, não foi possível resgatar ilesa a pessoa veneranda do monarca. Esse capítulo estranho da história pátria, insólito mesmo, até atípico, se comparado com situações congêneres em outros paises, nos remete ao caso daquele cidadão, que depois de viver muitos anos, ao lado de u'a mulher, um dia cansado da monotonia e da mesmice da relação, até mesmo da estabilidade dela, sem qualquer motivo grave ou relevante, resolve abandonar a mulher, sem bulhas nem matinadas, para experimentar um novo e grande amor, ainda que em meio a turbulência, desencontros, desatinos e fracassos. Ao fim e ao cabo, trocamos cinqüenta anos de monótona estabilidade, de crescimento e progresso com lastro e estrutura, de programas para surtirem efeito a longo prazo, de paz, de concórdia, de ordem, de respeito, de hierarquia, pela desorganização da máquina governamental, pelos golpes de Estado, pelo caos econômico-financeiro, pela inflação, pelos atentados, pelo casuísmo, pela subversão de valores, pelo desrespeito, pelo imediatismo, pela crescente ameaça de esfacelamento da unidade nacional, que o Império se incumbiu de construir, num tempo de precárias e difíceis comunicações internas. Rei morto, rei posto. Enquanto as circunstâncias reduziam D. Pedro II de protagonista de uma grande cena a infeliz banido de sua própria pátria, traziam elas à tona da consagração oficial e popular aquele que passou à História com o título de Fundador da República Brasileira. Benjamin Constant Botelho de Magalhães nasceu em Niterói a 18 de outubro de 1836. Leopoldo Henrique Botelho de Magalhães, português, era seu pai e Bernardina Joaquina da Silva Guimarães, gaúcha, era sua mãe. Benjamin Constant passou uma parte de sua infância em Macaé, Magé e Petrópolis, onde o pai estabeleceu-se com uma padaria. Daqui o menino mudou-se com a família para Minas Gerais, onde Leopoldo Henrique foi administrar uma fazenda do Barão de Lage. Mas a 15 de outubro de 1849, o pequeno Benjamin perdia o pai, que foi sepultado na capela de São José do Paraibuna. A mãe, não suportando o choque e os sofrimentos subseqüentes, tendo cinco filhos para sustentar e educar, enlouqueceu. Apesar dos pesares, Benjamin Constant logrou matricular-se na Escola Militar do Rio de Janeiro, a 28 de fevereiro de 1852, no mesmo ano em que Caseros selava a derrocada do tirano Rosas. Também em 1852, a 1º de abril, Benjamin assentava praça. O novo aluno da Escola Militar, ao adentrá-la, já encontrou ali lançadas as bases da doutrina positivista. Quando Augusto Comte, em linguagem de seu apostolado, transformou-se, em 1857, já os postulados de sua filosofia, faziam brilhante carreira entre nós. Em 27 de março de 1858, matriculou-se Benjamin Constant no 2º ano da Escola de Aplicação do Exército para concluir o seu curso e a 22 de janeiro de 1859, era desligado dela, para continuar seus estudos na Escola Central. Em 1860, recebeu o grau de bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas. Sempre estudioso e lutando com as dificuldades de um menino órfão e pobre, matriculou-se a 8 de janeiro de 1861 no curso de Engenharia Civil, mas, no ano seguinte, por excesso de faltas, foi desligado da Escola. A 19 de novembro de 1861, entrou para o Observatório Astronômico, como praticante e dali saiu cinco anos depois para fazer a campanha do Paraguai. Nesse ínterim, em 1863, foi nomeado lente de Matemática do Instituto dos Meninos Cegos e casou-se, a 16 de abril, com Maria Joaquina da Costa, com quem desfrutou de enorme felicidade. Em 21 de fevereiro de 1872, Benjamin Constant ingressou no magistério da Escola Militar do Rio de Janeiro, como coadjuvante do curso superior. Nesse mesmo ano recebeu as condecorações de Oficial da Ordem da Rosa e de Cavaleiro da de Aviz. Passou a ser professor da Escola Normal em princípios de 1880, desde que esta foi criada. Abraçando a campanha republicana, de que foi incontestavelmente um de seus principais arautos, pregava desassombradamente suas doutrinas na tribuna, na cátedra e onde mais coubesse. Líder da juventude de seu tempo, como toda juventude sequiosa por novidades, por mudanças, ainda que por inconseqüente entusiasmo e índole incendiária, Benjamin Constant tornou-se o porta-voz desses anseios irrequietos que explodiram naquele 15 de novembro de 1889, num clima de ordem e tranqüilidade que contou indubitavelmente com a apatia, quase indiferença do povo do Rio de Janeiro e de resto de todo o país. Formado o Governo Provisório da República, Benjamin Constant nele tomou parte como Ministro da Guerra. Adoecendo aos 55 anos incompletos, cedo encontraria o caminho da tumba, já que transformou-se a 22 de janeiro de 1891, quando a Assembléia Nacional Constituinte estava prestes a concluir o seu trabalho. O grande prócer da República não poderia encontrar melhor momento para desencarnar. A mesma ocasião que faz o ladrão, faz o herói. Mas antes de fixarmos os aspectos dessa canonização emocional, vejamos a síntese do perfil de Benjamin Constant, feita por Teixeira Mendes, Apóstolo da Humanidade, na sua massiça obra que se intitula: "Benjamin Constant - Esboço de uma Apreciação Sintética da Vida e da Obra do Fundador da República Brasileira". Está à pág. 223 da edição de 1936 da Imprensa Nacional: "Pondo-se à testa do movimento insurrecional, Benjamin Constant praticou um rasgo de corajoso civismo, porque não possuía as nossas convicções. A sua vida não lhe permitira assimilar a Religião da Humanidade, pelas circunstâncias que expusemos. Não podia depositar em nós a indispensável confiança para seguir os nossos conselhos. Nem conhecia a situação do país para olhar para o nosso futuro com a segurança com que nos encarávamos. Ele só via o presente convulsionado e a Pátria solicitada em direções encontradas pelas forças progressistas e retrógradas peculiares à revolução moderna. Na suprema direção se lhe antolhava um governo que na sua frase pretendia fazer "do cadáver moral da nação, o pedestal de sua triste glória". Em torno de si viu a sedição militar degradando a classe a que se ufanava de pertencer, tornando aqueles que deviam ser sentinelas da dignidade pátria, em ignóbeis executores de mesquinhas paixões". No conceito de Teixeira Mendes, intelectual de escol, positivista doutrinário, republicano coerente e sério, Benjamin Constant não tinha qualquer visão de estadista e que a República é obra de ressentidos, sendo o seu Fundador, um deles. Tão logo bateu no Congresso Constituinte a notícia da morte de Benjamin Constant, começaram os elogios fúnebres, os votos de pesar, os discursos inflamados, os projetos de homenagem ao patriarca do novo regime. Na sessão de 24 de janeiro de 1891, o Congresso Nacional, avocando a si, excepcionalmente, todos os poderes e direitos que lhe conferia a soberania brasileira nele depositada, indicava: Art. 1º - Fica declarado dia de luto oficial o do falecimento do General Dr. Benjamin Constant, patriarca da República Brasileira; Art. 2º - Que no primeiro aniversário da Proclamação da República, sejam feitos solenes funerais em nome da Nação, em honra ao grande homem; Art. 3º - Que seja criado em panteon em honra dos grandes homens da Pátria Brasileira onde serão inumados os que assim bem merecerem, da Pátria, conforme decretarem os futuros Congressos, sendo desde já indicado o Dr. Benjamin Constant; Art. 4º - Que se decrete uma pensão à viúva e às filhas de Benjamin Constant; Art. 5º - Levanta-se a sessão de hoje, consagrando-a em honra e homenagem à memória de Benjamin Constant. No mesmo dia 24 outra indicação: Art. 1º - Será adquirida a casa em que faleceu o grande patriarca Benjamin Constant, e nela será colocada uma lápide comemorativa. § Único - Será concedido à viúva do grande cidadão o usufruto dela durante sua vida. E vieram outros projetos, indicações, moções e votos. Completando esse quadro apoteótico e meramente circunstancial, a Constituição de 24 de fevereiro de 1891, nas disposições transitórias dispôs: Art. 8º - O Governo Federal adquirirá para a Nação a casa em que faleceu o Dr. Benjamin Constant Botelho de Magalhães e nela mandará colocar uma lápide em homenagem à memória do grande patriota - o fundador da República. § Único - A viúva do Dr. Benjamin Constant terá enquanto viver o usufruto da casa mencionada. Convenhamos que o chamado Patriarca da República não podia ter morrido em momento mais apropriado. Tivesse ele vivido alguns anos mais, de modo a enfrentar, por exemplo, a fúria do jacobinismo florianista e ele, apesar de todos os seus eventuais méritos, teria tido o seu nome lançado no rol dos rejeitados e esquecidos, conforme aconteceu com Wandenkolk, Custódio José de Melo, Saldanha da Gama, Demétrio Ribeiro e o próprio Marechal Deodoro. Fonte: Tribuna de Petrópolis: 23/09/2001 Francisco de Vasconcellos *** *** http://ihp.org.br/26072015/lib_ihp/docs/fjrv20010923t.htm *** *** *** AFEGANISTÃO CONFLITO Guterres alerta sobre direitos de mulheres e crianças no Afeganistão EFENações Unidas16 ago 2021 ***
*** Guterres lança alerta sobre direitos de mulheres e crianças no Afeganistão O secretário-geral da ONU, António Guterres. EFE/Chema Moya *** O secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou este domingo sobre os direitos das mulheres e das crianças no Afeganistão, país agora sob controlo taliban. "O secretário-geral está a acompanhar com profunda preocupação a volátil situação no Afeganistão", indica um comunicado da ONU. "O conflito está a forçar centenas de milhares de pessoas a deixar as suas casas. Continua a haver relatos de abusos e violações de direitos humanos sérios nas comunidades afetadas pelos confrontos", completa Guterres. A nota aponta que o diplomata português está "especialmente preocupado" pelo futuro das mulheres e crianças afegãs, cujos "direitos obtidos com esforço devem ser mantidos". Além disso, o secretário geral da ONU exigiu que os taliban e restantes envolvidos no conflito garantam o cumprimento das leis internacionais e o direito à liberdade de todas as pessoas. Guterres pediu ainda que as agências de ajuda humanitária tenham "acesso sem restrições" aos necessitados. O presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, fugiu este domingo do país, derivando na tomada de Cabul por parte dos taliban e acelerando a retirada das delegações diplomáticas estrangeiras que já estava em curso. *** *** https://www.efe.com/efe/portugal/mundo/guterres-alerta-sobre-direitos-de-mulheres-e-crian-as-no-afeganist-o/50000444-4608922 *** *** *** Os Miseráveis e os estudos criminais de Victor Hugo ***
*** Por Iverson Kech Ferreira Cento e cinquenta e quatro anos após sua primeira publicação, a obra do francês Victor Hugo, Os Miseráveis, já ganhou musicais e interpretações no cinema, seriados e até mesmo revistas em quadrinhos. É impossível negar a afirmação de que a obra pode ser considerada uma das mais importantes, atraentes e pujantemente cunhada num viés social destacado, o que viria a se tornar o epiteto dos condenados do mundo. Para Victor Hugo enxergar os miseráveis de sua época não foi difícil, todavia, seu status social e sua inclinação política, que o levou ao exílio vivendo em diferentes realidades, ainda que engajado na política frequentemente, não tivera contato direto com os reclames dos oprimidos por fome e pela miséria francesa no reino do Rei Filipe I, não fosse por uma peculiaridade nos estudos do autor. O diferencial de Hugo foi temperado por uma essência que o autor houvera capturado em um lugar para ele antes inusitado: a colônia penal de Toulon. Foi no ano de 1824, contando apenas 22 anos de vida, que o autor dos Trabalhadores do Mar e o famoso Corcunda de Notre Dame embrenhou-se nas mazelas e na escuridão do mundo da penalização, da fobia e do terrível enclausuramento. Nesse ambiente suas pesquisas trouxeram a vida não mais que um personagem excelente, mas também as sequelas que o próprio autor imaginava que tal sujeito lá preso teria após sua liberdade. Hugo assim criou Jean Valjean: de dentro de um dos mais atrozes presídios da França. Todavia, o propósito era o de criar uma perfeita realidade, que Hugo imaginava ser incapaz de realizar sem antes conviver com o que havia idealizado. Assim, aproximando-se dos trabalhos de Charles Dickens na Inglaterra o autor destaca a imensidão de corpos que cambaleiam de um lado a outro em busca de sobrevivência, numa luta emblemática pelo salvo-conduto dentro da sua própria realidade. A descrição da pobreza latente, das injustiças, a conturbada formação social francesa pós-revolução revela, a paupérrima sobrevida nas ruelas de certas castas negligenciadas pela maioria e pelo Estado, mas que também possui em seu cerne o seguro conceito de sobrevivência, contra tudo e contra todos. Os estudos na colônia Toulon trouxeram a vida o estigmatizado Jean Valjean, que por ter roubado um pão para auxiliar a própria sobrinha, é capturado e sua sentença a ser cumprida imediatamente fora cinco anos de trabalhos para a Nação. Não aceitando e após muitas injustiças e sofrimentos, Valjean tenta, sem sucesso, outra sorte, afastando-se da sua pena tentando fugir. Mais quinze anos somaram-se ao seu desatino. A realidade com que Hugo traz o personagem beira incrivelmente, ou se não, alcança de fato, a perfeição. Não é pretensão desta breve análise resumir ou estudar obra tão complexa, qualquer síntese a respeito da obra de Hugo em tão poucas páginas pode ser considerada leviana de fato. Todavia, o seu personagem, quiçá principal testemunha das injustiças do sistema punitivo e sua ascensão como protagonista no roteiro se deve aos estudos realizados pelo escritor, na vida real, no interior de um dos mais conhecidos presídios da França de sua época. Após ter iniciado seus estudos finalmente, em 1837, Hugo adentra a colônia penal de Toulon. Tal prisão era conhecida por fornecer mão de obra, ou, trabalho forçado nas galés, onde os condenados, com os pés atados serviam como remadores de navios e grandes embarcações. Lá, ao analisar os motivos da permanência ou entrada de certas pessoas no sistema carcerário, certamente analisou injustiças, histórias diversas e muita precariedade, pois foi assim que descreveu os calabouços, tanto físicos como psíquicos de Valjean. O que se nota em tal obra, refletindo a realidade de suas palavras, era que em épocas como a descrita, na França de Filipe I, os condenados de quaisquer espécies, mesmo os loucos, os insanos, os mentalmente enfermos, doentes psíquicos dividiam espaço com assassinos natos, com ladrões e usurpadores, que por sua vez, partilhavam com tantos outros Jeans Valjeans a morada fatal. Nessa mesma toada muitos furtadores de um pão para manter a vida se condicionavam em conjunto a todos os outros e a junção dessas histórias de vida e experiências criavam um novo ser, uma síntese fabricada pela dor e pela desgraça. Não é assombroso nem deveria ser o aspecto de um condenado após vinte longos anos de serviço prestado à justiça assemelhar-se ao de um monstro recém saído de um pântano qualquer. E é essa a referencia ou a descrição do herói de Os Miseráveis que o próprio Victor Hugo não abre mão de fazer. Os estudos realizados pelo autor em uma colônia penal muito se assemelham com outros estudos no mesmo âmbito, em semelhante local, todavia, com outro enfoque: o de interpretar o perfil criminoso e criar um molde da personalidade, tendo como inspiração o físico daqueles que encarcerados estavam. As técnicas de antropometria aplicada de Cesare Lombroso em um universo único tinham como intuito combater a criminalidade, identificando criminosos de acordo com suas características físicas. Maior problema de Lombroso foi a escolha de um local onde apenas estavam presentes (em seu universo de estudos aplicado) prisioneiros criminosos. Destarte, a dualidade presos/criminosos era sempre configurada pelos integrantes da prisão, não havendo o molde do “homem comum” em que pudesse basear seus estudos. O crescente Eurocentrismo da época de Lombroso identificava-se com seu trabalho entusiasmando certas alas da ciência médica, psíquica e do campo jurídico. Tais estudos deixaram claro que para Lombroso o criminoso descrito em seu trabalho intitulado como Tratado Antropológico Experimental do Homem Delinquente, que identifica o atavismo como causa do crime, bem como, detalha o criminoso nato sendo aquele irrecuperável que retorna sempre ao mesmo ponto, o crime, é facilmente identificável. Todavia, não identificava as estruturas socais de seu tempo, a crescente marginalização e distinção das raças, o crescimento da miscigenação e o ápice colonialista europeu que dominava o mundo com sua mão branca. Por outro lado, em épocas quase semelhantes, a impressionante visão social de Victor Hugo ficaria demonstrada em Os Miseráveis, onde apresenta o submundo das prostitutas, dos mendigos, enfim, dos bestializados e esquecidos por uma elite que dominava cada vez mais o oficio das máquinas e da crescente industrialização, banalizando o trabalho, o cidadão e sua sobrevivência. A responsabilidade de Hugo foi muito além: demonstrou em uma época dominada pela força de um Estado tirano que o estigma vai adiante daquele ensejado por Lombroso. Ao deixar a prisão e sem conseguir ter como sobreviver, Valjean parte a um novo crime. Todavia, por todos os lugares em que passava, teria que mostrar seu único documento que atestava sua liberdade condicional, devido a uma latente periculosidade. Entretanto, não fosse somente isso, some-se aos anos passados e sofridos nas galés onde muitas pessoas esvaneciam doentes, transformando a figura do homem, deixando-o mais amargo e mais animal em sua aparência, a mesma que já fora um dia a de um homem. Este estigma perdura. Somente uma nova chance salvaria o herói de Victor Hugo, e ela, chegou apenas com seu suspiro final. Por outro lado, inúmeras são as fases da estigmatização que identificavam o protagonista, de uma forma que, mesmo depois de sua vitória pessoal como homem de negócios, ocupando cargo especial em Paris, sendo grande empresário e tendo vários funcionários, essa marca perdura e não desaparece, nem com o tempo ela desvanece mas gruda como alcunha, simbolizando sempre o seu crime passado. Hugo demonstra uma preocupação com isso também, transformando a batalha entre dois homens, uma perseguição insensata pelas ruas de Paris que deflagraria em uma tragédia final: a síntese entre o bem e o mal sempre irá ser composta com a morte, não há em Hugo um meio termo, um meio bom ou um meio mal. Diante a tantos estigmas, injustiças e caos social nota-se o estudo realizado na colônia penal de Toulon, onde percebeu as lacunas do sistema prisional, que de toda forma, tinha a pretensa aptidão em captar mão de obra barata, jovem e estigmatizada para servir ás suas galés, foi a mais importante reflexão de Hugo sobre a criminologia e o poder punitivo do Estado de seu tempo. Não é possível deixar de citar o prefácio de Os Miseráveis, que coaduna com toda a nossa sociedade em dias do cotidiano, que demonstra a nossa franca e funesta involução: “ENQUANTO, por efeito de leis e costumes, houver proscrição social, forçando a existência, em plena civilização de verdadeiros infernos, e desvirtuando por humana fatalidade, um destino por natureza divino; enquanto os três problemas do século – a degradação do homem pelo proletariado, a prostituição da mulher pela fome, e a atrofia da criança pela ignorância – não forem resolvidos; enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, livros como este não serão inúteis.”(Victor Hugo, Os Miseráveis, 1862) REFERÊNCIAS HUGO, Victor. Os Miseráveis, 1862. Tradução Regina Célia de Oliveira. São Paulo: Martin Claret, 2015. Fonte: Canal Ciências Criminais *** *** https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/322981898/os-miseraveis-e-os-estudos-criminais-de-victor-hugo *** *** https://imgs.jusbr.com/publications/artigo/322981898/embedded/1460379119410.jpg

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