domingo, 29 de dezembro de 2019

ADI Por Garantia Constitucional:



Excelso Pretório Julga E Sentencia


Partidos recorrem ao STF contra criação do juiz de garantias
Autores de ADI: Cidadania e Podemos
Legendas pedem suspeição de Toffoli
Presidente sancionou medida na 3ª feira



Podemos e Cidadania pedem a suspeição do presidente do STF, Dias Toffoli, por ter feito declaração ao Planalto favorável ao juiz de garantias Sérgio Lima/Poder360 - 28.nov.2019


THAÍS MOURA
28.dez.2019 (sábado) - 13h20
atualizado: 28.dez.2019 (sábado) - 17h57
   
Os partidos Cidadania e Podemos entraram neste sábado (28.dez.2019) com ação no STF (Supremo Tribunal Federal) contra a criação do juiz de garantias, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro dentro do pacote anticrime, na última 3ª feira (24.dez.2019).

Trata-se de uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade). Leia a íntegra do documento elaborado pelas siglas.







AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE COM PEDIDO CAUTELAR


Leia a Íntegra:








ADI Por Garantia Constitucional: Excelso Pretório Julga E Sentencia


EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL




PODEMOS, pessoa jurídica de direito privado, devidamente inscrito no CNPJ sob o n° 01.248.362/0001-69, com sede no SRTVS – Quadra 701 – Edifício Assis Chateaubriand – Torre 01 – Sala n°422 – Asa Sul – Brasília-DF, CEP 70340-906, neste ato representado por sua Presidente Nacional e representante legal Renata Hellmeister de Abreu, brasileira, casada, Deputada Federal, portadora do RG SSP-SP n° 24.486.052 e do CPF n° 183.729.88820, CIDADANIA, pessoa jurídica de direito privado, devidamente inscrito no CNPJ sob o nº 29.417.359/0001-40, com sede no SCS, Quadra 07, Bloco A, Ed. Executive Tower, salas 826/828, Brasília/DF, neste ato representado por seu Presidente Nacional e representante legal Roberto João Pereira Freire, brasileiro, casado, OAB/PE 02852, vêm, respeitosamente, por seus advogados, com fundamento nos artigos 102, I, “a” e “p1”, e 103,VIII2 , da Constituição da República de 1988 e art. 2º, VIII3 , da Lei n° 9.868/99, perante Vossas Excelências, propor a presente:


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
(com pedido de medida cautelar)


contra os arts. 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3º-E e 3º-F (juiz das garantias) e o § 5º do art. 157, inseridos no Código de Processo Penal, por meio da Lei n° 13.964, de 24 de dezembro de 2019.


contra os arts. 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3º-E e 3º-F (juiz das garantias) e o § 5º do art. 157, inseridos no Código de Processo Penal, por meio da Lei n° 13.964, de 24 de dezembro de 2019.


1 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (...) p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade
2 Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (...) VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; (...) 3
Art. 2º Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade: (...) VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; (...)


Outrossim, cumpre informar que a presente ação tem por fundamento principal os próprios estudos delineados em parecer conjunto lavrado pela Advocacia-Geral da União e pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, que minuciosamente detalhou a incoerência da norma impugnada com a Constituição Federal.


I- DAS NORMAS IMPUGNADAS

Eis a redação dos dispositivos impugnados (juiz das garantias), acrescidos ao Código de Processo Penal, em razão da sanção da Lei n° 13.964, de 24 de dezembro de 2019:


Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.’
Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:
I - receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da Constituição Federal;
II - receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310 deste Código;
III - zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo;
IV - ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal;
V - decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar, observado o disposto no § 1º deste artigo;
VI - prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente;
VII - decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral;
VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste artigo;
IX - determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;
X - requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;
XI - decidir sobre os requerimentos de: a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação; b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico; c) busca e apreensão domiciliar; d) acesso a informações sigilosas; e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado;
XII - julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia; XIII - determinar a instauração de incidente de insanidade mental;
XIV - decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código;
XV - assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento;
XVI - deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia;
XVII - decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação;
XVIII - outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.
§ 1º (VETADO).
§ 2º Se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada.
Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código.
§ 1º Recebida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento.
§ 2º As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz da instrução e julgamento, que, após o recebimento da denúncia ou queixa, deverá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso, no prazo máximo de 10 (dez) dias.
§ 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado.
§ 4º Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias.
Art. 3º-D. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências dos arts. 4º e 5º deste Código ficará impedido de funcionar no processo.
Parágrafo único. Nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais criarão um sistema de rodízio de magistrados, a fim de atender às disposições deste Capítulo.
Art. 3º-E. O juiz das garantias será designado conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal, observando critérios objetivos a serem periodicamente divulgados pelo respectivo tribunal.
Art. 3º-F. O juiz das garantias deverá assegurar o cumprimento das regras para o tratamento dos presos, impedindo o acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos da imprensa para explorar a imagem da pessoa submetida à prisão, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal.
Parágrafo único. Por meio de regulamento, as autoridades deverão disciplinar, em 180 (cento e oitenta) dias, o modo pelo qual as informações sobre a realização da prisão e a identidade do preso serão, de modo padronizado e respeitada a programação normativa aludida no caput deste artigo, transmitidas à imprensa, assegurados a efetividade da persecução penal, o direito à informação e a dignidade da pessoa submetida à prisão.
“Art. 157. ............................................................................................................................ ............................................................................................................................................. § 5º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão.” (grifos nossos)


II – DO VÍCIO DE INICIATIVA

A Constituição Federal sustenta, de maneira firme e coerente, que a disciplina concernente à alteração da organização e da divisão judiciária se insere na esfera de iniciativa exclusiva do Poder Judiciário (art. 96, II, ‘d”, da Carta Magna).
Em caso análogo, o Supremo Tribunal Federal ratificou o texto constitucional, considerando que a elaboração de normas atinentes à modificação da estrutura do Judiciário é de iniciativa privativa das Cortes Superiores e dos Tribunais de Justiça, sob pena de usurpação de competência do Poder Legiferante:


EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – TRIBUNAL DE JUSTIÇA – INSTAURAÇÃO DE PROCESSO LEGISLATIVO VERSANDO TEMA PERTINENTE À ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO – INICIATIVA DO RESPECTIVO PROJETO DE LEI SUJEITA À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE RESERVA (CF, ART. 96, II, “D”, E ART. 125, § 1º, “in fine”) – OFERECIMENTO E APROVAÇÃO, NO CURSO DO PROCESSO LEGISLATIVO, DE EMENDAS PARLAMENTARES – AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA MATERIAL COM O OBJETO DA PROPOSIÇÃO LEGISLATIVA – DESCARACTERIZAÇÃO DE REFERIDO PROJETO DE LEI MOTIVADA PELA ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DA COMPETÊNCIA MATERIAL E DOS LIMITES TERRITORIAIS DE DIVERSAS VARAS JUDICIAIS – A QUESTÃO DAS EMENDAS PARLAMENTARES A PROJETOS DE INICIATIVA RESERVADA A OUTROS PODERES DO ESTADO – POSSIBILIDADE – LIMITAÇÕES QUE INCIDEM SOBRE O PODER DE EMENDAR PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS – DOUTRINA – PRECEDENTES – REAFIRMAÇÃO DE CONSOLIDADA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O TEMA – PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PELA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI COMPLEMENTAR MATO-GROSSENSE Nº 313/2008 – AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO EXERCÍCIO DO PODER DE EMENDA PELOS MEMBROS DO LEGISLATIVO – O poder de emendar projetos de lei – que se reveste de natureza eminentemente constitucional – qualifica-se como prerrogativa de ordem político-jurídica inerente ao exercício da atividade legislativa. Essa prerrogativa institucional, precisamente por não traduzir corolário do poder de iniciar o processo de formação das leis (RTJ 36/382, 385 – RTJ 37/113 – RDA 102/261), pode ser legitimamente exercida pelos membros do Legislativo, ainda que se cuide de proposições constitucionalmente sujeitas à cláusula de reserva de iniciativa, desde que – respeitadas as limitações estabelecidas na Constituição da República – as emendas parlamentares (a) não importem em aumento da despesa prevista no projeto de lei e (b) guardem afinidade lógica com a proposição original (vínculo de pertinência). Doutrina. Jurisprudência. –
Inobservância, no caso, pelos Deputados Estaduais, no oferecimento das emendas parlamentares, de tais restrições. Consequente declaração de inconstitucionalidade formal do diploma legislativo impugnado nesta sede de fiscalização normativa abstrata. A SANÇÃO DO PROJETO DE LEI NÃO CONVALIDA O VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE RESULTANTE DO DESRESPEITO, PELOS PARLAMENTARES, DOS LIMITES QUE INCIDEM SOBRE O PODER DE EMENDA QUE LHES É INERENTE – A aquiescência do Chefe do Poder Executivo mediante sanção, expressa ou tácita, do projeto de lei, sendo dele, ou não, a prerrogativa usurpada, não tem o condão de sanar o vício de inconstitucionalidade que afeta, juridicamente, a proposição legislativa aprovada. Insubsistência da Súmula nº 5/STF (formulada sob a égide da Constituição de 1946), em virtude da superveniente promulgação da Constituição Federal de 1988. Doutrina. Precedentes. ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO NO PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO CONCENTRADA DE CONSTITUCIONALIDADE – O Advogado-Geral da União – que, em princípio, atua como curador da presunção de constitucionalidade do ato impugnado (RTJ 131/470 – RTJ 131/958 – RTJ 170/801-802, v.g.) – não está obrigado a defender o diploma estatal, se este veicular conteúdo normativo já declarado incompatível com a Constituição da República pelo Supremo Tribunal Federal em julgamentos proferidos no exercício de sua jurisdição constitucional. Precedentes. ( STF, ADI 4138, Relator: Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 17/10/2018.)


Verifica-se, assim, que o Pretório Excelso já se manifestou contrariamente à iniciativa de proposições legislativas que usurpem a competência estatuída na cláusula de reserva prevista no art. 96, cuja ocorrência traduzir-se-ia em inquestionável vício de inconstitucionalidade formal.
No caso em comento, a figura do “juiz das garantias”, criada sem a necessária participação direta do Judiciário, esvaziou deliberadamente a legitimidade respeitante à organização e o funcionamento dos órgãos jurisdicionais. E mais: analisando o projeto sob o prisma orçamentário, a aludida norma sequer passou pelo crivo do imprescindível estudo dos impactos financeiros, consoante se depreende do quanto disposto no art. 113 da ADCT.
O aspecto da inconstitucionalidade também deflui para a obrigação de os tribunais criarem um sistema de rodízio de magistrados em comarcas que possuam apenas um juiz. Ou seja: o dispositivo legal determina, de maneira impositiva, a criação de um programa de rotatividade, sem ao menos estabelecer a forma como ele será operacionalizado.
Compreende-se, portanto, que o projeto defrauda não apenas o princípio da separação dos Poderes, como também, de maneira indubitável, a cláusula de reserva referente à competência privativa de auto-organização do Judiciário.


III - DA FALTA DE PREVISÃO DE IMPACTO ORÇAMENTÁRIO E DA VIOLAÇÃO AO NOVO REGIME FISCAL


Diante da gravidade da crise fiscal brasileira nos últimos anos, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 95, que estabeleceu o chamado “teto dos gastos públicos”. Instituiu-se, assim, aquilo que ficou conhecido como Novo Regime Fiscal.

Entre tantas outras regras, tal emenda elevou ao patamar constitucional determinação que inseriu no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, dizendo expressamente:
“a proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”

No entanto, malgrado a clareza solar do dispositivo e o fato óbvio de que a lei aprovada altera (e altera gravemente) a despesa obrigatória com o Poder Judiciário, não houve no curso do processo legislativo qualquer estudo sobre os recursos necessários a viabilizar a implantação da medida, contrariando, portanto, o teor do disposto no art. 113 do ADCT e a responsabilidade fiscal.
Convém ressaltar que a proposta também não prevê nenhuma regra de transição para o Judiciário se adaptar, de modo que o período de vacatio legis é absolutamente insuficiente para os entes e correspondentes órgãos judiciais se adequarem à referida norma.
Mais ainda: a medida teria impacto praticamente imediato, afetando, portanto, a despesa do ano que está prestes a começar e para cujo exercício já existem orçamentos aprovados, tanto no âmbito da União quanto dos Estados, os quais, obviamente, não comportam de forma alguma despesa nesse montante.
O Desembargador Geraldo Pinheiro Franco, nesse sentido, eleito para comandar o Tribunal de Justiça de São Paulo, responsável por metade das demandas judiciais de todo o país, declarou que implementação é custosa e que pode vir a causar a extinção de comarcas.
Além disso, asseverou que “no Poder Judiciário de São Paulo não há juízes suficientes e haverá aumento de custos no momento em que o Tribunal não tem orçamento.”


IV - DA VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS INFORMADORES DO SISTEMA JURÍDICO


Nesse sentido, portanto, a medida fere os três subprincípios elementares da proporcionalidade: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Em primeiro lugar, fere o da adequação, porque não é capaz de atingir aquilo que dela se espera, que é um juiz absolutamente isento e imparcial que em nada tenha participado do processo. Qualquer participação no processo poderá macular, em uma visão exagerada, a decisão final, sendo o juiz perfeito apenas aquele que não conhece o processo. Apenas para se notar uma grande contradição nesse aspecto, observe-se que que o juiz sentenciante poderá relaxar ou determinar prisão e praticará, portanto, muitos outros atos que em tese o tornariam também, em tese, suspeito.
Mostrar que a norma não é adequada bastaria para que nãos e atendesse a proporcionalidade em geral, uma vez que o não atendimento a um subprincípio anterior prejudica a análise dos outros. Mas continua-se a análise apenas para demonstrar mais cabalmente o absurdo da norma.
No caso em apreço, a norma ora impugnada também não encontra fundamento no subprincípio da necessidade. Ora, a legislação conta com um aparato suficiente para coibir eventual parcialidade do juiz, não havendo necessidade alguma da estruturação de um processo penal compartilhado entre um juiz em fase investigativa e outro em fase instrutória.
Finalmente, em relação ao elemento da proporcionalidade em sentido estrito, é preciso observar os custos que o Estado deverá empregar à operacionalização do novo mecanismo. Evidentemente, uma vez que não há estudos científicos e tampouco parâmetros internacionais que assegurem a efetividade do “juiz das garantias”, sendo um expediente tipicamente casuístico, não há como suplantar os exacerbados gastos financeiros que tal medida se dispõe a fazer. Isto é: o novo ordenamento desrespeita frontalmente o princípio da proporcionalidade, gerando novos custos ao erário.
E que não se diga que não há diminuição dos direitos fundamentais naquilo que a norma propõe. Ao, como já se disse, impôr grave custo financeiro em um cenário de violenta crise fiscal, estão em risco os direitos sociais de toda a população brasileira e mesmo o funcionamento dos serviços públicos básicos. Mas não apenas: há também grave detrimento do princípio da razoável duração do processo e, ainda mais, da própria segurança pública, uma vez que a persecução judicial penal será grandemente dificultada pela aplicação da norma. Não se pode, pois, imaginar que a implantação da norma se daria apenas em benefício das liberdades individuais, mas sim, e isso deve essa Excelsa Corte sopesar na análise da proporcionalidade, a altíssimo custo dos direitos sociais, da segurança pública e da efetivação da Justiça.
A ausência de recursos para a implementação das atividades do juiz das garantias, a existência de outros meios para a análise da imparcialidade e a adequação da norma sem a necessária participação do Judiciário acarretará a inoperância do sistema. A esse respeito, o Conselho Nacional de Justiça se manifestou:

[...]

8. O Projeto, preocupando-se com a consolidação de um modelo acusatório, institui a figura do ‘juiz das garantias’, que será o responsável pelo exercício das funções jurisdicionais alusivas à tutela imediata e direta das inviolabilidades pessoais, sob duas preocupações básicas, segundo a exposição de motivos, a saber: a de otimizar a atuação jurisdicional criminal e a de manter o distanciamento do juiz incumbido de julgar o processo. Contudo, a consolidação dessa ideia, sob o aspecto operacional, mostra-se incompatível com a atual estrutura das justiças estadual e federal. O levantamento efetuado pela Corregedoria Nacional de Justiça no sistema Justiça Aberta revela que 40% das varas da Justiça Estadual no Brasil constituem-se de comarca única, com apenas um magistrado encarregado da jurisdição. Assim, nesses locais, sempre que o único magistrado da comarca atuar na fase do inquérito, ficará automaticamente impedido de jurisdicionar no processo, impondo-se o deslocamento de outro magistrado de comarca distinta. Logo, a adoção de tal regramento acarretará ônus ao já minguado orçamento da maioria dos judiciários estaduais quanto ao aumento do quadro de juízes e servidores, limitados que estão pela Lei de Responsabilidade Fiscal, bem como no que tange ao gasto com deslocamentos e diárias dos magistrados que deverão atender outras comarcas. Ademais, diante de tais dificuldades, com a eventual implementação de tal medida haverá riscos ao atendimento do princípio da razoável duração do processo, a par de um perigo iminente de prescrição de muitas ações penais.
Também é necessário anotar que há outros motivos de afastamentos dos magistrados de suas unidades judiciais, como nos casos de licença, férias, convocações para Turmas Recursais ou para composição de Tribunais.[5-A] (Grifou-se) (Nota Técnica nº. 10, de 17/08/2010)

De fato, segundo dados de 2019 da “Justiça em Números”, publicação do Conselho Nacional de Justiça, há na Justiça Estadual pouco mais de 2.700 comarcas no país, havendo portanto menos de uma comarca para cada dois municípios. De fato, os municípios sede são apenas 48% do total. E quase 70% (69,2%) das comarcas brasileiras são providas com apenas uma vara. Além disso, a taxa de congestionamento das varas criminais e do júri são já de alarmantes 78% e 81%, respectivamente.
Enquanto isso, havia na Justiça Estadual Comum em todo o país 12.472 juízes, sendo 26,8% desse total já com acúmulo de funções.
Existem cerca de 7,5 milhões de casos criminais pendentes e entram anualmente cerca de mais 2,5 milhões. Isso representa cerca de um em cada oito dos casos no Judiciário brasileiro. Considerando que para cada um desses casos serão necessários dois juízes, poderíamos estimar, ao menos nestes casos, uma queda na produtividade de 40%, o que causaria um impacto na ordem de 5% nos custos de todo o Judiciário Estadual. E, uma vez, que são dois juízes a conhecer do processo, imaginar a produtividade cair em 40% é uma estimativa bastante conservadora. Observe-se também que é razoável utilizar o juiz como uma unidade de custos, já que trabalha com todo o aparato e estrutura físicos e humanos necessários.
Isso resultaria em um impacto de cerca de R$ 2,6 bilhões, apenas, para a Justiça Estadual. Novamente, repita-se, trata-se de um cálculo extremamente simples e conservador, uma vez que não considera a maior complexidade de que ordinariamente se revestem os casos criminais, o que requer maiores custos no curso do processo, nem o já citado maior congestionamento nessa área e nem sequer o fato de a competência criminal não ser em geral isolada, o que causará uma necessidade de rodízio e substituição de magistrados muito intensa com custos que não foram devidamente sondados no correr da proposição legislativa. O mais provável é que o impacto real seja de duas ou três vezes o apontado, cabendo apontar aqui esse número apenas como homenagem ao comedimento e sobriedade.
Como asseverou Miguel Reale Júnior, em recente texto sobre o assunto:

“Como, então, pensar-se, em um país com este quadro de magistrados, na exigência de um juiz das garantias competente para despachar atos do inquérito diferente do juiz do processo? Mais de 50% das Comarcas têm apenas um juiz, enquanto número grande de comarcas possui dois juízes, sendo que a saída em férias ou doença de um emperrará o processo, pois o que autorizou uma busca e apreensão não poderá receber ou rejeitar a denúncia. A proposta de que na falta de juiz na comarca deve-se ir à comarca vizinha é, sem dúvida, muito distante da realidade.A par dessa realidade - marcada por flagrantes dificuldades operacionais, necessária se mostra, antes da adoção de uma medida estrutural dessa magnitude, que haja um diálogo entre as instituições envolvidas, de forma que a construção do melhor modelo seja realizada não a partir da imposição de um Poder sobre o outro, mas sim por meio da cooperação entre os protagonistas.”

O diálogo entre os três Poderes já foi adotado pela República em várias ocasiões. Destaque-se, por exemplo, que o Supremo Federal desenvolveu um debate sobre a crise do sistema carcerário brasileiro com outras instituições que vivem o dia a dia dos presídios brasileiros.
Desse modo, absolutamente salutar o diálogo entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para a implementação de um sistema penal adequado à realidade fenomênica brasileira e que assegure as diretrizes preconizadas pela Constituição.


V - DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO


Também há violação à razoável duração do processo, já rapidamente invocada, em face, principalmente da dinamicidade propriamente dita das investigações.
A divisão dos trabalhos pode acarretar consequências nefastas às partes do processo. Em crimes de “colarinho branco”, por exemplo, o juiz responsável pela instrução não acompanhará o desenvolvimento das investigações, ficando totalmente alheio aos acontecimentos empreendidos pela autoridade policial e pelo Ministério Público, o que poderá ocasionar um julgamento mais tardio, tendo em vista que o magistrado precisará de mais tempo para firmar sua convicção.
Encontra-se ainda mais agravada a situação pela regra disposta no § 5º do art. 157, ao criar como que nova hipótese de impedimento judicial, afastando o juiz instrutor do processo. Além de se violar o princípio da identidade física do juiz (em confronto direto com o disposto no próprio CPP, art. 399, § 2º), a medida pode ter o condão de prejudicar o próprio jurisdicionado réu em seu direito à ampla defesa, uma vez que o distanciamento entre a prova e o magistrado sentenciante prejudica a formação de um quadro probatório coeso e harmônico, colocando em xeque um dos escopos do processo penal, que é a busca da verdade material. De fato, ao praticamente criar um juiz para a sentença, distancia-se o julgador da concretude dos fatos, mantendo-se o seu contato apenas restrito ao mundo do processo.


VI - DA VIOLAÇÃO AO PACTO FEDERATIVO


É evidente a ocorrência de uma gravíssima violação ao pacto federativo, constitucionalmente protegido e prestigiado.
As alterações objeto da presente ação de controle concentrado promovem mudanças que não se enquadram propriamente como processuais, na medida em que revestida de caráter eminentemente estrutural, comprometendo a organização judiciária em todos os entes federados.
Para que se preserve o equilíbrio na cooperação entre os diferentes entes, faz-se necessária a atribuição de deveres e responsabilidades entre os Poderes, procurando-se, também, zelar pela observância das competências constitucionalmente fixadas, instrumentos por excelência do pacto federativo, valor consagrado no país desde a primeira Constituição da República.
Não restam dúvidas acerca da necessidade de um poder central, revestido de poderes que o habilitam a preservar a união e a coesão do próprio País. Nessa esteira, a União procura preservar as salutares atribuições dos Estados, o que não lhe autoriza, sob o fundamento de criar norma processual, impor-lhes, através do Poder Judiciário, obrigações inarredáveis, com gravosas consequências financeiras.


VII - DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO


Não fosse a já evidente inconstitucionalidade que fulmina todos os dispositivos apontados, ainda assim seria necessário garantir uma interpretação minimamente razoável a alguns dos dispositivos mais problemáticos da infeliz norma, que, mais do que tentar desgraçadamente tisnar a Constituição Federal, mal conseguem se sustentar em pé, tal sua incoerência intrínseca e falta de adequação à própria realidade.
Quanto a esses dispositivos, portanto, ainda que fossem considerados constitucionais, seria preciso reduzir-lhes o alcance, a fim de dar uma interpretação minimamente razoável. Nesse sentido, temos em primeiro lugar o art. 3º-A. O dispositivo apresenta redação obtusa, que pode ser vista no sentido de comprometer o poder de instrução complementar do juízo. Ao determinar de maneira ampla uma “estrutura acusatória” e vedar condutas genéricas, corre-se o risco de criar nulidades inicialmente imprevistas no processo. É preciso, pois, assegurar que esse dispositivo não seja interpretado senão no sentido das demais disposições colocadas e não como princípio geral, passível de gerar outras amarras à atuação do magistrado.
Em segundo lugar, e de gravidade mais ampla, temos o disposto no § 2º do art. 3º-B, que determina, sem mais, o imediato relaxamento da prisão se não concluído o inquérito no prazo. Essa hipótese deve estar restrita a casos em que não haja justificativa devida para o atraso ou para a manutenção da prisão. Do contrário, está criada uma situação que, ou bem poderá levar a soltura de figuras nefastas à ordem pública ou bem encerrará prematura e precipitadamente o inquérito, dificultando sobremaneira a apuração de crimes complexos, de elevada gravidade ou grande repercussão.
Em terceiro lugar, temos o § 3º do art. 3º-C, que determina o acautelamento dos autos das matérias de competência do juiz de garantias. Em tempos de processo eletrônico, não se pode compreender que se procure esconder os autos e suas provas ao próprio juiz da instrução. Trata-se de dispositivo que beira o risível, desvinculando ainda mais, de forma completamente despropositada, os elementos de instrução do inquérito policial do processo de instrução e julgamento. Na busca de um juiz imaculado e puro, que por nada seja afetado, a lei vai na direção de esconder os autos do juiz. Apenas para se demonstrar o absurdo da proposição, levado esse pensamento absurdo ao máximo, o próximo passo da legislação deveria ser escolher uma criança inocente, que nada saiba do processo, para julgar, pois só ela poderia dar um julgamento imparcial. É preciso, pois, assegurar que a disposição não signifique, ao menos, proibição ou dificultação de acesso aos autos.
Em quarto lugar, temos o caput e parágrafo único do art. 3º-D. Ao instituir um misterioso sistema de rodízio em comarcas de um único magistrado. De início, é evidente que o rodízio deve ser entre comarcas, uma vez que não se pode rotacionar com um único elemento. Mas o mais grave aí é o perigo de violação ao princípio do juiz natural e a possível nomeação de juízes sentenciantes ad hoc. O Tribunal respectivo, ao organizar o rodízio, poderá ter o poder de determinar quais juízes vão julgar quais casos. É preciso que se exija um sistema orgânico e natural de rodízio, que tenha uma lógica intrínseca e impessoal, sob pena de se escolherem os magistrados sentenciantes.
Finalmente, em relação ao art. 3B, XIV e 3º-C, é preciso estabelecer o funcionamento dessa disposição em relação principalmente a processos de competência originária dos tribunais e o funcionamento dos colegiados, de forma a estabelecer de forma minimamente sensata a limitação em relação ao recebimento da denúncia. Seria absurdo pensar na redistribuição da ação para outro relator após o recebimento da denúncia, que é feita na verdade por órgão colegiado.
Mais absurdo ainda, porém (e leitura possível de ser feita em uma verve garantista) seria o impedimento da atuação de todo o colegiado, já que cabe a ele o recebimento da denúncia. É preciso evitar essas interpretações esdrúxulas. Nesses casos, pois, é preciso estabelecer que o próprio colegiado é garantia, mantendo-se a competência tanto do relator quanto do órgão para julgamento do feito.


VIII - DA MEDIDA CAUTELAR


O fumus boni iuris é prontamente aferível por meio dos fundamentos supra mencionados: a) vício de iniciativa em relação ao projeto; b) ausência de estimativa de impacto orçamentário, violando-se o novo regime fiscal; c) menoscabo de princípios informadores do sistema jurídico; d) afronta ao princípio da razoável duração do processo; e) grave violação ao pacto federativo.
O periculum in mora, por sua vez, revela-se pelo fato de que a lei entrará em vigor em prazo exíguo e, sendo patente a incapacidade estrutural do Poder Judiciário dos Estados e da União para atender aos requisitos colocados, ameaçase gravemente gerar insegurança jurídica sobre as normas processuais a serem utilizadas, a afetar de maneira desastrosa a entrega da prestação jurisdicional.
Ameaça-se haver toda a sorte de inquinação de nulidades em relação a processos judiciais pendentes e vindouros.


IX – DOS PEDIDOS


Por tudo o que foi exposto, requer
a) inicialmente que este Excelso Pretório conceda, em MEDIDA CAUTELAR, a suspensão da eficácia dos dispositivos impugnados, seguindo-se as determinações de praxe do art. 10 da Lei nº 9.868/99;
b) sejam solicitadas informações à Presidência da República, à Presidência do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, bem como seja determinada a oitiva sucessiva do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, conforme arts. 6º e 8º da Lei nº 9.868/1999 e nos termos do art. 103, § 3º, da Constituição Federal;
c) ao final, a procedência da ação, a fim de declarar a inconstitucionalidade dos arts. 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3º-E e 3º-F (juiz das garantias) e do § 5º do art. 157, inseridos no Código de Processo Penal por meio da Lei n° 13.964, de 24 de dezembro de 2019;
d) subsidiariamente, a interpretação conforme dos dispositivos em tela, de modo a conferir-lhes adequada aplicação, nos termos do tópico VIII.
Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) para fins de alçada, tendo em vista o pedido ser insuscetível de apreciação econômica.
Por fim, requer-se a intimação das publicações em nome dos advogados que subscrevem a presente, sob pena de nulidade dos atos.
Nesses termos, pede deferimento.
Brasília/DF, 28 de dezembro de 2019.

GUILHERME RUIZ NETO
OAB/SP 303.736

LUIZ AUGUSTO FREIRE
OAB/DF 52.540

CAIO CHAVES MORAU
OAB/SP 357.111


https://static.poder360.com.br/2019/12/ADI-Juiz-das-garantias-Assinado.pdf





Referências

https://static.poder360.com.br/2019/12/dias.toffoli.28.nov_.2019.sergio.lima_-868x644.jpg
https://www.poder360.com.br/justica/partidos-entram-na-justica-contra-criacao-do-juiz-de-garantias/
https://static.poder360.com.br/2019/12/ADI-Juiz-das-garantias-Assinado.pdf

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