Como
as plantas, a amizade não deve ser muito nem pouco regada.
Carlos
Drummond de Andrade
VERSOS DE ORGULHO Florbela Espanca (1894-1930);
POEMA PATÉTICO Emílio Guimarães Moura (1902-1971);
Filosofia Noel Rosa (1910 -1937);
"Tomemos o exemplo de sua ligação a Drummond. O
primeiro filho de Emílio Moura, nascido em 1931, teve o nome de Carlos Eloy.
Traduzo: Carlos, de Carlos Drummond de Andrade, Eloy, nome do pai de Emílio,
avô de Carlos Eloy.";
A amizade é um meio de nos isolarmos da humanidade
cultivando algumas pessoas. Carlos Drummond de Andrade (1902 -1987)
Romântica
e Brava Geração?!
Ou simplesmente amigos juntos ou separados por um
braço de mar!?
Assim nasce mais uma inspiração para os delírios do
mundovelhomundonovo
Artigo
Emílio
Moura: as amizades eletivas
Fábio Lucas
Escritor,
ensaísta e crítico literário, foi colega e amigo de Emílio, quando docentes da
Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG
Acervo
de família
|
O
poeta Emílio Moura
|
Quando o Suplemento Literário do Minas Gerais dedicou
dois números especiais a Emílio Moura, em artigo, chamei a atenção para o seu
culto da amizade, traço, a meu ver, comum à sua geração, mas elevado a dogma
pelo poeta. Algum tempo depois, em encontro acidental com Carlos Drummond de
Andrade, este comentou o meu depoimento, assinalando: “Gostei especialmente da
lembrança de que, para o Emílio, o amigo não tem defeito”. O artigo Emílio
Moura saíra em 19 de abril de 1969.
No Suplemento anterior, de 12 de abril de
1969, Carlos Drummond proclama, no poema Emílio Moura de Dores do
Indaiá (p. 3): “Amizade, teu doce apelido é Emílio”. Na mesma página,
Hélio Pelegrino registra em Um poeta de corpo inteiro: “É mineiro de
quatrocentos anos, no físico como no metafísico.” E assinala: “Jamais escreveu
cartas aos amigos, mesmo aos amigos queridos, embora saiba dedicar-lhes uma
fidelidade sem limites.”
Na sua obra, reunida no volume Itinerário
Poético, temos apontado, entre os temas recorrentes, o da carência amorosa. Ou,
mais especificamente, o culto da amada ausente. Só para recordar alguns versos,
vejamos o final de Quantas vezes, poema de O Espelho e a Musa”
(1947-1948): “Só em sonhos é que já foste minha:/ só nos momentos de solidão
absoluta é que realmente te encontro”. Observemos, agora, os derradeiros versos
do soneto À luz da tarde, de Desaparição do Mito (1949-1951):
“Quem és tu que te esvais, trêmula, trêmula/ diante do amor que neste amor te
invento?”
Muitos analistas de sua produção lírica
confundiram-se com o excesso de perguntas constantes dos seus versos. Ao mito
da distante mulher idealizada, acrescentou-se o princípio das indagações sem
resposta. O “eu lírico” se exasperava na tessitura infinita de questionamentos.
Emílio Moura se defendeu: não entenderam que as perguntas constituem um
processo estilístico. Assim o vejo na interminável busca do indizível: a amada,
a morte, o ser, o destino, a solidão. A metafísica incurável do seu
neoplatonismo. No fim da vida e da obra, como no poema Só agora, lamenta a
dispersão em que se perdeu: “Onde estou, não sou./ Nunca sou totalmente./ E é
um ficar, sem deter-me, e um partir, sem levar-me.” Ou, na contemplação do
nada, no primeiro verso do poema Eu, no tempo: “Meu espírito caminha
irreversivelmente para a irrealidade de tudo.”
Além da amada ausente, Emílio Moura se derrama na
louvação do pai, da mãe, dos filhos, dos netos e da casa em que viveu os anos
da infância. Não especifica a amizade como assunto poético, a não ser quando
esta se insinua nas variadas dedicatórias de composições a escritores. E em
alguns poemas de evocação dos mortos. De qualquer forma, o poeta não se
descuidava de reverenciar Aníbal Machado, Guilhermino César, Pedro Nava, Ciro
dos Anjos, Fritz Teixeira de Salles, Dantas Mota, Fernando Sabino, Paulo Mendes
Campos, Hélio Pelegrino, Otto Lara Resende, Marco Aurélio de Moura Matos, Rubem
Braga, Vinicius de Moraes, Di Cavalcanti, Murilo Mendes, César Leal, Ciro
Pimentel. Uma legião de companheiros de ofício.
Mas não explora o tema fulcral do seu devotamento
afetivo à amizade, que, segundo penso, para a amizade, sólida e definitiva,
Emílio Moura já possuía a resposta. A perfeição do laço de envolvimento
amistoso não lhe permitiria o processo da dúvida, da indagação sucessiva em
direção da essência.
Tomemos o exemplo de sua ligação a Drummond. O primeiro
filho de Emílio Moura, nascido em 1931, teve o nome de Carlos Eloy. Traduzo:
Carlos, de Carlos Drummond de Andrade, Eloy, nome do pai de Emílio, avô de
Carlos Eloy. Para o quarto filho, Emílio Moura reservou o nome de Carlos
Alberto: Carlos, mais uma vez, de CDA e Alberto, de Alberto Campos. O segundo
filho se chamou Alberto Luís, mais uma evocação a Alberto Campos, intelectual
cedo demais falecido. No arquivo de Emílio Moura, surpreende no
jornal Minas Gerais a notícia do enterro de Alberto Campos, em 19 de
junho de 1933 (Minas Gerais de 20/6/1933).
Não cessa aí o enredo da amizade. Emílio Moura se
distribuía num semnúmero de relações afetivas. Parentes próximos ou
conterrâneos de Dores do Indaiá se repartiram em múltiplos ramais. A família
Fiúza, por exemplo, me foi introduzida por ele. Os Caetanos ficaram num de seus
últimos poemas, lido entre sorrisos por ele e Antônio Luís (terceiro filho) no
leito do hospital. Contrariando sua determinação, incluí o poema Ser
Caetano na antologia que preparei sobre ele, com ensaio biobibliográfico.
Assim como reproduzi bela Elegia na revista da Academia Mineira de
Letras (julho/ agosto de 2004, p. 53) procedente do suplemento
literário Letras e Artes de A Manhã (Rio) de 4 de setembro
de 1949. Por Emílio, fui apresentado a Gustavo Capanema e Gabriel Passos.
A meu ver, no território das letras, Carlos Drummond
de Andrade e Antônio Cândido representaram a sua mais calorosa admiração. Em
seguida, pelo número de referências, Abgar Renault e Marques Rebelo. Certa vez,
quando lhe foi prestada homenagem, em ocasião já marcada pela saúde em
declínio, comuniquei a todos esses a iniciativa do evento. Antônio Cândido, na
sua dimensão ética inenarrável, deslocou-se de São Paulo e lá esteve para
visitar o amigo. Dedicara sua mais recente obra de então, Vários
Escritos (1970) a Emílio, “grande poeta e grande amigo”.
Emílio Moura não era afeito a manter correspondência
com escritores. Mas sustentava relativo diálogo epistolográfico com certos
companheiros. Além dos amigos da juventude, Drummond, Nava, Capanema, lembro-me
de Lyvia Ferreira Santos, autora de vários estudos acerca da lírica emiliana,
Dantas Mota, Oscar Mendes, alguns outros. Mário de Andrade ficou meio resmungão
com ele e exprimiu seu desgosto a Drummond. Motivo: falta de respostas.
Mais que todos, na vida do poeta Emílio, em termos
de convivência demorada, de confiança mútua, convém lembrar João Alphonsus,
notável contista, poeta e jornalista, falecido em 23 de maio de 1944. Quando
percorro parcela dos guardados de Emílio Moura, a todo momento tropeço em
recortes, anotações e esboços que têm João Alphonsus como foco. Nas conversas
íntimas, quanta revelação sobre o contista eu tive. João Alphonsus confiou a
Emílio Moura uma parcela dos documentos deixados pelo velho Alphonsus de
Guimaraens. Emílio, a seguir, os repassou a Alphonsus de Guimaraens Filho.
Emílio Moura havia publicado uma série de artigos sobre o nosso simbolista e
tencionava escrever um ensaio sobre ele, mas acabou desistindo do projeto.
Capítulo especial poderia ser dedicado à sua
convivência com Cristiano Martins, poeta, ensaísta e tradutor. Homem austero e
comedido, reservado ao extremo, acompanhava sempre Emílio às livrarias e aos
campos de futebol. Somente depois de anos de ida aos estádios (Emílio a glorificar
o Clube Atlético Mineiro), é que o poeta descobriu que Cristiano Martins torcia
pelo América Futebol Clube.
Não posso omitir que Emílio Moura guardava especial
apreço pelos escritores novos, aos quais tratava com afeto, abertura e alto
nível de atenção, como se fossem velhos conhecidos. Tinha horror, sim, de
jornalistas que, intencionalmente ou por displicência, deformavam o seu
pensamento.
Daí a legião de amigos que Emílio Moura colecionou
ao longo da vida. Quanto a mim, cultivei sua presença por 18 anos de
convivência quase diária. Ninguém esteve tão próximo de mim nas pompas e
desastres da vida. Interagimos em momentos cruciais de nosso destino. Quando
nos afastamos geograficamente e fui para o exterior, tive dele cartas e
manifestações. Acompanhei sua enfermidade a distância, sempre sonhando com o
reencontro pessoal, o que não foi possível.
POETA
EMÍLIO
Entre o Brejo e a Serra,
entre o Córrego d’Antas,
o Aterrado, o Quartel Geral e Santa Rosa,
entre o Campo Alegre e a Estrela,
nasce em 1902
o poeta Emílio (Guimarães) Moura,
esguia palmeira
Pindarea
concinna: o ser
ajustado à poesia
como a palmeira se ajusta ao Oeste de Minas.
E cresce. Viaja.
Vejo
sob a lua perfumada a cravos de Barbacena,
alojado na Pensão Mondego
o rapazinho fazer distraídos preparatórios
(para ser como toda gente bacharel formado)
e preliminares poemas
em busca da clave própria.
Advogado não seria,
posto que doutor de beca para foto de colação
- quem o veria requerer despejo?
- alegar falsidade de testamento?
- promover desquite litigioso?
Torcedor do Atlético, fumante de cigarro de palha
marca Pachola,
quando não os prefere fazer ele mesmo
com ponderada, mineira, emiliana perícia,
eis Moura - de tantas noites andarilhas nas jasmineiras
ruas peremptas de Belo Horizonte.
O Diário de Minas, lembras-te, poeta?
Duas páginas de Brilhantina Meu Coração e Elixir de
Nogueira,
uma página de: Viva o Governo,
outra - doidinha - de modernismo,
tua cegonha figura escrevendo o cabeço das “Sociais”,
nós todos na esperança de um vale do Bola - o
Eduardinho gerente...
Com serenidade de irmão que vai ficando tio
e avô, e tem paciência carinhosa com os netos,
assistes ao passar de gerações:
A
Revista, Surto, Edifício, Vocação, Tendência, Complemento, Ptyx,
ao morrer (Alberto puxa a fieira) e ao dispersar de
amigos,
rocha sensível em meio à evanescência das coisas
de que guardas exata memória no coração de palmeira
solitária comunicante solidária.
Toda palmeira na essência é estranha
em sua exemplaridade:
palmeira que anda, ave pernalta
palmeira que ensina, mestra de doutrinas
líricas disfarçadas em econômicas
e o mais que esta conta em voz baixa, sussurro
de viração nas palmas:
amizade, teu doce apelido é Emílio.
Fiel à casa primeira e reimplantando-a
no lote da palavra,
fraco/forte diante da vida que corta e esfarinha,
sereno/desenganado agulha terna apontando
para o enigma indecifrável do mundopoesia teu nome
particular é Emílio.
12-4-1969
Um
poema realmente patético, na criatividade de Emílio Moura
Posted on Maio 2, 2018 by Tribuna
da Internet
Moura,
retratando o escritor Ciro do Anjos
Paulo Peres
Site Poemas & Canções
Site Poemas & Canções
O
jornalista, professor, artista plástico e poeta mineiro Emílio Guimarães
Moura (1902-1971), no “Poema Patético”, fala das emoções que o amor
divide entre o desejo e a angústia.
POEMA
PATÉTICO
Emílio Moura
Emílio Moura
Como a voz de um pequeno braço de mar perdido dentro
de uma caverna,
Como um abafado soluço que irrompesse de súbito de um quarto fechado,
Ouço-te, agora, a voz, ó meu desejo, e instintivamente recuo até as origens de minha angústia,
Policiada e vencida, oh! afinal vencida por tantos e tantos séculos de resignação e humildade.
Como um abafado soluço que irrompesse de súbito de um quarto fechado,
Ouço-te, agora, a voz, ó meu desejo, e instintivamente recuo até as origens de minha angústia,
Policiada e vencida, oh! afinal vencida por tantos e tantos séculos de resignação e humildade.
Em que hora remota, em que época já tão distanciada,
foi que os ares
vibraram pela última vez, diante de teu último grito de rebeldia?
Quantas vezes, ó meu desejo, tu me obrigaste a acender grandes fogueiras dentro da noite.
E esperar, cantando, pela madrugada?
vibraram pela última vez, diante de teu último grito de rebeldia?
Quantas vezes, ó meu desejo, tu me obrigaste a acender grandes fogueiras dentro da noite.
E esperar, cantando, pela madrugada?
Mas, e hoje? Hoje a tua voz ressoa dentro de mim,
como um cântico de órgão.
Como a voz de um pequeno braço de mar perdido dentro de uma caverna,
Como um abafado soluço que irrompesse, de súbito, de um quarto fechado.
Como a voz de um pequeno braço de mar perdido dentro de uma caverna,
Como um abafado soluço que irrompesse, de súbito, de um quarto fechado.
TRISTE
HORIZONTE- Carlos Drummond de Andrade
Drummond
escreveu o seguinte poema em 1976, jamais retornando a Belo Horizonte até sua
morte em 1987.
"Por que não vais a Belo Horizonte? a saudade
cicia e continua, branda: Volta lá.
Tudo é belo e cantante na coleção de perfumes das
avenidas que levam ao amor, nos espelhos de luz e penumbra onde se projetam os
puros jogos de viver. Anda! Volta lá, volta já.
E eu respondo, carrancudo: Não.
Não voltarei para ver o que não merece ser visto, o
que merece ser esquecido, se revogado não pode ser.
Não o passado cor-de-cores fantásticas, Belo
Horizonte sorrindo púber e núbil sensual sem malícia, lugar de ler os clássicos
e amar as artes novas, lugar muito especial pela graça do clima e pelo gosto,
que não tem preço, de falar mal do Governo no lendário Bar do Ponto.
Cidade aberta aos estudantes do mundo inteiro,
inclusive Alagoas, "maravilha de milhares de brilhos
vidrilhos"mariodeandrademente celebrada.
Não, Mário, Belo Horizonte não era uma tolice como
as outras. Era uma provinciana saudável, de carnes leves pesseguíneas. Era um
remanso, era um remansopara fugir às partes agitadas do Brasil, sorrindo do Rio
de Janeiro e de São Paulo: tão prafrentex, as duas! e nós lá: macio-amesendados
na calma e na verde brisa irônica...
Esquecer, quero esquecer é a brutal Belo Horizonte
que se empavona sobre o corpo crucificado da primeira. Quero não saber da
traição de seus santos. Eles a protegiam, agora protegem-se a si mesmos. São
José, no centro mesmo da cidade, explora estacionamento de automóveis. São José
dendroclasta não deixa de pé sequer um pé-de-pau onde amarrar o burrinho numa
parada no caminho do Egito. São José vai entrar feio no comércio de imóveis,
vendendo seus jardins reservados a Deus. São Pedro instala supermercado. Nossa
Senhora das Dores, amizade da gente na Floresta, (vi crescer sua igreja à
sombra do Padre Artur) abre caderneta de poupança, lojas de acessórios para
carros, papelaria, aviário, pães-de-queijo.
Terão endoidecido esses meus santos e a dolorida mãe
de Deus? Ou foi em nome deles que pastores deixam de pastorear para faturar?
Não escutem a voz de Jeremias (e é o Senhor que fala por sua boca de vergasta):
"Eu vos introduzi numa terra fértil, e depois de lá entrardes a
profanastes. Ai dos pastores que perdem e despedaçam o rebanho da minha
pastagem! Eis que os visitarei para castigar a esperteza de seus desígnios".
Fujo da ignóbil visão de tendas obstruindo as
alamedas do Senhor. Tento fugir da própria cidade, reconfortar-me em seu
austero píncaro serrano. De lá verei uma longínqua, purificada Belo Horizonte
sem escutar o rumor dos negócios abafando a litania dos fieis. Lá o imenso azul
desenha ainda as mensagens de esperança nos homens pacificados - os doces
mineiros que teimam em existir no caos e no tráfico. Em vão tento a escalada.
Cassetetes e revólveres me barram a subida que era alegria dominical de minha
gente. Proibido escalar. Proibido sentir o ar de liberdade destes cimos,
proibido viver a selvagem intimidade destas pedras que se vão desfazendo em
forma de dinheiro. Esta serra tem dono. Não mais a natureza a governa.
Desfaz-se, com o minério, uma antiga aliança, um rito da cidade. Desiste ou
leva bala. Encurralados todos, a Serra do Curral, os moradores cá embaixo.
Jeremias me avisa: "Foi assolada toda a serra; de improviso derrubaram
minhas tendas, abateram meus pavilhões. Vi os montes, e eis que tremiam. E
todos os outeiros estremeciam. Olhei terra, e eis que estava vazia, sem nada
nada nada".
Sossega minha saudade. Não me cicies outra vez o
impróprio convite. Não quero mais, não quero ver-te, meu Triste Horizonte e
destroçado amor".
A
ironia está na visão que o poeta tem, não só daquele mundo fantástico, mas da
própria vida e dos homens. Tudo é fábula e tudo é verdadeiro, porque é fatal
que creiamos serem verdadeiras as vãs aparências que brotam de nossas ilusões e
paixões; iludir-se pode ser belo, mas quando se é levado a imaginar em demasia
sempre se chora depois o engano: e este engano se nos aparece cômico ou
trágico, conforme o grau de nossa participação nas vicissitudes de quem dele
padece, segundo o interesse ou simpatia que aquela paixão ou aquela ilusão
suscitam em nós, segundo os efeitos que aquele engano produz. (PIRANDELLO,
1999, p. 117)
Noel
Rosa e Carlos Drummond de Andrade: a criação do sujeito lírico outsider na
cultura brasileira
(Noel Rosa and
Carlos Drummond de Andrade: the creation of the outsider lyric subject in the
Brazilian culture)
Mayra Pinto1
1 Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas –
Universidade de São Paulo (USP) mayrapinto@usp.br
Abstract: From
the common discursive paradigm to humor, irony and colloquialism (traits of the
spoken discourse) to literature and to the songs from the 20’s and 30’s of the
20th century, the poetic ancestry of the outsider lyric subject came, which
generated a similar voice in Noel Rosa’s work, especially in what was produced
between 1929 and 1937 focusing on the lyric self of the samba songwriter, and
in the first two books written by Carlos Drummond de Andrade (Alguma Poesia,
1930, and Brejo das Almas, 1934). This paper proposes a comparative analysis of
these works in order to understand the enunciative intersections that
contributed to the invention of a discursive-poetic tendency, which is common
in the literature and in the urban popular music of the same Brazilian
historical period. Our analysis is based on Bakhtinian enunciative theories and
on Luigi Pirandello’s concept of humorism to verify how these intersections
were created stylistically and axiologically.
Keywords: Noel Rosa; Carlos Drummond de Andrade;
irony; humor; colloquialism.
Resumo: Do paradigma discursivo comum – humor,
ironia e tom coloquial/marcas do discurso falado – à literatura e à canção das
décadas de 20 e 30 do século XX, nasceu a linhagem poética do sujeito lírico
outsider, que engendrou uma voz semelhante na obra de Noel Rosa, sobretudo
naquela centrada no eu-lírico do sambista, (produzida entre 1929-1937) e nos
dois primeiros livros de Carlos Drummond de Andrade, Alguma Poesia (1930) e
Brejo das Almas (1934). Este artigo propõe a análise comparativa de alguns
aspectos dessas obras a fim de compreender quais intersecções enunciativas
contribuíram para a invenção de uma linhagem poético-discursiva comum à literatura
e à canção popular urbana no mesmo momento histórico brasileiro. Além das
teorias enunciativas de viés bakhtiniano, o conceito de humorismo, criado por
Luigi Pirandello, será a base para averiguar como essas intersecções foram
construídas tanto estilística quanto axiologicamente.
Palavras-chave: Noel Rosa; Carlos Drummond de
Andrade; ironia; humor; tom coloquial.
Meu
primeiro livro, Alguma Poesia (1930), traduz uma grande inexperiência do
sofrimento e uma deleitação ingênua com o próprio indivíduo. Já em Brejo das
Almas (1934), alguma coisa se compôs, se organizou; o individualismo será mais
exacerbado, mas há também uma consciência crescente de sua precariedade e uma
desaprovação tácita da conduta (ou falta de conduta) espiritual do autor.
(1944)
Fita
amarela (gravada por Francisco Alves e Mário Reis em dez/1932)
[...]
Se existe alma,
Se há outra encarnação,
Eu queria que a mulata
Sapateasse no
meu caixão.
Necrológio
dos desiludidos do amor (Brejo das Almas, 1934)
[...]
os desiludidos seguem iludidos.
Sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.
Noel
Rosa - Fita Amarela (Francisco Alves e Mario Reis)
Fita
Amarela
Francisco Alves
Quando eu morrer
Não quero choro, nem vela
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela
Quando eu morrer
Não quero choro, nem vela
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela
Não quero flores
Nem couroa com espinho
Só quero choro de flauta
Com violão e cavaquinho
Quando eu morrer
Não quero choro, nem vela
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela
Quando eu morrer
Não quero choro, nem vela
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela
Se existe alma
Se há outra encarnação
Eu queria que a mulata sapateasse no meu caixão
Quando eu morrer
Não quero choro, nem vela
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela
Quando eu morrer
Não quero choro, nem vela
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela
Os inimigos
Que hoje falam mal de mim
Vão dizer que nunca viram uma pessoa tão boa assim
Os inimigos
Que hoje falam mal de mim
Vão dizer que nunca viram uma pessoa tão boa assim
Quando eu morrer
Não quero choro, nem vela
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela
Quando eu morrer
Não quero choro, nem vela
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela
Composição: Noel Rosa
Referências
https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcS7vFZO9gJ0DD2uKL3DyJmQncFjTMB1jtvBmr7vXTjTYbX4Es3v
https://www.ufmg.br/diversa/11/imagens/acervofamilia-emilio-moura.jpg
https://www.ufmg.br/diversa/11/artigo2.html
https://vdocuments.site/carlos-drummond-de-andrade-versiprosa.html
https://cartografosdavertigemurbana.files.wordpress.com/2015/09/wilson-baptista_emilio-moura-pintor.jpg?w=636&h=419
http://www.tribunadainternet.com.br/um-poema-realmente-patetico-na-criatividade-de-emilio-moura/#comment-544664
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjld3SghmejRCjlEhuUaQ9TOXNfjj3gVxlBX6rrh8AMkOpPvsPIof-zOjrjaNdqW1kWy5zc8hoe1JrNesOLCdorrnD7EDfkuwElW456SdIclQtyxNCX_FpIh2_My9iNlceViO_47lSOnn8/s320/800px-Belo_Horizonte_-_Serra_do_Curral.jpg
http://guayaberamineira.blogspot.com.br/2009/05/triste-horizonte-carlos-drummond-de.html
http://www.gel.org.br/estudoslinguisticos/volumes/42/el42_v3_set-dez_28_v2.pdf
https://youtu.be/Kjwzj99U6wE
https://www.letras.mus.br/francisco-alves/1744036/
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