"Nise... Canto o teu nome..."
Gatos, emoção de lidar
Morte da Baleia
RESENHA
“Fabiano,
você é um homem, exclamou em voz alta.”
“–
Você é um bicho, Fabiano.”
“–
Um bicho, Fabiano” (RAMOS, 1992, p. 18)
“a
cachorra espiou o dono desconfiada” (RAMOS, 1992, p. 87)
“andou
como gente, em dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo”
(RAMOS, 1992, p. 88).
“acreditava”,
“admitia”, “achava”, “estranhou”,“não sabia”, “sentiu”, “percebeu” e “franziu”.
“Ela
era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se
diferenciavam, rebolavam na areia do rio e no estrume fofo que ia subindo,
ameaçava cobrir o chiqueiro das cabras”. (RAMOS, 1992, p. 85, 86)
Não
se lembrava de Fabiano. Tinha havido um desastre, mas Baleia não atribuía a
esse desastre a impotência em que se achava nem percebia que estava livre de
responsabilidades. Uma angústia apertou-lhe o pequeno
coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de suçuarana
deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas afastadas. (RAMOS, 1992, p.
89)
Quando
as opiniões divergem e o entendimento persiste, então a amizade é segura e
tranquila. Dra. Nise da Silveira
Fabio Lins Lessa é autor de um belo
documento histórico publicado em seu portal cujo título é sobre o encontro de
dois gênios alagoanos: o escritor Graciliano Ramos e a Médica Psiquiatra e
Psicanalista Dra. Nise da Silveira.
O título é instigante, sensível,
merecendo ser lido e divulgado por todos que valorizam o conhecimento profundo
do afeto unindo duas pessoas de personalidades díspares mas gêmeas no espírito,
na alma e no humanismo a torná-las únicas na unidade da história das Alagoas,
do Brasil e da humanidade.
Tenham uma profunda viagem em:
“O encontro e a amizade entre
Graciliano Ramos e Nise da Silveira”
31
de dezembro de 2015
“Não
tenho como esconder minha admiração por dois grandes nomes da história
brasileira: o escritor Graciliano Ramos e a médica Nise da Silveira, ambos
alagoanos. Aliás, ao invés de esconder tal admiração, faço questão de
demonstrá-la sempre que posso, tanto que os tais personagens já mereceram
diversos posts deste blog:
https://culturaeviagem.wordpress.com/category/lugares-pessoas-ideias-e-projetos-depara-alagoas/
“
fabiolinslelssla
Sobre
Graciliano Ramos e Nise da Silveira:
Sobre Nise da Silveira:
Sobre Graciliano Ramos:
“Quis
o destino que os maiores alagoanos de todos os tempos tenham se encontrado e se
tornado amigos quando estiveram presos no Rio de Janeiro. O ano era 1936, em
plena Era Vargas, período de repressão, onde pensar de forma diferente era
considerado uma ameaça à Nação. O escritor, na época com 43 anos e morando em
Maceió, já havia publicado Caetés e São Bernardo, exercia o cargo de Diretor da
Instrução Pública de Alagoas (uma espécie de Secretário da Educação do Estado);
a médica, residindo na então capital federal, com seus 31 anos, dava os
primeiros passos para a revolução na psiquiatria.
O
detalhe era que ambos eram simpatizantes de ideias comunistas, único “crime”
que, sem qualquer processo, levou-os à prisão. Graciliano esteve em seu
“cárcere” entre os dias 03 de março de 1936 e 03 de janeiro de 1937; por sua
vez, Nise da Silveira esteve presa entre os dias 26 de março de 1936 e 21 de
junho de 1937.
Pelo
menos, durante oito meses, viveram o mesmo drama e a sofreram a mesma
injustiça, que tanto influenciaram suas trajetórias.”
No artigo “Graciliano Ramos e Nise
da Silveira em Memórias do Cárcere”, de Elvia Bezerra, vemos como se deu o
encontro entre os alagoanos:
“Os
dois são alagoanos e não se conheciam até que a polícia do governo Getúlio
Vargas levou-os a serem vizinhos no Complexo Presidiário Frei Caneca: Nise da
Silveira na Sala 4, o cárcere feminino das presas políticas, que dividiu com
Olga Prestes e outras, e Graciliano Ramos, que estava preso no Pavilhão dos
Primários.
A
comunicação clandestina entre os dois ambientes se fazia por meio da
“pororoca”, nome que a escritora capixaba Haydée Nicolussi, uma das presas, deu
à barulhenta descarga do banheiro da Sala 4. Como a parede do banheiro fazia
divisão com o Pavilhão, as presas cavaram um buraquinho bem ao lado da
“pororoca”, criando assim uma forma de se comunicar com os vizinhos.
Mas
o encontro entre Graciliano Ramos e Nise da Silveira não teve qualquer caráter
de improviso. Ao contrário, tomou um caráter até solene. Verdade que a presença
dela na Sala 4 deve ter chegado aos ouvidos do escritor pela “pororoca”, mas
revestiu-se de uma certa gravidade no modo como ele descreve o momento em que
se apresentam um ao outro, em comovente página de Memórias do cárcere.
“Numa
passada larga, atingi o vão da janela: agarrei-me aos varões de ferro, olhei o
exterior, zonzo, sem perceber direito por que me achava ali. Uma voz chegou-me,
fraca, mas no primeiro instante não atinei com a pessoa que falava. Enxerguei o
pátio, o vestíbulo, a escada já vista no dia anterior. No patamar, abaixo de
meu observatório, uma cortina de lona ocultava a Praça Vermelha. Junto, à
direita, além de uma grade larga, distingui afinal uma senhora pálida e magra,
de olhos fixos, arregalados. O rosto moço revelava fadiga, aos cabelos negros
misturavam-se alguns fios grisalhos. Referiu-se a Maceió, apresentou-se:
–
Nise da Silveira.
Noutro
lugar o encontro me daria prazer. O que senti foi surpresa, lamentei ver a
minha conterrânea fora do mundo, longe da profissão, do hospital, dos seus
queridos loucos. Sabia-a culta e boa, Rachel de Queiroz me afirmara a grandeza
moral daquela pessoinha tímida, sempre a esquivar-se, a reduzir-se, como a
escusar-se de tomar espaço. Nunca me havia aparecido criatura mais simpática. O
marido, também médico, era o meu velho conhecido Mário Magalhães. Pedi notícias
dele: estava em liberdade. E calei-me, em vivo constrangimento.
De
pijama, sem sapatos, seguro à verga preta, achei-me ridículo e vazio;
certamente causava impressão muito infeliz. Nise, acanhada, tinha um sorriso
doce, fitava-me os bugalhos enormes, e isto me agravava a perturbação,
magnetizava-me. Balbuciou imprecisões, guardou silêncio, provavelmente se
arrependeu de me haver convidado para deixar-me assim confuso.”
Não
foi exagero do autor de Memórias quando disse a Homero Senna: “Em qualquer
lugar estou bem. Dei-me bem na cadeia… Tenho até saudades da Colônia
Correcional. Deixei lá bons amigos”. Era verdade. Nise da Silveira me contou,
numa das nossas deliciosas conversas, que ele andava com seus chinelos
arrastando pelos corredores em absoluta tranquilidade. Não tinha qualquer
pressa em sair dali, diferentemente dela, que na noite de São João de 1936,
quando foi libertada, depois de um ano e seis meses de prisão, identificava-se
com os balões que via no céu, livres.”
Em outro artigo “Nise, sua vida,
sua obra…”, de José Otávio Pompeu e Silva, podemos saber mais detalhes acerca
da convivência entre os dois gênios alagoanos:
“Graciliano
conhecia Mário Magalhães, mas nunca a havia encontrado antes. A alagoana já
tinha visto ao longe Graciliano durante seu passeio preferido de visita às
livrarias do Centro do Rio de Janeiro, mas só foi apresentada ao escritor na
cadeia. Apesar do encontro insólito e de lamentar ver Nise da Silveira presa e
afastada do trabalho de médica, a empatia entre os dois alagoanos foi imediata.
Graciliano afirmou “nunca me havia aparecido criatura mais simpática” (idem). O
contato entre Graciliano e Nise iniciado no Pavilhão dos Primários se
intensificou na enfermaria da Casa de Correção. Nise chegou à enfermaria
sofrendo de um “desarranjo nervoso, consequência provável dos interrogatórios
longos. A timidez agravava-se, fugia-lhe às vezes a palavra e um desassossego
verdadeiro transparecia no rosto pálido, os grandes olhos moviam-se tristes”
(idem, p. 493). Graciliano chegou na enfermaria completamente arrasado,
sentia-se mal, vivia com uma teimosa resistência.
Ela
teve uma síncope nervosa, tendo chegado ao seu limite; talvez a presença do
conterrâneo na mesma enfermaria a tenha salvo de estados mais perigosos do ser.
Nise atesta a amizade que construiu com Graciliano neste duro momento da sua
vida: “num período que eu passei na enfermaria e Graciliano esteve também,
quando veio da Ilha, aí tive amizade mais estreita com ele”. Este momento de
sofrimento psíquico em que o afeto de Graciliano a ajudou a aguentar a dor e
superar a situação adversa foi decisivo na sua capacidade de alteridade, de se
colocar no lugar do doente mental, a qual Nise cultivou durante toda sua
posterior vida profissional. Em uma das conversas durante o tempo que passaram
na enfermaria, Graciliano contou que já possuía informações sobre Nise; a
escritora Raquel de Queiroz tinha elogiado a grandeza moral de Nise. Ao saber
disso Nise surpreendeu Graciliano dizendo que não achava nenhum caráter em
Raquel de Queiroz. Não perdoava a escritora Raquel por ter dito em um programa
de rádio que Nise a acusava de ser trotskista. Este fato rememorava o episódio
da expulsão do partido comunista e provocava fúria na alagoana.
Para
passar o tempo no cárcere, Nise e Graciliano jogavam cartas. Graciliano não
conhecia as combinações das cartas, aprendeu a jogar crapaud com Nise.
Graciliano pegou gosto pelo jogo e sempre procurava um parceiro para passar o
tempo com as cartas, com seu singular humor, ele escreveu em Memórias do
Cárcere: “Nise deu-me as primeiras lições do jogo que iria desviar-me das
letras nacionais” (Ramos, 1985, p. 494).
O
passatempo predileto de Nise era imaginar filmes em cartaz, convidava
Graciliano para participar com ela dessas sessões de cinema imaginário. Quando
mesmo preso Graciliano Ramos lançou o livro Angústia, a esposado escritor
conseguiu contrabandear alguns exemplares para dentro da prisão. O diretor da
prisão, o também alagoano Major Nunes, permitiu que as prisioneiras Nise da
Silveira e Eneida, juntamente com Heloisa, esposa de Graciliano, enfeitassem a
cela com vasos de flores; foi preparado um almoço e Graciliano foi presenteado
com uma garrafa de aguardente. Assim o livro Angústia teve seu lançamento
extraoficial na prisão. Estes momentos agradáveis de conversas, jogos de baralhos,
filmes imaginário se até festas permitiam que os presos mantivessem sua saúde
mental. Aí aprendeu como tinha de agir no tratamento a doentes mentais: a
prisão foi sua grande escola de terapêutica ocupacional. Os colegas presos
políticos e os presos comuns foram os professores. Graciliano narrou que Nise o
auxiliava muito a aguentar os pesadelos do encarceramento, “as conversas boas
de Nise afugentavam-me a lembrança ruim. A pobre moça esquecia os próprios
males e ocupava-se dos meus” (idem, p. 515). Esta faceta de terapeuta de Nise
ficou imortalizada em Memórias do Cárcere: “Nise ria. Considerava-me um
dos seus doentes mais preciosos” (idem, p. 508). O maior professor dessa
terapêutica ocupacional que Nise aprendeu na prisão foi o velho Graciliano Ramos,
descrito assim por ela (1954): “Na Casa de Correção, onde o conheci de perto,
Graciliano vivia a cadeia arbitrária na maior serenidade. Nunca o vi
inquietar-se sobre a possível hora da liberdade. Não se assemelhava a esses
viajantes que, no trem ou no avião, se agitam em incessantes movimentos
improdutivos e perguntam a cada instante: “Quando chegaremos?” Graciliano
parecia um velho embarcadiço que não se importasse se o porto de desembarque
estava perto ou longe. Foi por isso um companheiro ideal de prisão. A mim
ajudou muito, e deve também ter ajudado a outros”.
Nise
passou a ser uma importante personagem nos dois volumes de Memórias do Cárcere,
mas sua participação inspiradora na obra de Graciliano Ramos não parou por aí.
Graciliano Ramos saiu da prisão no dia 13 de janeiro de 1937 e logo passou a
escrever um livro infantil para um concurso do Ministério da Educação. Deu o
nome de Terra dos Meninos Pelados, no livro tinha a princesa Caralâmpia
inspirada em Nise e no seu apelido de infância dado pelo pai para marcar o
poder de imaginação da menina. Graciliano ganhou o concurso promovido pelo
Ministério da Educação e Caralâmpia passou a figurar no imaginário de muitas
crianças pelo mundo afora. Nise da Silveira saiu da prisão no dia 21 de junho
de 1937. Diferente de Graciliano, estava sem emprego e não sabia fazer nada que
pudesse dar um sustento; a ajuda de Mário Magalhães, de Zóila e de sua mãe foi
decisiva neste período de sua vida.”
Sobre a amizade com
Graciliano após a prisão, Nise disse:
“Depois
eu e Graciliano nos tornamos amigos. Depois de soltos, na livraria José
Olympio, havia uma saleta onde ele se reunia com amigos para conversar quase
toda tarde. Eu às vezes ia lá e, quando chegava, fosse quem fosse que estivesse
sentado ao lado dele, se levantava para eu sentar.”
“sim,
Graciliano e eu fomos muito amigos. Era uma dessa especialíssimas, raras
amizades, nas quais as pessoas se comunicam de verdade, íntimo a íntimo. Nas
nossas conversas, as palavras acabavam sobrando, desnecessárias, porque nos
entendíamos quase de imediato, embora uma ou outra vez tivéssemos opiniões
diferentes. Mais opiniões e entendimento são duas coisas bem diversas. Quando
as opiniões divergem e o entendimento persiste, então a amizade é segura e
tranquila. Sendo assim, está claro que nunca achei Graciliano um sujeito
esquisito, como diziam alguns. ” (artigo Doze personagens falam de um
autor. Revista Manchete, Bloch Editores, n. 90, p.24-27, entrevista concedida
a Darwin Brandão, 1954.)
Publicado
em 22 de agosto de 1963
Vidas
Secas foi adaptado para o cinema por Nelson Pereira dos Santos em 1963. Foi
indicado para a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1964 e ganhou o prêmio
de melhor filme pelo Office Catholique International du Cinéma – OCIC.
Abaixo,
o filme completo:
Nise da Silveira - Posfácio:
Imagens do Inconsciente
Trailer O Universo Graciliano
Documentário Universo Graciliano -
2013 (Sylvio Back)
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