Primeira
fase do Exame de Ordem tem recorde de candidatos reprovados
1 de setembro de 2017, 12h05
Por Fernando Martines
O mais recente Exame da Ordem dos Advogados do
Brasil teve o menor índice de aprovação na primeira fase desde que a prova
passou a ser unificada: apenas 14,98% dos candidatos seguiram em frente. A
prova consiste em duas etapas e os aprovados precisam agora passar na segunda
fase para se inscrever na Ordem e advogar.
Último
Exame de Ordem teve apenas 14,98% de aprovação na 1ª fase. OAB/MA
O recorde negativo revive o debate sobre os moldes
da prova. Uma das reclamações feitas é de que o exame cobra conhecimentos
que só profissionais experientes na área poderiam ter. Os críticos — deixando
claro que o Exame de Ordem é necessário — afirmam que a prova deveria ser
apenas para checar se o formado aprendeu o mínimo para exercer a profissão.
Para Claudio Lamachia, presidente do Conselho
Nacional da OAB, a queda no nível de aprovação se deve à liberação
indiscriminada de cursos de Direito. Para ele, o rigor exigido é fundamental
para proteção da sociedade e será mantido.
“A OAB tem insistido, há anos, para que haja mais
rigor na aprovação e no acompanhamento das entidades aptas a oferecer a
graduação em direito. O exame da OAB manterá seu nível de dificuldade. Para
aumentar o índice de aprovação, é preciso combater a mercantilização do ensino
e garantir que os cursos tenham qualidade à altura dos sonhos dos estudantes e
das necessidades da sociedade”, disse Lamachia à ConJur.
Exame
|
Aprovação na 1ª fase
|
(2012.1) VII EOU
|
41,85%
|
(2012.2) VIII EOU
|
44,75%
|
(2012.3) IX EOU
|
16,64%
|
(2013.1) X EOU
|
55,76%
|
(2013.2) XI EOU
|
19,64%
|
(2013.3) XII EOU
|
21%
|
(2014.1) XIII EOU
|
31,08%
|
(2014.2) XIV EOU
|
36,01%
|
(2014.3) XV EOU
|
50,21%
|
(2015.1) XVI EOU
|
24,97%
|
(2015.2) XVII EOU
|
47,47%
|
(2015.3) XVIII EOU
|
30,55%
|
(2016.1) XIX EOU
|
26,40%
|
(2016.2) XX EOU
|
32,19%
|
(2016.3) XXI EOU
|
19,46%
|
(2017.1) XXII EOU
|
40,81%
|
(2017.2) XXIII EOU
|
14,98%
|
Para o jurista e professor Lenio Streck, o
problema está também no modelo de prova. “Exames de Ordem e concursos em geral
foram sendo transformados em quiz shows. Cai-se no dilema do biscoito Tostines:
as provas são pegadinhas porque ensinam assim ou o ensino é assim por causa do
que se cobra nas provas? O exame e os concursos têm muito mais poder do que
pensam a Ordem e as instituições das carreiras jurídicas. Hoje, mudando a forma
dos concursos (incluído o exame de Ordem), talvez seja a forma ou fórmula mais
rápida de mudar o ensino jurídico e os cursinhos de preparação.”
Um desembargadora de São Paulo contou à reportagem
da ConJur que os exames “têm a dificuldade de um concurso público,
mas não têm um edital que defina as regras como os concursos, por isso é
um processo sem transparência, que muda todo ano sem nenhum controle”.
Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, José Rogério Cruz e Tucci concorda que a prova é difícil,
mas afirma que é assim que deve ser. “Os alunos são muito dispersivos durante o
curso, saem muito despreparados da faculdade. O exame é um momento para
reflexão. Ele é muito amplo, aborda muita coisa, mas quem estuda passa”.
Correção e edital
À frente da faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), a professora Naila Nucci não acha que a prova da OAB seja muito rigoroso ou ampla nos temas que aborda. Mas reclama do processo de correção do exame.
À frente da faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), a professora Naila Nucci não acha que a prova da OAB seja muito rigoroso ou ampla nos temas que aborda. Mas reclama do processo de correção do exame.
“Existem sérios e graves problemas quanto aos
critérios de correção, até porque, por mais que se esmerem os examinadores,
observa-se que o Direito, ciência viva que é, dá margem a interpretações
diversas, entendimentos controvertidos”, diz.
Naila Nucci também aponta o edital como um problema
e afirma que é fundamental que haja sintonia entre o publicado no edital e o
abordado pela avaliação, o que nem sempre ocorre, segundo ela.
No entanto, as críticas que apontam o exame como uma
prova difícil, avalia, não se debruçam no problema central: "É cada
vez mais eminente a necessidade de ser a profissão de advogado, valorizada e
protagonizada por profissionais preparados e aptos a serem absorvidos pelo
competitivo mercado de trabalho".
Advocacia
Como
surgiu o exame de Ordem
Antes
facultativo, certame passou a ser obrigatório em 1994, pelo Estatuto da OAB.
quinta-feira, 27 de agosto de 2015
Em março de 1968, o juiz de Direito Ennio Bastos de
Barros, da 10ª vara Cível de SP, devolvia à seção paulista da Ordem dos
Advogados do Brasil a petição subscrita por um profissional despreparado para o
ofício da advocacia.
O advogado, que "se revelou de um primarismo
palmar", entrava naquele momento para o rol de operadores do Direito de
"ignóbil nível de conhecimento jurídico", com erros crassos de
português e sem "o mínimo de formação cultural".
Com grifos que apontavam para
"denumciados", "vestijos", "emediatos" e
"posivel", o magistrado encaminhou a mensagem abaixo à direção da
seccional:
"Como essa entidade, nos termos do art. 1º da
Lei 4.215, de 27 de abril de 1963, é 'órgão de seleção disciplinar e de defesa
da classe dos advogados', acredito seja de seu interesse apurar as razões da inépcia
desse integrante de seus quadros."
Na época, o antigo Estatuto da Ordem (lei 4.215/63)
dizia que era necessário aos que quisessem se inscrever no órgão de classe,
além do diploma de bacharel, certificado de comprovação do exercício de estágio
ou de habilitação no exame de Ordem. Ou seja, o famigerado exame era
facultativo.
Para entender esse complexo quadro
e avaliar a importância da prova é preciso remontar ao século XIX e
compreender, de migalha em migalha, porque o exame é um "instrumento de
defesa do interesse público". Com a palavra, dr. Cid Vieira de Souza,
ex-bâtonnier da advocacia paulista.
"O Exame de Ordem não constitui um segundo
vestibular, nem se compara, pela simplicidade das questões que versa, aos
concursos de ingresso nas carreiras de especialização profissional, como vem
sendo afirmado pelos que combatem a medida moralizadora. As matérias submetidas
aos candidatos são simples (...) Trata-se de problemas rotineiros e singelos,
perfeitamente ao alcance de um advogado principiante, desde que seu curso de
bacharelado tenha sido regular e correto (...) É um sistema destinado a
verificar se o candidato reúne as condições mínimas para o exercício de tão
nobre profissão, sem o qual pessoas despreparadas intelectualmente estarão
patrocinando mal questões relacionadas com o patrimônio, a honra, a liberdade e
a própria vida dos clientes que as procurem."
(Exame de Ordem como instrumento de defesa
do interesse público - OAB/SP, 1971)
do interesse público - OAB/SP, 1971)
Proliferação de cursos jurídicos
Os cursos jurídicos surgiram no Brasil Império, em
1827. Decreto de Dom
Pedro I determinava que "crear-se-ão dous Cursos de sciencias jurídicas e
sociais, um na cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda", com duração de
cinco anos – crucial para a consolidação da vida política e intelectual da
nação.
Em São Paulo, já na década de 1970, o então
presidente da OAB/SP, Cid Vieira de Souza demonstrava preocupação com os
destinos da advocacia, diante da proliferação das Faculdades de Direito (em
1971, eram 34 Academias de Direito no Estado de SP). "Com a média de 500
vagas por Faculdade, haverá, anualmente, 17.000 novos bacharéis em Direito,
muitos dos quais de equívoca formação cultural."
(O Estado de S. Paulo, 10 de dezembro de 1969 - clique aqui)
(O Estado de S. Paulo, 11 de agosto de 1968 - clique aqui)
A adequada formação e qualificação dos
profissionais, entretanto, segundo Vieira de Souza, não estava acompanhando o
ritmo de crescimento das Faculdades, de modo que frequentemente petições
lastimáveis de advogados eram enviadas à Ordem.
"Petições subscritas por advogados regularmente
inscritos na OAB constituem motivo de chacota por parte de juízes, promotores e
serventuários da Justiça, de tal forma ridícula e grotesca são elas redigidas",
informava o então presidente da OAB/SP.
Neste cenário, a seleção de profissionais por meio
do estágio ou exame foi apontada como uma saída para a preservação das
tradições éticas e culturais da advocacia.
(Acórdão pela reprovação de bacharel no exame de Ordem)
Lei
4.215/63
Em 1963, surgiu a lei 4.215, que representou o
"coroamento da luta da classe em favor de uma regulamentação do ingresso
nos quadros da Ordem, compatível com as exigências do atual quadro do ensino
jurídico".
Art.
47.
A Ordem dos Advogados do Brasil Compreende os seguintes quadros:
(...)
III - certificado de comprovação do exercício e resultado do estágio, ou de habilitação no Exame de Ordem (arts. 18, inciso VIII, letras "a" e "'b" e 53);
(...)
III - certificado de comprovação do exercício e resultado do estágio, ou de habilitação no Exame de Ordem (arts. 18, inciso VIII, letras "a" e "'b" e 53);
A lógica, então, era simples: não bastava, para o
ingresso nos quadros da Ordem, a mera apresentação do diploma; as faculdades
deveriam reaparelhar e melhorar seus currículos, para compatibilizá-los com a
nova realidade. Caso contrário, naufragariam na falta de alunos, os quais
optariam por dar preferência àquelas com altos índices de aprovação.
"Ao contrário do que possa parecer, a exigência
do Estágio ou Exame de Ordem não constitui qualquer desprestígio para as
Faculdades sérias, pois é necessário que se acabe de uma vez por todas com a
falsa ideia de que as Faculdades de Direito formam advogados."
Para não acrescentar mais de dois anos ao currículo
do candidato a advogado, adotou-se essa fórmula transacional ao sistema
dominante nos Estados Unidos e na Europa, ainda mais rigoroso que o
estabelecido no anteprojeto que deu origem à norma.
Primeiras
aplicações
O Estado de São Paulo foi o primeiro a aplicar a
prova, em 1971. O certame foi realizado em duas fases e reuniu poucos
candidatos. Passaram a ser realizadas quatro edições por ano (março, julho,
setembro e dezembro).
Os bacharéis em Direito formados até 1973 ficaram
isentos de prestar o Exame, mas, em 1974, a prova passou a ser obrigatória em
todo o Estado. Durante este ano, se inscreveram 211 bacharéis, sendo aprovados
154.
Depoimentos
de advogados que fizeram a prova em 1974 (Fonte OAB/SP):
Fábio Ferreira de Oliveira – Conselheiro da
OAB/SP e Ex-presidente da AASP
"Não me surpreende o alto grau de reprovação do
Exame de Ordem atualmente. Considero que a prova era mais fácil do que hoje,
porque a média entre as provas escrita e oral era de 5 pontos. Na escrita, fiz
uma peça sobre revisional de alimentos, que para mim foi fácil porque eu já
estagiava e tirei nota 9. Só precisava tirar 1 ponto na prova oral, mas também
fui bem e fiquei com média final alta."
Cícero Harada – Procurador do Estado aposentado
e Ex-conselheiro da OAB/SP
"Não tive dificuldades no Exame de Ordem porque
meu pai, que era advogado, me dizia para eu ler. Então eu lia muito, importava livros
e lia. Tanto que quando fui prestar concurso para procurador, passei sem
estudar. Hoje, os estudantes reclamam, mas percebemos ( já fui professor) que,
a cada ano, a base educacional dos alunos é pior. Quando chegam à faculdade,
eles estão sem base e não conseguem acompanhar o programa da faculdade. Eles
não sabem interpretar uma lei, por exemplo, porque o Direito parece fácil, mas
não é. É preciso saber interpretar uma lei à luz da Constituição, das leis
complementares e da situação fática."
José Luiz da Silva Leme Taliberti – Advogado
"Quando prestei o Exame de Ordem, a prova era
mais voltada para o aspecto prático da advocacia. Hoje, deixa a desejar nesse
aspecto, mas entra em questões mais profundas, testa o conhecimento e é preciso
mesmo ser cada vez mais forte porque os estudantes estão cada vez mais
despreparados. Não tive problemas para ser aprovado porque trabalhava desde o
primeiro ano da faculdade. E depois, por muitos anos, apliquei a prova oral no
Exame, mas acho que a prova é essencial."
Novas
disposições
Em 1972, a lei foi modificada, dispensando do exame
de Ordem e de comprovação de estágio os bacharéis que houvessem realizado
"junto às respectivas faculdades, estágio de prática forense e organização
judiciária".
Na década de 1980, a crise no ensino jurídico foi
intensificada pelo significativo aumento na oferta de faculdades e de
profissionais pouco qualificados para o exercício da advocacia. Em 1994, então,
entra em vigor o Estatuto da Advocacia e a OAB (lei 8.906), que tornou
definitivamente obrigatório o exame de Ordem.
Art.
8º Para inscrição como advogado é necessário:
(...)
IV - aprovação em Exame de Ordem;
(...)
IV - aprovação em Exame de Ordem;
A partir daí, para ingressar nos quadros da OAB
seria necessário ao bacharel em Direito, entre outros quesitos, a aprovação na
prova. Cada Estado, no caso, tinha autonomia para aplicar os exames.
Unificação
das provas
Em 2007, um novo movimento começava a ser visto nas
OABs com relação ao exame de Ordem. Neste ano, em abril, 17 seccionais
realizaram pela primeira vez a prova com conteúdo unificado. Quatro meses
depois, em agosto, este número subiu para vinte.
Posteriormente, as demais seccionais aderiram à
forma de aplicar o certame, que alcançou seu cume no terceiro exame de 2009,
quando todas as seccionais da OAB realizaram a prova unificada.
O Conselho Federal da OAB aprovou, em 20 de outubro
de 2009, o provimento 136/09, que normatiza o exame de Ordem, unificando
conteúdo e aplicação da prova em todo o país.
Imprescindibilidade
Em parecer, publicado pela Revista dos Tribunais, o
advogado J. Nascimento Franco, então membro do conselho seccional de SP da OAB,
tratou da questão ao analisar caso envolvendo inscrição de um candidato – o
qual repetiu cinco vezes o primeiro ano – de "desconhecimento quase
completo do idioma pátrio, requisito mínimo para o exercício da advocacia".
Incitado pelo caso, Franco consignou: "Prestando
um serviço de extraordinária expressão social, o advogado não exerce uma
profissão aberta a todo e qualquer indivíduo que possa, com o pedido de
inscrição em seus quadros, exibir um atestado de bons antecedes criminais e um
diploma passado por qualquer escola formalmente habilitada perante o Ministério
da Educação."
"Para evitar (...) desmoralização total da
advocacia, devem os Conselhos Seccionais agir decididamente, com base no art.
28, n. X, da Lei 4.215, de 1963, e indeferir a inscrição aos candidatos que,
por palavras, atos ou escritos, se mostrem intelectualmente despreparados para
o exercício da profissão (...). É o mínimo que a Ordem poderá e deverá fazer na
realização dos seus fins, no aperfeiçoamento da Justiça, até que o legislador
se convença da necessidade de se instituir o 'exame de ordem' já consagrado
pelos povos mais cultos do mundo."
(Clique
nas imagens ampliar)
Referências
http://www.conjur.com.br/2017-set-01/primeira-fase-exame-ordem-recorde-reprovacoes
http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI225938,41046-Como+surgiu+o+exame+de+Ordem
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