Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
quinta-feira, 4 de dezembro de 2025
Vai saber na contemporaneidade do tempo
"Requisitos necessários e suficientes para um juiz atender a um pedido liminar em uma ação de ADPF, em substituição à ADI, para cessar a recepção de leis elaboradas por outra constituição anterior à constituição em vigor."
Três Apitos
Aracy de Almeida
Quando o apito da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de você
Mas você anda
Sem dúvida bem zangada
Ou está interessada
Em fingir que não me vê
Você que atende ao apito de uma chaminé de barro
Porque não atende ao grito
Tão aflito
Da buzina do meu carro
Você no inverno
Sem meias vai pro trabalho
Não faz fé no agasalho
Nem no frio você crê
Mas você é mesmo artigo que não se imita
Quando a fábrica apita
Faz reclame de você
Nos meus olhos você lê
Que eu sofro cruelmente
Com ciúmes do gerente
Impertinente
Que dá ordens a você
Sou do sereno poeta muito soturno
Vou virar guarda-noturno
E você sabe porque
Mas você não sabe
Que enquanto você faz pano
Faço junto ao piano
Estes versos pra você
Composição: Noel Rosa.
A VOZ DA CENTRAL DO BRASIL
Edição Especial – Por Zé do Trem, o maquinista, DJ e editor da SuperVia
Preço: um tostão — o valor do coração
O APITO QUE ECOOU DO TREM PRO BRASIL TODO
Alô, minha gente trabalhadora, passageiro cansado, vendedor ambulante, quem tá correndo pro trabalho e quem tá voltando pra casa.
Aqui quem fala é Zé do Trem, direto da plataforma — no bufar das máquinas, no chacoalhar dos trilhos, entre um embarque e outro. Presta atenção, que o apito hoje não é só de partida: é aviso.
1. LÁ DO SUPREMO VEIO UM APITO FORTE — E O SENADO SE ESTREMEU
Enquanto você pega o trem lotado, lá na Praça dos Três Poderes teve confusão.
Um ministro do Supremo deu uma decisão importante: agora, pra investigar ou tentar tirar um ministro de lá, só pode se alguém muito poderoso pedir — nada de cidadão comum. E, no Senado, a coisa ficou ainda mais difícil: só com apoio de quase todo mundo pra um processo andar.
Resumo do maquinista: o Supremo apertou o freio e deixou mais difícil alguém mexer com ministro de toga.
2. AÍ O SENADO APITOU DE VOLTA
O barulho lá ficou igual à barulheira da Central às seis da tarde.
Senador não gostou.
Político bufou.
Futuro ministro gritou do outro lado:
“Ei! Esse apito aí tá forte demais!”
E assim começou o bate-volta — igual trem indo e vindo entre Central e Santa Cruz — um Poder apitando pro outro.
3. NO FUNDO, É BRIGA DE QUEM MEXE MAIS NO DESTINO DO PAÍS
Você sabe como funciona:
– no trem, quem manda é o maquinista;
– na linha, é a sinalização;
– na estação, é o agente;
– e no país, deveria ser cada Poder no seu devido trilho.
Mas parece que agora:
o Supremo meteu locomotiva onde antes era trilho do Senado,
o Senado reclamou do barulho,
e a política virou estação lotada na hora do rush.
4. E A ADPF? — OU, COMO O PESSOAL DA LEI CHAMA O PROBLEMA
Tem um instrumento lá na Justiça chamado ADPF.
É pra dizer se uma lei antiga — antes da Constituição — ainda vale ou não vale.
Quando é urgente, dá pra pedir liminar, tipo “para tudo que isso tá errado”.
Pra dar essa liminar, o ministro olha duas coisas:
Se o pedido faz sentido (fumus, palavra bonita pra “tem fumaça de razão”).
Se deixar pra depois dá ruim (periculum, que é “perigo na demora”, igual perder o trem quando tá atrasado).
Só que agora esse tipo de decisão virou coisa grande:
tá mexendo com o destino do próprio Supremo.
5. O TRENZINHO CAIPIRAL SUPREMO E O PLANALTO DESCENDO A RAMPA
Pensa na cena:
O trenzinho caipiral supremo desce chiado, vertical, lá do alto do Judiciário.
Lá embaixo, na planície horizontal da política, o pessoal escuta o apito e se assusta.
O eco vai e volta:
Ministro apitou.
Futuro ministro reagiu.
E a praça dos Poderes virou estação da Central às 18h10 — barulho, empurra-empurra e todo mundo querendo saber pra onde o trem vai.
6. E NÓS, PASSAGEIROS DO BRASIL, FICAMOS COMO?
A verdade é simples, minha gente:
Quem sobe no trem todo dia sabe que se cada peça não fizer seu papel, tudo descarrila.
O mesmo vale pro país:
– Se o Supremo apita demais, perde o tom.
– Se o Senado quer empurrar o trem na mão, atrapalha o trilho.
– Se ninguém conversa, o Brasil fica parado na sinalização com pane geral.
E quem paga o preço?
Nós. O povo. O passageiro. O que acorda cedo e chega tarde.
7. POR ISSO, O ZÉ DO TREM APITA JUNTO:
Ô BRASIL, VAMOS ALINHAR ESSES TRILHOS!
PODER NOSSO NÃO PODE VIRAR VAGÃO DESGOVERNADO!
A gente merece um país que anda pra frente — e não um que fica patinando de estação em estação.
8. E ANTES DO TREM PARTIR…
Fica o recado:
Da plataforma da Central ao Planalto Central,
do apito do maquinista ao apito do ministro,
o que importa é manter o trem da democracia nos trilhos.
Quem fala é Zé do Trem.
E o apito tá dado.
Melodia Sentimental
Heitor Villa-Lobos
“Quando o apito da fábrica — ou do trem — bate no ouvido, é o Brasil que embarca na estação da memória.”
Quem Sabe
Paulinho da Viola
Intro: B7/9 E7 C#m7 F#m7 B7/9 Dm6/9 A7+ E7
A7+ F#m7 D#o
Sem nada
E5+ A7+ F#m7 D#o
Nem no peito qualquer mágoa
E5+ Em7 A7 Em7
Sem rancor e sem saudade
A7 D6
Venho agora te dizer adeus
D#o E7
Quem sabe
C#m7 A7 D7+
Não encontro pela madrugada
Bm7
Uma esperança vaga
C#m7
Nos olhos de alguém
D7+
Que também despertou
E7 A7+ A7
De um sonho igual ao meu
D#m7/5- E7
Quem sabe
C#m7 A7 D
Retomando a velha estrada
Bm7
Eu encontro em outros braços
C#m7 B7
Aquela ternura que um dia perdi
E7 A7+
Dentro dos olhos teus
Bm7 E7 A7+
Toda ilusão se desfaz em mágoas
Dm7
Mas eu não chorei
G7 C7+
Quando nosso romance acabou
F7/13 E7 Am
É tão difícil a felicidade
C F7/13
Mas eu me sinto à vontade
Dm7/9 Bm7/9 E7/5+
Pra recomeçar no caminho do amor
Composição: Paulinho da Viola.
Requisitos para Liminar em ADPF
Aproveitando o contexto jurídico do trecho, a concessão de medida liminar (cautelar) em ADPF exige a presença cumulativa de dois requisitos, conforme a Lei nº 9.882/1999 e a jurisprudência do STF:
Fumus boni iuris (Fumaça do bom direito): Relevância do fundamento da controvérsia constitucional.
Periculum in mora (Perigo na demora): Risco de dano irreparável ou de difícil reparação que a manutenção do ato impugnado possa causar até o julgamento final da ação.
A ADPF é cabível inclusive para questionar leis ou atos normativos federais, estaduais ou municipais anteriores à Constituição de 1988 (o chamado controle de constitucionalidade de normas pré-constitucionais), desde que não haja outro meio eficaz de sanar a lesividade (princípio da subsidiariedade).
O que você vai encontrar neste conteúdo:
A liminar é uma decisão provisória concedida por um juiz em situações de urgência, antes do julgamento final do mérito.
Esse tipo de decisão visa proteger direitos que podem ser irreparavelmente prejudicados se não forem resguardados de imediato.
A liminar pode ser concedida em diversas áreas do direito, como cível, trabalhista e administrativo.
A parte que obtém a liminar deve comprovar a probabilidade do direito e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação.
Requisitos necessários e suficientes:
Para a concessão de uma medida liminar (cautelar) em uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que vise a não recepção de leis anteriores à Constituição em vigor, o juiz (ministro do STF) deve verificar a presença de dois requisitos essenciais, conforme a Lei nº 9.882/99 e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
Requisitos Necessários e Suficientes
Os requisitos para a liminar na ADPF são os clássicos do direito processual, adaptados ao controle concentrado de constitucionalidade:
Fumus boni iuris (Fumaça do bom direito): Trata-se da plausibilidade jurídica da tese de que a lei anterior não foi recepcionada pela nova Constituição. O requerente deve demonstrar, por meio de argumentação sólida e provas pré-constituídas, a alta probabilidade de que o ato normativo questionado é incompatível com os preceitos fundamentais da Constituição atual. A lei anterior não é declarada inconstitucional (pois era válida na sua época), mas sim considerada revogada ou inaplicável por incompatibilidade material com a ordem constitucional superveniente.
Periculum in mora (Perigo na demora): Deve ser demonstrado o risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, que a manutenção da eficácia da lei antiga possa causar até o julgamento final da ADPF. Esse perigo justifica a necessidade de uma intervenção judicial imediata (medida cautelar) para evitar prejuízos irreparáveis aos preceitos fundamentais ou à segurança jurídica.
Peculiaridades do Caso (ADPF em Substituição à ADI e Leis Anteriores)
A escolha da ADPF para questionar leis anteriores à Constituição de 1988 é o caminho processual correto, pois o STF consolidou o entendimento de que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) não é cabível para normas pré-constitucionais.
Cabimento da ADPF: A Lei nº 9.882/99 estabelece que a ADPF é cabível para questionar a "controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição".
Relevância da Matéria: Além do fumus e do periculum, a lei exige a "relevância do fundamento da controvérsia constitucional", o que reforça a necessidade de uma argumentação jurídica robusta que demonstre o conflito entre a lei antiga e a nova ordem constitucional.
Em resumo, para o juiz conceder a liminar, ele precisa estar convencido da plausibilidade da não recepção da lei antiga e da urgência em suspender sua aplicação para evitar danos concretos e significativos.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2025
O golpe do Supremo, por Malu Gaspar
O Globo
O Supremo Tribunal Federal resolveu dar dois mimos de fim de ano aos brasileiros. No primeiro, o ministro Gilmar Mendes suspendeu numa canetada a possibilidade de qualquer cidadão apresentar denúncia contra os ministros por crime de responsabilidade. O decano do STF decidiu ainda que só o procurador-geral da República pode fazer isso, e a votação mínima no Senado apenas para deixar o caso seguir passa a ser de dois terços, e não mais maioria simples.
Na prática, o Supremo produziu sua própria PEC da blindagem, parecida com a que a Câmara tentou aprovar em setembro, rechaçada pelas ruas. Assim como os deputados tentando garantir que qualquer investigação sobre eles só pudesse ser aberta com aval da Câmara ou do Senado, Gilmar está com medo. As eleições de 2026 renovarão dois terços do Senado, e parte do STF anda assombrada com o esforço da direita para eleger o maior número de senadores e ter força para “impichá-los”. Ele mesmo escreveu, ao justificar sua liminar, que visa a proteger os ministros de “impeachments abusivos”, do risco de “processos baseados em discordâncias políticas” e da “propagação do arbítrio pela intimidação e retaliação política”.
Noutra canetada, o ministro Dias Toffoli avocou para si todas as decisões relativas ao Banco Master, de Daniel Vorcaro, que já tinha sido solto no fim de semana. A partir de agora, nenhuma diligência pode ser feita sem autorização dele. Toffoli aceitou a alegação da defesa de que o Supremo é o foro competente para as investigações, já que a PF apreendeu a minuta de um contrato imobiliário entre Vorcaro e o deputado do PL João Carlos Bacelar, que tem foro privilegiado.
O negócio não foi realizado e nada tem a ver com a falsificação de créditos que levou ao pagamento de R$ 12,2 bilhões ao Master pelo BRB, mas bastou para Toffoli tirar o processo da Justiça Federal e colocar a papelada em alto grau de sigilo.
Na prática, a decisão fere de morte a apuração das responsabilidades sobre uma das maiores fraudes do sistema financeiro nacional, que lesou ao menos 1 milhão de investidores. Blinda Vorcaro e sua turma, mas também um pelotão de poderosos da política e do Judiciário com quem o banqueiro se gabava de manter relações próximas e bastante lucrativas — como o próprio Toffoli, no ano passado convidado VIP de um evento realizado em Londres com patrocínio do Master. Gilmar também estava lá com Alexandre de Moraes, cuja mulher, Viviane, é advogada do Master. Até hoje não se sabe quem pagou as despesas de nenhum deles.
O texto constitucional diz que é prerrogativa do Senado julgar e processar os ministros do STF, mas para Gilmar isso representa intervenção de um Poder no outro. A Constituição também diz que é o Supremo quem investiga os parlamentares, mas contra esse dispositivo nunca vimos o ministro se insurgir. De acordo com nossa lei maior, não cabe ao tribunal legislar, mas foi exatamente o que ele fez ao derrubar artigos da Lei do Impeachment e ao criar outros sem passar pelo Congresso.
A decisão de Gilmar completa um “liberou geral” iniciado há dois anos, quando os ministros se autoconcederam a permissão para julgar processos de escritórios em que seus parentes atuam. Ele e sua turma fingem ignorar que o fato de “legalizarem” uma imoralidade não a torna menos imoral.
Há alguns anos, Gilmar mandou soltar um empresário cuja filha foi sua afilhada de casamento — Jacob Barata, preso por envolvimento com o cartel dos ônibus do Rio de Janeiro. No ano passado, concedeu um habeas corpus ao presidente da Confederação Brasileira de Futebol, que tinha contrato de R$ 9,2 milhões com a faculdade administrada por seu filho.
Toffoli, por sua vez, se manteve firme na esdrúxula decisão de suspender as multas do acordo de leniência da JBS, apesar de sua mulher ter advogado para a empresa naquele mesmo processo. E foi rápido ao tirar Vorcaro do aperto sem justificativa plausível.
Ao justificar sua PEC da blindagem particular, Gilmar diz que o “impeachment infundado” de um ministro enfraquece o Estado de Direito, porque “mina a confiança pública nas próprias instituições que garantem a separação de Poderes e a limitação do Poder”.
A limitação de poder é um pilar da democracia, e o que mina a confiança nas instituições é o escárnio com que elas tratam os cidadãos. Com suas decisões, Gilmar e Toffoli deixam claro que se consideram intocáveis e querem fazer crer que qualquer questionamento sobre suas condutas configura perseguição política. Um bolsonarista diria o mesmo sobre seu Mito. Mas isso, sabemos, é golpismo.
Duas perguntas sobre o protagonismo de Gilmar, por Maria Cristina Fernandes
Valor Econômico
Ministro corre o risco de devolver discurso a extremistas que rumavam para ficar sem assunto
Duas perguntas sobre a decisão do ministro Gilmar Mendes que restringe ao PGR a proposição de impeachment no Supremo Tribunal Federal e eleva o quórum de maioria simples para dois terços atravessaram o dia sem respostas: Por que agora? Por que em liminar?
A ação foi impetrada pelo Solidariedade, partido presidido pelo deputado Paulinho da Força (SP). Um dos parlamentares com mais franco acesso ao decano do STF, Paulinho poderia ter apresentado esta ação ao longo de todo seu mandato, mas escolheu o 19 de setembro para fazê-lo. Onze dias depois, a ação era enviada para despacho do procurador-geral da República, que se manifestou há exatamente um mês. Incluído na pauta de julgamento na última terça-feira, ganhou liminar no dia seguinte.
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Gilmar Mendes blinda ministros do Supremo e provoca forte reação do Congresso, por Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense
O excesso de poder judicial tende a se intensificar e alimentar a insatisfação de setores do Congresso que veem no STF não apenas um árbitro, mas um protagonista político
A decisão monocrática de Gilmar Mendes, que restringe à Procuradoria-Geral da República a legitimidade para apresentar denúncias por crimes de responsabilidade contra ministros do Supremo Tribunal Federal, não é um episódio isolado. Ela se inscreve numa longa trajetória de expansão da autoridade judicial sobre o sistema político. Esse fenômeno foi analisado pelo falecido sociólogo Luiz Werneck Vianna, que identificou, desde os anos 1990, a formação de um novo canal de organização política da sociedade no qual o Direito não apenas regula conflitos, mas ocupa, historicamente, funções que em outros países caberiam aos partidos, ao parlamento e à sociedade civil organizada.
Em Corpo e alma da magistratura brasileira (1997) e A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (1999), Werneck demonstrou que a Constituição de 1988 ampliou competências do Judiciário, criou direitos e estabeleceu mecanismos de controle que transferiram para as cortes superiores uma porção crescente da vida pública. O STF deixou de ser um intérprete final da Constituição para se tornar um ator político estruturante, responsável por arbitrar desde políticas públicas até conflitos federativos, temas morais e impasses institucionais.
A decisão de Gilmar Mendes de ontem reforça essa tendência, que se aprofundou nas últimas décadas: o Judiciário decide sobre os limites de sua própria responsabilização e condiciona o funcionamento dos demais Poderes. O ministro atendeu ao pedido do procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, para quem a abertura indiscriminada de pedidos de impeachment contra ministros poderia se transformar em mecanismo de intimidação, gerar insegurança jurídica e constranger a independência dos juízes. Ou seja, monopolizou os pedidos.
Sim, há uma preocupação real com a crescente hostilidade dirigida ao STF por grupos organizados, em especial após 2013, a Lava Jato e os episódios golpistas de 2022, que agora reverbera no Congresso. É anabolizada por deputados e senadores de oposição. Do ponto de vista institucional, porém, se a decisão reafirma a autoridade do Supremo como guardião da ordem constitucional, por outro lado, reinterpreta normas existentes e restringe mecanismos de accountability. A expressão em inglês, conceitualmente, vai além da responsabilidade, abrange a obrigação de prestar contas, agir com transparência e ser corresponsável por resultados.
É por isso que a reação do Congresso foi imediata. Seu presidente, senador Davi Alcolumbre (União-AP), classificou a decisão como tentativa de “usurpar prerrogativas do Legislativo”, em colisão com o princípio da separação dos poderes. Senadores como Eduardo Braga (MDB-AM), aliado do governo, e Rogério Marinho (PL-RJ), líder de oposição, ampliaram as críticas e alertaram para o risco de crise institucional. A lei que permitia aos cidadãos e parlamentares denunciarem ministros é de 1950; por isso, a nova interpretação provocou o incômodo do Parlamento diante da reconfiguração do equilíbrio entre os Poderes, com decisões judiciais que se sobrepõem ao processo legislativo.
Duas éticas
Werneck Vianna antecipou esse tipo de conflito ao analisar a “despolitização da política”: o esvaziamento das instâncias tradicionais de deliberação e a migração contínua de demandas sociais para o campo judicial. Quanto mais frágil o sistema partidário e mais incapaz o Legislativo de formular consensos duráveis, maior o espaço aberto para o Judiciário assumir funções decisórias. Essa sobrecarga funcional gera, inevitavelmente, tensões. O que vemos agora é o Legislativo tentando recuperar um território que, na prática, cedeu ao Judiciário ao longo de mais de três décadas, por omissão em relação à legislação complementar à Constituição de 1988.
O caso atual envolve o próprio STF. Ao exigir que apenas o procurador-geral da República possa denunciar ministros e ao elevar para dois terços o quórum de abertura de processo, a Corte endurece as barreiras contra iniciativas politicamente motivadas — mas também reforça a percepção de que age em defesa de si mesma. A legitimidade do Judiciário repousa, em boa medida, na sua capacidade de preservar o caráter republicano de suas decisões. Quando juízes parecem reinterpretar a lei para autoproteção, acabam por tensionar sua própria autoridade democrática. É o que estamos vendo.
Na verdade, esse processo é ambivalente: a judicialização tem aspectos positivos, como a defesa de direitos e o controle de abusos, porém, produz assimetrias políticas que podem fragilizar a representação popular. No contexto de muitas decisões polêmicas, como a de impor sigilo absoluto ao caso do Banco Master, o que já era visto como excesso de poder judicial tende a se intensificar e alimentar a insatisfação de setores do Congresso que veem no STF não apenas um árbitro, mas um protagonista político, capaz de redefinir as regras do jogo político sem negociação interinstitucional.
Polarização, impeachments, prisões de ex-presidentes e mobilizações antidemocráticas, a tensão entre os poderes é um caldeirão efervescente. Desnuda o conflito permanente entre as dimensões republicana (regras, controles, impessoalidade) e democrática (participação, representação) na política brasileira, entre a ética da responsabilidade e a ética das convicções, fricção permanente da democracia.
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Gilmar Mendes impõe freio a impeachment de ministros e abre crise com Congresso</b>
Por Vinicius Doria / Correio Braziliense
Decano do STF concede liminar que torna mais difícil o impedimento de magistrados da Corte
O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, decidiu de forma monocrática (individual) considerar inconstitucionais alguns pontos da Lei do Impeachment, de 1950, que regulamenta o afastamento de autoridades, incluindo ministros da Corte. No ponto mais polêmico, o magistrado considerou que apenas a Procuradoria-Geral da União (PGR) tem poder constitucional para apresentar denúncia contra ministros do STF por crime de responsabilidade. Um dos artigos da lei prevê que esse tipo de denúncia pode ser feito por "qualquer cidadão".
A determinação de Gilmar Mendes também altera o quórum mínimo necessário para que o Senado — Casa responsável pelo julgamento de pedidos de impeachment — abra processo de afastamento de ministros. Pela decisão, que vale até o plenário do Supremo julgar o mérito da questão, o processo de impeachment de ministros, para ser aberto, precisa ser apreciado em sessão plenária com quórum mínimo de dois terços (54 dos 81 senadores), em vez de 50% mais um voto (41 senadores).
No caso da abertura de processo, Gilmar também entende que — ao contrário de processo semelhante contra o presidente da República — ministros do STF não podem ser afastados do cargo enquanto a ação estiver em curso. De acordo com parecer da PGR, seguido por Gilmar, como os magistrados não têm substitutos, a ausência de um deles pode prejudicar a rotina de julgamentos da Corte.
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Caminho sem volta, por William Waack
O Estado de S. Paulo
O Supremo Tribunal Federal está a caminho de capturar de vez a esfera da política
Depois de se tornar mais uma instância política, o STF quer ser a única com a qual ninguém e nenhum Poder se mete. A Corte está chegando lá, com a liminar do ministro Gilmar Mendes alterando profundamente as regras de impeachment (portanto, controle) de ministros do Supremo – e o próprio equilíbrio entre os Poderes.
O pano de fundo para essa decisão monocrática é uma visão pessimista da política e de seus participantes como algo tenebroso. Mesmo antes de Bolsonaro, os “iluminados” do STF já enxergavam o Legislativo como um covil de espertalhões (para dizer o mínimo) de todo tipo, com motivos nada republicanos atrás de cada demanda disfarçada de projeto político. Ainda mais no circo para apreciar uma escolha do presidente para uma vaga aberta na Corte.
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O Supremo se blinda, por Carolina Brígido
O Estado de S. Paulo
O sistema de freios e contrapesos estabelece independência e autonomia para cada um dos Poderes atuar, mas com capacidade mútua de limitar eventuais excessos. Esse equilíbrio entrou em colapso ontem, quando Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reduziu a capacidade do Senado de abrir processo de impeachment contra ele mesmo e seus colegas.
Um exemplo de como esse equilíbrio funciona: o STF vota a constitucionalidade de normas aprovadas pelo governo e pelo Congresso, podendo derrubá-las. Em contrapartida, os parlamentares detêm o poder de abrir processo de impeachment do presidente da República ou ministros da Corte.
Na decisão, Mendes considerou que há trechos na Lei de Impeachment incompatíveis com a Constituição Federal. O ministro aumentou o quórum no Senado para a abertura de processo, declarou que apenas o procurador-geral da República pode entrar com a denúncia e estabeleceu que o mérito de decisões judiciais não pode ser considerado crime de responsabilidade.
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O Trenzinho do Caipira (Versão de Ferreira Gullar)
Heitor Villa-Lobos
Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra, vai pelo mar
Cantando pela serra, o luar
Correndo entre as estrelas, a voar
No ar
No ar
Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra, vai pelo mar
Cantando pela serra, o luar
Correndo entre as estrelas, a voar
No ar
No ar
No ar
No ar
No ar
No ar
Composição: Heitor Villa-Lobos / Ferreira Gullar.
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