terça-feira, 17 de março de 2015

Velho sim, velhaco não. Ulysses Guimarães

Seg, 16/03/15

De: Ulysses Guimarães 
Para: Michel Temer

Zé, ministro da justiça, com Dilma, em 2015, assim como o seu par, Tancredo, ministro da justiça, com Getúlio, em 1953; portaram-se dignamente em situações de crises envolvendo seus respectivos presidentes.

Sem querer atirar pedras, não pode afirmar o mesmo do neto do ex-ministro da justiça, nosso colega e amigo Tancredo, morto, na véspera de sua posse para a presidência da república eleito pelo colégio eleitoral, após a nossa gloriosa luta pelas diretas já, infelizmente sem sucesso, naquele momento; ora ocupada por nossa amiga, agora eleita diretamente pelo povo, como era o nosso sonho, a presidente Dilma; substituído que foi pelo seu vice, também eleito pelo o mesmo colégio eleitoral, o nosso amigo Sarney, que ocupava, originalmente, a função que atualmente você ocupa, mas agora eleito diretamente pelo povo, mas sempre pelo nosso imortal MDB.

Submerso nas águas de Angra, me quedo.

Que a Presidente Dilma, ao contrário, supere as águas de março, incólume e forte.

Político, sou caçador de nuvens. Já fui caçado por tempestades. 
Ulysses Guimarães


“Em 1953, eu recebi o Ministério da Justiça já no começo da crise que iria ter o seu desfecho no suicídio de Getúlio Vargas. O período de crise começou com os problemas da Última Hora, cuja Comissão Parlamentar de Inquérito ainda não tinha concluído os seus trabalhos.

Eu tive que enfrentar o problema na sua fase final, para não só precipitar e acelerar os trabalhos da comissão, como depois fazer face às consequências dos trabalhos da comissão. Mas já era o começo de uma agitação muito séria. Eu mantive o Estado e o país em perfeita ordem. As instituições funcionando em toda a sua plenitude.

O caso da Última Hora já estava totalmente superado, quando começou a ascensão do Carlos Lacerda no Rio de Janeiro. O lacerdismo começava a ganhar relevo, ganhar volume e ganhar força. Ele falava em clubes, colégios e associações e a pregação era sempre a mesma: a necessidade de derrubar.

Até que veio um belo dia e ele me pediu garantias pessoais para continuar o exercício do que ele chamava de suas atividades democráticas. Eu dei a ele a garantia, pedi a ele que escolhesse os policiais da confiança dele. Ele escolheu os policiais da confiança dele. Mas alguns dias depois recebo notícias que ele estava sendo acompanhado por oficiais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, nestas suas andanças pelo centro do Rio e pelos seus bairros.

Veio o caso deplorável da rua Toneleros. Um dos homens que acompanhava Lacerda, o major Vaz, foi alvejado por um pistoleiro que estava nas imediações do apartamento de Lacerda e vinha com disposição de eliminá-lo. O fato é que daí a Nação, até então em plena calma, se transformou bruscamente numa nação profunda conturbada. A Aeronáutica se rebelou, criando ali um regime à margem da lei, do governo, das autoridades, a famosa República do Galeão.

As reuniões nos clubes militares se faziam seguidamente, até que, num determinado momento, o Vargas sentiu que era preciso uma reação. Mas já era tarde. Desde o primeiro momento da crise eu o adverti de que a situação era grave e de que ele tinha que tomar providências enérgicas. Ele não só não as tomou como não deixava ninguém tomá-las.

A ordem pública para ele tinha que ser mantida de qualquer maneira. A Constituição tinha que ser respeitada. Mas ele tinha contra si a unanimidade da imprensa escrita no país, numa campanha feroz. A mais violenta que um homem público já experimentou no Brasil.

Quando surgiu o primeiro Manifesto dos Brigadeiros pedindo a renúncia dele, era o momento que ele tinha para passar para uma contraofensiva. Ele então reuniu os ministros militares. Os ministros militares desaconselharam qualquer repressão, qualquer medida punitiva. Diziam que aquele manifesto não tinha importância nenhuma, que cairia no vazio. Meu parecer era de que era chegado o momento de um posicionamento mais enérgico. Mas ele preferiu ficar com a opinião dos generais, sobretudo do general Zenóbio da Costa.

O fato é que na semana seguinte surgiu o Manifesto dos Almirantes, na mesma linha do Manifesto dos Brigadeiros. Aí a coisa se agravou precipitadamente, Getúlio convocou uma reunião ministerial à noite para uma tomada de posição. Mas já a esta hora, dezoito generais também lançaram manifesto de solidariedade aos brigadeiros e almirantes e o governo se sentiu impotente para tomar as medidas necessárias ao estabelecimento da disciplina e da ordem constitucional.

Se Getúlio tivesse, naquela ocasião, seguido o meu conselho e solicitado ao Congresso o Estado de Sítio, a crise teria sido aplacada, e o simples fato dele solicitar a decretação do Estado de Sítio, a imprensa e os parlamentares mais exaltados ficariam mais dóceis, mais prontos ao entendimento. E a repressão no meio militar seria muito mais eficiente. Bastava que Getúlio pedisse o Estado de Sítio e pusesse a tropa na rua. Era o bastante para ter restaurado a sua força naquele momento.”

Depoimentos de Tancredo Neves:
A amizade com Getúlio Vargas


Sex, 29/10/10
por Geneton Moraes Neto

Do caderno de anotações imaginário:
Quando, no dia 17 de janeiro de 1976, o operário Manoel Fiel Filho foi morto sob tortura nas dependências do II Exército, em São Paulo, o deputado  Ulysses Guimarães, presidente do MDB e, portanto, chefe da oposição, estava no Recife.
O “Doutor Ulysses” – era assim que todos o chamavam – tinha feito uma tumultuada viagem a Caruaru, no agreste do Estado, para participar de uma espécie comício fora de época.  Não deu certo. Por ordem do Ministério da Justiça, o governo de Pernambuco mandou avisar que estavam proibidas reuniões políticas em praça pública. Assim, o tal comício foi transferido, às pressas, para um ambiente fechado – um auditório que ficou superlotado.
Eu me lembro de que Ulysses Guimarães, um orador que produzia frases de efeito em série,  levou o auditório ao delírio ao lançar o nome do senador Marcos Freire como candidato das oposições ao governo de Pernambuco. Todos sonhavam com uma eleição direta em 1978. Não houve eleição direta em 1978 : os governadores só voltariam a ser escolhidos pelo voto do povo em 1982. ( Tempos depois, ao entregar ao país uma nova Constituição, ele diria: “Político, sou caçador de nuvens. Já fui caçado por tempestades”). As ruas do centro de Caruaru ficaram povoadas de guardas, equipados com armas e cães.
De volta ao Recife, depois da aventura em Caruaru, o “Doutor Ulysses” estava se preparando para embarcar para Sergipe quando estourou a notícia de que o presidente Ernesto Geisel tivera uma reação surpreendente diante da morte do operário :  decidira punir,com demissão, o comandante do II Exército, general Ednardo D`Ávila.  Havia, obviamente, uma crise militar no ar.
Repórter da sucursal Recife do jornal “O Estado de S.Paulo”, fui convocado, às pressas, para embarcar no avião que, dali a minutos, levaria o Doutor Ulysses para Aracaju, a próxima parada do périplo nordestino.
Fiz a primeira abordagem ainda no corredor do Aeroporto. O Doutor Ulysses leu,com ar grave, o telex que eu lhe entregara, com informações sobre a demissão do comandante do II Exército. Disse que falaria a bordo.
Depois do embarque, pegou um jornal para ler. Vi perfeitamente quando, ao tentar atravessar os parágrafos de  um editorial, Doutor Ulysses tropeçou – e caiu gloriosamente nos braços de Morfeu. Pegou no sono, sem largar o jornal.
Desde então, uma dúvida incendiária passou a agitar minhas florestas interiores : para que servem, realmente, os editoriais dos jornais, além de provocar um desabamento incontrolável das pálpebras de quem os lê ?  Sono,sono, sono.
Quanto à declaração : raposa, o Doutor Ulysses sentiu a gravidade do momento. Quando acordou, me pediu que o procurasse depois do pouso. Lá embaixo, iria falar. Uma multidão o aguardava no Aeroporto. O homem escapou. Durante a coletiva, ninguém tocou no assunto da demissão do general. Fiz a pergunta, porque já estava, literalmente, “correndo contra o relógio”. Doutor Ulysses respondeu com frases cuidadosas. Disse que o MDB não tinha prevenção contra militares. Fez questão de lembrar que o partido já tinha sido presidido por um general  reformado, o senador Oscar Passos. Ou seja: o comandante da oposição pisava em ovos, porque sabia que, em época de crise militar, o terreno estava minado.  O homem não queria, ali, atiçar a fúria do Olimpo verde-oliva.
Ao deixar a sala onde dera a entrevista coletiva, na Assembléia Legislastiva de Sergipe, Doutor Ulysses apertou minha mão e cochichou, no meu ouvido, uma frase que, até hoje, não sei se foi uma queixa ou um cumprimento: “Você soltou o seu petardo !”. 
De madrugada, quando chegou ao hotel, Ulysses foi cercado de novo pelo matilha de repórteres que seguiam seus passos – o locutor-que-vos-fala, inclusive. Topou falar, à beira da piscina deserta. Disse que temia que, se houvesse uma crise, a oposição poderia ser levada a recorrer a “soluções de força”.
Horas depois, ao sair do hotel bem cedo, em direção ao aeroporto, Doutor Ulysses pediu à recepção que um dos repórteres – que também estavam hospedados ali – fosse chamado.  Um colega, a serviço do Jornal do Brasil, foi acordado. Ouviu,então, um apelo do Doutor Ulysses: por favor, ele pedia, retirem do texto da entrevista a expressão “soluções de força”. O pedido foi retransmitido a todos os repórteres. Assim foi feito.
Nem faz tanto tempo: o Brasil era um país em que o comandante da oposição enfrentava, literalmente, cães no meio da rua. Não se podia promover aglomeração política em praça pública. Não se votava nem para governador. O que dirá para Presidente da República ?   (tempos depois do entrevero em Caruaru, cães avançariam sobre o comandante do MDB em Salvador. Lá, ele pronunciaria a frase célebre: “Baioneta não é voto! Cachorro não é urna!”).
Independentemente de qualquer coisa, é sempre bom saber que, já há um quarto de século, o país vive numa democracia em que cenas como aquelas -  o presidente do partido da oposição se refugiando num auditório para escapar dos cães da polícia – só teriam lugar num roteiro de ficção.
Então: às urnas, cidadãos ! 
E “atenção para o refrão” :  numa democracia, independentemente de coloração ideológica, a única coisa que não se pode tolerar é a intolerância com adversários. Ponto.
Longa  vida às urnas !


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