domingo, 22 de fevereiro de 2015

À minha doce Dilminha, com carinho


Prezada Presidente

Da planície dirijo-me respeitosamente ao executivo federal no Planalto Central do meu país onde agora, na solidão do poder, carrega uma carga a que alguns de certa forma predestinados já se submeteram e puderam trazer algumas palavras de experiência com o sentido da responsabilidade da cidadania comum.

Longe de estar cônscio da sapiência de V. Ex.ª quanto ao conteúdo do que aqui encaminho, peço a paciência e tolerância para a redundância do aqui transcrito de outros trabalhos, mas que carregam a força do contrato do cidadão do mesmo país do qual é primeira mandatária.

O problema do ser, problema de conseqüências inumeráveis e que se estendem a todos os domínios, exige, mais que qualquer outro, o máximo de sinceridade e de prudência.

No arranjo de seu segundo período de governança, terá oportunidade de aproveitar muito do que apreendeu sobre a conquista, manutenção e usufruto do poder; ainda que as condições tenham alterado, certos preceitos e princípios sempre permanecem no horizonte do mundo político.

Feito o intróito, seguem o que para mim poderão tornar sua missão menos árdua a despeito de seus compromissos com as transformações para as quais se prontificou a sacrificar parte de sua juventude e aconchego de família, amigos e, no limite, do amor.

Console-se com o conceito elástico da ética, matizado em da responsabilidade da política e a pessoal da pessoa comum.

(...) Arte difícil esta, a da política. As estruturas pesam, sem dúvida. Os interesses organizados atuam. O sonho faz parte dela, sob a forma antiga de ideologias cristalizadas ou, mais modernamente, inspirado em maior grau por visões do que por certezas. De qualquer modo, sempre é necessário ter objetivos e tratar de alcançá-los, ainda que eles se reduzam, como ocorre com alguns, à manutenção do poder pelo desfrute dele. E há, permanentemente, um jogo entre as estruturas nacionais e internacionais (dos partidos, das igrejas, dos sindicatos, das empresas, das organizações econômicas internacionais, da burocracia civil e militar, da mídia), de um lado, e; de outro, os movimentos, as propostas, as lideranças, a busca contínua do convencimento para ganhar mais adeptos e acumular mais força para se chegar aonde se deseja. Quem menosprezar um dos lados seja o do já estabelecido, mesmo que antiquado ou aparentemente frágil, seja o dos impulsos que levam à mudança, com suas propostas e com o tecer do novo, ainda que a partir do antigo, não caminha. Quantas vezes, na ânsia de buscar mudanças, somos obrigados a pactuar com o oposto? Trata-se, como no caso do Fausto, não diria de vender, mas de alugar a alma ao diabo. Se o aluguel se prolonga e o demo não ganha pelo menos os contornos do anjo, quem faz o pacto se perde. No ponto de partida não há certeza sobre o vencedor da aposta. A vontade política e a firmeza dos objetivos não asseguram a vitória: existem mais incertezas entre o céu e o inferno do que imagina a vã ingenuidade. O resultado dependerá sempre da ação de muitos e das repercussões das ações e dos desejos de quem manda. As pessoas reagirão indiferentes à vontade e à motivação dos atores principais, e, em certas circunstâncias, até aos seus êxitos, se estes não forem suficientemente amplos e consistentes para convencer a maioria. (...)

(...) Tudo isso, entretanto, são os preparativos para as batalhas. Estas se dão principalmente (mas não de modo exclusivo) entre o Executivo e o Congresso, e, dentro e fora dele, entre os partidos. A presa são os ministérios e as políticas a serem implementadas, bem como os cargos a serem distribuídos. Esse é o jogo maior, sempre vigiado pela mídia que, mais do que voz da opinião pública, é também fator de poder. E por sobre tudo isso, o jogo de poder da sociedade com o governo e com o Congresso, mediado ou não pelos partidos e movimentos sociais. Governo de coalizão não é estelionato eleitoral (...)

(...) O sistema político brasileiro tem suas peculiaridades. Diz-se que nosso presidencialismo é imperial. Será? Sim e não. É certo que do ponto de vista formal, e mesmo na prática em muitas questões e momentos, o poder presidencial (a vontade de quem manda) se aproxima do que se imaginaria uma função imperial. Mais no sentido de nossa Constituição do Império, com a esdrúxula figura do Poder Moderador e da prática interveniente e clientelística, do que do presidencialismo autoritário dos anos recentes. Muitas vezes o Presidente dispõe do instrumento legal para transformar sua vontade, senão em lei, em decreto ou MP com força de lei. E mesmo da autoridade, isto é, do reconhecimento da legitimidade da decisão, para que a ordem seja obedecida. Por motivo da boa política, contudo, para ganhar mais adeptos ou para suavizar e viabilizar a efetivação de seus propósitos, não exerce em toda a extensão o poder virtual e trata de compor situações nas quais, embora sua vontade não transpareça na integralidade, as probabilidades de êxito das políticas e das decisões que deseja efetivar se tornam maiores. Por que isso? Porque o Executivo, simbolizado pelo Presidente e pelos ministros, é somente uma parte do sistema de poder (para não falar na dominação estruturalmente exercida pelas classes e setores de classe, organizados na estrutura não-formal de mando, que no dia-a-dia exercem pressão e dispõem de recursos de poder entrincheirados de mil maneiras nas práticas sociais). O Congresso, os partidos, o Judiciário, para me limitar aos componentes formais da estrutura de mando, condicionam, obviamente, o jogo político. (...)

A pena alçou vôo alto. Plainemos de volta à superfície da cidadania da qual partimos e com juízo e serenidade saibamos nos conter.

Com a admiração e desejo de sucesso para o bem do Brasil e realização de sonhos de brasileiros que esperam em V. Ex.ª o instrumento das mudanças dentro das expectativas que soube semear na campanha eleitoral para conservar e consolidar seu poder de governar com capacidade plena no campo das linhas de forças da democracia, da justiça e do direito.

Atenciosamente.

Do seu, com o respeito devido.
F.


Cara Senhora Presidenta.                     

Sinto-me honrado por ter pedido meus conselhos quando assumiu as responsabilidades terríveis de sua função pública.

Posso oferecer várias regras de ouro, que acredito que o tempo e a experiência têm provado serem úteis.

Aja com ousadia no começo.

O público tem atenção por pouco tempo e isto vai fazê-los esquecer as realizações de sua antecessora e impressioná-los com o seu vigor.

Faça a sua primeira prioridade a proteção do seu poder.

Sem ele você é inútil.

Pareça rígida, mas seja flexível.

Lembre-se, alguns dos maiores dons de Deus são desrespeitados em promessas de campanha.

O Príncipe (escrito em 1515, publicado em 1515)
Niccolò Machiavelli (1469 – 1527)

Presidência da República Federativa do Brasil


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