Prezada Presidente
Da planície dirijo-me respeitosamente ao executivo
federal no Planalto Central do meu país onde agora, na solidão do poder,
carrega uma carga a que alguns de certa forma predestinados já se submeteram e
puderam trazer algumas palavras de experiência com o sentido da
responsabilidade da cidadania comum.
Longe de estar cônscio da sapiência de V. Ex.ª quanto ao
conteúdo do que aqui encaminho, peço a paciência e tolerância para a
redundância do aqui transcrito de outros trabalhos, mas que carregam a força do
contrato do cidadão do mesmo país do qual é primeira mandatária.
O problema do ser, problema de conseqüências inumeráveis
e que se estendem a todos os domínios, exige, mais que qualquer outro, o máximo
de sinceridade e de prudência.
No arranjo de seu segundo período de governança, terá
oportunidade de aproveitar muito do que apreendeu sobre a conquista, manutenção
e usufruto do poder; ainda que as condições tenham alterado, certos preceitos e
princípios sempre permanecem no horizonte do mundo político.
Feito o intróito, seguem o que para mim poderão tornar
sua missão menos árdua a despeito de seus compromissos com as transformações
para as quais se prontificou a sacrificar parte de sua juventude e aconchego de
família, amigos e, no limite, do amor.
Console-se com o conceito elástico da ética, matizado em
da responsabilidade da política e a pessoal da pessoa comum.
(...) Arte difícil esta, a da política. As estruturas pesam, sem dúvida. Os interesses
organizados atuam. O sonho faz parte dela, sob a forma antiga de ideologias
cristalizadas ou, mais modernamente, inspirado em maior grau por visões do que
por certezas. De qualquer modo, sempre é necessário ter objetivos e tratar de
alcançá-los, ainda que eles se reduzam, como ocorre com alguns, à manutenção do
poder pelo desfrute dele. E há, permanentemente, um jogo entre as estruturas
nacionais e internacionais (dos partidos, das igrejas, dos sindicatos, das
empresas, das organizações econômicas internacionais, da burocracia civil e
militar, da mídia), de um lado, e; de outro, os movimentos, as propostas, as
lideranças, a busca contínua do convencimento para ganhar mais adeptos e
acumular mais força para se chegar aonde se deseja. Quem menosprezar um dos
lados seja o do já estabelecido, mesmo que antiquado ou aparentemente frágil,
seja o dos impulsos que levam à mudança, com suas propostas e com o tecer do
novo, ainda que a partir do antigo, não caminha. Quantas vezes, na ânsia de
buscar mudanças, somos obrigados a pactuar com o oposto? Trata-se, como no caso
do Fausto, não diria de vender, mas de alugar a alma ao diabo. Se o aluguel se
prolonga e o demo não ganha pelo menos os contornos do anjo, quem faz o pacto
se perde. No ponto de partida não há certeza sobre o vencedor da aposta. A
vontade política e a firmeza dos objetivos não asseguram a vitória: existem
mais incertezas entre o céu e o inferno do que imagina a vã ingenuidade. O
resultado dependerá sempre da ação de muitos e das repercussões das ações e dos
desejos de quem manda. As pessoas reagirão indiferentes à vontade e à motivação
dos atores principais, e, em certas circunstâncias, até aos seus êxitos, se
estes não forem suficientemente amplos e consistentes para convencer a maioria.
(...)
(...) Tudo
isso, entretanto, são os preparativos para as batalhas. Estas se dão
principalmente (mas não de modo exclusivo) entre o Executivo e o Congresso, e,
dentro e fora dele, entre os partidos. A presa são os ministérios e as
políticas a serem implementadas, bem como os cargos a serem distribuídos. Esse
é o jogo maior, sempre vigiado pela mídia que, mais do que voz da opinião
pública, é também fator de poder. E por sobre tudo isso, o jogo de poder da
sociedade com o governo e com o Congresso, mediado ou não pelos partidos e
movimentos sociais. Governo de coalizão não é estelionato eleitoral (...)
(...) O
sistema político brasileiro tem suas peculiaridades. Diz-se que nosso
presidencialismo é imperial. Será? Sim e não. É certo que do ponto de vista
formal, e mesmo na prática em muitas questões e momentos, o poder presidencial
(a vontade de quem manda) se aproxima do que se imaginaria uma função imperial.
Mais no sentido de nossa Constituição do Império, com a esdrúxula figura do
Poder Moderador e da prática interveniente e clientelística, do que do
presidencialismo autoritário dos anos recentes. Muitas vezes o Presidente
dispõe do instrumento legal para transformar sua vontade, senão em lei, em
decreto ou MP com força de lei. E mesmo da autoridade, isto é, do
reconhecimento da legitimidade da decisão, para que a ordem seja obedecida. Por
motivo da boa política, contudo, para ganhar mais adeptos ou para suavizar e
viabilizar a efetivação de seus propósitos, não exerce em toda a extensão o
poder virtual e trata de compor situações nas quais, embora sua vontade não
transpareça na integralidade, as probabilidades de êxito das políticas e das
decisões que deseja efetivar se tornam maiores. Por que isso? Porque o
Executivo, simbolizado pelo Presidente e pelos ministros, é somente uma parte
do sistema de poder (para não falar na dominação estruturalmente exercida pelas
classes e setores de classe, organizados na estrutura não-formal de mando, que
no dia-a-dia exercem pressão e dispõem de recursos de poder entrincheirados de
mil maneiras nas práticas sociais). O Congresso, os partidos, o Judiciário,
para me limitar aos componentes formais da estrutura de mando, condicionam,
obviamente, o jogo político. (...)
A pena alçou vôo alto. Plainemos de volta à superfície da
cidadania da qual partimos e com juízo e serenidade saibamos nos conter.
Com a admiração e desejo de sucesso para o bem do Brasil
e realização de sonhos de brasileiros que esperam em V. Ex.ª o instrumento das
mudanças dentro das expectativas que soube semear na campanha eleitoral para
conservar e consolidar seu poder de governar com capacidade plena no campo das
linhas de forças da democracia, da justiça e do direito.
Atenciosamente.
Do seu, com o respeito devido.
F.
Cara Senhora Presidenta.
Sinto-me
honrado por ter pedido meus conselhos quando assumiu as responsabilidades
terríveis de sua função pública.
Posso
oferecer várias regras de ouro, que acredito que o tempo e a experiência têm
provado serem úteis.
Aja com ousadia
no começo.
O público tem
atenção por pouco tempo e isto vai fazê-los esquecer as realizações de sua
antecessora e impressioná-los com o seu vigor.
Faça a sua
primeira prioridade a proteção do seu poder.
Sem ele você
é inútil.
Pareça
rígida, mas seja flexível.
Lembre-se,
alguns dos maiores dons de Deus são desrespeitados em promessas de campanha.
O Príncipe (escrito em 1515, publicado em 1515)
Niccolò Machiavelli (1469
– 1527)
Presidência da República Federativa do Brasil
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