sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A Vaca Já Foi Pro Brejo, Mundo velho não tem jeito...

 Em ritmo de pagode, Lourival dos Santos/Tião Carreiro/Vicente P. Machado, interpretado por Tião Carreiro e Pardinho, encontramos uma grande metáfora para o acerto de contas entre o que veio antes e o que o está substituindo na existência do ser e do porvir existencial, social e político.

Esses compositores e intérpretes falam de suas próprias vidas e da arte que interpretam e compõem de modo sofrido, sem chegar às raias do ressentimento por estarem falando do que, em uma instância, são criaturas e criadores.

Sons contundentes e palavras casmurras, aparentemente, para dar conta do eterno entrechoque entre o velho e o novo com suas mutações infinitas e plenamente previsíveis, ainda que algumas vezes tristes.


          A vaca já foi pro brejo


Tião Carreiro e Pardinho

Composição: Lourival dos Santos,/ Tião Carreiro / Vicente P. Machado
Mundo velho está perdido
Já não endireita mais
Os filhos de hoje em dia já não obedecem os pais
É o começo do fim
Já estou vendo sinais
Metade da mocidade estão virando marginais
É um bando de serpente
Os mocinhos vão na frente, as mocinhas vão atrás...
Pobre pai e pobre mãe
Morrendo de trabalhar
Deixa o coro no serviço pra fazer filho estudar
Compra carro a prestação
Para o filho passear
Os filhos vivem rodando fazendo pneu cantar
Ouvi um filho dizer
O meu pai tem que gemer, não mandei ninguém casar...
O filho parece rei
Filha parece rainha
Eles que mandam na casa e ninguém tira farinha
Manda a mãe calar a boca
Coitada fica quietinha
O pai é um zero à esquerda, é um trem fora da linha
Cantando agora eu falo
Terreiro que não tem galo quem canta é frango e franguinha...
Pra ver a filha formada
Um grande amigo meu
O pão que o diabo amassou o pobre homem comeu
Quando a filha se formou
Foi só desgosto que deu
Ela disse assim pro pai: "quem vai embora sou eu"
Pobre pai banhado em pranto
O seu desgosto foi tanto que o pobre velho morreu...
Meu mestre é Deus nas alturas
O mundo é meu colégio
Eu sei criticar cantando: Deus me deu o privilégio
Mato a cobra e mostro o pau
Eu mato e não apedrejo
Dragão de sete cabeças também mato e não alejo
Estamos no fim do respeito
Mundo velho não tem jeito, a vaca já foi pro brejo...

Oxalá as Novas Violas tenham capacidade de assimilar criticamente os Pagodes de Brasília cuidando a fim de não descambar para um momento politicamente incorreto de seu criador, apelando para Duas Balas de Ouro, como adverte A Porteira Sertaneja, a porta de entrada para o mundo sertanejo.



Pagode Em Brasília


Bruna Viola

Quem tem mulher que namora
Quem tem burro impacador
Quem tem a roça no mato me chame
Que jeito eu dou
Eu tiro a roça do mato sua lavoura melhora
E o burro impacador eu corto ele de espora
E a mulher namoradeira eu passo o coro e mando embora
Tem prisioneiro inocente no fundo de uma prisão
Tem muita sogra increnqueira e tem violeiro embruião
Pro prisioneiro inocente eu arranjo advogado
E a sogra increnqueira eu dou de laço dobrado
E o violeiro embruião com meus versos estão quebrados
Bahia deu Rui Barbosa
Rio Grande deu Getúlio
Em Minas deu Juscelino
De São Paulo eu me orgulho
Baiano não nasce burro e gaucho é o rei das cochilhas
Paulista ninguém contesta é um brasileiro que brilha
Quero ver cabra de peito pra fazer outra Brasília
No estado de Goiás meu pagode está mandando
O bazar do Vardomiro em Brasília é o soberano
No repique da viola balancei o chão goiano
Vou fazer a retirada e despedir dos paulistano
Adeus que eu já vou me embora que Goiás tá me chamando.




Duas balas de ouro


Zico e Zeca

Eu inventei essa moda
Não reparei no defeito
Inventei ela chorando
Sofrendo daquele jeito
Um caboclo apaixonado
Nunca faz nada direito
Coração que só padece
Faz morada no meu peito
Gosto tanto dessa ingrata
Mas ela não me quer bem
Eu mando carta pra ela
Resposta pra mim não vem
Eu mato ela e me mato
Vai ser o jeito que tem
Se ela não pode ser minha
Não vai ser de mais ninguém
Mandei fazer na Europa
Não demora pra vir
Um revólver de platina
E o cabo é de marfim
E duas balas de ouro
Duas vidas vai ter fim
Uma bala é pra ela
E outra vai ser pra mim
Vou matar quem não me ama
Quem não quer ser meu tesouro
Um tiro silencioso
Sem barulho e sem estouro
Dei tanto presente a ela
Durante nosso namoro
Agora por despedida
Eu vou dar bala de ouro




Após passar a infância ouvindo a denominada 1.ª geração da música sertaneja de Cornélio Pires, Capitão Furtado e seus pares, o grande Lourival dos Santos já começou a compor para a 2.ª geração de Raul Torres, Serrinha, Tedy Vieira, Florêncio, Nhá Zefa, Lambarí e Laranjinha, Tonico e Tinoco, João Pacífico e Zé Fortuna. Seguiu com a 3.ª geração de Tião Carreiro e Pardinho, Vieira e Vieirinha, Lio e Leo, Lourenço e Lourival, Pedro Bento e Zé da Estrada, gravando também com esses monstros sagrados da música sertaneja; para, finalmente, com fôlego de sete gatos, alcançar, com suas composições, a 4.ª geração de  Irídio e Irineu e Gilberto e Gilmar, entre tantos outros.

Do cururu a todos os ritmos, o precursor do pagode, com Tião Carreiro, na música sertaneja brasileira retratou uma história em cada uma de suas composições, para além de 1.000. E dessas não escapou sequer a melancólica A Vaca Já Foi Pro Brejo, ainda que prefiramos nos ater à fantasia da metáfora do selvagem mundo novo, que não deixa de ser outra história, com todo o respeito à memória do cunhado de Oduvaldo Vianna, em apaginadavida.



Enfim, um pequeno tributo a esse grande baluarte da Música Popular Brasileira:

Lourival dos Santos
http://www.dicionariompb.com.br/images/icone/nascimento_verbete.gif 11/8/1917 Guaratinguetá, SP 
http://www.dicionariompb.com.br/images/icone/morte_verbete.gif 19/5/1997 Guarulhos, SP


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