quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

O conflito na obra de Sófocles

Introdução

Vivemos momentos de conflitos e mudanças que nos remetem ao século XV. Já naquele momento foram buscadas respostas nos séc. VI e V a.C. Assim, começaremos por revisitar Sófocles através do trecho final de um artigo que é transcrito a seguir. Recomenda-se, para aquele que deseje aprofundar seus entendimentos, recorrer às Referências ali elencadas.

Abaixo segue o trecho final do artigo Conflitos do “velho” e do “novo”

Todos estes fatos reconhecidos revelam o conflito do rei tebano que encontra as respostas para os seus questionamentos que até o momento o atormentava. Mas, o conhecimento revela-se ainda mais doloroso a Édipo do que o conflito provocado pelos seus questionamentos. A busca pelo conhecimento esclarece a Édipo a “verdade” sobre sua origem e sua culpa no assassinato de Laio, causando, assim, toda a dor e sofrimento. Por isso, Tirésias considera o conhecimento algo terrível: “Pobre de mim! Como é terrível a sapiência/ quando quem sabe não consegue aproveitá-la” (Sófocles, 1990c, p. 34, vv. 377-378).
            Mas, a dor que esse conhecimento proporciona é algo purificador, pelo qual o homem deve passar para encontrar a solução dos conflitos vividos nesse momento de transição:
                            CORIFEU
                            Vede bem, habitantes de Tebas, meus concidadãos!
                            Esse é Édipo, decifrador de enigmas famosos;
                            ele foi um senhor poderoso e por certo o invejastes
                            em seus dias passados de prosperidade invulgar.
                            Em que abismo de imensa desdita ele agora caiu!
                            Sendo assim, até o dia fatal de cerrarmos os olhos
                            não devemos dizer que um mortal foi feliz de
                            verdade
                            antes dele cruzar as fronteiras da vida inconstante
                            sem jamais ter provado o sabor de quaisquer
                            sofrimento (Sófocles, 1990c, p. 96, vv. 1801-1810).
            Não obstante, para Sófocles, o homem é mais que um ser sofredor. A dor é constituinte básico da sua natureza, que o torna ainda mais forte diante dos conflitos: “[...] de fato, os sofrimentos/ a longa convivência e meu altivo espírito/ me ensinam a ser paciente...” (Sófocles, 1990b, p. 103, vv. 1-8). É pela dor que o homem se liberta das culpas e sofrimentos, purifica-se dos crimes e faltas cometidas e alcança as virtudes mais elevadas, tornando-o um homem “melhor”.
               
Considerações finais
O homem responsável por seu atos
            A reflexão filosófica, no período clássico, ajudou o homem a se libertar da dependência da crença nos mitos e da submissão ao “destino” que acreditava já fixado e contra o qual não se podia lutar. Mas, o conhecimento, o uso da razão pelo homem, não eliminou de todo a crença nos deuses: a religião grega e a crença do homem nela continuavam existindo, mesmo na forma de organização social da cidade-Estado: “Foi Apolo! Foi sim, meus amigos!/ Foi Apolo o autor de meus males,/ de meus males terríveis; foi ele!” (Sófocles, 1990c, p. 88, vv. 1576-758). O conhecimento racional e o uso da reflexão possibilitaram tirar a responsabilidade atribuída aos deuses por tudo que acontecia na vida do homem, e fez com que este assumisse as responsabilidades por suas ações: “[...] mas fui eu quem vazou meus olhos./ Mais ninguém. Fui eu mesmo, o infeliz!” (Sófocles, 1990c, p. 88, vv. 1579-1580).
            Os delitos cometidos pelo homem da polis passaram a ser de sua responsabilidade. Esses delitos, considerados ações conscientes do homem, faziam com que este respondesse por seus atos e fosse julgado por eles.
            Antígona é a personificação desse homem. A condenação da heroína é causada por um ato individual, e ela é julgada individualmente por isso, recebendo sozinha a condenação, que não mais se estendia a toda sua família como acontecia anteriormente na comunidade gentílica: “[...] é por tua vontade e decisão/ que tu, apenas tu entres os mortos/ descerás a região das sombras” (Sófocles, 1990a, p. 231, vv. 917-919).
            No entanto, mesmo que os crimes fossem cometidos involuntariamente por um ato passional, ou mesmo por um ato inconsciente, num momento de ódio ou violência, esse homem tinha consciência de que a responsabilidade do feito era sua, e não de um “destino”, deus, ou maldição. Assim, também, como sabia que as consequências e as penalidades que seguiam a tal ação faltosa também eram suas:
                            CREONTE
                            Erros cruéis de uma alma desalmada!
                            Vede, Mortais, o matador e o morto,
                            do mesmo sangue! Ai! Infeliz de mim
                            por minhas decisões irrefletidas!
                            Ah! Filho meu! Levou-te, inda imaturo,
                            tão prematura morte – ai! Ai de mim! –
                            Por minhas irreflexões, não pela tua! (Sófocles,
                            1990a, p. 148, vv. 1404-1410).
            A partir do momento em que assumiu a culpa pelas suas faltas, o homem passou a necessitar de uma forma de justiça específica que julgasse seus atos, sua voluntariedade, seus desvios de conduta. Assim, ao assumir a responsabilidade por suas faltas, o homem não devia mais sofrer as penalidades que, segundo a tradição, eram impostas pelos deuses, mesmo por seus atos involuntários, por serem determinados pelo destino:
                            ÉDIPO
                            [...] Mas, não quero que me atribuam como crimes
                            nem esse casamento nem o assassínio
                            de um pai, que me lanças ao rosto sem cessar,
                            insultando-me ainda com rudes ultrajes.
                            Responde apenas uma pergunta minha:
                            se alguém aparecesse aqui nesse momento
                            e tentasse matar-te – a ti, Creonte, o justo - ,                                        
                           quererias saber se quem te ameaçava
                            era teu pai, ou antes o castigarias?
                            Penso que por amor à vida punirias
                            teu agressor sem maiores indagações
                            quanto a teu pleno direito de eliminá-lo (Sófocles,
                            1990b, p. 157, vv. 1143-1154).
            Sófocles esclareceu que o cidadão da pólis, responsável por suas ações e por seus crimes, tinha que ser submisso e devia ser julgado pelas leis da cidade, porque estas leis eram elaboradas por esse mesmo cidadão, para manter a ordem e para julgar ações e a responsabilidade dos atos humanos que pudessem vir a por em risco a manutenção da estrutura social organizada da cidade-Estado: “[...] Mas se ele tem a idéia/ de impor-nos novas leis, tratá-lo-ei de acordo/ com suas próprias leis, e não com quaisquer outra (Sófocles, 1990b, p. 154, vv. 1038-1040). Mas, mesmo diante da evidência dos seus crimes, o homem da cidade-Estado não precisava assumir as penalidades que lhe fossem impostas, sem antes expor sua defesa, como permitia a própria lei da pólis democrática na qual estava inserido:
                            CREONTE
                            [...] Procede, então, como lhe parecer melhor;
                            digo que embora minha causa seja justa
                            o fato de estar longe de minha cidade
                            deixa-me fraco; mas, apesar da velhice,
                            reagirei a quaisquer atos contra mim (Sófocles,
                            1990b, p. 156, vv. 1100-1104).
            Sófocles pretendia, em sua obra, mostrar que a submissão à crença no destino e às “leis divinas” perdera sua função na pólis e foram substituídas definitivamente pela racionalidade e pelas “leis escritas”.
            As suas personagens apresentam, nas suas peças, a influência das emoções e das ações humanas diante da nova forma de organização social, e também demonstram como o homem buscava no conhecimento, soluções para o conflito vivido diante da sua postura de assumir-se enquanto ser responsável por seus atos e seu futuro, tendo como mediador a racionalidade para guiar suas ações e as leis da pólis que serviam para manter a organização social.

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