Historiador diz que descrença nos partidos abre as
portas para candidaturas que podem ameaçar a democracia
Entrevista com
Boris Fausto, historiador
Gilberto Amendola e Aguinaldo Novo, O Estado de
S.Paulo
26 Agosto 2018 | 05h00
O historiador e cientista político Boris Fausto,
de 87 anos, vê com preocupação o atual quadro eleitoral. Em entrevista ao Estado,
ele diz que a candidatura à Presidência do deputado Jair Bolsonaro (PSL)
representa a ascensão de uma extrema-direita que “aceita regras fora do jogo
democrático”. E nenhuma outra força política, ao centro ou à esquerda, tem hoje
força para se contrapor a esse avanço, dado o descrédito dos partidos
tradicionais. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual o retrato do País às vésperas de uma eleição
presidencial?
Estamos à beira do abismo, em uma situação muito
complicada. Há uma crise institucional muito grave. Há uma incerteza com o
resultado da eleição. E existem candidatos que são, ao menos um candidato
notadamente, muito preocupantes.
O sr. se refere ao deputado Jair Bolsonaro?
(Rindo) Você é quem falou...
O que faz dele alguém tão bem colocado nas
pesquisas?
Ele vem de uma coisa inegável, que não chegamos a
perceber, que foi o avanço da extrema-direita. O Bolsonaro vem nessa onda. Ele
é nitidamente um candidato que hoje entrou no jogo, mas que também aceita
regras fora do jogo democrático.
Como se deu o fortalecimento dessa extrema-direita?
O que levou a isso foi a corrosão do jogo
democrático. Corrupção, descrença nos candidatos e nos partidos, seja à
esquerda ou à direita. Isso proporcionou o avanço da extrema-direita e o
crescimento da ideia de um regime forte. Essa ideia vem sempre associada aos
militares, porque, na cabeça de alguns, se alguém tiver de implantar um regime
forte são eles, os militares. Tem também muita gente jovem que apoia o
Bolsonaro e não conheceu a ditadura. E mais grave: gente que conheceu a
ditadura e diz que é isso mesmo. É um eleitorado que diz que cansou dos
políticos de centro, dos bem comportadinhos, dessa esquerda que é muito
demagógica. Quando você vota por ódio ou por raiva, os riscos são muito altos. Se
estoura tudo, o caos é instalado e as consequências tendem a ser autoritárias.
Ainda assim, mesmo que chegue ao segundo turno, parece difícil que o Bolsonaro
ganhe a eleição. Na França, as pessoas se assustaram quando Marine Le Pen(candidata
da extrema-direita ao governo francês) chegou ao segundo turno (em 2017) e
se juntaram nas candidaturas enquadradas dentro da normalidade.
Uma união entre partidos para enfrentar Bolsonaro num
segundo turno será automática?
PT e PSDB não vão se dar as mãos. Vão, no máximo,
fazer uma aliança pragmática.
Derrotado, Bolsonaro será um fenômeno efêmero?
Diria que Bolsonaro é uma má personificação, é muito
caricatural. Isso pode agradar a um setor, mas, para articular um movimento,
esse homem é muito tosco. Uma corrente de extrema-direita vai persistir, mas
outro alguém vai encarnar essa corrente, alguém que não ensine uma criança de 5
anos a atirar.
Existe algum partido que se contraponha à
extrema-direita?
Não e esse é o drama do País. Nem ao centro e nem à
esquerda. Agora, tem uma figura que ganhou pontos, foi a Marina Silva, que
inteligentemente peitou o Bolsonaro. Coisa que o (Geraldo) Alckmin não
faz. Ele fica fazendo suas considerações aritméticas e um joguinho que, ao meu
ver, não funciona mais.
A Marina tem força para se impor e com chances
eleitorais?
Com chances eleitorais, sim. Se ela vai para o
segundo turno, ganha de qualquer um. Mas daí começariam problemas de toda
ordem. A força de articulação dela é muito baixa. Vejo pouca capacidade dela no
jogo institucional.
Considera haver riscos para a democracia no País?
O risco de intervenção militar, acho menor do que em
1964. Mas o risco de uma descida aos infernos por uma via autoritária que seja,
até certo ponto, formalmente democrática tem chance de ocorrer como nunca.
Como explicar a força do ex-presidente Lula mesmo
preso?
Ele combina o martírio com a habilidade política.
Ele não está se valendo do sofrimento da cadeia. Ele é forte e está vivo, é um
quase semideus, e ainda consegue dar um trança-pé do naipe que ele deu no Ciro
Gomes. Fundamentalmente, eu não acho que o PT seja um partido democrático.
Existe uma corrente autoritária forte no interior do PT. O PT está integrado no
jogo democrático porque lhe convém muito bem. Na medida em que a figura
salvadora do Lula permanece, algum tipo de homogeneidade interna
sobrevive no PT. Enquanto isso, o PSDB se arrebenta, com as acusações de
corrupção e a desfiguração de seus quadros. Além disso, toda política do PSDB
desde a primeira vitória do Lula foi errada. Em vez de combater na oposição, e
apostar no futuro, passou por posições oportunistas.
Como vê a ideia dos outsiders?
Tenho dúvidas em relação aos outsiders. Eles
aparecem com uma marca antipolítica. Se você se aproveita da crise da política,
do sistema, isso é um indício negativo.
A eleição vai pacificar o País?
Vai continuar dividido e polarizado. Vamos dizer que
o Bolsonaro seja eleito. Como se estabiliza isso com as características desse
homem? Quem vai governar, o Posto Ipiranga? É crise mesmo. O Alckmin é o que
tem mais condições de levar a política para frente, mas é muito a velha
política. Não é nada muito animador.
EXAME
50 Anos – O Brasil na visão do historiador Boris Fausto
EXAME.com
Publicado em 27 de mar de 2018
Para o historiador e cientista político Boris
Fausto, o Brasil de hoje é claramente melhor que o de 50 anos atrás, quando
EXAME foi criada. Mas há pelo menos um aspecto em que o país recuou: a
segurança pública. Ele discute a questão nesta entrevista a André Lahóz
Mendonça de Barros, diretor editorial de EXAME. Boris Fausto também analisa os
legados de Lula e Fernando Henrique Cardoso, a falta de novas lideranças na
política e a polarização do eleitorado. A entrevista é parte de uma série que
comemora os 50 anos de EXAME.
Boris
Fausto - 24/08/2015
Roda Viva
Transmitido ao vivo em 24 de ago de 2015
Historiador fala dos casos atuais de corrupção, da
presença do Judiciário e do papel da oposição no Brasil de hoje
Referências
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,votar-por-odio-leva-a-riscos-muito-grandes-diz-boris-fausto,70002473370
https://youtu.be/ybvZJDi733U
https://www.youtube.com/watch?v=ybvZJDi733U
https://youtu.be/wA2b2oChMU4
https://www.youtube.com/watch?v=wA2b2oChMU4
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