domingo, 9 de junho de 2019

Tanoeiro, demagogo e Bernardino


...Este mundo é um imenso tonel de marmelada

... o trono para a multidão.

(MACHADO DE ASSIS. O Dicionário, in Páginas Recolhidas − Obras Completas. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1962. v. 15, p. 27)


Era uma vez um tanoeiro, demagogo, chamado Bernardino, o qual em cosmologia professava a opinião de que este mundo é um imenso tonel de marmelada, e em política pedia o trono para a multidão. Com o fim de a pôr ali, pegou de um pau, concitou os ânimos e deitou abaixo o rei; mas, entrando no paço, vencedor e aclamado, viu que o trono só dava para uma pessoa, e cortou a dificuldade sentando-se em cima. − Em mim, bradou ele, podeis ver a multidão coroada. Eu sou vós, vós sois eu. O primeiro ato do novo rei foi abolir a tanoaria, indenizando os tanoeiros, prestes a derrubá-lo, com o título de Magníficos. O segundo foi declarar que, para maior lustre da pessoa e do cargo, passava a chamar-se, em vez de Bernardino, Bernardão.


Considere as seguintes proposições, a partir do trecho acima transcrito:
I - A idéia do “trono para a multidão” expressa a essência da chamada monarquia constitucional.
II - A frase pronunciada por Bernardino e o modo de sua investidura no poder caracterizam o princípio inspirador da democracia representativa.
III - Considerado o Direito hoje vigente no Brasil, a abolição de uma atividade econômica, por ato administrativo normativo do Chefe de Governo, seria inconstitucional.
IV - Em certas hipóteses, a supressão de direitos, acompanhada de indenização, é admitida no Direito hoje vigente no Brasil.

São verdadeiras as afirmações contidas nas proposições
(A) I e II, somente.
(B) I e III, somente.
(C) II e IV, somente.
(D) III e IV, somente.
(E) I, II, III e IV.

. Gabarito: D
Autor: Cláudio Lopes Preza Júnior

Elton Somensi de Oliveira e Elias Grossmann (Orgs.)

Comentário:
Esta questão exige do candidato uma excelente capacidade de interpretação e correlação entre o trecho citado, no caso extraído de um conto de Machado de Assis, e noções de teoria geral do estado, direito constitucional e administrativo. Assim, vamos analisar cada alternativa a partir do trecho citado na prova:
Alternativa “I” – Machado de Assis é assaz claro, Bernardino é um demagogo, um tanoeiro (fabricante de tonéis), estratégia utilizada pelo autor para dizer que a política não passa de um tonel de marmelada, ou seja, não passaria de pura “politicagem” para a tomada do poder. Assim, ironicamente o personagem sugere que melhor fosse a própria democracia deixada de lado e o trono – isto é, o poder – fosse tomado por alguém que atuasse em nome da multidão, ou seja, uma atitude política demagógica, anti-democrática e acima de tudo anti-constitucional. Por isso, o “trono da multidão” de forma alguma expressa a idéia de monarquia constitucional e, portanto, a alternativa está errada.
Alternativa “II” – A frade de Bernardino é: “ – Em mim, bradou ele, podeis ver a multidão coroada. Eu sou vós, vós sois eu.” O personagem toma o poder de assalto e utiliza de estratégias demagógicas para legitimar-se no poder, como a outorga de “títulos” de Magníficos àqueles – os demais tanoeiros – que estavam prestes a derrubá-lo. Ora, todo este contexto demonstra muito bem que não se trata de um exemplo de representação democrática, muito pelo contrário, trata-se de exemplo de tomada de poder demagógica e autoritária. Portanto, a assertiva está errada.
Alternativa “III” – Vejamos alguns dispositivos da atual constituição brasileira (Constituição Federal de 1988) sobre a disciplina da atividade econômica:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)


ENADE Comentado 2006: Direito

XIII - (...) é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
(...)
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade; 
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Como é possível perceber, nossa ordem constitucional tutela a ordem econômica baseando-se em alguns princípios, sendo que a tônica reside no valor social do trabalho e na proteção à livre iniciativa. Desse modo, não pode o Poder Executivo, por simples ato administrativo, abolir atividade econômica, vide arts. 5º e 170, § único, ambos da CF/88. Assim, embora Bernardino tenha extinto por ato próprio, sem a intervenção de um Parlamento legitimamente eleito pelo povo que aprovasse uma lei regulando ou mesmo extinguindo uma determinada atividade econômica, o ato legal do personagem seria considerado inconstitucional na atual ordem constitucional brasileira. Desse modo, a alternativa está correta.
Alternativa “IV” – Para completar as informações da alternativa “III” cabe lembrar que o poder público poderá suprimir direitos individuais em casos específicos, sempre respeitando o primado da lei, a possibilidade da contestação do ato de supressão no Poder Judiciário e, acima de tudo, sempre garantido o devido direito à indenização. Ver, por exemplo, o artigo 5º, incisos XXII,XXIII, XXIV e XXV da CF/88 sobre o direito de propriedade e as possibilidades de desapropriação ou ainda uso emergencial da propriedade privada pelo poder público desde que esteja sempre garantido o direito à devida indenização. Dessa forma, a alternativa está correta.
Assim, como somente as alternativas “III” e “IV” estão corretas, a letra “d” (somente III e IV são verdadeiras) é a resposta certa.

Elton Somensi de Oliveira e Elias Grossmann (Orgs.)



Modelos em movimento: os contos de Machado de Assis
  • Paul Dixon Purdue University, Estados Unidos
Palavras-chave: Machado de Assis, conto, personagem, caracterização, realismo
Resumo
Quanto à questão da caracterização, as declarações teóricas de Machado de Assis são consistentes e mostram um compromisso com uma veracidade psicológica. Ao mesmo tempo as dúvidas machadianas sobre a escola Realista se manifestam num método de caracterização diferente das práticas normais de criar indivíduos verossímeis. O interesse de Machado, amplamente demonstrado nos contos, é mais relacional e consiste em construir quadros de personalidades ou perspectivas contrastantes. Freqüentemente a relação contrária de personagens sugere teorias opostas. A natureza categórica de tais dicotomias, porém, geralmente é problematizada através de recursos com o o duplo
Biografia do Autor
Paul Dixon, Purdue University, Estados Unidos
é professor de Literatura Latino-americana na Purdue University, nos Estados Unidos
Publicado
2005-12-08
Como Citar
Dixon, P. (2005). Modelos em movimento: os contos de Machado de Assis. Teresa, (6-7), 185-206. Recuperado de http://www.revistas.usp.br/teresa/article/view/116619
Edição
n. 6-7 (2005): Machado de Assis
Seção
Dossiê: O Conto de Machado de Assis
O envio de artigos por seus autores pressupõe a cessão dos direitos de publicação à revista Teresa.
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:http://www.revistas.usp.br/teresa/article/view/116619







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Machado de Assis

O DICIONÁRIO

Era uma vez um tanoeiro, demagogo, chamado Bernardino, o qual em cosmografia professava a opinião de que este mundo é um imenso tonel de marmelada, e em política pedia o trono para a multidão. Com o fim de a pôr ali, pegou de um pau, concitou os ânimos e deitou abaixo o rei; mas, entrando no paço, vencedor e aclamado, viu que o trono só dava para uma pessoa, e cortou a dificuldade sentando-se em cima.
- Em mim, bradou ele, podeis ver a multidão coroada. Eu sou vós, vós sois eu.
O primeiro ato do novo rei foi abolir a tanoaria, indenizando os tanoeiros, prestes a derrubá-lo, com o título de Magníficos. O segundo foi declarar que, para maior lustre da pessoa e do cargo, passava a chamar-se, em vez de Bernardino, Bernardão. Particularmente encomendou uma genealogia a um grande doutor dessas matérias, que em pouco mais de uma hora o entroncou a um tal ou qual general romano do século IV, Bernardus Tanoarius; - nome que deu lugar à controvérsia, que ainda dura, querendo uns que o rei Bernardão tivesse sido tanoeiro, e outros que isto não passe de uma confusão deplorável com o nome do fundador da família. Já vimos que esta segunda opinião é a única verdadeira.
Como era calvo desde verdes anos, decretou Bernardão que todos os seus súbditos fossem igualmente calvos, ou por natureza ou por navalha, e fundou esse ato em uma razão de ordem política, a saber, que a unidade moral do Estado pedia a conformidade exterior das cabeças. Outro ato em que reveleu igual sabedoria, foi o que ordenou que todos os sapatos do pé esquerdo tivessem um pequeno talho no lugar correspondente ao dedo mínimo, dando assim aos seus súbditos o ensejo de se parecerem com ele, que padecia de um calo. O uso dos óculos em todo o reino não se explica de outro modo, senão por uma oftalmia que afligiu a Bernardão, logo no segundo ano do reinado. A doença levou-lhe um olho, e foi aqui que se revelou a vocação poética de Bernardão, porque, tendo-lhe dito um dos seus dois ministros, chamado Alfa, que a perda de um olho o fazia igual a Aníbal, - comparação que o lisonjeou muito, - o segundo ministro, Omega, deu um passo adiante, e achou-o superior a Homero, que perdera ambos os olhos. Esta cortesia foi uma revelação; e como isto prende com o casamento, vamos ao casamento.
Tratava-se, em verdade, de assegurar a dinastia dos Tanoarius. Não faltavam noivas ao novo rei, mas nenhuma lhe agradou tanto como a moça Estrelada, bela, rica e ilustre. Esta senhora, que cultivava a música e a poesia, era requestada por alguns cavalheiros, e mostrava-se fiel à dinastia decaída. Bernardão ofereceu-lhe as coisas mais suntuosas e raras, e, por outro lado, a família bradava-lhe que uma coroa na cabeça valia mais que uma saudade no coração; que não fizesse a desgraça dos seus, quando o ilustre Bernardão lhe acenasse com o principado; que os tronos não andavam a rodo, e mais isto, e mais aquilo. Estrelada, porém resistia à sedução.
Não resistiu muito tempo, mas também não cedeu tudo. Como entre os seus candidatos preferia secretamente um poeta, declarou que estava pronta a casar, mas seria com quem lhe fizesse o melhor madrigal, em concurso. Bernardão aceitou a cláusula, louco de amor e confiado em si: tinha mais um olho que Homero, e fizera a unidade dos pés e das cabeças.
Concorreram ao certame, que foi anônimo e secreto, vinte pessoas. Um dos madrigais foi julgado superior aos outros todos; era justamente o do poeta amado. Bernardão anulou por um decreto o concurso, e mandou abrir outro; mas então, por uma inspiração de insigne maquiavelismo, ordenou que não se empregassem palavras que tivessem menos de trezentos anos de idade. Nenhum dos concorrentes estudara os clássicos: era o meio provável de os vencer.
Não venceu ainda assim porque o poeta amado leu à pressa o que pôde, e o seu madrigal foi outra vez o melhor. Bernardão anulou esse segundo concurso; e, vendo que no madrigal vencedor as locuções antigas davam singular graça aos versos, decretou que só se empregassem as modernas e particularmente as da moda. Terceiro concurso, e terceira vitória do poeta amado.
Bernardão, furioso, abriu-se com os dois ministros, pedindo-lhes um remédio pronto e enérgico, porque, se não ganhasse a mão de Estrelada, mandaria cortar trezentas mil cabeças. Os dois, tendo consultado algum tempo, voltaram com este alvitre:
- Nós, Alfa e Omega, estamos designados pelos nossos nomes para as coisas que respeitam à linguagem. A nossa idéia é que Vossa Sublimidade mande recolher todos os dicionários e nos encarregue de compor um vocabulário novo que lhe dará a vitória.
Bernardão assim fez, e os dois meteram-se em casa durante três meses, findos os quais depositaram nas augustas mãos a obra acabada, um livro a que chamaram Dicionário de Babel, porque era realmente a confusão das letras. Nenhuma locução se parecia com a do idioma falado, as consoantes trepavam nas consoantes, as vogais diluíam-se nas vogais, palavras de duas sílabas tinham agora sete e oito, e vice-versa, tudo trocado, misturado, nenhuma energia, nenhuma graça, uma língua de cacos e trapos.
- Obrigue Vossa Sublimidade esta língua por um decreto, e está tudo feito.
Bernardão concedeu um abraço e uma pensão a ambos, decretou o vocabulário, e declarou que ia fazer-se o concurso definitivo para obter a mão da bela Estrelada. A confusão passou do dicionário aos espíritos; toda a gente andava atônita. Os farsolas cumprimentavam-se na rua pela novas locuções: diziam, por exemplo, em vez de: Bom dia, como assou? - Pflerrgpxx, rouph, aa? A própria dama, temendo que o poeta amado perdesse afinal a campanha, propôs-lhe que fugissem; ele, porém, respondeu que ia ver primeiro se podia fazer alguma coisa. Deram noventa dias para o novo concurso e recolheram-se vinte madrigais. O melhor deles, apesar da língua bárbara, foi o do poeta amado. Bernardão, alucinado, mandou cortar as mãos aos dois ministros e foi a única vingança. Estrelada era tão admiravelmente bela, que ele não se atreveu a magoá-la, e cedeu.
Desgostoso, encerrou-se oito dias na biblioteca, lendo, passeando ou meditando. Parece que a última coisa que leu foi uma sátira do poeta Garção, e especialmente estes versos, que pareciam feitos de encomenda:

O raro Apeles,
Rubens e Rafael, inimitáveis
Não se fizeram pela cor das tintas;
A mistura elegante os fez eternos.


Fonte: Páginas Recolhidas - Machado de Assis - W.M. Jackson Inc. Editores - 1946.

Ortografia atualizada.




Referências

http://www.pucrs.br/edipucrs/enade/direito2006.pdf
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:http://www.revistas.usp.br/teresa/article/view/116619
blob:https://web.whatsapp.com/c6f9b609-e085-42ad-b877-1b1526f7fb7b
https://youtu.be/dXCe_7f6a7M
https://www.youtube.com/watch?v=dXCe_7f6a7M&feature=youtu.be
http://biblio.com.br/defaultz.asp?link=http://biblio.com.br/conteudo/MachadodeAssis/odicionario.htm

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