Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
terça-feira, 18 de fevereiro de 2025
Juracy Magalhães a Magda Chambriard
2 de abril de 1954 2 de setembro de 1954 Getúlio Vargas
24 de maio de 2024[16]
Luiz Inácio Lula da Silva
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"ESPERO A LUZ
QUE ESPERA A TERRA PASSAR
E O SOL ESCONDER.
ESPERO A LUZ
ANTES DA TERRA PASSAR
E SEM O SOL ESCONDER.
A LUZ QUE ILUMINA E AQUECE,
ACONTEÇA O QUE ACONTECER."
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Ficheiro:Sede Petrobras en Río de Janeiro.jpg
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- Muito obrigado meu filho, mas vocês podem ir embora. Aqui só se entra com vestibular.
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O fim do socialismo
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"Caramba, mais um palanque, cheio de politicos, empresários, banqueiros, jornalistas, vazio de publico."
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Pedro Calmon (1951-1966) a
José Henrique Vilhena de Paiva (1998–2002)
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Universidade Federal do Rio de Janeiro: ideologização prejudica qualidade | Foto: Reprodução
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Na história da UFRJ estão presentes reitores importantes, como o Conde Afonso Celso (1925-1926), o historiador Manuel Cícero Peregrino da Silva (1926-1930), o matemático Inácio Manuel Azevedo do Amaral (1945-1948), Pedro Calmon (1951-1966), Deolindo Couto (1950-1951), Clementino Fraga (1966-1967), Djacir Menezes (1969-1973), Adolpho Polillo (1981-1985), todos homens ilustres, com enorme produção literária e inúmeros serviços prestados ao país.
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Democracia: Uma História Sem Fim
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Meio
7 de fev. de 2025
"Democracia: Uma História Sem Fim" é o primeiro documentário original do Meio. Mostramos a trajetória e os rumos da democracia no Brasil desde a redemocratização. Sem partidarismos, apoie esse debate e ajude a construir um caminho do meio. Inscreva-se e saiba mais sobre o lançamento: https://nomeio.com.br/yb_democracia
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Primeira lição
Lêdo Ivo
Publicado em
Antologia ou Obra Coletiva
Edição original
Poema publicado na seção "A cartilha" da obra "Estação Central" (1964).
PRIMEIRA LIÇÃO
Na escola primária
Ivo viu a uva
e aprendeu a ler.
Ao ficar rapaz
Ivo viu a Eva
e aprendeu a amar.
E sendo homem feito
Ivo viu o mundo
seus comes e bebes.
Um dia num muro
Ivo soletrou
a lição da plebe.
E aprendeu a ver.
Ivo viu a ave?
Ivo viu o ovo?
Na nova cartilha
Ivo viu a greve
Ivo viu o povo.
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Policiais observam estudantes após desocupação da reitoria da UFRJ | Foto de Custódio Coimbra
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Foram 44 dias de protesto na Ilha do Fundão. Estudantes e servidores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) estavam decididos a não aceitar o professor José Henrique Vilhena como novo reitor. O docente tinha ficado em terceiro lugar na votação interna para indicar o gestor da instituição, mas o então ministro da Educação, Paulo Renato Souza, insistiu em empossá-lo. A decisão gerou manifestações dos alunos e funcionários, que se instalaram no prédio da reitoria exigindo a nomeação do professor Aloízio Teixeira, candidato mais votado na consulta interna. A desocupação aconteceu mediante aparato policial, no dia 21 de agosto de 1998, há 20 anos. Mas aquele era apenas o início de uma oposição que duraria quatro anos. Ao longo de todo seu mandato, Vilhena sofreu com a resistência da comunidade universitária.
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ELIO GASPARI
Ivo vê a uva. Vilhena, a Vigibrás
O professor José Henrique Vilhena se lembra. Ele se lembra do reitor Pedro Calmon. Era um aristocrata baiano, parecia feito de porcelana. Conseguia ser um belíssimo orador sem dizer nada e tendo um leve defeito na voz. Razoável historiador, um pouco empolado, mas livre da sarna daquilo que FFHH chama de "vulgata marxista". Um grande sujeito.
Calmon foi magnífico reitor da Universidade do Brasil (era assim que se dizia) de 1948 a 1966. Aguentou de tudo, de ocupações de faculdades a um episódio no qual estudantes fizeram "barata-voa" com seu mocassim.
Certa vez, os estudantes da Faculdade Nacional de Direito muraram com tijolos uma janela da escola para impedir a entrada de um professor malconcursado a quem chamavam de "janeleiro". Deu-se uma grande baderna no prédio onde funcionou o Senado do Império e o reitor foi chamado. Calmon chegou e viu a Polícia Militar no saguão. Dirigiu-se a um oficial e perguntou o que estava acontecendo. Ouviu que a polícia tinha sido chamada para acabar com a desordem. Disse mais ou menos o seguinte:
- Muito obrigado meu filho, mas vocês podem ir embora. Aqui só se entra com vestibular.
O professor José Henrique Vilhena é hoje o reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (nome grotesco criado pelos padrões uniformizantes da ditadura militar). Tem todo o direito de exercer o seu cargo, mas, como deve ter percebido, há diversos obstáculos no caminho.
Há baderna? Sem dúvida. Quando Vilhena tinha a idade dos estudantes que o expulsaram da reitoria, baderneiro era Fernando Henrique Cardoso. Baderneiraço era José Serra, presidente da União Nacional dos Estudantes. Na geração anterior, baderneiro foi Antonio Carlos Magalhães. Badernava pela entrada do Brasil na Segunda Guerra e apanhou de um polícia cujo nome se perdeu na história. (Pena, porque deve ter sido a única pessoa que acertou ACM sem levar troco.) Todos três sempre lembram com doçura e orgulho daquela aurora de suas vidas, badernança querida que os anos não trazem mais.
Os obstáculos físicos colocados no caminho do professor Vilhena são produto da baderna. Há outros, acadêmicos, que são produto exclusivo da inconformidade. Nesse pedaço do barraco, estão 5 dos 6 decanos da universidade e 40 dos 47 diretores de seus institutos. Não é simples arruaça nem foram os estudantes que a começaram, mas o Palácio do Planalto, querendo cortar a cabeça do professor Aloisio Teixeira com faca alheia. (Por falar em baderna, durante a ditadura o professor Fernando Henrique Cardoso visitou várias vezes a casa do brigadeiro Francisco Teixeira, único quatro estrelas do Partido Comunista. Ia a ele para falar de política. Lá conheceu o professor Teixeira, que, mesmo vivendo na clandestinidade, era chamado pelo pai para presenciar esses encontros.)
Só o professor Vilhena pode decidir o que faz do mandato que recebeu de FFHH. Uma coisa deve levá-lo a refletir, coisa pequena, quase detalhe, que nada tem a ver com as confusões feitas por seus adversários, pois relaciona-se apenas com sua capacidade de tomar decisões e providências.
Ao amanhecer da segunda-feira, ele entrou no seu gabinete protegido por 20 guarda-costas da empresa de segurança particular Vigibrás. Tem um mandato federal, mas julgou adequado entrar na reitoria da Universidade do Brasil protegido por guardas da Vigibrás. Perdeu o senso. Se queria entrar com o argumento da força (que lhe está legalmente disponível), deveria ter telefonado ao ministro Paulo Renato Souza, pedindo escolta das Forças Armadas. Era isso ou nada. Um reitor chegando ao seu gabinete com uma guarda pessoal, como faziam os ricaços na Roma antiga, é baderna em estado puro. Pelo menos um estudante é testemunha de que havia meganha armada na escolta do professor. Isso já não é baderna, mas irresponsabilidade.
O que aconteceria se o professor Aloisio Teixeira resolvesse criar uma reitoria do B, com o apoio de agentes da empresa de segurança Tabajara? O que acontecerá se algum dia um professor preferir defender sua tese de livre-docência escoltado pelas armas da Mãe Joana?
O professor Pedro Calmon haveria de rir (e como ria bem) se lhe contassem que algum dia seu magnífico sucessor entraria naquele prédio da praia Vermelha acompanhado por musculatura privada.
Se tudo o que aconteceu fosse pouco, depois de fazer o 18 Brumário da Vigibrás, o professor Vilhena barricou-se no espaço conquistado. Trancou os acessos a cadeado. Por mais que haja problemas de segurança nas escolas brasileiras, ainda não houve caso de diretora de escola da periferia barricando-se contra traficantes de drogas.
O que o professor Vilhena vai fazer é problema dele, desde que não faça mais o que fez segunda-feira. Problema, e dos bons, é o que está nas mãos de FFHH e do ministro Paulo Renato Souza. Os senhores ainda acham que escolheram o melhor nome para o cargo de reitor da velha Universidade do Brasil, aquele cargo que foi exercido por Pedro Calmon?
São Paulo, quarta, 29 de julho de 1998
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"terça-feira, 18 de fevereiro de 2025
Extubação plena da democracia brasileira: a conciliação política começa por cima - Paulo Fábio Dantas Neto
Com frequência, nos atuais tempos em que a democracia brasileira se sustenta e reconfigura em alta tensão com valores tradicionais da nossa república, tenho me lembrado de um texto de Raul Francisco Magalhães sobre traços republicanos presentes nos primeiros passos da construção oitocentista do estado e da sociedade nacionais no Brasil. “A república estava lá, mas a democracia não ou jamais fomos ibéricos” foi um trabalho apresentado ao XXXV Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), em outubro de 2011 (ver anais do Encontro).
Até onde sei, o autor - que não conheço e de quem, por negligência minha, não li mais nada, além do texto citado - é professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, assim como Rubem Barboza Filho, este, um interlocutor e amigo, autor do livro “Tradição e artifício: iberismo e barroco na formação americana”, obra preciosa, publicada em 2000, pela Editora da UFMG, leitura imprescindível para quem pesquisa ou busca ter uma compreensão sobre a formação social brasileira e da Ibero-América, notadamente em suas dimensões política e cultural. A alusão a Rubem Barboza Filho é imperativa ao evocar o texto de Magalhães porque parte importante deste é controvérsia respeitosa e qualificada com outro precioso texto daquele autor, publicado no ano anterior (Barboza Filho, R. “A modernização brasileira e o nosso pensamento político” - Perspectivas, São Paulo, v. 37, p. 15-64, jan./jun. 2010).
Enquanto Barboza formulava uma crítica aguda ao que terá sido a supressão da tradicional linguagem dos afetos no pensamento construtor da nossa ordem institucional e da nossa vida social e política, em prol de um uso excludente das linguagens modernizantes da razão e do interesse (omissão essa que teria consequências historicamente inibidoras da amplitude social e republicana da democracia futura), Magalhães enxergava na modalidade de pensamento orientadora da formação política do país, desde seus primeiros momentos, premissas republicanas de incidência histórica distinta, senão oposta. Seriam o fio condutor que terminaria avalizando a qualidade positiva da democracia da Carta de 1988.
É preciso dar o devido desconto ao fato de que, em 2011, quando o texto foi escrito, a visão benigna sobre a qualidade da nossa democracia e um razoável otimismo sobre seu futuro ainda eram consensos amplos, mesmo não havendo consenso geral. A percepção justificava-se pela participação eleitoral massiva, pela representatividade auferida num sistema político aberto e competitivo, pela dinâmica independente da imprensa e das instituições de controle sistêmico da política. Suas mazelas e os riscos à governabilidade não podiam ser facilmente detectados e quando o eram (casos conspícuos da corrupção no Executivo e da fragmentação e patrimonialismo no Legislativo) não iam além de impressões naturalizadas pelo grande público, para o qual ainda contava mais o efeito socialmente progressivo de várias políticas públicas. Algumas das mazelas eram invisíveis, outras se insinuavam, ou já eram evidentes, mas a percepção de sua extensão, intensidade e profundidade só viria mais adiante (e aqui 2013 é, sem dúvida, um marco), até porque, com a emergência de uma conjuntura crítica, as mazelas seriam aprofundadas e exacerbadas por vários atores políticos, recalcitrantes ou perplexos, mas unidos na negação das evidências até quando o seu escancaramento converteu essa cumplicidade morna num vale-tudo e daí num salve-se-quem-puder.
A emergência desse longo momento de infortúnio (a teia na qual estamos enredados há mais de uma década) pode ter desmentido o otimismo de Magalhães para com o presente de 2011, mas não sua arguta percepção do passado em que surgimos como estado e nação. Se seguirmos o fio do argumento veremos que mazelas atuais não são uma mera - e muito menos óbvia – decorrência de uma "herança maldita" que nos manteria atados a males a tratar e a injustiças a reparar. Elas (as mazelas) têm muito a ver com imprudência e descuido para com um legado republicano talvez incipiente, mas promissor, em suas ambiguidades. O texto ajuda a não culpar a má fortuna ou os pecados do passado pelos impasses de um pensamento enviesado, que naquele só enxerga iniquidades. A tradição conciliadora brasileira nasceu monárquica na forma política, mas processualmente liberal, mesmo quando politicamente conservadora. E republicana na atitude que faz do bem comum um imperativo legitimador mesmo quando a reiteração oligárquica ameaça esse imperativo com sua redução à retórica. A resultante desse jogo de ambiguidades - cuja anatomia dialética, para além das pautas de cada época, Joaquim Nabuco já percebera lá atrás – não pode ser conhecida de antemão porque é de processos que se trata e não de essências. E processos cada vez mais sujeitos a uma crescente incorporação democrática da sociedade – seja a sociedade civil, seja o eleitorado informe – à política do país. A incorporação, por sua vez, rejeita marcações ideológicas perenes. Ora “progressistas”, ora “conservadoras” essas ondas são vinho novo. Em qualquer dos casos cumpre cuidar dos odres, para que o envelhecimento não o inutilize.
Mas há, ao mesmo tempo, a necessidade de não negar, nem subestimar, alterações de monta nessa tradição ciosa de si e também aberta à inovação e nos equilíbrios instáveis entre suas ambiguidades. São tempos de relevantes mudanças estruturais, em que a tecnologia várias vezes opera revoluções que, no passado nem tão longínquo, se via como missão do que Michael Oakeshott chamou “política da fé”. E são tempos de fortes pretensões por rupturas, por parte desses insaciáveis apetites de movimento que ficaram viúvos daquela febre de revolução. Mesmo não produzindo as rupturas que desejam, esses apetites promovem descentramentos. Fios estão a descoberto por toda parte e nesse ponto, é claro, não é possível falar apenas, nem principalmente, do Brasil. A tantas vezes denunciada hiperpolarização - política e ideológica, ou “cultural” – eletrifica e perfura o chão moderado da “política do ceticismo”, a outra banda da terra da política moderna tal como vista pelo já citado Oakeshott. Sem esse chão institucional tudo parece correr para se tornar apenas movimento oceânico. Com que barco faremos o resgate para viajar a algum porto? Sem o casco da embarcação não haverá timoneiro que nos leve a algum lugar, porque em alto mar, sem um barco, ele será um a mais tentando salvar a si próprio.
Diagnósticos correntes e suas implicações
É um equívoco ver esses perigos como fatos consumados. Tendem a ser mesmo, se forem encarados somente com a ética da luta. Ela é uma ética cega para o papel crucial dos isentos e dos indecisos em contextos críticos. Eles tenderão sempre a acompanhar aqueles que ganham terreno e se apresentam como os virtuais vencedores. Como a incerteza sobre esse resultado é a regra, não é possível “ganhá-los” previamente. A comunicação não tem como substituir a política e o saber prático da política numa democracia como a brasileira ensina é que os isentos devem guiar, em vez de serem guiados. Essa foi a mais dura das lições que a esquerda brasileira precisaria ter tirado da agonia pública de Dilma Rousseff.
Assim, uma política de conciliação não é entre nós uma opção tática, mas uma atitude política de quem não admite morrer de véspera, seja como vítima, ou como herói. A busca da conciliação é uma política permanente, para quem não vê chances de boa política através do confronto e entende a política como meio de solução pacífica de conflitos e não como uma substituta "funcional" da guerra.
Os parceiros possíveis de uma política assim variam sempre, em quantidade e qualidade, a depender das conjunturas. Mas a força progressista, republicana e democrática é a primeira interessada nela, esse é o seu interesse "bem compreendido". Sua autonomia política reside precisamente na capacidade de sustentar essa atitude sem se deixar pautar pela estratégia do oponente que é, notadamente, neste momento, a extrema-direita mundial. Não se pode prever o resultado de cada processo, nem o grau de radicalidade do conflito. O principal é não permitir resignadamente (muito menos interessadamente) que o oponente dite os termos do debate e determine o campo e as armas dos embates.
O "compromisso histórico" dos comunistas reformistas italianos tinha esse sentido. Foi mantido nos piores momentos da guerra fria. A glasnost de Gorbachev fazia sentido em si e não dependia do êxito ou do fracasso da perestroika. A política de Mandela para enfrentar o apartheid foi da mesma estirpe e a elite racista daquele regime, com a qual ele conciliou, não tinha traços de interlocutor civilizado.
Ademais, a conciliação não é apenas uma tradição política do Império e dos momentos liberais de nossa República. Como a corroborar o argumento de Raul Magalhães, a democracia brasileira da Carta de 88 é um regime cujo princípio motor é a celebração de consensos. Ela para de funcionar ou, no mínimo, sofre grandes abalos, se se tenta impor-lhe a lógica majoritária do "quem ganha leva tudo". O princípio que a anima é o do compartilhamento do poder. E que fique claro que se trata de compartilhamento de poder decisório e não apenas de cargos e de outras prebendas.
Sei que é inócuo esperar do PT ou de Lula esse tipo de compreensão. Mas não se pode descuidar da necessidade democrática de que surja e se firme - no Brasil e em todo lugar - outro tipo de esquerda. Não temos ideia do tempo que isso leva e é muito provável que gente da minha idade não o testemunhe. O momento de os atuais idosos fazerem isso passou e não haverá chance de revisão pelas nossas mãos. Essa constatação não torna razoável o desejo de fazer nossas ilusões perdidas brotarem diretamente da dureza estéril das pedras que passamos a carregar nas costas para evitar coisa pior.
A perspectiva, no entanto, será vital para as novas gerações buscarem o que foi deixado pela metade. Construiu-se a democracia, mas não uma esquerda política comprometida com a sua qualidade. Fazer isso a médio prazo, passado o tempo de vida política do Lula atual – esse que, entre vários caminhos possíveis, está infelizmente se consumando e consumindo no populista emulador do anacrônico na tradição da esquerda – só será possível se o lulismo não for um legado hegemônico sobre a esquerda brasileira. Esse seria (e em parte tem sido) a antessala, não o contraponto, do populismo obscurantista através do qual o extremismo de direita pode acessar o poder do estado e a direção moral da sociedade.
Opções de conduta
Apesar de tudo isso, se Lula resolver compartilhar, de fato, o poder decisório do Executivo com aliados como o MDB e o PSD e ajustar seu discurso para a sociedade na direção da conciliação com percepções e visões de mundo que nela se firmam - buscando a imagem de governo de coalizão partidária e não de “governo em disputa”, há chance do centro democrático que o apoiou e ainda vacila em romper com ele ter caminho de volta na marcha batida em que se acha para se tornar satélite da centro-direita em 2026. A conjuntura eleitoral pode ganhar autonomia em relação aos entraves e desafios mais perenes da esquerda e no limite até contribuir para acelerar a busca de alguma solução para eles.
Abandonar o discurso populista já seria um caminho para evitar a sangria no ânimo da aliança. Ele fomenta um crescente mau humor contra o governo até em setores políticos e sociais simpatizantes. O tom, retoricamente patético e politicamente esotérico, de oradores governistas em eventos como o recentemente ocorrido no Amapá é sintoma de desorientação. O clima de exasperação não chega a equivaler ao do barco à deriva dos últimos meses de Dilma. Mas Lula já está sangrando em público.
À desorientação doméstica, sem calma e sem horizontes e à insatisfação de aliados ao centro soma-se a agressividade da oposição. Coloco os fatores nessa ordem porque, por mais que essa agressividade seja um fato, ela seria impotente se não fosse o incentivo recebido dos outros dois aqui mencionados. Caso um ou ambos os fatores sejam mantidos, a direita reunida tende a colonizar o centro político e a fazer a extrema-direita entrar no seu campo de gravitação, sem prejuízo de uma radicalização que acenda o ânimo da sua bolha. No mundo real, importa pouco a ordem dos fatores adotada numa análise. A sua combinação já mostra desdobramento no humor do eleitorado. A pauta populista não está sendo capaz de deter uma erosão mais acelerada da aprovação do governo, que bateu o patamar inédito, para governos Lula, de apenas 24% de bom e ótimo, aproximando-se mais do patamar do governo Dilma em 2015. Dá tempo de reverter? Não sei. Mas o Poder Executivo, mesmo nas atuais condições institucionais que o obrigam a compartilhar poder, ainda tem razões que nenhuma razão pragmática desconhece.
E aqui há um ponto relevante que de há muito esta coluna ressalta. O Congresso não é uma “força da natureza”, nem um artefato dos demônios. Foi eleito pelo mesmo povo que elegeu Lula. Tem tanta legitimidade democrática quanto o presidente. E sua composição (por mais incremental que forçosamente seja qualquer mudança) é assunto estrategicamente tão relevante para o governo do país quanto a eleição presidencial. O dito centro democrático – que vive contente com altas votações para o Legislativo, as quais só lhe rendem influência coadjuvante no Congresso e no governo - e a esquerda oficial, que não consegue mais se conectar com o eleitorado, precisam de reciclagem já, para se atualizarem sobre o caráter agora realmente bidimensional (Executivo e Legislativo) do governo do país, que passa por reforma relevante da longeva tradição de atuar sob distintas modalidades de proeminência do Executivo. Já a direita não tem por que mudar, enquanto estiver ganhando na competição sistêmica um poder de governar efetivo, tão somente em razão da maioria legislativa que detém. Ela tem sido hegemônica no Legislativo em grau acima daquele que seu peso numérico impõe, graças à fragilidade de um governo vítima da nostalgia do seu chefe e da inclinação hegemonista de um partido empoderado artificialmente, agindo sem interlocução de qualidade com a sociedade civil e de costas para a realidade política que mostra uma força cadente da esquerda junto ao eleitorado.
Já a aposta populista é contrato com a ingovernabilidade, uma fuga para a frente que só poderá fazer algum sentido, para Lula, se for para mantê-lo competitivo num cenário em que a direita abra mão do espaço ao centro que vem ampliando e caia de novo nos braços de Bolsonaro, caso ele recupere a elegibilidade. Mas tudo ficará mais arriscado se, além do populismo permanecer, dobrar-se a aposta na polarização ideológica com a extrema-direita. A conduta do STF no caso do intento de se revisar a lei da anistia pode cutucar os militares, alimentar paixões disruptivas dos grupos de extrema-direita, podendo alimentar, simetricamente, em áreas governistas mais radicalizadas e em setores ativistas da sociedade civil, a esperança desarrazoada de que, reinstalada a sensação de perigo, será possível tentar reunir, de novo, para a reeleição do presidente, a frente que ora começa a se esgarçar e lhe escorrer pelos dedos.
E agora?
A pergunta mais pertinente é como antecipar-se a um eventual recrudescimento da hiperpolarização, resgatando o que há de melhor na nossa tradição política. É o caso de explorar a dignidade política da experiência republicanista primordial para extubar, plenamente, a democracia atual, depois da sua distensão pelas urnas, em 2022. Melhor caminho que voltar a viajar na maionese da hiperpolarização, cujo rumo é ditado pelos cálculos mais extremos e na qual a esquerda pode, no máximo, emular - retoricamente, envergonhadamente e invejosamente - a coragem disruptiva do oponente, enquanto faz, para sobreviver como facção sistêmica da elite política, o jogo da pequena política populista.
Esse último cenário ainda pode ser evitado por uma política governamental mais sintonizada com a maioria eleitoral e conciliada com a maioria parlamentar, bem como por uma conduta da liderança legislativa menos fisiológica e mais comprometida com a solução do problema fiscal do Estado.
O realismo manda indicar e, ao mesmo tempo, duvidar dessa guinada virtuosa, especialmente em caso de recuperação da elegibilidade de Bolsonaro, ao lado da confirmação da candidatura de Lula à reeleição. Mantidas as dificuldades atuais do governo e elevadas as condições de temperatura e pressão intrínsecas a esse embate exaustivamente fulanizado, uma possível inversão do resultado de 2022, após uma campanha governista recheada de apelos cívicos agonísticos, não será necessariamente o canto do cisne da democracia, mas um largo passo atrás, pela postura imperial de um extremista que retornaria ao poder provavelmente com nova estratégia para dobrar o Congresso, já num contexto internacional tensionado pela reassunção de Trump. A remodelagem da democracia brasileira pela introdução de um viés majoritarista e plebiscitário seria uma interdição - mais radical que a ocorrida entre 2019 e 2022 - da sua conexão respiratória com os fundamentos conciliadores da nossa república, vigentes na infância e adolescência do estado nacional e retomados pela Constituição liberal de 1946 e em patamar liberal-democrático mais avançado, pela de 1988.
Nessa hipótese mais pessimista restaria, então, mais uma vez, o STF? Deveremos tomar noção precisa dos riscos, para a confiança pública na democracia, de sua reentubação por uma quase guardiania judiciária após o eleitorado fazer uma opção pela direita mais radical, que inclua a extremista. Dispensar a política nunca é uma boa solução. Espera-se que democratas mobilizem forças e instrumentos políticos agregadores para persuadir os eleitores. A inquietude que paira provém de não se estar enxergando esse movimento, nem no governo, nem num centro democrático independente.
*Cientista político e professor da UFBa"
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RESUMO:
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O texto analisa a democracia brasileira, ressaltando suas ambiguidades e desafios atuais. O autor dialoga com estudos sobre a formação política do Brasil, destacando o embate entre tradição conciliadora e tendências excludentes no pensamento institucional. Ele reflete sobre o otimismo de 2011 quanto à democracia e sua posterior crise, marcada por polarização e instabilidade.
A conciliação política é apresentada como elemento essencial para a governabilidade, contrastando com a radicalização ideológica. O autor critica a postura do governo Lula, sugerindo que o populismo e a polarização podem enfraquecer a esquerda e fortalecer a direita. Ele defende uma política mais pragmática, capaz de articular consensos no Executivo e no Legislativo.
O texto conclui alertando para os riscos de uma guinada autoritária caso a extrema-direita retorne ao poder, enfatizando a necessidade de preservar a tradição republicana conciliadora para garantir a estabilidade democrática.
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O autor inicia sua reflexão estabelecendo uma conexão entre o contexto político contemporâneo do Brasil e um estudo acadêmico de Raul Francisco Magalhães. A escolha dessa introdução, que pode ser classificada como um lead de contextualização histórica, busca situar o leitor em um cenário de tensão entre a democracia e os valores republicanos tradicionais, ressaltando a constante reconfiguração dessas forças na realidade política atual. Ao mencionar sua recorrente lembrança do texto de Magalhães, o autor sugere que a obra fornece elementos relevantes para compreender a trajetória histórica da formação política do Brasil.
O título do estudo citado, “A república estava lá, mas a democracia não ou jamais fomos ibéricos”, já antecipa uma tese central: a presença de instituições republicanas na construção do Estado brasileiro oitocentista não significou, necessariamente, a existência de uma democracia consolidada. A referência ao trabalho apresentado na ANPOCS em 2011 agrega credibilidade acadêmica ao argumento do autor e sinaliza que sua análise se apoia em uma perspectiva historiográfica e sociológica. Dessa forma, o primeiro lead introduz tanto o problema central do texto quanto a fonte teórica que servirá de base para o desenvolvimento da discussão.
No segmento "Diagnósticos correntes e suas implicações", o autor emprega um lead analítico, no qual expõe as interpretações predominantes sobre a relação entre república e democracia no Brasil, além de suas consequências para o debate atual. Ao mencionar “diagnósticos correntes”, ele sugere que há diferentes leituras já consolidadas sobre o tema, possivelmente contrastando visões que enfatizam avanços institucionais com aquelas que destacam persistências autoritárias na cultura política brasileira.
Esse trecho também indica que o texto não se limitará a uma exposição histórica, mas buscará examinar como essas interpretações impactam o entendimento da realidade política contemporânea. A menção às “implicações” sugere um compromisso crítico, analisando como essas leituras influenciam políticas públicas, debates acadêmicos e até mesmo a percepção popular sobre o regime democrático brasileiro.
Dessa forma, este segundo lead expande a discussão, conectando a análise histórica introduzida no primeiro momento a reflexões sobre a atualidade.
No trecho "Opções de conduta", o autor adota um lead propositivo, no qual sugere que há diferentes caminhos possíveis para lidar com os desafios postos pelos diagnósticos anteriores. Esse título indica uma transição do campo da análise para o da ação, sugerindo que o texto agora se volta para alternativas e estratégias diante das tensões entre república e democracia no Brasil.
O uso do termo "opções" implica que não há uma única resposta ou solução definitiva, mas um conjunto de possibilidades a serem consideradas. Já "de conduta" aponta para escolhas práticas, seja no âmbito das instituições políticas, dos movimentos sociais ou da postura dos cidadãos diante dos desafios democráticos.
Esse lead sugere que o autor não se limita a um diagnóstico crítico, mas também se preocupa com as consequências da análise, trazendo reflexões sobre responsabilidades e caminhos viáveis para o fortalecimento democrático no país.
O lead "E agora?" tem um tom conclusivo e reflexivo. Trata-se de um lead interrogativo, que provoca o leitor a pensar sobre os desdobramentos das análises anteriores. Essa escolha sugere que, após discutir diagnósticos e opções de conduta, o texto chega a um ponto crucial: qual o próximo passo?
A pergunta aberta indica que não há uma resposta fechada, mas uma incerteza a ser debatida. Também pode sugerir que a responsabilidade de agir não recai apenas sobre o autor, mas sobre a sociedade como um todo. Esse tipo de formulação costuma ser usado para engajar o leitor e enfatizar a urgência do tema.
Esse lead reforça a ideia de que os dilemas entre república e democracia no Brasil permanecem em aberto e exigem atenção contínua.
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Ao longo do texto, observamos como a democracia brasileira se sustenta e se reconfigura em meio a tensões com valores tradicionais da república. A introdução já sinaliza essa inquietação ao recorrer ao estudo de Raul Francisco Magalhães, que aponta a complexidade da construção republicana no Brasil oitocentista e as lacunas democráticas que a acompanharam desde o início.
Na sequência, “Diagnósticos correntes e suas implicações” apresenta um panorama das leituras contemporâneas sobre a relação entre república e democracia no Brasil. Aqui, são discutidas interpretações que reforçam a existência de um modelo político tensionado por estruturas herdadas do passado e por desafios institucionais atuais.
Já em “Opções de conduta”, o foco se desloca para os caminhos possíveis diante desse diagnóstico. São analisadas estratégias de fortalecimento da democracia e os obstáculos que precisam ser enfrentados para que valores republicanos e democráticos caminhem juntos.
Por fim, chegamos ao lead “E agora?”, que encerra o texto com uma reflexão aberta e provocativa. O questionamento sugere que não há uma resposta definitiva, mas um convite à ação e à reflexão sobre os rumos da democracia brasileira. O tom conclusivo aponta que o país continua vivendo esse embate entre república e democracia, e que o desfecho dessa tensão dependerá das escolhas coletivas feitas no presente.
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CONVOLUÇÃO FINAL ENTRE O "PONTA A PÉ INICIAL" E O ""Lula está fora da corrida para reinventar o Estado – Luiz Carlos Azedo".
Aqui está a reescrita do "ponta a pé inicial", agora mais articulada e conectada com o artigo de Luiz Carlos Azedo:
Ao longo de sua trajetória, o Partido dos Trabalhadores (PT) foi marcado por profundas transformações. Nascido em oposição ao regime autoritário, em 1980, e consolidado como uma alternativa de poder a partir de 1985, o partido estruturou-se em torno de princípios como o assembleísmo, a democracia interna, a centralidade dos movimentos sociais e uma visão programática que conciliava socialismo e pluralismo sindical. No entanto, ao longo dos anos, esses pilares foram se ajustando às circunstâncias políticas e econômicas, refletindo não apenas mudanças internas, mas também as transformações do Brasil e do mundo. Hoje, 44 anos após sua fundação, a pergunta que ressoa é: mudou o PT, mudou o mundo, ou mudaram ambos?
Se, em seus primeiros anos, o partido reivindicava um papel mais ativo do Estado na economia e na sociedade, ao chegar ao poder, enfrentou o desafio de equilibrar ideais e pragmatismo. O debate sobre a intervenção estatal, o papel das estatais e os limites da economia de mercado tornou-se central para sua atuação. A ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva ao governo em 2003 marcou um momento de inflexão, no qual o partido passou a administrar o capitalismo brasileiro em vez de questioná-lo em seus fundamentos. Agora, em seu terceiro mandato, Lula mantém a retórica desenvolvimentista e estatal, mas num contexto global muito diferente daquele de suas gestões anteriores.
É nesse ponto que o artigo de Luiz Carlos Azedo, "Lula está fora da corrida para reinventar o Estado", insere-se como uma crítica contundente à visão econômica do presidente. Azedo argumenta que, enquanto diversas economias buscam modernizar o papel do Estado de forma estratégica e integrada ao mercado global, o governo Lula insiste em uma abordagem nacional-desenvolvimentista que estaria defasada diante dos desafios contemporâneos. O autor contrapõe a postura de Lula ao pragmatismo da China, onde até mesmo o governo comunista de Xi Jinping reforça o apoio ao setor privado como motor do crescimento.
Ao insistir no protagonismo das estatais e na defesa de um modelo econômico baseado na centralidade do Estado, Lula não apenas reforça uma visão de mundo que já foi marca do PT, mas também reitera as contradições internas do partido. O embate entre reconstrução e construção, unidade e pluralidade, estatismo e modernização, que permeou a história petista, reaparece agora em uma conjuntura em que o modelo estatal tradicional enfrenta questionamentos severos. O déficit das empresas estatais, o uso político dessas instituições e a ineficiência de sua gestão são apontados no artigo como sintomas de um problema maior: a dificuldade de adaptação do PT e de Lula a um novo cenário econômico global.
Se antes o partido se apresentava como uma alternativa transformadora, hoje se depara com o desafio de justificar a permanência de seu modelo diante de um mundo em transição. A questão que Azedo levanta, ainda que indiretamente, é se Lula e o PT ainda representam uma força de renovação ou se sua visão de Estado não passa de um retrato na parede – um eco de um tempo que já não existe.
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"terça-feira, 18 de fevereiro de 2025
Lula está fora da corrida para reinventar o Estado – Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense
A questão de fundo não é a existência das empresas estatais, mas sua real necessidade, a rentabilidade dos ativos públicos, o modelo e a qualidade da gestão das empresas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não se deu conta de que há uma corrida mundial para reinventar o Estado, com o objetivo de modernizar a economia, na qual a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, foi uma reação política desesperada dos republicanos à iminente perda de hegemonia da economia mundial e às dificuldades de o Partido Democrata dar respostas adequadas aos impactos da nova economia no tecido social, como de resto a maioria dos líderes das democracias representativas do Ocidente. A China e outros países asiáticos, da pequena Cingapura à populosa Índia, estão levando grande vantagem em relação ao Ocidente.
Não se trata de uma volta aos modelos nacionalistas autárquicos, mas da busca de integração competitiva à economia mundial. O próprio slogan do governo, União e Reconstrução, é a síntese dessa visão atrasada de Estado. Ontem, por exemplo, ao visitar a Feira de Negócios da Indústria Naval e Offshore Brasileira, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, Lula reiterou um viés nacional-autárquico de compreensão da economia, na qual o setor estatal teria um papel predominante no desenvolvimento. Em tom de campanha eleitoral, criticou as tentativas de privatização das estatais brasileiras e atribuiu essas iniciativas ao avanço da extrema direita no país. Ele também lamentou a "imagem negativa" da Petrobras durante a Operação Lava-Jato.
"A depender de quem governa esse país, a Petrobras não é levada a sério e vai tentar ser privatizada quantas vezes o povo brasileiro votar errado. É importante lembrar isso. Já tentaram privatizar a Caixa Econômica, os Correios, o Banco do Brasil, e tem gente que acha que é legal. Por quê? Porque a extrema direita, neste país, ganhou a batalha contra o papel do Estado. 'O Estado é corrupto, o Estado é caro, o Estado não presta'... E o que é bom tem que ser da iniciativa privada", disse.
Lula falou de corda em casa de enforcado: "Depois de muita dificuldade de tentar privatizar a Petrobras, eles resolveram dizer que todo mundo que defendia a Petrobras era ladrão. E resolveram transformar a Lava-Jato em uma espécie de 'caça-níquel' contra os trabalhadores da Petrobras e contra todos que, neste país, defendiam a Petrobras", afirmou.
Ainda frisou que "o que estava em jogo", durante a Lava-Jato, era a "destruição da indústria de engenharia deste país e a tentativa de destruir a Petrobras". Esqueceu-se de que R$ 5,3 bilhões desviados no escândalo do Petrolão foram recuperados judicialmente pela estatal.
Na contramão
Enquanto Lula fazia proselitismo estatista, do outro lado do mundo, também ontem, o presidente da China, Xi Jinping, discursou em um simpósio fechado com grandes empresários chineses para reforçar seu apoio ao setor privado, em meio aos desafios da economia do país. Pequim sofre com o fraco consumo doméstico, uma crise prolongada no setor imobiliário e desafios externos, como as tarifas sobre suas exportações.
O discurso de Jinping é um ponto de virada para o setor de tecnologia chinês, após as restrições e fiscalização rigorosa iniciada em 2020, numa tentativa de dar um novo impulso à economia chinesa. O líder comunista procura seus empresários para impulsionar a economia.
O setor privado representa mais de 60% do PIB da China, 48,6% do comércio exterior, 56,5% dos investimentos em ativos fixos, 59,6% da arrecadação tributária e mais de 80% do emprego urbano. Participaram do encontro os magnatas chineses Jack Ma (Alibaba), velho crítico do excesso de regulação; Ren Zhengfei (Huawei Technologies); Lei Jun (Xiaomi Corp.); Wang Xing (Meituan); e o discretíssimo Liang Wenfeng (DeepSeek) — além de executivos da montadora BYD e da fabricante de baterias Contemporary Amperex Technology Co. Uma nova lei será aprovada para otimizar o ambiente de negócios do setor privado e impulsionar o crescimento de alta qualidade.
No nosso caso, a questão de fundo não é a existência em si das empresas estatais. São sua necessidade, o modelo e a qualidade de sua gestão — ou seja, o melhor do aproveitamento dos ativos públicos.
Dados do Banco Central indicam um deficit de R$ 6 bilhões nas empresas estatais até novembro, o maior desde o início da série histórica em 2009. Outras fontes apontam que, de janeiro a agosto, o prejuízo alcançou R$ 7,2 bilhões, o maior em 22 anos. Esses deficits podem ser atribuídos ao uso político das empresas, a generosos acordos trabalhistas, à má gestão e à falta de transparência nos investimentos.
Os maiores deficits são das seguintes estatais: Emgepron (Empresa Gerencial de Projetos Navais), ligada à Marinha, de R$ 2,49 bilhões, atribuído à construção das fragatas da classe Tamandaré; Correios (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), de R$ 2,2 bilhões, devido à redução de encomendas e custos elevados; Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), de R$ 590,4 milhões, por perda de faturamento; e Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária), de R$ 541,8 milhões, decorrente das concessões de aeroportos de grande movimento e manutenção dos de pequeno porte."
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O artigo de Luiz Carlos Azedo dialoga diretamente com diversos dos temas mencionados no ponto de partida sobre o Partido dos Trabalhadores (PT) e suas transformações ao longo do tempo. Aqui estão algumas conexões importantes:
O papel do Estado – Um dos principais eixos do texto de Azedo é a visão de Lula sobre o papel do Estado na economia, em contraste com tendências globais. O artigo critica o viés estatista do presidente e contrapõe sua visão ao movimento de modernização e desestatização em outros países, como a China. Isso ressoa com a discussão sobre as mudanças nas bandeiras do PT, especialmente no que se refere à relação entre Estado e iniciativa privada.
Reconstrução x Construção – O artigo aponta que o próprio slogan do governo Lula, "União e Reconstrução", reflete uma visão de Estado considerada ultrapassada. Isso se relaciona com a oposição entre "reconstrução" e "construção" mencionada no ponto de partida, que remete à forma como o PT e seus adversários concebem a política e o desenvolvimento do país.
O papel do empresário nacional – Azedo enfatiza como líderes de grandes economias, como Xi Jinping na China, estão buscando parcerias com o setor privado para impulsionar o crescimento. Essa abordagem contrasta com a visão de Lula, que insiste na importância do Estado. Essa diferença reflete um dos debates internos do PT ao longo dos anos sobre o papel dos empresários na economia brasileira.
Pluralismo sindical e democracia interna – Embora o artigo não trate diretamente do modelo sindical, a questão do uso político das estatais e os generosos acordos trabalhistas mencionados podem ser lidos como um reflexo das relações entre o governo petista e setores sindicais. O PT, ao longo dos anos, passou de um partido que defendia um modelo sindical mais descentralizado para uma relação mais institucionalizada com os sindicatos.
O socialismo e o imperialismo – O artigo menciona que Lula atribui a tentativa de privatização das estatais ao avanço da extrema direita e que enxerga na Lava-Jato uma conspiração para enfraquecer a Petrobras. Esse tipo de narrativa se alinha à visão tradicional do PT sobre o imperialismo e o papel estratégico de setores estatais na soberania nacional, embora o mundo tenha mudado e essa visão esteja cada vez mais em xeque.
Mudou o PT? Mudou o mundo? – O artigo de Azedo sugere que o mundo mudou, com um novo modelo de Estado sendo desenvolvido, enquanto Lula parece preso a uma visão do passado. Isso reflete exatamente a pergunta final do ponto de partida: o PT mudou ou está apenas congelado no tempo como um "retrato na parede"? Azedo parece sugerir que o partido e seu líder não acompanharam as transformações globais e ainda operam sob uma lógica desatualizada.
Assim, o artigo funciona como um contraponto crítico ao modelo defendido por Lula e pelo PT, trazendo um olhar de que as transformações do mundo exigem um novo tipo de resposta econômica e política, enquanto o partido parece insistir em fórmulas do passado.
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Eleito, Lula será cobrado por respostas rápidas na economia
Petista também gastará energia para administrar divergências dentro da aliança que construiu para vencer Bolsonaro...
Leia mais no texto original: (https://www.poder360.com.br/analise/eleito-lula-sera-cobrado-por-respostas-rapidas-na-economia/)
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Título:
"O Estado em Disputa: O PT, Lula e a Travessia para o Século XXI"
Epitáfio:
"Aqui jaz a crença inabalável no Estado como motor da transformação. Sobrevivente de crises, reformas e privatizações, sua resiliência será testada novamente. O futuro dirá se foi uma ilusão ou uma necessidade."
Citação Contextualizada:
"Nada é mais difícil e mais precioso do que ser capaz de decidir." — Napoleão Bonaparte
A citação reflete o dilema do PT e de Lula: manter-se fiel à visão estatista que marcou sua trajetória ou adaptar-se a um mundo onde o Estado não é mais o único protagonista do desenvolvimento.
Charge ou Ilustração Gráfica:
🔎 Sugestão de charge:
Para uma ilustração que sintetize a crítica ao modelo estatal defendido por Lula, sugiro buscar uma charge do cartunista Carlos Latuff, conhecido por suas ilustrações críticas à política brasileira. Outra opção é o trabalho de Aroeira, que frequentemente retrata os dilemas do governo petista.
Título:
"O Estado em Disputa: O PT, Lula e a Travessia para o Século XXI"
Epitáfio:
"Aqui jaz a crença inabalável no Estado como motor da transformação. Sobrevivente de crises, reformas e privatizações, sua resiliência será testada novamente. O futuro dirá se foi uma ilusão ou uma necessidade."
Citação Contextualizada:
"Nada é mais difícil e mais precioso do que ser capaz de decidir." — Napoleão Bonaparte
Esta citação reflete o dilema enfrentado pelo PT e por Lula: manter-se fiel à visão estatista que marcou sua trajetória ou adaptar-se a um mundo onde o Estado não é mais o único protagonista do desenvolvimento.
Charge ou Ilustração Gráfica:
Para ilustrar a crítica ao modelo estatal defendido por Lula, sugiro a seguinte charge de Carlos Latuff:
Nesta ilustração, Latuff aborda questões relacionadas ao julgamento de Lula, simbolizando os desafios e críticas enfrentados pelo ex-presidente e pelo PT em relação à sua visão de Estado.
Ópera:
"Don Carlo" de Giuseppe Verdi
Esta ópera aborda temas como poder, política e conflito entre interesses pessoais e deveres públicos, refletindo os dilemas enfrentados por líderes e partidos políticos ao longo da história.
Canção Popular:
"Geni e o Zepelim" de Chico Buarque
A música narra a história de uma personagem marginalizada que, em determinado momento, é vista como a salvação da cidade, apenas para ser rejeitada novamente após cumprir seu papel. A canção reflete a volatilidade da opinião pública e as contradições presentes nas relações de poder e sociedade.
Poesia:
"E agora, José?" de Carlos Drummond de Andrade
Este poema retrata a angústia e a sensação de impotência diante de uma situação sem saída, ecoando os desafios e dilemas enfrentados pelo PT e por Lula na atual conjuntura política e econômica.
Epílogo:
A trajetória do Partido dos Trabalhadores e de Luiz Inácio Lula da Silva é marcada por uma constante tensão entre ideais e realidade. Desde sua origem, o partido buscou posicionar o Estado como agente central de transformação social. No entanto, as mudanças no cenário global e as pressões internas exigem uma reavaliação dessa postura. O futuro do PT dependerá de sua capacidade de equilibrar princípios históricos com a necessidade de adaptação a novas realidades, decidindo entre a manutenção de uma visão estatista ou a incorporação de modelos mais integrados ao contexto mundial contemporâneo.
Fontes
Estado Em Disputa
O Estado em Disputa: O PT, Lula e a Travessia para o Século XXI
Epitáfio:
"Aqui jaz a crença inabalável no Estado como motor da transformação. Sobrevivente de crises, reformas e privatizações, sua resiliência será testada novamente. O futuro dirá se foi uma ilusão ou uma necessidade."
Citação Contextualizada:
"Nada é mais difícil e mais precioso do que ser capaz de decidir."
— Napoleão Bonaparte
Esta citação reflete o dilema enfrentado pelo PT e por Lula: manter-se fiel à visão estatista que marcou sua trajetória ou adaptar-se a um mundo onde o Estado não é mais o único protagonista do desenvolvimento.
Charge ou Ilustração Gráfica:
Para ilustrar a crítica ao modelo estatal defendido por Lula, sugiro a seguinte charge de Carlos Latuff:
Nesta ilustração, Latuff aborda questões relacionadas ao julgamento de Lula, simbolizando os desafios e críticas enfrentados pelo ex-presidente e pelo PT em relação à sua visão de Estado.
Ópera:
"Don Carlo" de Giuseppe Verdi
Esta ópera aborda temas como poder, política e conflito entre interesses pessoais e deveres públicos, refletindo os dilemas enfrentados por líderes e partidos políticos ao longo da história.
Canção Popular:
"Geni e o Zepelim" de Chico Buarque
A música narra a história de uma personagem marginalizada que, em determinado momento, é vista como a salvação da cidade, apenas para ser rejeitada novamente após cumprir seu papel. A canção reflete a volatilidade da opinião pública e as contradições presentes nas relações de poder e sociedade.
Poesia:
"E agora, José?" de Carlos Drummond de Andrade
Este poema retrata a angústia e a sensação de impotência diante de uma situação sem saída, ecoando os desafios e dilemas enfrentados pelo PT e por Lula na atual conjuntura política e econômica.
Epílogo:
A trajetória do Partido dos Trabalhadores e de Luiz Inácio Lula da Silva é marcada por uma constante tensão entre ideais e realidade. Desde sua origem, o partido buscou posicionar o Estado como agente central de transformação social. No entanto, as mudanças no cenário global e as pressões internas exigem uma reavaliação dessa postura. O futuro do PT dependerá de sua capacidade de equilibrar princípios históricos com a necessidade de adaptação a novas realidades, decidindo entre a manutenção de uma visão estatista ou a incorporação de modelos mais integrados ao contexto mundial contemporâneo.
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Lula eleito presidente: relembre a trajetória política do petista da infância ao Palácio do Planalto
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ApoiadoresCrédito,Reuters
Legenda da foto,Apoiadores de Lula comemoram vitória na avenida Paulista
30 outubro 2022
Com 99,9% das urnas apuradas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou oficialmente que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está eleito para a Presidência da República, derrotando em segundo turno o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), por 50,9% a 49,1%.
Será, a partir de janeiro, a terceira vez em que Lula assumirá o comando do governo brasileiro — eleito pela primeira vez em 2002, ele havia sido reeleito em 2006 e governou até 2010, quando conseguiu eleger sua sucessora, Dilma Rousseff.
Relembre a seguir a trajetória do petista.
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O Estado em Disputa: O PT, Lula e a Travessia para o Século XXI
Epitáfio:
"Aqui jaz a crença inabalável no Estado como motor da transformação. Sobrevivente de crises, reformas e privatizações, sua resiliência será testada novamente. O futuro dirá se foi uma ilusão ou uma necessidade."
Citação Contextualizada:
"Nada é mais difícil e mais precioso do que ser capaz de decidir."— Napoleão Bonaparte
Esta citação reflete o dilema enfrentado pelo PT e por Lula: manter-se fiel à visão estatista que marcou sua trajetória ou adaptar-se a um mundo onde o Estado não é mais o único protagonista do desenvolvimento.
Charge ou Ilustração Gráfica:
Para ilustrar a crítica ao modelo estatal defendido por Lula, sugiro a seguinte charge de Carlos Latuff:
Nesta ilustração, Latuff aborda questões relacionadas ao julgamento de Lula, simbolizando os desafios e críticas enfrentados pelo ex-presidente e pelo PT em relação à sua visão de Estado.
Ópera:
"Don Carlo" de Giuseppe Verdi
Esta ópera aborda temas como poder, política e conflito entre interesses pessoais e deveres públicos, refletindo os dilemas enfrentados por líderes e partidos políticos ao longo da história.
Canção Popular:
"Geni e o Zepelim" de Chico Buarque
A música narra a história de uma personagem marginalizada que, em determinado momento, é vista como a salvação da cidade, apenas para ser rejeitada novamente após cumprir seu papel. A canção reflete a volatilidade da opinião pública e as contradições presentes nas relações de poder e sociedade.
Poesia:
"E agora, José?" de Carlos Drummond de Andrade
Este poema retrata a angústia e a sensação de impotência diante de uma situação sem saída, ecoando os desafios e dilemas enfrentados pelo PT e por Lula na atual conjuntura política e econômica.
Epílogo:
A trajetória do Partido dos Trabalhadores e de Luiz Inácio Lula da Silva é marcada por uma constante tensão entre ideais e realidade. Desde sua origem, o partido buscou posicionar o Estado como agente central de transformação social. No entanto, as mudanças no cenário global e as pressões internas exigem uma reavaliação dessa postura. O futuro do PT dependerá de sua capacidade de equilibrar princípios históricos com a necessidade de adaptação a novas realidades, decidindo entre a manutenção de uma visão estatista ou a incorporação de modelos mais integrados ao contexto mundial contemporâneo.
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O Substack de Antonio Risério
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ESQUERDA: A ROTA DA DERROTA
Antonio Risério
fev 18, 2025
Assim como depois o faria o espiritismo kardecista francês, o comunismo marxista sempre se apresentou ao mundo como ciência – no caso, ciência da história, por mais infundada e mistificadora que fosse a pretensão. E, entre as leis inflexíveis que estabeleceu, desenhando e definindo “de uma vez por todas” o futuro histórico da humanidade, estava a da inevitável passagem do capitalismo para o socialismo, como consequência do próprio desenvolvimento das “forças produtivas” – vale dizer, do avanço tecnológico, que tornaria obsoletas as relações sociais vigentes, forçando assim o salto de um sistema econômico a outro.
Mas o que de fato aconteceu, no real histórico concreto do mundo, foi exatamente o contrário. A partir das revoluções de 1989 no Leste europeu, o que vimos, antes que uma passagem do capitalismo para o socialismo, foi o inverso: a passagem do socialismo para o capitalismo. Países como a Polônia, a então Tchecoslováquia, a Hungria e a então Alemanha Oriental escolheram dar as costas ao socialismo e tomar o caminho ocidental da sociedade democrática de mercado. Em seguida, o colapso da antiga União Soviética, desestruturada pelas reformas de Mikhail Gorbachov, veio para liquidar a fatura. Foi a falência completa do chamado “socialismo real”.
Com isso, a esquerda ocidental se viu sem prumo e sem rumo. Ou, como se dizia antigamente, nos bons tempos anteriores ao “politicamente correto”, mais perdida do que filho de puta no dia dos pais. Seus dogmas ruíram de cabo a rabo, a começar pelo já citado princípio do “materialismo histórico”, que assegurava a inevitabilidade do advento do socialismo. E o proletariado, suposto portador do destino histórico da humanidade, abria mão, solenemente, da missão que os marxistas lhe atribuíam. No mundo democrático ocidental, buscava mais benesses do sistema do que sonhar com transformações sociais profundas. No leste da Europa, abraçava a democracia e o capitalismo, depois de quase um século de opressão política e econômica.
Que fazer? – perguntava-se a velha dama, repetindo a questão do velho Lênin. Privada repentinamente do seu discurso dogmático centenário e vendo sua esperança utópica se dissolver e seguir ralo abaixo, a esquerda ofereceu então um espetáculo de inconsistência, penúria ideológica e absoluta falta de imaginação política e social. Não conseguiria mais andar com suas próprias e cansadas pernas. Havia que tomar muletas (e ideias) de empréstimo. Procurar saídas a qualquer preço, ainda que para isso se visse levada a mandar o marxismo clássico às favas. E foi o que aconteceu. Na procura angustiada de uma tábua de salvação, foi encontrá-la numa ideologia supostamente contestadora que vinha sendo gerada por uma “nova esquerda”, no mundo acadêmico-cultural norte-americano: a ideologia multicultural-identitarista. Agarrou-se então a ela com as forças que lhe restavam. E, ao vestir a nova fantasia, atirou no lixo o figurino marxista tradicional.
De cara, abandonando o universalismo de ascendência iluminista, que caracterizara a esquerda desde o seu nascimento, em favor do tribalismo multicultural-identitarista. Juntamente com isso, fechando os olhos para questões econômicas e mesmo para a existência de classes sociais, traços definidores centrais do comunismo marxista, em favor de uma concentração obsessiva em temas e problemas de raça e sexo. Logo, em vez de se preocupar com o pão de cada dia da população, passou a empregar seu tempo e suas energias em dividi-la e subdividi-la, em fragmentá-la segundo linhas de cor, de “gênero”, de diferenças étnicas e idiomáticas, etc. Neste sentido, a própria esquerda tratou de enterrar-se a si mesma. E com uma estranha espécie de euforia, como se gritasse, trocadilhescamente: “rip rip hurra”. A paisagem que então se desenhou foi esta: de mãos dadas, a esquerda tradicional rendida e a nova esquerda identitarista triunfante, ambas igualmente desconectadas do movimento real da vida e do mundo.
Não interessa o que nos une, só o que nos separa – foi o mantra adotado. Ênfase total na irredutibilidade das diferenças, instituindo “apartheids” e acirrando conflitos. Foi esta adesão integral ao tribalismo um dos fatores fundamentais para a derrota de Hilary Clinton. E a mesma alienação diante do cotidiano de todos, com seus problemas sociais e econômicos mais imediatos, favoneou o avanço mundial da direita. Críticas do analista social Mark Lilla e do senador democrata Edward Kennedy de nada adiantaram. Apontavam com lucidez os equívocos que se avolumavam à esquerda. Mas ninguém queria saber de críticas. Houve a ilusória recuperação com a vitória de Joe Biden sobre Trump. E isto levou a esquerda liberal democrata norte-americana a pensar que Trump mais não teria sido do que um hiato. Hoje, a gente percebe com clareza que Biden é que representou o hiato. Porque a direita continuou a avançar no âmbito dos países da União Europeia. E Trump voltou com força total para a campanha presidencial norte-americana deste ano.
Mais uma vez, a esquerda se viu sem perspectiva. Sem capacidade de formulação. Enredada nos guetos do identitarismo, não teria como encontrar uma linguagem concreta para se dirigir ao conjunto da sociedade. Centrava-se no binômio democracia-aborto, enquanto a direita sublinhava os problemas centrais da economia e a questão política da imigração, coisas que, de fato, diziam respeito a toda a sociedade norte-americana. Daí, o teatro a que acabamos de assistir. Diante da recusa da vasta maioria da sociedade norte-americana aos dogmas e delírios da esquerda identitária – e das bocas de fogo da artilharia pesada de Donald Trump e seu MAGA –, Kamala Harris encenou um recuo marqueteiro tristemente farsesco. Sim: Kamala – uma bonita mulata de classe alta, filha de professores universitários, cujo avô materno pertenceu ao corpo diplomático do governo da Índia – se travestiu. Ou melhor: foi vira-casaca para travesti nenhum botar defeito. Começou a posar de moderada, centrista, etc., enquanto a direita não se cansava de denunciar o seu passado “extremista”. Neste caso, a direita estava certa. E Kamala sabia muito bem disso. Daí que a sua performance só enganasse correligionários predispostos e a massa de ingênuos e desinformados.
Kamala Harris sempre foi extremista, sim. Sempre foi exemplo e exemplar do extremismo identitarista. E não é preciso providenciar nenhum “close reading”, nenhuma exegese mais trabalhosa, para evidenciar o fato. Ela mesma o proclama, alto e mau som, com todas as letras, no seu livro “The Truth We Hold”. Lembremos aqui, de passagem, suas próprias palavras, num trecho explícito do volume: “Quando os ativistas vierem marchando, quero estar do lado de dentro [dos palácios do poder], para deixá-los entrar”. Sem tirar, nem pôr, este é o seu projeto político: chegar ao poder para abrir a porta ao avanço da esquerda radical identitarista. E foi justamente isso que ela tentou ocultar em sua campanha à Presidência, enrolando-se inutilmente nas bandeiras da democracia e do nacionalismo, sem esquecer a flâmula do aborto.
Ao negar assim o credo do dia anterior, antes mesmo que os galos republicanos precisassem cantar mais de uma vez, Kamala estava certamente trapaceando. Praticando uma espécie evidente de estelionato ideológico. Mas, principalmente, estava assumindo, sem o dizer, uma fratura exposta: a falência e a morte da política identitarista, agora no contexto anterior e maior de uma falência geral dessas esquerdas. Porque nem a esquerda tradicional, nem a esquerda identitarista, têm hoje o que dizer à sociedade “in globo”, em seu conjunto e não em seus escaninhos setoriais de sexo, gênero, raça, etnia e o que mais houver. E o fracasso em lidar com as questões imediatas e concretas da vida vem do que fato de que elas mesmas se encarregaram de cortar os vínculos que poderiam ter com a realidade.
Em resumo, este é o quadro que hoje vejo à minha frente. Uma esquerda (somando aqui a tradicional e a identitária, como elas mesmas o fizeram), repito, uma esquerda que, em sua arrogância narcísica, considerava que tinha nas mãos o futuro, que era senhora absoluta do devir da humanidade, agora se vê confinada ao passado. E sem qualquer perspectiva, pelo menos neste momento, de um mínimo levanta-te e anda.
*
[Escrito logo depois da derrota de Kamala Harris para Donald Trump, este texto foi publicado originalmente em “Valete”, republicado na “Roda Democrática” e nas redes sociais de Roberto Freire]
https://antonioriserio.substack.com/p/esquerda-a-rota-da-derrota?r=2ctn5q&utm_medium=ios&triedRedirect=true
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Resumo:
O texto de Antonio Risério analisa a derrocada da esquerda global, argumentando que o marxismo, que se apresentava como uma ciência da história, falhou ao prever a inevitável transição do capitalismo para o socialismo. Em vez disso, o colapso do bloco socialista no final do século XX demonstrou o fracasso do chamado "socialismo real". Diante dessa crise, a esquerda ocidental perdeu sua coerência ideológica e, sem um projeto concreto, adotou o multiculturalismo identitário como nova bandeira. Esse movimento, segundo Risério, afastou a esquerda das questões econômicas e sociais centrais, dividindo a sociedade em grupos baseados em raça, gênero e etnia.
O autor argumenta que essa mudança levou à perda de conexão da esquerda com o povo, favorecendo o crescimento da direita global e a derrota de figuras como Hillary Clinton. Ele também critica Kamala Harris, que teria tentado ocultar seu extremismo identitário para parecer moderada na disputa contra Trump. No entanto, essa estratégia revelou, para Risério, a falência da política identitária e da esquerda como um todo, que se vê sem rumo e sem propostas concretas para a sociedade.
Apresentação dos pontos principais:
Fracasso do marxismo como ciência da história – O socialismo real ruiu em vez de se consolidar, contrariando a tese marxista de evolução histórica inevitável.
Colapso da esquerda tradicional – Com o fim da União Soviética e a rejeição do socialismo por países do Leste Europeu, a esquerda perdeu seu referencial teórico.
Adoção do identitarismo – Sem respostas econômicas e sociais, a esquerda abraçou pautas identitárias, ignorando classes e economia, o que a fragmentou.
Derrotas eleitorais e avanço da direita – O foco excessivo no identitarismo foi um fator na derrota de Hillary Clinton e no crescimento global da direita.
Crítica a Kamala Harris – Risério a acusa de oportunismo, tentando se distanciar de seu passado identitário para se vender como moderada.
A falência da esquerda – Confinada ao passado e sem propostas concretas, a esquerda, segundo o autor, não tem perspectivas de recuperação no presente.
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