terça-feira, 26 de junho de 2018

Cultura Barroca Libertária?



Desenho de 1957: Mané Garrincha, o ‘Anjo das Pernas Tortas’
FONTE: Jornal do Commercio (AM)

O ANJO DAS PERNAS TORTAS
Rio de Janeiro , 1962
A Flávio Porto

A um passe de Didi, Garrincha avança
Colado o couro aos pés, o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois descansa
Como a medir o lance do momento.

Vem-lhe o pressentimento; ele se lança
Mais rápido que o próprio pensamento
Dribla mais um, mais dois; a bola trança
Feliz, entre seus pés - um pé-de-vento!

Num só transporte a multidão contrita
Em ato de morte se levanta e grita
Seu uníssono canto de esperança.

Garrincha, o anjo, escuta e atende: - Goooool!
É pura imagem: um G que chuta um o
Dentro da meta, um 1. É pura dança!
Vinicius de Moraes



Nelson Rodrigues e o mito do futebol

Luiz Zanin

Acontece algo curioso em relação à obra de reflexão futebolística de Nelson Rodrigues. Primeiro, ele é o nosso patrono, de todos nós, que tentamos escrever sobre futebol no Brasil. Mas, apesar de ser nosso patrono, ou seja, aquele que estilisticamente mais bem se expressou, e com mais profundidade, não podemos nos dar ao luxo de imitá-lo. Sob pena de cairmos no ridículo.




Cacá Diegues: Um craque barroco
- O Globo

Por motivos às vezes muito diferentes uns dos outros, Garrincha, o mais original de todos os nossos jogadores de futebol, foi sempre equivocadamente mitificado pela imprensa, pelos especialistas e pelos torcedores.

Tratado como exemplo sublime de nossa inocência e generosidade como povo, alguns talentosos jornalistas esportivos e, depois, quase todos os brasileiros de seu tempo o consideraram o suprassumo da simplicidade e do desligamento do que há de mau no mundo.

Uma verdadeira alma de passarinho, como os passarinhos com que, dizia-se, ele convivia nas matas de Pau Grande, onde nascera e morava, nas montanhas vizinhas ao Rio de Janeiro.

E, no entanto, extraordinário jogador de futebol, craque consumado em qualquer posição que jogasse, numa pelada ou no Maracanã, Garrincha fazia, da ponta direita em que jogava, um matadouro de adversários perplexos, incapazes de evitar, não apenas seus dribles imprevistos e nunca vistos, mas também a desmoralização que ele os fazia sofrer, sempre com um sorriso se armando nos lábios e a ginga desmoralizante de seus largos quadris e pernas tortas.

Garrincha foi o mais cruel jogador de futebol para quem o tentasse marcar, para quem estivesse à sua frente. Seus contemporâneos lembram certamente um amistoso contra a Itália, jogado em Milão, na preparação da seleção brasileira para o campeonato mundial de 1958, o primeiro do qual saímos campeões, na Suécia. Garrincha disputava a posição com Joel, ponteiro aplicado do recente tricampeonato carioca do Flamengo, conquistado no início daquela década.

E era Joel, clássico ponteiro de muitas qualidades, o preferido da torcida, da imprensa e da moderna comissão técnica. A favor de Garrincha, estavam apenas os visionários do futebol brasileiro, que sabiam que craques como ele e Pelé eram o emblema de uma nova geração de um novo futebol. Pois naquela noite, em Milão, mesmo disputando uma partida que seria seu teste final para ocupar um lugar na seleção, Garrincha irritava, com o que fazia em campo, todos os dirigentes conservadores da então CBD.

Sem dar bola alguma para as instruções que recebia aos gritos do banco brasileiro, ele praticava todo tipo de jogada que nossos técnicos cartesianos consideravam irresponsável, quase sempre brincando com a bola, os companheiros e os adversários, como costumava fazer regularmente, até nos treinos do próprio Botafogo, onde ele atuava. Em determinado momento,

Garrincha recebeu uma bola no meio do campo e saiu com ela colada aos pés, driblando quem passasse à sua frente, uma, duas ou mais vezes, humilhando cada um que tentasse interromper seu ziguezague em direção ao gol adversário.

Diante do goleiro italiano, Garrincha parou, olhou para trás e viu que não vinha mais ninguém atrás dele. Aí não vacilou e, no mesmo ritmo que vinha, sentou o pobre arqueiro na grama de Milão. Mas não entrou com bola e tudo, como era de se esperar. Garrincha voltou com ela para a entrada da área italiana, driblou duas vezes o goleiro que se levantara em pânico (um drible para vir, outro para ir) e entrou enfim serenamente com a bola na rede adversária.

O banco do Brasil não gostou do que Garrincha havia feito. Durante toda a jogada, gritavam mandando passar a bola, ordenavam que tentasse logo o gol. O banco decisivo jurava que Garrincha nunca mais jogaria na seleção brasileira, ele era moleque demais para a seriedade da missão.

Era desobediente, imprevisível, irresponsável, peladeiro. Ninguém sentiu pena dos defensores e do goleiro que Garrincha humilhara, ninguém falou nisso, não ocorreu a ninguém tocar nesse assunto. Muito menos depois, quando um complô comandado pelo gosto da torcida, jornalistas inteligentes e líderes da seleção como Nilton Santos e Didi, ele se tornaria o titular de nossa ponta direita e um dos maiores astros daquela primeira Copa do Mundo vencida pelo Brasil.

Durante a qual, o que Garrincha fazia com seus adversários era algo parecido com o que fizera com os italianos em Milão, o que costumava fazer com os laterais esquerdos do campeonato carioca. Parecido mais ou menos com o que depois descobrimos que fazia com seus passarinhos, na mata de Pau Grande: caçava-os sem muita poesia e sem nenhuma piedade. A poesia estava no jeito de ele ser no mundo.

Garrincha talvez tenha sido o nosso primeiro grande craque barroco, num país de forte cultura barroca, popular ou erudita, que não deseja reconhecê-la por medo do que isso possa significar, ameaçando o que os outros consideram civilizado. Sempre preferimos elogiar a racionalidade realista que parece conhecer o mundo e apaziguar nossa ignorância com essa ilusão.

Num mundo tão incompreensível como esse em que vivemos hoje, talvez a volumosa cultura barroca de nossas origens pudesse ser mais libertária, a nos indicar um futuro menos comprometido com o que já se sabe. E que sabemos que não presta.

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Cacá Diegues é cineasta




Barroco
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Obra de Aleijadinho: representante do barroco brasileiro

Origens e Características do Barroco 

O barroco foi uma tendência artística que se desenvolveu primeiramente nas artes plásticas e depois se manifestou na literatura, no teatro e na música. O berço do barroco é a Itália do século XVII, porém se espalhou por outros países europeus como, por exemplo, a Holanda, a Bélgica, a França e a Espanha. O barroco permaneceu vivo no mundo das artes até o século XVIII. Na América Latina, o barroco entrou no século XVII, trazido por artistas que viajavam para a Europa, e permaneceu até o final do século XVIII.


Contexto histórico 


O barroco se desenvolve no seguinte contexto histórico: após o processo de Reformas Religiosas, ocorrido no século XVI, a Igreja Católica havia perdido muito espaço e poder. Mesmo assim, os católicos continuavam influenciando muito o cenário político, econômico e religioso na Europa. A arte barroca surge neste contexto e expressa todo o contraste deste período: a espiritualidade e teocentrismo da Idade Média com o racionalismo e antropocentrismo do Renascimento.


Os artistas barrocos foram patrocinados pelos monarcas, burgueses e pelo clero. As obras de pintura e escultura deste período são rebuscadas, detalhistas e expressam as emoções da vida e do ser humano.

A palavra barroco tem um significado que representa bem as características deste estilo. Significa " pérola irregular" ou "pérola deformada" e representa de forma pejorativa a ideia de irregularidade.

O período final do barroco (século XVIII) é chamado de rococó e possui algumas peculiaridades, embora as principais características do barroco estão presentes nesta fase. No rococó existe a presença de curvas e muitos detalhes decorativos (conchas, flores, folhas, ramos). Os temas relacionados à mitologia grega e romana, além dos hábitos das cortes também aparecem com frequência.


BARROCO EUROPEU


As obras dos artistas barrocos europeus valorizam as cores, as sombras e a luz, e representam os contrates. As imagens não são tão centralizadas quanto as renascentistas e aparecem de forma dinâmica, valorizando o movimento. Os temas principais são: mitologia, passagens da Bíblia e a história da humanidade. As cenas retratadas costumam ser sobre a vida da nobreza, o cotidiano da burguesia, naturezas-mortas entre outros. Muitos artistas barrocos dedicaram-se a decorar igrejas com esculturas e pinturas, utilizando a técnica da perspectiva.

As esculturas barrocas mostram faces humanas marcadas pelas emoções, principalmente o sofrimento. Os traços se contorcem, demonstrando um movimento exagerado. Predominam nas esculturas as curvas, os relevos e a utilização da cor dourada.

O pintor renascentista italiano Tintoretto é considerado um dos precursores do Barroco na Europa, pois muitas de suas obras apresentam, de forma antecipada, importantes características barrocas.

Podemos citar como principais artistas do barroco: o espanhol Velásquez, o italiano Caravaggio, os belgas Van Dyck e Frans Hals, os holandeses Rembrandt e Vermeer e o flamengo Rubens.



As Meninas de Diego Velásquez (1656): exemplo de pintura barroca

  

BARROCO NO BRASIL

O barroco brasileiro foi diretamente influenciado pelo barroco português, porém, com o tempo, foi assumindo características próprias. A grande produção artística barroca no Brasil ocorreu nas cidades auríferas de Minas Gerais, no chamado século do ouro (século XVIII). Estas cidades eram ricas e possuíam uma intensa vida cultural e artística em pleno desenvolvimento.

O principal representante do barroco mineiro foi o escultor e arquiteto Antônio Francisco de Lisboa também conhecido como Aleijadinho. Suas obras, de forte caráter religioso, eram feitas em madeira e pedra-sabão, os principais materiais usados pelos artistas barrocos do Brasil. Podemos citar algumas obras de Aleijadinho: Os Doze Profetas e Os Passos da Paixão, na Igreja de Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas do Campo (MG).

Outros artistas importantes do barroco brasileiro foram: o pintor mineiro Manuel da Costa Ataíde e o escultor carioca Mestre Valentim. No estado da Bahia, o barroco destacou-se na decoração das igrejas em Salvador como, por exemplo, de São Francisco de Assis e a da Ordem Terceira de São Francisco.

No campo da Literatura, podemos destacar o poeta Gregório de Matos Guerra, também conhecido como "Boca do Inferno". Ele é considerado o mais importante poeta barroco brasileiro. 

Outro importante representante da Literatura Barroca foi o padre Antônio Vieira que ganhou destaque com seus sermões.




Positivo/natural: sátira barroca e anatomia política*


João Adolfo Hansen

RESUMO
Na sátira barroca atribuída a Gregorio de Matos e Guerra (Bahia, 1682/1694), a ordem do conceito engenhoso dramatiza o conceito de ordem, segundo a doutrina neo-escolástica do corpo místico do Estado como vontade unificada no pacto de sujeição à persona mystiça do Rei. Nele, os vários topoi teológico-políticos elaboram e confirmam o conceito moderno de poder soberano absoluto. Não são mera ornamentação de uma retórica do poder "voltando" à Idade Média, muito menos oposição nacionalista, libertina, herética, etc. aos poderes constituídos, como o anacronismo costuma postular. Segundo a doutrina das duas pessoas do Rei, a sátira intervém na circunscrição do poder ordinário tendo por fundamento o poder absoluto da razão de Estado soberana. Providencialista, é anamnese do Ditado: nela, o ius é sempre lei natural expressa em leis positivas — portanto, Razão. Não se opõe ao privilégio, enfim, mas aos efeitos de seu excesso ou falta. O abuso é paixão retoricamente efetuada, a que se opõe o bom uso pré-formado na vontade real, que a enunciação prudente da persona satírica metaforiza.



Uma das tantas crônicas de Nelson Rodrigues sobre futebol(?)
Embalado pra viagem # 74

Conveniência de ser covarde



Há tempos, fui à rua Bariri ver um jogo do Fluminense. E confesso: — sempre considerei Olaria tão longíqua, remota, utópica como Constantinopla, Istambul ou Vigário Geral. Já na avenida Brasil, comecei a sentir uma nostalgia e um exílio só equiparáveis aos de Gonçalves Dias., de Casimiro de Abreu. Conclusão: — recrudesceu em mim o ressentimento contra qualquer espécie de viagem. Mas enfim cheguei e assisti à partida. Nos primeiros trinta minutos, houve tudo, rigorosamente tudo, menos futebol. Uma vergonha de jogo, uma pelada alvar, que não valia os cinco cruzeiros do lotação. E, de súbito, ocorre o episódio inesperado, o incidente mágico, que veio conferir ao match de quinta classe uma dimensão nova e eletrizante.

Eis o fato: — um jogador qualquer enfiou o pé na cara do adversário. Que fez o juiz? Arremessa-se, precipita-se com um élan de Robin Hood e vem dizer as últimas ao culpado. Então, este não conversa: — esbofeteia o árbitro. Ora, um tapa não é apenas um tapa: — é, na verdade, o mais transcendente, o mais importante de todos os atos humanos. Mais importante que o suicídio, que o homicídio, que tudo mais. A partir do momento em que alguém dá ou apanha na cara, inclui, implica e arrasta os outros à mesma humilhação. Todos nós ficamos atrelados ao tapa. Acresce o seguinte: — o som! E, de fato, de todos os sons terrenos, o único que não admite dúvidas, equívocos ou sofismas, é o da bofetada. Sim, amigos: — uma bofetada silenciosa, uma bofetada muda, não ofenderia ninguém e pelo contrário: — vítima e agressor cairiam um nos braços do outro, na mais profunda e inefável cordialidade. É o estalo medonho que a valoriza, que a dramatiza, que a torna irresgatável. Pois bem: — na bofetada de Olaria não faltou o detalhe auditivo. Mas o episódio não esgotaria, ainda, o seu horror. Restava o desenlace: — a fuga do homem. Pois o juiz esbofeteado não teve meias medidas: — deu no pé. Convenhamos: — é empolgante um pânico assim taxativo e triunfal, sem nenhum disfarcem nenhum recato. Digo “empolgante” e acrescente: — raríssimo ou, mesmo, inédito. Via de regra só o heroísmo é afirmativo, é descarado. O herói tem sempre uma desfaçatez única: — apresenta-se como se fosse a própria estátua equestre. Mas a covardia, não. A covardia acusa uma vergonha convulsiva. Tenho um amigo que faz o seguinte: — chega em casa, tranca-se na alcova, tapa o buraco da fechadura e só então, na mais rigorosa intimidade — apanha da mulher. Mas cá fora, à luz do dia, ele é um Tartarin, um Flash Gordon, capaz de varrer choques de polícias especiais.



Pois bem. Ao contrário dos outros covardes, que escondem, renegam, que desfiguram a própria covardia — o juiz correu como um cavalinho de carrossel. Note-se: há, hoje, toda uma monstruosa técnica de divulgação, que torna inexequível qualquer espécie de sigilo. E, logo, a imprensa e o rádio envolveram o árbitro. Essa covardia fotografada, irradiada, televisionada, projetou-se irresistivelmente. E quando, em seguida, a polícia veio dar cobertura ao árbitro, este ainda rilhava os dentes, ainda babava materialmente de terror. Acabado o match a multidão veio passando, com algo de fluvial no seu lerdo escoamento. Mas todos nós, que só conseguimos ser covardes às escondidas, tínhamos inveja, despeito e irritação dessa pusilanimidade que se desfraldara como um cínico estandarte.

Nelson Rodrigues, em crônica originalmente publicada no jornal Manchete Esportiva, no dia 17 de dezembro de 1955. Texto depois reproduzido no livro O Berro Impresso nas Manchetes: Crônicas Completas da Manchete Esportiva (Agir, 2007) e no fascículo especial da Bravo!: Literatura & Futebol (Abril, 2010).

1ª caricatura de Mario Alberto;
2ª caricatura de William Medeiros.

Em nossa homenagem pelo centenário do nascimento de Nelson Rodrigues, neste dia 23 de agosto de 2012.





Referências

http://cacellain.com.br/blog/wp-content/uploads/2016/04/Mane-Garrincha-1957.jpg
http://gilvanmelo.blogspot.com/2018/06/caca-diegues-um-craque-barroco.html#more
https://www.suapesquisa.com/uploads/site/156x133_barroco.jpg
https://www.suapesquisa.com/uploads/site/obra_barroca.jpg
https://www.suapesquisa.com/barroco/
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141989000200005
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjJB_fHUA0c38ljzJzavQKy-idessSUQ5Qg59ltGWyq9h6p7Fopy26RvxLNqKty4N6nrbrD2Kglh8Nb5l46RUmTYcLaALOIEKkszvekc8dGIqWfYNtrEDnJBSn4lrKnXEWfTOYic7WtYy-A/s320/Nelson-Rodrigues-por-Mario-Alberto.jpg
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http://oberronet.blogspot.com/2012/08/uma-das-tantas-cronicas-de-nelson.html

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