quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Uma carta de natal


Breslau, na véspera de 24 de dezembro de 1917.

“Sonitchka, meu passarinho, fiquei tão contente com a sua carta!

Escreva logo.
Abraços, Sonitchka,

Sua R.
Soniucha, querida, fique calma e alegre apesar de tudo. Assim é a vida. É preciso tomá-la corajosamente, sem medo, sorrindo – apesar de tudo. Feliz Natal!”

Apesar de ter se tornado um ícone revolucionário e conhecida por sua adesão à social-democracia, Rosa Luxemburgo era, antes de tudo, uma pensadora. Sua voz dissidente, no entanto, foi calada pela corrente hegemônica da esquerda no início do século XX. Agora o público brasileiro tem a oportunidade de ter acesso às suas ideias e de conhecer o papel histórico por ela representado. Nesta coletânea de três volumes, estão reunidos textos e cartas da autora, revelando as questões discutidas pela militante polonesa. O terceiro volume desta coletânea apresenta uma Rosa Luxemburgo mais íntima, trazendo cartas suas inéditas em português, traduzidas do alemão e do polonês. Os documentos reunidos pela organizadora Isabel Loureiro mostram uma pensadora de interesses polivalentes, demonstrando sua paixão pelo puro conhecimento e discutindo desde política, história e literatura até música, botânica e geologia. Aqui fica mais evidente ao leitor sua faceta fora das batalhas políticas, ressaltada principalmente por sua crítica à opinião de que os militantes deveriam abdicar de suas vidas pessoais para criar um futuro melhor para humanidade. É possível, enfim, conhecer a união entre suas ideias e seus anseios mais particulares.

Rosa Luxemburgo - Cartas - Vol. 3
 (Cód: 3675147)
Luxemburgo,Isabel – Unesp




A mão e a luva por Machado de Assis
Capítulo VII: Um Rival

“Sonhará uns amores de romance, quase impossíveis? digo-lhe que faz mal, que é melhor, muito melhor contentar-se com a realidade; se ela não é brilhante como os sonhos, tem pelo menos a vantagem de existir.”





Meu pobre búfalo, meu pobre irmão querido
Uma carta da prisão a Sonia Liebknecht

Breslau, na véspera de 24 de dezembro de 1917.

Sonitchka, meu passarinho, fiquei tão contente com a sua carta! Queria responder imediatamente, mas tinha muito o que fazer, e precisava de grande concentração, por isso não pude dar-me a esse luxo. Então preferi esperar uma oportunidade, pois é muito melhor poder tagarelar com você à vontade.
Pensei em você todos os dias ao ler as notícias da Rússia, e preocupei-me imaginando a sua enorme aflição a cada telegrama estúpido. O que de lá chega neste momento são, na maioria, informações de tártaros, e isso é duplamente verdadeiro no que se refere ao sul.104 O que importa às agências telegráficas (aqui e lá) é exagerar o mais possível o caos, e elas aumentam de maneira tendenciosa todo boato não confirmado. Até as coisas se esclarecerem, não tem sentido, não há razão para inquietar-se à toa, por antecipação. De modo geral, parece que as coisas se passam sem nenhum derramamento de sangue; em todo caso, os boatos sobre “combates” não foram confirmados. Trata-se simplesmente de uma áspera luta partidária a qual parece sempre, pela explicação dos correspondentes dos jornais burgueses, uma loucura desenfreada e um inferno. No que se refere aos pogroms contra judeus, todos os boatos nesse sentido são completamente falsos. Na Rússia, a época dos pogroms acabou de uma vez por todas.
104 Sonia Liebknecht (1884-1964), mulher de Karl Liebknecht, era de Rostov sobre o rio Don.

O poder dos trabalhadores e do socialismo é muito forte para isso.105 A revolução purificou de tal maneira a atmosfera dos miasmas e do reacionarismo sufocante que Kichinev106 é para sempre passé. Tenho menos dificuldade em imaginar pogroms contra judeus na Alemanha... Aí reina, sem dúvida, a atmosfera de baixeza, covardia, reacionarismo e estupidez propícia para isso. Nesse ponto, você pode ficar totalmente tranquila no que se refere ao sul da Rússia. Como as coisas desembocaram ali num conflito muito agudo entre o governo de São Petersburgo e a Rada,107 logo elas devem se resolver e esclarecer, o que permitirá ter um panorama da situação. De onde quer que se olhe não faz nenhum sentido, não há nenhum motivo para que você, na incerteza, se aflija, cheia de medo e inquietação. Tenha coragem, minha menina, mantenha a cabeça erguida, fique firme e tranquila. Tudo vai melhorar, é só não ficar sempre à espera do pior! [...]
Eu tinha uma grande esperança de vê-la por aqui em breve, em janeiro. Agora soube que Mat[hilde] W[urm] quer vir em janeiro. Seria difícil para mim desistir da sua visita em janeiro, mas como é natural não posso decidir. Se você disser que só pode vir em janeiro, então talvez fique [tudo] como estava; talvez Mat W possa vir em fevereiro? Em todo caso, gostaria de saber logo quando a verei.
 105No dia 24 de outubro de 1917 (na Alemanha, 6 de novembro – o calendário juliano vigorou na Rússia até 1918), os bolcheviques iniciaram em Petrogrado (hoje São Petersburgo), capital da Rússia, a insurreição armada; em 25 de outubro, derrubaram o governo provisório de Kerenski, dando assim início à Revolução de Outubro. Em 26 de outubro, o Segundo Congresso Geral dos Sovietes Russos decidiu a tomada do poder pelos sovietes de delegados operários, soldados e camponeses. Formou-se o primeiro governo dos sovietes, o Conselho dos Comissários do Povo, presidido por V. I. Lenin.
 106Em Kichinev, em abril de 1903, uma organização armada pelo regime tsarista aterrorizou judeus, estudantes, pessoas de esquerda e trabalhadores revolucionários. Os pogroms eram uma reação do regime tsarista contra greves e manifestações. Ver Edgar H. Judge, Ostern in Kischinjow. Anatomie eines Pogroms [Páscoa em Kischinjow. A anatomia de um pogrom], Mainz, 1995.

 107Em abril de 1917 formou-se em Kiev, a partir de um bloco de partidos e grupos ucranianos, a Rada Central ucraniana, que depois da Revolução de Outubro se declarou o órgão supremo da “República Popular Ucraniana”, tomando posição contra o “Conselho dos Comissários do Povo” em Petrogrado. No Primeiro Congresso Geral dos Sovietes Ucranianos, em dezembro de 1917, em Charcov, formou-se o governo soviético ucraniano como contragoverno. Em 26 de janeiro (8 de fevereiro) de 1918, as tropas soviéticas ocuparam Kiev

Faz agora um ano que Karl [Liebknecht] está na prisão em Luckau.108 Neste mês pensei nisso com frequência; faz exatamente um ano que você esteve comigo em Wronke e me ofereceu a linda árvore de Natal... Este ano pedi que me comprassem uma, mas a que me trouxeram era muito reles, com galhos faltando – não tem comparação com a do ano passado. Não sei como vou pôr nela as oito velas que comprei. É o meu terceiro Natal no xadrez, mas não considere isso tragicamente. Estou calma e alegre como sempre.
Ontem fiquei muito tempo acordada – agora não consigo dormir antes da uma, mas preciso ir para a cama às dez, porque a luz é apagada –, e então no escuro sonho com diversas coisas. Ontem então pensava: como é estranho eu viver permanentemente numa alegre embriaguez, sem nenhuma razão particular. Assim, por exemplo, estou aqui deitada nesta cela escura, num colchão duro como pedra, enquanto à minha volta, no edifício, reina a habitual paz de cemitério; parece que se está no túmulo. Através da janela desenha-se no teto o reflexo do bico de gás ardendo a noite inteira na frente da prisão. De tempo em tempos ouve-se o ruído surdo de um trem que passa ao longe, ou então, bem perto, debaixo das minhas janelas, o pigarro da sentinela que, com suas botas pesadas, dá alguns passos lentos para desentorpecer as pernas. A areia estala tão desesperadamente sob esses passos que todo o vazio e a falta de perspectivas da existência ressoam na noite úmida e sombria. E aqui estou eu deitada, quieta, sozinha, enrolada nos véus negros das trevas, do tédio, da falta de liberdade, do inverno – e, apesar disso, meu coração bate com uma alegria interior desconhecida, incompreensível, como se sob um sol radiante eu estivesse atravessando um prado em flor. No escuro, sorrio à vida, como se eu conhecesse algum segredo mágico que pune todo mal e as tristes mentiras, transformando-as em luz intensa e felicidade. E, ao mesmo tempo, procuro uma razão para essa alegria, não encontro nada, e tenho que sorrir novamente – de mim mesma. Creio que o segredo não é outro senão a própria vida;

108 Karl Liebknecht foi para a prisão de Luckau em 8 de dezembro de 1916.

a profunda escuridão noturna é bela e suave como veludo, basta saber olhar. No estalar da areia úmida sob os passos lentos e pesados da sentinela canta também uma bela, uma pequena canção da vida – basta apenas saber ouvir. Nesses momentos penso em você. Gostaria tanto de passar-lhe essa chave mágica para que você percebesse sempre, em todas as situações, o que há de belo e alegre na vida, para que também você viva na embriaguez, como que caminhando por um prado cheio de cores. Longe de mim a ideia de contentá- -la com ascetismo, com alegrias imaginárias. Concedo-lhe todas as verdadeiras alegrias dos sentidos. Só gostaria de dar-lhe também a minha inesgotável serenidade interior, para não me preocupar mais com você, para que andasse na vida com um manto de estrelas protegendo-a de tudo que é mesquinho, banal e angustiante.
Você colheu no parque de Steglitz um lindo buquê de bagos negros e rosas-violetas. Os bagos negros podem ser de sabugueiro – seus bagos pendem em cachos pesados e densos entre grandes feixes de folhas pinuladas, você certamente conhece – ou, mais provavelmente, de alfena: panículas de bagos, elegantes, graciosas, eretas, e folhinhas verdes, compridas e finas. Os bagos de rosa-violeta, escondidos sob folhas bem pequeninas, podem ser de nespereira anã; na realidade eles são vermelhos, mas, neste período da estação, já demasiado maduros e começando a apodrecer, têm frequentemente uma aparência violeta avermelhada; as folhinhas se parecem com as do mirto, pequenas, afiladas na ponta, o lado de cima verde-escuro, semelhante ao couro; o de baixo, rugoso.
Soniucha, você conhece o poema de Platen, Verhängnisvolle Gabel [Garfo fatal]?109 Você poderia enviá-lo ou trazê-lo? Karl mencionou uma vez que o tinha lido em casa. Os poemas de George são bonitos; agora sei de onde vem o verso “e sob o murmúrio do trigo erubescente” [Und unterm Rauschen rötlichen Getreides...]110 que você sempre recitava quando íamos passear no campo.

109August Graf von Platen-Hallermünde (1796-1835). Rosa Luxemburgo alude a um poema satírico publicado em 1826, Die verhängnisvolle Gabel (O garfo fatal) (NT).
 110O verso é do poema Nun lasse mich rufen, da coletânea Der siebente Ring [O sétimo círculo] de Stefan George.

Você poderia copiar para mim, quando for possível, o novo Amadis?111 Gosto tanto desse poema – naturalmente graças ao lied de Hugo Wolf –, mas não o tenho aqui. Você continua lendo a Lenda de Lessing?112 Retomei a História do materialismo, de Lange, que sempre me estimula e restaura. Gostaria tanto que você a lesse um dia desses.
Ah! Sonitchka, passei aqui por uma dor violenta. No pátio onde passeio chegam muitas vezes carroças do exército, abarrotadas de sacos ou túnicas velhas e camisas de soldados, muitas vezes manchadas de sangue...; são descarregadas, distribuídas pelas celas, consertadas, novamente postas nas carroças para serem entregues ao exército. Outro dia, chegou uma dessas carroças, puxada não por cavalos, mas por búfalos. Era a primeira vez que via esses animais de perto. São mais fortes e maiores que os nossos bois, têm a cabeça chata, chifres curvos e baixos, e uma cabeça totalmente negra, de grandes olhos meigos, que lembra a dos nossos carneiros. Vêm da Romênia, são um troféu de guerra... Os soldados que conduziam a carroça diziam ser muito difícil capturar esses animais selvagens e ainda mais difícil utilizá-los para carregar fardos, pois estavam acostumados à liberdade. Foram terrivelmente maltratados até compreenderem que perderam a guerra e que também para eles vale a expressão vae victis [ai dos vencidos]... Só em Breslau deve haver uma centena desses animais; acostumados que estavam às ricas pastagens da Romênia, recebem ali uma ração parca, miserável. Trabalham sem descanso puxando todo tipo de carga e com isso não demoram a morrer. Há alguns dias então uma dessas carroças cheia de sacos entrou no pátio. A carga era tão alta que os búfalos não conseguiam transpor a soleira do portão. O soldado que os acompanhava, um tipo brutal, pôs-se a bater-lhes de tal maneira com o grosso cabo do chicote que a vigia da prisão, indignada, perguntou-lhe se não tinha pena dos animais. “Ninguém tem pena de nós, homens”, respondeu com um sorriso mau, e pôs-se a bater ainda

 111Poema épico cômico, de 1771, de Christoph Martin Wieland (NT).
 112Die Lessing Legende, de Franz Mehring

com mais força... Os animais deram finalmente um puxão e conseguiram transpor o obstáculo, mas um deles sangrava... Sonitchka, a pele do búfalo é proverbialmente espessa e resistente, e ela foi dilacerada. Durante o descarregamento, os animais permaneciam imóveis, esgotados, e um deles, o que sangrava, olhava em frente e tinha, na cara escura e nos olhos negros e meigos, uma expressão de criança em prantos. Era exatamente a expressão de uma criança que foi severamente punida e que não sabe por qual motivo, por quê, não sabe como escapar ao sofrimento e a essa força brutal... Eu estava diante dele, o animal me olhava, as lágrimas saltaram-me dos olhos – eram as lágrimas dele. Ninguém pode sofrer mais por um irmão querido do que eu sofri na minha impotência com essa dor silenciosa. Como estavam longe, perdidas, inacessíveis, as pastagens da Romênia, essas pastagens verdes, suculentas e livres! Como tudo lá era diferente, o brilho do sol, o sopro do vento, como eram diferentes os belos cantos dos pássaros ou o melodioso chamado do pastor. E aqui – esta cidade estrangeira, horrível, o estábulo sombrio, o feno mofado, repugnante, misturado com a palha apodrecida, os homens desconhecidos, assustadores, e – as pancadas, o sangue que corre da ferida aberta... Oh! Meu pobre búfalo, meu pobre irmão querido, aqui estamos os dois tão impotentes e mudos, mas somos só um na dor, na impotência, na saudade. Entretanto os prisioneiros agitavam-se em volta do carro, descarregavam os pesados sacos e arrastavam-nos para dentro; já o soldado enfiara as mãos nos bolsos das calças e, percorrendo o pátio com grandes passos, ria e assobiava baixinho uma canção da moda. Diante de mim a guerra desfilava em todo o seu esplendor.

Escreva logo.
Abraços, Sonitchka,

Sua R.
Soniucha, querida, fique calma e alegre apesar de tudo. Assim é a vida. É preciso tomá-la corajosamente, sem medo, sorrindo – apesar de tudo. Feliz Natal!



Sapatinho de Natal
Natal



Deixei meu sapatinho na janela do quintal
Papai Noel deixou meu presente de Natal

Como é que Papai Noel não se esquece de ninguém
Seja rico ou seja pobre, o velhinho sempre vem
Como é que Papai Noel não se esquece de ninguém
Seja rico ou seja pobre, o velhinho sempre vem

Deixei meu sapatinho na janela do quintal
Papai Noel deixou meu presente de Natal

Como é que Papai Noel não se esquece de ninguém
Seja rico ou seja pobre, o velhinho sempre vem
Como é que Papai Noel não se esquece de ninguém
Seja rico ou seja pobre, o velhinho sempre vem
Composição: Otavio Babo Filho / Primo De Lamartine Babo





Moraes Moreira - "Boas Festas / Brasil Pandeiro" (TV Manchete, 1984)

Anoiteceu

Natal

Anoiteceu, o sino gemeu
A gente ficou feliz a rezar
Papai Noel, vê se você tem
A felicidade pra você me dar

Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel
Bem assim felicidade
Eu pensei que fosse uma
Brincadeira de papel

Já faz tempo que eu pedi
Mas o meu Papai Noel não vem
Com certeza já morreu
Ou então felicidade
É brinquedo que não tem
Composição: Assis Valente




“Assis Valente foi escolhido o patrono de Moraes Moreira no "Bar Academia" em homenagem ao baiano, exibido pela TV Manchete no começo de 84. No final do programa, acompanhado de seu violão, Moraes cantou duas canções do grande compositor suicida: "Boas Festas" e "Brasil Pandeiro", que, nos anos 70, havia sido novamente um grande sucesso com os Novos Baianos, grupo de que Moraes fazia parte. O "Bar Academia" tinha direção geral por Maurício Shermann.”




Referências

https://www.saraiva.com.br/rosa-luxemburgo-cartas-vol-3-3675147.html
https://pt.wikisource.org/wiki/A_m%C3%A3o_e_a_luva/VII
https://rosaluxspba.org/wp-content/uploads/2015/05/Rosa-Luxemburgo_versao-web.pdf
https://youtu.be/y2w_JdKg6B0
https://www.letras.mus.br/natal/1781335/
https://youtu.be/p9OH3Jou5oI
https://www.letras.mus.br/natal/855947/
https://www.youtube.com/watch?v=p9OH3Jou5oI

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