Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
terça-feira, 21 de janeiro de 2025
CAPÍTULO DOS CHAPÉUS
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Pra que serve o chapéu
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Géronte
Em que capítulo, por favor?
Sganarelle
No capítulo dos chapéus.
(Molière)
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Trump assume em meio a calmaria, mas governo não deve ter o mesmo tom | Central Meio
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Meio
Transmissão ao vivo realizada há 22 horas #DonaldTrump #EUA #Presidente
Diferente do tom pesado que tomou conta da primeira posse de Donald Trump, há oito anos, com vários protestos, a cerimônia deste ano dá sinais de que será mais calma. O republicano retorna hoje à Casa Branca depois de quatro anos de mandato do democrata Joe Biden. O Central Meio de hoje recebe o cientista político e diretor executivo Fundação FHC, Sérgio Fausto. Entre os assuntos estão a acomodação da Política americana a partir de agora e seus reflexos para o mundo.
Podcast do Central Meio: https://nomeio.com.br/pod_central
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Resumo do artigo: Pare o mundo que Trump quer passar
Publicado em 21/01/2025, por Luiz Carlos Azedo
O artigo analisa o impacto global e brasileiro da posse de Donald Trump em seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos. Trump inicia sua gestão com ações controversas, como a saída do Acordo de Paris, militarização da fronteira com o México e medidas anti-imigração. Além disso, reforçou um discurso ultraconservador, prometendo endurecer políticas sociais e ambientais, e promover um protecionismo econômico que ameaça acordos multilaterais e instituições como a OMC e FMI.
O impacto da política de Trump ressoa no Brasil, que já enfrenta desafios fiscais e econômicos. O presidente Lula, que não foi convidado para a posse, declarou desejar boas relações com o governo norte-americano. A oposição brasileira, especialmente aliados do ex-presidente Bolsonaro, celebra a ascensão de Trump como um possível fortalecimento político interno.
Com uma agenda internacional de desregulamentação, supremacismo e nacionalismo exacerbado, Trump promete mudanças profundas na ordem econômica global, trazendo incertezas para países emergentes como o Brasil. Enquanto isso, Lula tenta corrigir o rumo de seu governo, de olho nas eleições de 2026.
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Pare o mundo que Trump quer passar
Publicado em 21/01/2025 - 08:15 Luiz Carlos Azedo
América, Biden, Brasília, China, Economia, Eleições, EUA, Europa, Exportações, Governo, Guerra, Itamaraty, Meio ambiente, Partidos, Política, Política, Tecnologia
Lula já tinha muitos problemas antes de Trump tomar posse, que agora ganharão outra dimensão. Ontem, na reunião ministerial, cobrou mais entregas de sua equipe
“Nada vai entrar no nosso caminho, porque nós somos americanos”, disse o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao encerrar seu primeiro discurso após a posse. Trump não fez por menos: anunciou “uma era de ouro”, reiterou seus planos expansionistas e assinou uma enxurrada de decretos para desconstruir a gestão do democrata Joe Biden, que o antecedeu, e levar adiante sua política protecionista e anti-imigração.
Sua primeira ordem executiva foi declarar emergência na fronteira entre EUA e México, o que significa a autorização do envio de militares à região. Trump não está brincando quando fala em retomar o controle do Canal do Panamá, mandar astronautas fincar a bandeira norte-americana em Marte e combater a diversidade sexual, para que os Estados Unidos voltem a ser um país “com dois gêneros: o feminino e o masculino”.
Na questão ambiental, Trump anunciou que os EUA sairão do Acordo de Paris sobre o Clima, o que representará um boicote à COP 30, que se realizará em novembro, em Belém do Pará. Nesse campo, pretende dificultar a produção de energia eólica e intensificar a exploração do petróleo em seu território. Sua posse ofuscou e pautou os debates do Fórum Econômico Mundial, em Davos, iniciado nesta quarta-feira.
Leia também: Trump promete caçada a imigrantes e assina uma série de decretos polêmicos
Trump fez um discurso assumidamente reacionário, para “tirar a América da escuridão”, após duras referências ao governo Biden, sem citá-lo, com um tom messiânico: “Fui salvo por Deus para tornar a América ótima novamente”. Prometeu expulsar “todos que entrarem de forma ilegal”, mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América e declarar cartéis mexicanos como organizações terroristas. Negacionista, anunciou que reintegrará funcionários demitidos por não tomarem vacina contra covid. Disse também que anistiará condenados pela invasão do Capitólio, em 2021
Contraditoriamente, prometeu ser um “unificador e pacificador” em relação aos conflitos em outros continentes. Citou como exemplo o acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas, no qual teve realmente um papel decisivo. Entretanto, sua política protecionista pode representar uma grande ameaça à institucionalidade da economia mundial, que é fruto de um longo processo de negociações e acordos multilaterais. Essa política de Trump está em sintonia com os magnatas norte-americanos da tecnologia, entre os quais Elon Musk, dono da Tesla e do Twitter, que assumiu a tarefa de enxugar e modernizar o Estado norte-americano.
A política de Trump torna absoluta a liberdade de expressão, com a desregulamentação das mídias sociais, a pretexto de restaurar “a justiça justa, igualitária e imparcial sob o Estado constitucional de direito”. Na verdade, é um “liberou geral” para a xenofobia, a homofobia, o machismo e o racismo. O novo presidente dos Estados Unidos é um supremacista branco e defende um tipo de patriotismo que atribui aos norte-americanos a liderança mundial como destino.
Barbas de molho
Na posse de Trump, porém, esse papel foi traduzido pela presença das principais lideranças de extrema-direita da política mundial: Javier Milei, da Argentina; Giorgia Meloni, da Itália; e Viktor Orbán, da Hungria. Ultraconservadores europeus, como Tino Chrupalla, do Alternativa para a Alemanha (AfD); o espanhol Santiago Abascal, do VOX; e o ultraliberal britânico anti-União Europeia Nigel Farage também estavam em Washington. O ex-presidente Jair Bolsonaro, impedido de viajar por uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), se fez representar pela esposa, Michelle, e pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), seu filho.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não foi convidado para a posse. Na reunião ministerial desta segunda-feira, pôs as barbas de molho e disse que “não quer briga” com o novo presidente norte-americano. “O Trump foi eleito para governar os EUA e eu, como presidente do Brasil, torço para que ele faça uma gestão profícua, para que o povo americano melhore e para que os americanos continuem a ser o parceiro histórico que é do Brasil”, declarou. A embaixadora do Brasil em Washington, Maria Luiza Viotti, representou o governo brasileiro.
Leia mais: Trump 2.0 e os desafios para o Brasil
A volta de Trump à Casa Branca deixou eufórica a oposição no Brasil. O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), avalia que sua posse coincide com uma mudança na correlação de forças por aqui, que deixa o governo mais enfraquecido. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (PR), postou um vídeo em suas redes sociais usando um boné com o slogan de Trump, Make América great again. Quem mais comemora é o ex-presidente Bolsonaro, que redobrou suas esperanças de concorrer à Presidência em 2026, mesmo estando inelegível.
A posse Trump inicia um novo ciclo para aquela economia mundial, cujas consequências ainda são imponderáveis para o Brasil. Instituições como a OMC (Organização Mundial do Comércio), o FMI (Fundo Monetário Internacional) e os organismos multilaterais, que são fundamentais para os países emergentes como o Brasil, tendem a ser tutelados ou ignorados por Trump.
Lula já tinha muitos problemas antes de Trump tomar posse, que agora ganharão outra dimensão. Nesta segunda-feira, na reunião ministerial, quando cobrou mais entregas de sua equipe, disse que as eleições de 2026 já começaram. Seu maior problema não é a conexão entre Trump e a oposição, são a inflação e a política fiscal, que se retroalimentam e geram desconfiança do mercado e na população, como ficou evidente na crise do Pix.
Leia ainda: Com 2026 na mira, Lula tenta correção de rumo do governo
Nas entrelinhas: todas as colunas no Blog do Azedo
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O QUE VOCÊ NÃO VIU SOBRE A POSSE DE DONALD TRUMP
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MyNews
Transmissão ao vivo realizada há 22 horas #SegundaChamada #DonaldTrump #PosseTrump
No Segunda Chamada desta segunda-feira, 20 de janeiro de 2024, os detalhes da posse de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos.
"A era de ouro dos Estados Unidos começa neste momento. Nossa soberania será restaurada. Nossa prioridade será criar uma nação que seja próspera e livre", disse Trump durante discurso.
Neste programa debateremos:
✅ O discurso de Trump
✅ Como deve ser os próximos anos de governo
✅ Como deve ser a relação com o Brasil
🎥 Não perca essa análise detalhada sobre posse de Trump. Deixe sua opinião nos comentários, curta e compartilhe para ampliar o debate!
🗣 Afonso Marangoni recebe os jornalistas Caio Blinder e Andrew Fishman, cofundador do The Intercept Brasil, o professor de Gestão Global da Universidade de Nova York Claudio Garcia e a professora de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso.
#SegundaChamada #DonaldTrump #PosseTrump #PolíticaInternacional #AnálisePolítica #Geopolítica #EUA #BastidoresDoPoder #DebatePolítico #Notícias #Atualidades #OQueVocêNãoViu
https://www.youtube.com/watch?v=mOKW7g3zsrI
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Aqui está uma ilustração que capta a ambiguidade e a complexidade características de Machado de Assis, inspirada no conto "O Capítulo dos Chapéus". A imagem reflete a dualidade presente na narrativa, enfatizando tanto a força quanto a submissão da personagem principal em diferentes momentos.
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Géronte
Dans quel chapitre, s'il
vous plaît?
Sganarelle
Dans le chapitre des chapeaux.
Moliére.
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Johnny Winter, santo e pecador
Por Cutaway Revista de Guitarras -19 de dezembro de 202
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JOHNNY WINTER - It's My Life, Baby
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Capítulo dos chapéus
MACHADO DE ASSIS
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Musa, canta o despeito de Mariana, esposa do bacharel Conrado Seabra, naquela manhã de abril de 1879. Qual a causa de tamanho alvoroço? Um simples chapéu, leve, não deselegante, um chapéu baixo. Conrado, advogado, com escritório na rua da Quitanda, trazia-o todos os dias à cidade, ia com ele às audiências; só não o levava às recepções, teatro lírico, enterros e visitas de cerimônia. No mais era constante, e isto desde cinco ou seis anos, que tantos eram os do casamento. Ora, naquela singular manhã de abril, acabado o almoço, Conrado começou a enrolar um cigarro, e Mariana anunciou sorrindo que ia pedir-lhe uma coisa.
— Que é, meu anjo?
— Você é capaz de fazer-me um sacrifício?
— Dez, vinte...
— Pois então não vá mais à cidade com aquele chapéu.
— Por quê? é feio?
— Não digo que seja feio; mas é cá para fora, para andar na vizinhança, à tarde ou à noite, mas na cidade, um advogado, não me parece que...
— Que tolice, iaiá!
— Pois sim, mas faz-me este favor, faz?
Conrado riscou um fósforo, acendeu o cigarro, e fez-lhe um gesto de gracejo, para desconversar; mas a mulher teimou. A teima, a princípio frouxa e súplice, tornou-se logo imperiosa e áspera. Conrado ficou espantado. Conhecia a mulher; era, de ordinário, uma criatura passiva, meiga, de uma plasticidade de encomenda, capaz de usar com a mesma divina indiferença tanto um diadema régio como uma touca. A prova é que, tendo tido uma vida de andarilha nos últimos dois anos de solteira, tão depressa casou como se afez aos hábitos quietos. Saía às vezes, e a maior parte delas por instâncias do próprio consorte; mas só estava comodamente em casa. Móveis, cortinas, ornatos supriam-lhe os filhos; tinha-lhes um amor de mãe; e tal era a concordância da pessoa com o meio, que ela saboreava os trastes na posição ocupada, as cortinas com as dobras do costume, e assim o resto. Uma das três janelas, por exemplo, que davam para a rua vivia sempre meio aberta; nunca era outra. Nem o gabinete do marido escapava às exigências monótonas da mulher, que mantinha sem alteração a desordem dos livros, e até chegava a restaurá-la. Os hábitos mentais seguiam a mesma uniformidade. Mariana dispunha de mui poucas noções, e nunca lera senão os mesmo livros: — a Moreninha de Macedo, sete vezes; Ivanhoé e o Pirata de Walter Scott, dez vezes; o Mot de 1'énigme, de Madame Craven, onze vezes.
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RESENHA SINTÉTICA E COMENTÁRIO SOBRE O "CAPÍTULO DOS CHAPÉUS"
O conto Capítulo dos Chapéus de Machado de Assis, publicado na Gazeta de Notícias em 1879, é um exemplo notável do estilo machadiano: irônico, analítico e profundamente crítico das relações humanas e sociais. A narrativa aborda o episódio doméstico aparentemente trivial entre Mariana e seu marido, o advogado Conrado Seabra, centrando-se no pedido da esposa para que o marido substitua seu chapéu habitual ao ir para a cidade. A insistência de Mariana revela nuances da dinâmica conjugal e das tensões entre aparência pública e vida privada, exploradas com a sutileza e o humor característicos do autor.
ANÁLISE DA EPÍGRAFE
A epígrafe do conto, extraída de uma passagem de Molière, estabelece o tom de leveza e comicidade que permeia a história. No trecho mencionado, do diálogo de Le Médecin Malgré Lui ("O Médico à Força"), o personagem Géronte pergunta a Sganarelle em qual capítulo está localizada certa informação, ao que este responde: "No capítulo dos chapéus." A resposta é absurda, deslocada, e aponta para a vacuidade e o artifício. No conto de Machado, o título e a epígrafe sugerem uma reflexão sobre a importância exagerada dada a coisas superficiais — neste caso, um chapéu. Ao invocar Molière, Machado já situa o leitor em um terreno onde o riso e a crítica são entrelaçados.
SIGNIFICADO NO CONTEXTO DO CONTO
O chapéu, aparentemente um objeto banal, transforma-se no centro de um conflito conjugal, funcionando como símbolo da imagem social e dos papéis atribuídos aos gêneros. Mariana, anteriormente descrita como submissa e adaptável, surpreende Conrado com sua insistência, mostrando uma faceta até então inédita de sua personalidade. A situação trivial se desenrola com uma intensidade cômica, mas também reflete temas machadianos mais profundos, como a tensão entre tradição e modernidade, e a teatralidade das convenções sociais.
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'Capítulo dos chapéus' de Machado de Assis | Audiobook do conto completo | Sussurros de Tinta
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Sussurros de Tinta
30 de jun. de 2024 #MachadodeAssis #LiteraturaBrasileira #AudioBook
Bem-vindos ao canal "Sussurros de Tinta"! Neste vídeo, vamos ler o conto "Capítulo dos chapéus" de Machado de Assis, uma das joias da coletânea "HISTÓRIAS SEM DATA de 1882". Acompanhe-nos enquanto exploramos a narrativa envolvente e as nuances deste conto clássico, discutindo seus personagens, temas e a magistral escrita de Machado de Assis. Se você é um amante da literatura brasileira ou simplesmente quer descobrir mais sobre este icônico autor, não perca este vídeo! Não se esqueça de se inscrever no canal e deixar seu comentário abaixo sobre suas impressões e interpretações do conto.
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(CONT.)
Isto posto, como explicar o caso do chapéu? Na véspera, à noite, enquanto o marido fora a uma sessão do Instituto da Ordem dos Advogados, o pai de Mariana veio à casa deles. Era um bom velho, magro, pausado, ex-funcionário público, ralado de saudades do tempo em que os empregados iam de casaca para as suas repartições. Casaca era o que ele, ainda agora, levava aos enterros, não pela razão que o leitor suspeita, a solenidade da morte ou a gravidade da despedida última, mas por esta menos filosófica, por ser um costume antigo. Não dava outra, nem da casaca nos enterros, nem do jantar às duas horas, nem de vinte usos mais. E tão aferrado aos hábitos, que no aniversário do casamento da filha, ia para lá às seis horas da tarde, jantado e digerido, via comer, e no fim aceitava um pouco de doce, um cálice de vinho e café. Tal era o sogro de Conrado; como supor que ele aprovasse o chapéu baixo do genro? Suportava-o calado, em atenção às qualidades da pessoa; nada mais. Acontecera-lhe, porém, naquele dia, vê-lo de relance na rua, de palestra com outros chapéus altos de homens públicos, e nunca lhe pareceu tão torpe. De noite, encontrando a filha sozinha, abriu-lhe o coração; pintou-lhe o chapéu baixo como a abominação das abominações, e instou com ela para que o fizesse desterrar. Conrado ignorava essa circunstância, origem do pedido. Conhecendo a docilidade da mulher, não entendeu a resistência; e, porque era autoritário, e voluntarioso, a teima veio irritá-lo profundamente. Conteve-se ainda assim; preferiu mofar do caso; falou-lhe com tal ironia e desdém, que a pobre dama sentiu-se humilhada. Mariana quis levantar-se duas vezes; ele obrigou-a a ficar, a primeira pegando-lhe levemente no pulso, a segunda subjugando-a com o olhar. E dizia, sorrindo: — Olhe, iaiá, tenho uma razão filosófica para não fazer o que você me pede. Nunca lhe disse isto; mas já agora confio-lhe tudo. Mariana mordia o lábio, sem dizer mais nada; pegou de uma faca, e entrou a bater com ela devagarinho para fazer alguma coisa; mas, nem isso mesmo consentiu o marido, que lhe tirou a faca delicadamente, e continuou: — A escolha do chapéu não é uma ação indiferente, como você pode supor; é regida por um princípio metafísico. Não cuide que quem compra um chapéu exerce uma ação voluntária e livre; a verdade é que obedece a um determinismo obscuro. A ilusão da liberdade existe arraigada nos compradores, e é mantida pelos chapeleiros que, ao verem um freguês ensaiar trinta ou quarenta chapéus, e sair sem comprar nenhum, imaginam que ele está procurando livremente uma combinação elegante. O princípio metafísico é este: — o chapéu é a integração do homem, um prolongamento da cabeça, um complemento decretado ab æterno; ninguém o pode trocar sem mutilação. E uma questão profunda que ainda não ocorreu a ninguém. Os sábios têm estudado tudo desde o astro até o verme, ou, para exemplificar bibliograficamente, desde Laplace... Você nunca leu Laplace? desde Laplace e a Mecânica celeste até Darwin e o seu curioso livro das Minhocas, e, entretanto, não se lembraram ainda de parar diante do chapéu e estudá-lo por todos os lados. Ninguém advertiu que há uma metafísica do chapéu. Talvez eu escreva uma memória a este respeito. São nove horas e três quartos; não tenho tempo de dizer mais nada; mas você reflita consigo, e verá... Quem sabe? pode ser até que nem mesmo o chapéu seja complemento do homem, mas o homem do chapéu... Mariana venceu-se afinal, e deixou a mesa. Não entendera nada daquela nomenclatura áspera nem da singular teoria; mas sentiu que era um sarcasmo, e, dentro de si, chorava de vergonha. O marido subiu para vestir-se; desceu daí a alguns minutos, e parou diante dela com o famoso chapéu na cabeça. Mariana achou-lho, na verdade, torpe, ordinário, vulgar, nada sério. Conrado despediu-se cerimoniosamente e saiu. A irritação da dama tinha afrouxado muito; mas, o sentimento de humilhação subsistia. Mariana não chorou, não clamou, como supunha que ia fazer; mas, consigo mesma, recordou a simplicidade do pedido, os sarcasmos de Conrado, e, posto reconhecesse que fora um pouco exigente, não achava justificação para tais excessos. Ia de um lado para outro, sem poder parar; foi à sala de visitas, chegou à janela meio aberta, viu ainda o marido, na rua, à espera do bond, de costas para casa, com o eterno e torpíssimo chapéu na cabeça. Mariana sentiu-se tomada de ódio contra essa peça ridícula; não compreendia como pudera suportá-la por tantos anos. E relembrava os anos, pensava na docilidade dos seus modos, na aquiescência a todas as vontades e caprichos do marido, e perguntava a si mesma se não seria essa justamente a causa do excesso daquela manhã. Chamava-se tola, moleirona; se tivesse feito como tantas outras, a Clara e a Sofia, por exemplo, que tratavam os maridos como eles deviam ser tratados, não lhe aconteceria nem metade nem uma sombra do que lhe aconteceu. De reflexão em reflexão, chegou à idéia de sair. Vestiu-se, e foi à casa da Sofia, uma antiga companheira de colégio, com o fim de espairecer, não de lhe contar nada. Sofia tinha trinta anos, mais dois que Mariana. Era alta, forte, muito senhora de si. Recebeu a amiga com as festas do costume; e, posto que esta lhe não dissesse nada, adivinhou que trazia um desgosto e grande. Adeus, planos de Mariana! Daí a vinte minutos contava-lhe tudo. Sofia riu dela, sacudiu os ombros; disse-lhe que a culpa não era do marido. — Bem sei, é minha, concordava Mariana. — Não seja tola, iaiá! Você tem sido muito mole com ele. Mas seja forte uma vez; não faça caso; não lhe fale tão cedo; e se ele vier fazer as pazes, diga-lhe que mude primeiro de chapéu. — Veja você, uma coisa de nada... — No fim de contas, ele tem muita razão; tanta como outros. Olhe a pamonha da Beatriz; não foi agora para a roça, só porque o marido implicou com um inglês que costumava passar a cavalo de tarde? Coitado do inglês! Naturalmente nem deu pela falta. A gente pode viver bem com seu marido, respeitando-se, não indo contra os desejos um do outro, sem pirraças, nem despotismo. Olhe; eu cá vivo muito bem com o meu Ricardo; temos muita harmonia. Não lhe peço uma coisa que ele me não faça logo; mesmo quando não tem vontade nenhuma, basta que eu feche a cara, obedece logo. Não era ele que teimaria assim por causa de um chapéu! Tinha que ver! Pois não! Onde iria ele parar! Mudava de chapéu, quer quisesse, quer não. Mariana ouvia com inveja essa bela definição do sossego conjugal. A rebelião de Eva embocava nela os seus clarins; e o contato da amiga dava-lhe um prurido de independência e vontade. Para completar a situação, esta Sofia não era só muito senhora de si, mas também dos outros; tinha olhos para todos os ingleses, a cavalo ou a pé. Honesta, mas namoradeira; o termo é cru, e não há tempo de compor outro mais brando. Namorava a torto e a direito, por uma necessidade natural, um costume de solteira. Era o troco miúdo do amor, que ela distribuía a todos os pobres que lhe batiam à porta: — um níquel a um, outro a outro; nunca uma nota de cinco mil-réis, menos ainda uma apólice. Ora este sentimento caritativo induziu-a a propor à amiga que fossem passear, ver as lojas, contemplar a vista de outros chapéus bonitos e graves. Mariana aceitou; um certo demônio soprava nela as fúrias da vingança. Demais, a amiga tinha o dom de fascinar, virtude de Bonaparte, e não lhe deu tempo de refletir. Pois sim, iria, estava cansada de viver cativa. Também queria gozar um pouco, etc., etc. Enquanto Sofia foi vestir-se, Mariana deixou-se estar na sala, irrequieta e contente consigo mesma. Planeou a vida de toda aquela semana, marcando os dias e horas de cada coisa, como numa viagem oficial. Levantava-se, sentava-se, ia à janela, à espera da amiga. — Sofia parece que morreu, dizia de quando em quando. De uma das vezes que foi à janela, viu passar um rapaz a cavalo. Não era inglês, mas lembrou-lhe a outra, que o marido levou para a roça, desconfiado de um inglês, e sentiu crescer-lhe o ódio contra a raça masculina — com exceção, talvez, dos rapazes a cavalo. Na verdade, aquele era afetado demais; esticava a perna no estribo com evidente vaidade das botas, dobrava a mão na cintura, com um ar de figurino. Mariana notou-lhe esses dois defeitos; mas achou que o chapéu resgatava-os; não que fosse um chapéu alto; era baixo, mas próprio do aparelho eqüestre. Não cobria a cabeça de um advogado indo gravemente para o escritório, mas a de um homem que espairecia ou matava o tempo. Os tacões de Sofia desceram a escada, compassadamente. Pronta! disse ela daí a pouco, ao entrar na sala. Realmente, estava bonita. Já sabemos que era alta. O chapéu aumentava-lhe o ar senhoril; e um diabo de vestido de seda preta, arredondando-lhe as formas do busto, fazia-a ainda mais vistosa. Ao pé dela, a figura de Mariana desaparecia um pouco. Era preciso atentar primeiro nesta para ver que possuía feições mui graciosas, uns olhos lindos, muita e natural elegância. O pior é que a outra dominava desde logo; e onde houvesse pouco tempo de as ver, tomava-o Sofia para si. Este reparo seria incompleto, se eu não acrescentasse que Sofia tinha consciência da superioridade, e que apreciava por isso mesmo as belezas do gênero Mariana, menos derramadas e aparentes. Se é um defeito, não me compete emendá-lo. — Onde vamos nós? perguntou Mariana. — Que tolice! vamos passear à cidade... Agora me lembro, vou tirar o retrato; depois vou ao dentista. Não; primeiro vamos ao dentista. Você não precisa de ir ao dentista? — Não. — Nem tirar o retrato? — Já tenho muitos. E para quê? para dá-lo "àquele senhor"? Sofia compreendeu que o ressentimento da amiga persistia, e, durante o caminho, tratou de lhe pôr um ou dois bagos mais de pimenta. Disse-lhe que, embora fosse difícil, ainda era tempo de libertar-se. E ensinava-lhe um método para subtrair-se à tirania. Não convinha ir logo de um salto, mas devagar, com segurança, de maneira que ele desse por si quando ela lhe pusesse o pé no pescoço. Obra de algumas semanas, três a quatro, não mais. Ela, Sofia, estava pronta a ajudá-la. E repetia-lhe que não fosse mole, que não era escrava de ninguém, etc. Mariana ia cantando dentro do coração a marselhesa do matrimônio. Chegaram à rua do Ouvidor. Era pouco mais do meio-dia. Muita gente, andando ou parada, o movimento do costume. Mariana sentiu-se um pouco atordoada, como sempre lhe acontecia. A uniformidade e a placidez, que eram o fundo do seu caráter e de sua vida, receberam daquela agitação os repelões do costume. Ela mal podia andar por entre os grupos, menos ainda sabia onde fixasse os olhos, tal era a confusão das gentes, tal era a variedade das lojas. Conchegava-se muito à amiga, e, sem reparar que tinham passado a casa do dentista, ia ansiosa de lá entrar. Era um repouso; era alguma coisa melhor do que o tumulto. — Esta rua do Ouvidor! ia dizendo. — Sim? respondia Sofia, voltando a cabeça para ela e os olhos para um rapaz que estava na outra calçada. Sofia, prática daqueles mares, transpunha, rasgava ou contornava as gentes com muita perícia e tranqüilidade. A figura impunha; os que a conheciam gostavam de vê-la outra vez; os que não a conheciam paravam ou voltavam-se para admirar-lhe o garbo. E a boa senhora, cheia de caridade, derramava os olhos à direita e à esquerda, sem grande escândalo, porque Mariana servia a coonestar os movimentos. Nada dizia seguidamente; parece até que mal ouvia as respostas da outra; mas falava de tudo, de outras damas que iam ou vinham, de uma loja, de um chapéu... Justamente os chapéus, — de senhora ou de homem, — abundavam naquela primeira hora da rua do Ouvidor. — Olha este, dizia-lhe Sofia. E Mariana acudia a vê-los, femininos ou masculinos, sem saber onde ficar, porque os demônios dos chapéus sucediam-se como num caleidoscópio. Onde era o dentista? perguntava ela à amiga. Sofia só à segunda vez lhe respondeu que tinham passado a casa; mas já agora iriam até ao fim da rua; voltariam depois. Voltaram finalmente. — Uf! respirou Mariana entrando no corredor. — Que é, meu Deus? Ora você! Parece da roça... A sala do dentista tinha já algumas freguesas. Mariana não achou entre elas uma só cara conhecida, e para fugir ao exame das pessoas estranhas, foi para a janela. Da janela podia gozar a rua, sem atropelo. Recostou-se; Sofia veio ter com ela. Alguns chapéus masculinos, parados, começaram a fitá-las; outros, passando, faziam a mesma coisa. Mariana aborreceu-se da insistência; mas, notando que fitavam principalmente a amiga, dissolveu-se-lhe o tédio numa espécie de inveja. Sofia, entretanto, contava-lhe a história de alguns chapéus, — ou, mais corretamente, as aventuras. Um deles merecia os pensamentos de Fulana; outro andava derretido por Sicrana, e ela por ele, tanto que eram certos na rua do Ouvidor às quartas e sábados, entre duas e três horas. Mariana ouvia aturdida. Na verdade, o chapéu era bonito, trazia uma linda gravata, e possuía um ar entre elegante e pelintra, mas... — Não juro, ouviu? replicava a outra, mas é o que se diz. Mariana fitou pensativa o chapéu denunciado. Havia agora mais três, de igual porte e graça, e provavelmente os quatro falavam delas, e falavam bem. Mariana enrubesceu muito, voltou a cabeça para o outro lado, tornou logo à primeira atitude, e afinal entrou. Entrando, viu na sala duas senhoras recém-chegadas, e com elas um rapaz que se levantou prontamente e veio cumprimentá-la com muita cerimônia. Era o seu primeiro namorado. Este primeiro namorado devia ter agora trinta e três anos. Andara por fora, na roça, na Europa, e afinal na presidência de uma província do sul. Era mediano de estatura, pálido, barba inteira e rara, e muito apertado na roupa. Tinha na mão um chapéu novo, alto, preto, grave, presidencial, administrativo, um chapéu adequado à pessoa e às ambições. Mariana, entretanto, mal pôde vê-lo. Tão confusa ficou, tão desorientada com a presença de um homem que conhecera em especiais circunstâncias, e a quem não vira desde 1877, que não pôde reparar em nada. Estendeu-lhe os dedos, parece mesmo que murmurou uma resposta qualquer, e ia tornar à janela, quando a amiga saiu dali. Sofia conhecia também o recém-chegado. Trocaram algumas palavras. Mariana, impaciente, perguntou-lhe ao ouvido se não era melhor adiar os dentes para outro dia; mas a amiga disse-lhe que não; negócio de meia hora a três quartos. Mariana sentia-se opressa: a presença de um tal homem atava-lhe os sentidos, lançava-a na luta e na confusão. Tudo culpa do marido. Se ele não teimasse e não caçoasse com ela, ainda em cima, não aconteceria nada. E Mariana, pensando assim, jurava tirar uma desforra. De memória contemplava a casa, tão sossegada, tão bonitinha, onde podia estar agora, como de costume, sem os safanões da rua, sem a dependência da amiga... — Mariana, disse-lhe esta, o Dr. Viçoso teima que está muito magro. Você não acha que está mais gordo do que no ano passado?... Não se lembra dele no ano passado? Dr. Viçoso era o próprio namorado antigo, que palestrava com Sofia, olhando muitas vezes para Mariana. Esta respondeu negativamente. Ele aproveitou a fresta, para puxá-la à conversação; disse que, na verdade, não a vira desde alguns anos. E sublinhava o dito com um certo olhar triste e profundo. Depois abriu o estojo dos assuntos, sacou para fora o teatro lírico. Que tal achavam a companhia? Na opinião dele era excelente, menos o barítono; o barítono parecia-lhe cansado. Sofia protestou contra o cansaço do barítono, mas ele insistiu, acrescentando que, em Londres, onde o ouvira pela primeira vez, já lhe parecera a mesma coisa. As damas, sim, senhora; tanto o soprano como o contralto eram de primeira ordem. E falou das óperas, citava os trechos, elogiou a orquestra, principalmente nos Huguenotes... Tinha visto Mariana na última noite, no quarto ou quinto camarote da esquerda, não era verdade? — Fomos, murmurou ela, acentuando bem o plural. — No Cassino é que a não tenho visto, continuou ele. — Está ficando um bicho-do-mato, acudiu Sofia rindo. Viçoso gostara muito do último baile, e desfiou as suas recordações; Sofia fez o mesmo às dela. As melhores toilettes foram descritas por ambos com muita particularidade; depois vieram as pessoas, os caracteres, dois ou três picos de malícia; mas tão anódina, que não fez mal a ninguém. Mariana ouvia-os sem interesse; duas ou três vezes chegou a levantar-se e ir à janela; mas os chapéus eram tantos e tão curiosos, que ela voltava a sentar-se. Interiormente, disse alguns nomes feios à amiga; não os ponho aqui por não serem necessários, e, aliás, seria de mau gosto desvendar o que esta moça pôde pensar da outra durante alguns minutos de irritação. — E as corridas do Jockey Club? perguntou o ex-presidente. Mariana continuava a abanar a cabeça. Não tinha ido às corridas naquele ano. Pois perdera muito, a penúltima, principalmente; esteve animadíssima, e os cavalos eram de primeira ordem. As de Epsom, que ele vira, quando esteve em Inglaterra, não eram melhores do que a penúltima do Prado Fluminense. E Sofia dizia que sim, que realmente a penúltima corrida honrava o Jockey Club. Confessou que gostava muito; dava emoções fortes. A conversação descambou em dois concertos daquela semana; depois tomou a barca, subiu a serra e foi a Petrópolis, onde dois diplomatas lhe fizeram as despesas da estadia. Como falassem da esposa de um ministro, Sofia lembrou-se de ser agradável ao expresidente, declarando-lhe que era preciso casar também porque em breve estaria no ministério. Viçoso teve um estremeção de prazer, e sorriu, e protestou que não; depois, com os olhos em Mariana, disse que provavelmente não casaria nunca... Mariana enrubesceu muito e levantou-se. — Você está com muita pressa, disse-lhe Sofia. Quantas são? continuou voltando-se para Viçoso. — Perto de três! exclamou ele. Era tarde; tinha de ir à câmara dos deputados. Foi falar às duas senhoras, que acompanhara, e que eram primas suas, e despediu-se; vinha despedir-se das outras, mas Sofia declarou que sairia também. Já agora não esperava mais. A verdade é que a idéia de ir à câmara dos deputados começara a faiscar-lhe na cabeça. — Vamos à câmara? propôs ela à outra. — Não, não, disse Mariana; não posso, estou muito cansada. — Vamos, um bocadinho só; eu também estou muito cansada... Mariana teimou ainda um pouco; mas teimar contra Sofia, — a pomba discutindo com o gavião, — era realmente insensatez. Não teve remédio, foi. A rua estava agora mais agitada, as gentes iam e vinham por ambas as calçadas, e complicavam-se no cruzamento das ruas. De mais a mais, o obsequioso ex-presidente flanqueava as duas damas, tendo-se oferecido para arranjar-lhes uma tribuna. A alma de Mariana sentia-se cada vez mais dilacerada de toda essa confusão de coisas. Perdera o interesse da primeira hora; e o despeito, que lhe dera forças para um vôo audaz e fugidio, começava a afrouxar as asas, ou afrouxara-as inteiramente. E outra vez recordava a casa, tão quieta, com todas as coisas nos seus lugares, metódicas, respeitosas umas com as outras, fazendo-se tudo sem atropelo, e, principalmente, sem mudança imprevista. E a alma batia o pé, raivosa... Não ouvia nada do que o Viçoso ia dizendo, conquanto ele falasse alto, e muitas coisas fossem ditas para ela. Não ouvia, não queria ouvir nada. Só pedia a Deus que as horas andassem depressa. Chegaram à câmara e foram para uma tribuna. O rumor das saias chamou a atenção de uns vinte deputados, que restavam, escutando um discurso de orçamento. Tão depressa o Viçoso pediu licença e saiu, Mariana disse rapidamente à amiga que não lhe fizesse outra. — Que outra? perguntou Sofia. — Não me pregue outra peça como esta de andar de um lugar para outro feito maluca. Que tenho eu com a câmara? que me importam discursos que não entendo? Sofia sorriu, agitou o leque e recebeu em cheio o olhar de um dos secretários. Muitos eram os olhos que a fitavam quando ela ia à câmara, mas os do tal secretário tinham uma expressão mais especial, cálida e súplice. Entende-se, pois, que ela não o recebeu de supetão; pode mesmo entender-se que o procurou curiosa. Enquanto acolhia esse olhar legislativo ia respondendo à amiga, com brandura, que a culpa era dela, e que a sua intenção era boa, era restituir-lhe a posse de si mesma. — Mas, se você acha que a aborreço não venha mais comigo, concluiu Sofia. E, inclinando-se um pouco: — Olhe o ministro da justiça. Mariana não teve remédio senão ver o ministro da justiça. Este agüentava o discurso do orador, um governista, que provava a conveniência dos tribunais correcionais, e, incidentemente, compendiava a antiga legislação colonial. Nenhum aparte; um silêncio resignado, polido, discreto e cauteloso. Mariana passeava os olhos de um lado para outro, sem interesse; Sofia dizia-lhe muitas coisas, para dar saída a uma porção de gestos graciosos. No fim de quinze minutos agitou-se a câmara, graças a uma expressão do orador e uma réplica da oposição. Trocaram-se apartes, os segundos mais bravos que os primeiros, e seguiu-se um tumulto, que durou perto de um quarto de hora. Essa diversão não o foi para Mariana, cujo espírito plácido e uniforme, ficou atarantado no meio de tanta e tão inesperada agitação. Ela chegou a levantar-se para sair; mas, sentou-se outra vez. Já agora estava disposta a ir ao fim, arrependida e resoluta a chorar só consigo as suas mágoas conjugais. A dúvida começou mesmo a entrar nela. Tinha razão no pedido ao marido; mas era caso de doer-se tanto? era razoável o espalhafato? Certamente que as ironias dele foram cruéis; mas, em suma, era a primeira vez que ela lhe batera o pé, e, naturalmente, a novidade irritou-o. De qualquer modo porém, fora um erro ir revelar tudo à amiga. Sofia iria talvez contá-lo a outras... Esta idéia trouxe um calafrio a Mariana; a indiscrição da amiga era certa; tinha-lhe ouvido uma porção de histórias de chapéus masculinos e femininos, coisa mais grave do que uma simples briga de casados. Mariana sentiu necessidade de lisonjeá-la, e cobriu a sua impaciência e zanga com uma máscara de docilidade hipócrita. Começou a sorrir também, a fazer algumas observações, a respeito de um ou outro deputado, e assim chegaram ao fim do discurso e da sessão. Eram quatro horas dadas. Toca a recolher, disse Sofia; e Mariana concordou que sim, mas sem impaciência, e ambas tornaram a subir a rua do Ouvidor. A rua, a entrada no bond completaram a fadiga do espírito de Mariana, que afinal respirou quando viu que ia caminho de casa. Pouco antes de apear-se a outra, pediu-lhe que guardasse segredo sobre o que lhe contara; Sofia prometeu que sim. Mariana respirou. A rola estava livre do gavião. Levava a alma doente dos encontrões, vertiginosa da diversidade de coisas e pessoas. Tinha necessidade de equilíbrio e saúde. A casa estava perto; à medida que ia vendo as outras casas e chácaras próximas, Mariana sentia-se restituída a si mesma. Chegou finalmente; entrou no jardim, respirou. Era aquele o seu mundo; menos um vaso, que o jardineiro trocara de lugar. — João, bota este vaso onde estava antes, disse ela. Tudo o mais estava em ordem, a sala de entrada, a de visitas, a de jantar, os seus quartos, tudo. Mariana sentou-se primeiro, em diferentes lugares, olhando bem para todas as coisas, tão quietas e ordenadas. Depois de uma manhã inteira de perturbação e variedade, a monotonia trazia-lhe um grande bem, e nunca lhe pareceu tão deliciosa. Na verdade, fizera mal... Quis recapitular os sucessos e não pôde; a alma espreguiçava-se toda naquela uniformidade caseira. Quando muito, pensou na figura do Viçoso, que achava agora ridícula, e era injustiça. Despiu-se lentamente, com amor, indo certeira a cada objeto. Uma vez despida, pensou outra vez na briga com o marido. Achou que, bem pesadas as coisas, a principal culpa era dela. Que diabo de teima por causa de um chapéu, que o marido usara há tantos anos? Também o pai era exigente demais... — Vou ver a cara com que ele vem, pensou ela. Eram cinco e meia; não tardaria muito. Mariana foi à sala da frente, espiou pela vidraça, prestou o ouvido ao bond, e nada. Sentou-se ali mesmo com o Ivanhoe nas palmas, querendo ler e não lendo nada. Os olhos iam até o fim da página, e tornavam ao princípio, em primeiro lugar, porque não apanhavam o sentido, em segundo lugar, porque uma ou outra vez desviavam-se para saborear a correção das cortinas ou qualquer outra feição particular da sala. Santa monotonia, tu a acalentavas no teu regaço eterno. Enfim, parou um bond; apeou-se o marido; rangeu a porta de ferro do jardim. Mariana foi à vidraça, e espiou. Conrado entrava lentamente, olhando para a direita e a esquerda, com o chapéu na cabeça, não o famoso chapéu do costume, porém outro, o que a mulher lhe tinha pedido de manhã. O espírito de Mariana recebeu um choque violento, igual ao que lhe dera o vaso do jardim trocado, — ou ao que lhe daria uma lauda de Voltaire entre as folhas da Moreninha ou de Ivanhoe... Era a nota desigual no meio da harmoniosa sonata da vida. Não, não podia ser esse chapéu. Realmente, que mania a dela exigir que ele deixasse o outro que lhe ficava tão bem? E que não fosse o mais próprio, era o de longos anos; era o que quadrava à fisionomia do marido... Conrado entrou por uma porta lateral. Mariana recebeu-o nos braços. — Então, passou? perguntou ele, enfim, cingindo-lhe a cintura. — Escuta uma coisa, respondeu ela com uma carícia divina, bota fora esse; antes o outro.
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