Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
sexta-feira, 31 de março de 2023
ERROS E CORRIGENDAS
er·ro |ê|
(derivação regressiva de errar ou do latim error, -oris, ação de vaguear, indecisão, ignorância, ilusão, engano)
substantivo masculino
"erros", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/erros [consultado em 31-03-2023].
cor·ri·gen·da
substantivo feminino
Lista dos erros de um texto impresso ou publicado acompanhados das emendas correspondentes. = ERRATA
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"corrigendas", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/corrigendas [consultado em 31-03-2023].
"É o que temos."
Américo Martins
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EDITORIAL: DEMOCRACIAS NÃO PRESTAM VÊNIA A DITADURAS
Não cabe, num Estado Democrático de Direito, realizar homenagens oficiais a períodos ditatoriais, nos quais, entre outros abusos, liberdades fundamentais e direitos políticos foram negados https://bit.ly/3ZzfFbg
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Estadão 🗞️
@Estadao
6:00 AM · 31 de mar de 2023
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sexta-feira, 31 de março de 2023
Cristovam Buarque* - Catástrofe histórica
Correio Braziliense
No início de 1964, as forças políticas conservadoras estavam descontentes com o presidente João Goulart por propor reformas sociais que o Brasil, havia séculos, se negava a fazer. Os norte-americanos não estavam satisfeitos porque temiam o Brasil assumir posição de não alinhado na guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética. E o povo brasileiro estava descontente com a instabilidade social, a indisciplina e a polarização política, a inflação, a recessão, o desemprego, sucessivas greves, mobilizações, confrontos nas ruas, impasses e falta de rumo no parlamento. Havia um quadro propício à vitória de candidatos da oposição nas eleições de 1966, mas as Forças Armadas, com sua desconfiança permanente em relação aos civis e sua vocação para intervir na política, destituiu o presidente, interrompeu a democracia, prendeu líderes de esquerda e cassou direitos dos democratas de direita, suspendeu o funcionamento autônomo das instituições e aboliu liberdade acadêmica e de imprensa durante 21 anos.
Quase 60 anos depois, é possível dizer que o golpe de 1964 foi o maior de diversos erros históricos e oportunidades perdidas pelo Brasil no século 20. Se tivéssemos esperado as eleições de 1966 e as seguintes impedidas, teríamos enfrentado a crise conjuntural e encontrado rumos para superar nossos problemas estruturais.
A ideia de que o golpe militar evitou a implantação de um sistema comunista não resiste à análise séria. O partido comunista brasileiro era minúsculo e sempre foi conservador, no máximo defendia reforma agrária, tanto quanto qualquer democrata minimamente progressista da época. A União Soviética não queria outra Cuba na América Latina nem um Vietnam ou Coreia a 15 mil quilômetros de distância. Qualquer pessoa lúcida e bem-informada sabe que não havia ameaça de o comunismo ser implantado, tanto que, desde Cuba, nenhum país latino implantou esse sistema nem mesmo socialismo. A avaliação do golpe de 64 deve analisar o que os governos militares fizeram e suas consequências para o Brasil atual.
Uma potente infraestrutura foi construída ao custo de endividamento e inflação; houve crescimento econômico sem inovação nem competitividade, nossa economia não deu o salto que países democráticos conseguiram; foram criadas universidades e institutos de pesquisas sem liberdade e com professores presos, exilados ou silenciados. A pobreza se manteve, a tragédia social se agravou e a concentração de renda aumentou. O debate político sobre o futuro do país foi tolhido com Parlamento e Justiça tutelados e a população sem participação. Os partidos políticos foram desfeitos, a democracia suspensa, a moeda aviltada, a educação de base continuou abandonada. Foi montado um moderno sistema de comunicações, sob permanente censura.
Desde 1964, os militares se recusam a ver a história real da ditadura praticada em nome deles, mantêm desprezo ao poder civil, não percebem o divórcio criado entre FFAA e população. O regime militar não enfrentou nenhum dos problemas estruturais do Brasil, nem formulou estratégia para o país ingressar na civilização do conhecimento e da sustentabilidade ecológica que a década de 1960 já anunciava, não formou um "instinto nacional" desejoso e esperançoso por um Brasil eficiente, justo, culto, sustentável e democrático.
É possível imaginar que o Brasil teria hoje mais coesão política e rumo histórico se os militares tivessem permanecido nos quartéis, deixassem os civis e a democracia administrarem as crises. Se não tivessem imposto silêncio político por 21 anos sob a violência da censura, do medo, da tortura, da prisão, do exílio, do assassinato e do desaparecimento para impor um desenvolvimento arcaico, injusto e insustentável. Se não impedissem seis eleições presidenciais diretas, que teriam amadurecido e conduzido o país, naquele período, sem os retrocessos políticos, sociais, civilizatórios e humanistas que o autoritarismo provocou.
O regime militar, entre 1964 e 1985, foi um passo em falso da história brasileira, que nos permite a lição de "golpe nunca mais". O período posterior, até 2023, nos alerta para lacunas nos avanços da democracia dominada por interesses corporativos, polarizada em grupos sectários cegos por ideologias superadas, com políticas e políticos imediatistas que não aglutinam, não definem rumo e não estão enfrentando os desafios estruturais que o Brasil ainda atravessa.
*Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
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Gilmar Mendes discute incompetência de Moro na Lava Jato, ativismo judicial e STF | Reconversa #4
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Reinaldo Azevedo
Estreou em 27 de mar. de 2023
É possível considerar que o Brasil vive sob um regime de ativismo judicial por parte dos ministros do Supremo? No quarto episódio do Reconversa, Reinaldo Azevedo e Walfrido Warde recebem o ministro Gilmar Mendes para uma análise a respeito das perspectivas jurídicas e políticas para o país após o fim do governo Bolsonaro. O papel de Moraes ao longo do período eleitoral e a tentativa de golpe de 8 de janeiro podem sinalizar a necessidade de reforma da Constituição Federal, diante de seus quase 35 anos? Em meio ao esquema recém-descoberto pela Polícia Federal envolvendo o agora senador Sergio Moro, o ex-presidente do STF opina ainda sobre a conduta do ex-juiz na época do julgamento da Lava Jato, que culminou na prisão de Lula, e sobre os temas da prisão em 2ª instância e regulação das mídias, algo que se vê bastante necessário.
Referências:
1. Livros e artigos:
Livro "O Espetáculo da Corrupção", de Walfrido Warde
Artigo "O pensamento de Peter Häberle na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal", por Gilmar Ferreira Mendes e André Rufino do Vale - https://www.portaldeperiodicos.idp.ed...
Artigo "A influência do pensamento de Peter Häberle no STF", por Gilmar Ferreira Mendes e André Rufino do Vale - https://www.conjur.com.br/2009-abr-10...
Artigo "Moro é suspeito para julgar Lula, decide Supremo Tribunal Federal por 7 votos a 4", por Severino Goes - https://www.conjur.com.br/2021-jun-23...
Livro "Série IDP - Linha Direito Comparado - Os nove - por dentro do mundo secreto da Suprema Corte", de Jeffrey Toobin - https://g.co/kgs/AHX2Qh
2. Citações:
- Lei Nº 12.965, de 23 de abril de 2014 - Marco Civil da Internet - http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/...
Reconversa é um podcast apresentado pelo jornalista Reinaldo Azevedo, ao lado de Walfrido Warde, um dos advogados mais renomados do Brasil, em parceria com o Youtube Brasil. Novos episódios toda segunda-feira, às 12h.
Uma Produção @DiaEstudio
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sexta-feira, 31 de março de 2023
O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões
Democracias não prestam vênia a ditaduras
O Estado de S. Paulo.
Ausência de celebração militar do aniversário do golpe de 64 é retorno à normalidade institucional. Homenagens oficiais do governo Bolsonaro à ditadura eram insubmissão à Constituição
Durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, as Forças Armadas comemoraram o golpe de 31 de março de 1964. A orientação para os quartéis celebrarem a data foi um pedido do presidente Bolsonaro, cuja carreira política sempre se valeu do discurso de saudosismo da ditadura militar. Agora, com o governo de Lula da Silva, retorna-se à normalidade institucional. Não haverá nenhuma homenagem oficial à instauração do regime militar.
O tema é importante e merece ser bem compreendido. Não cabe, num Estado Democrático de Direito, realizar homenagens oficiais a períodos ditatoriais, nos quais, entre outros abusos, liberdades fundamentais e direitos políticos foram negados. Nenhuma instituição pública – cuja razão de existir remete, em última análise, ao princípio democrático – tem legitimidade para celebrar golpe militar.
Por isso, foi um passo importante quando, no governo de Fernando Henrique Cardoso, pôs-se fim, nos quartéis, à Ordem do Dia referente à celebração do golpe de 1964. A medida não tinha nenhuma dimensão de vingança ou mesmo de humilhação dos militares. A existência das Forças Armadas está prevista na Constituição, tendo, portanto, o seu lugar no Estado Democrático de Direito. O que não tem cabimento no regime democrático é o envolvimento dos militares em questões políticas. As Forças Armadas estão plenamente submetidas ao poder civil.
A abstenção do Estado de toda e qualquer homenagem ao golpe militar não tem a pretensão de reescrever a história nem de moldar a compreensão da população sobre os fatos passados. A história não pertence ao poder estatal. No ambiente de liberdade próprio de um regime democrático, cada um tem o direito de realizar sua avaliação sobre os fatos políticos pretéritos, o que não significa, por óbvio, afirmar que todas as opiniões têm o mesmo peso. Não dá para negar, por exemplo, que houve censura e tortura durante o regime militar. É tarefa da sociedade, de modo muito concreto dos historiadores, debruçar-se sobre as fontes históricas, de forma a propiciar, com o tempo, um conhecimento cada vez mais acurado sobre o período, o que inclui reconhecer matizes, sombras e também dúvidas.
É preciso advertir, no entanto, que a celebração do golpe militar de 1964 no governo Bolsonaro foi mais do que uma disputa sobre um tema histórico, o que, como se disse acima, é, por si só, um grave equívoco. Não cabe ao Estado escrever a história. Não cabe ao governante de plantão aproveitar-se do aparato estatal para difundir suas versões sobre a história. Na determinação de Jair Bolsonaro para que as Forças Armadas celebrassem o 31 de março, o grande tema em questão não era o que ocorreu em 1964, e sim a rejeição das escolhas feitas pela sociedade brasileira em 1988, com a promulgação da Constituição. Mais do que negacionismo a respeito da história nacional, havia uma insubmissão à ordem jurídica vigente.
Eis o grande problema das celebrações do golpe militar durante o governo Bolsonaro: elas eram uma declaração de afronta ao Estado Democrático de Direito. Ao louvar a ditadura e ao homenagear torturador, Jair Bolsonaro estava, na realidade, desprezando a Constituição de 1988; em concreto, fustigava o livre funcionamento do Congresso e do Judiciário. E ainda transmitia a mensagem subliminar de que, a depender das circunstâncias, as Forças Armadas poderiam ser convocadas para tutelar o poder civil. Ora, tudo isso é rigorosamente inconstitucional.
Mesmo que, por hipótese, tudo isso ficasse “apenas” no plano simbólico, já seria gravíssimo. Constitui evidente abuso de poder valer-se de uma data do calendário nacional para instigar as Forças Armadas contra o regime constitucional. Mas, como se verificou nos ataques ao sistema eleitoral e nos atos do 8 de Janeiro, essa afronta à Constituição não ficou no plano das ideias. Produziu danos concretos.
A não celebração do 31 de março de 1964 é, portanto, um modo de defender e promover o efetivo respeito à Constituição de 1988. Democracias não prestam vênia, nem por um dia, a ditaduras.
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Juliana Bezerra
Professora de História
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ONU (Organização das Nações Unidas)
A Organização das Nações Unidas(ONU) é um órgão internacional criado em 24 de outubro de 1945, após a Segunda Guerra Mundial e sediada na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos.
A função do órgão é manter a paz e a segurança internacional, bem como desenvolver a cooperação entre os povos.
Ele busca solucionar os problemas sociais, humanitários, culturais e econômicos, promovendo o respeito às liberdades fundamentais e aos direitos humanos.
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Isolada na ONU e alvo de críticas, Rússia assume presidência do Conselho de Segurança
Na última vez em que comandou os trabalhos do órgão responsável por garantir a paz mundial, Moscou decidiu invadir a Ucrânia
Isolada na ONU, Rússia assume presidência do Conselho de Segurança | CNN NOVO DIAIsolada na ONU, Rússia assume presidência do Conselho de Segurança | CNN NOVO DIA
Américo Martinsda CNN
Em Londres
31/03/2023 às 04:00 | Atualizado 31/03/2023 às 09:33
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A Rússia vai assumir neste sábado (1º) a presidência do Conselho de Segurança da ONU, causando muitos questionamentos e muita polêmica.
Críticos contestam esse movimento, alegando que o país responsável pelo maior conflito na Europa desde a Segunda Guerra Mundial e cujo presidente foi indiciado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra simplesmente não poderia assumir as rédeas de um órgão que existe para garantir a paz no planeta.
“Parece ser a pior piada de primeiro de abril da história, mas um criminoso de guerra indiciado, (o presidente) Vladimir Putin, está prestes a assumir o controle do Conselho de Segurança da ONU”, escreveram, por exemplo, em um artigo na revista Time, o importante acadêmico da Universidade de Yale Jeffrey Sonnenfeld, o senador americano Richard Blumenthal e o ex-embaixador dos Estados Unidos na Rússia Jon Huntsman.
Segundo as regras da ONU, cada um dos 15 países membros do Conselho de Segurança assume a presidência do órgão de forma rotativa por um período de um mês.
Foi justamente na última vez em que assumiu esse posto, em fevereiro de 2022, que a Rússia decidiu invadir a Ucrânia, dando início à guerra.
A presidência do Conselho de Segurança decide as pautas a serem discutidas, lidera as reuniões e cuida de várias ações administrativas do colegiado.
Apesar de não ter poder para mudar as regras de funcionamento do órgão, não deixa de ser irônico e quase trágico que o país tido por grande parte do mundo como a maior ameaça atual contra a paz assuma esse posto.
Apoio de ditaduras
Além disso, a Rússia nunca esteve tão isolada e sem legitimidade na ONU.
Na última votação de uma resolução que condenou a invasão da Ucrânia, em fevereiro, apenas seis países votaram a favor da Rússia. E todos são ditaduras: Belarus, Coreia do Norte, Síria, Eritreia, Mali e Nicarágua.
Mesmo na presidência do Conselho de Segurança, a Rússia não poderá impedir que os outros países se manifestem durante as votações. Mas Moscou vai tentar usar a posição em seu favor.
A nova presidência pretende, por exemplo, organizar no mês de abril uma sessão especial do conselho para apresentar a “situação real” das crianças ucranianas que foram removidas para a Rússia –justamente a alegação que levou ao indiciamento de Putin por crimes de guerra no Tribunal Penal Internacional.
Como uma das cinco nações com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, a Rússia pode vetar qualquer resolução –na prática barrando as ações do colegiado para tentar manter a paz e a segurança do mundo.
Aliados da Ucrânia têm defendido que a Rússia deveria perder o seu assento permanente, mas isso é praticamente impossível porque Moscou inevitavelmente vetaria tal proposta.
Nos últimos dez anos, a Rússia foi o país que mais usou essa prerrogativa, vetando nada menos do que 24 resoluções –duas a cada mês, em média.
No mesmo período, a China vetou outras 10 resoluções e os Estados Unidos, apenas três.
EUA pedem profissionalismo
A Casa Branca pediu à Rússia que se comporte profissionalmente quando assumir a presidência do Conselho de Segurança da ONU agendada para o mês que vem, dizendo que não há como impedir Moscou de assumir o posto.
“Pedimos à Rússia que se comporte profissionalmente”, disse a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, em entrevista coletiva. “Esperamos que a Rússia continue a usar sua cadeira no conselho para espalhar desinformação” e justificar suas ações na Ucrânia.
“Infelizmente, a Rússia é um membro permanente do Conselho de Segurança e não existe nenhum caminho legal internacional viável para mudar essa realidade”, disse Jean-Pierre. “A realidade é que esta é uma posição maior, que gira para os membros do conselho mês a mês em ordem alfabética.”
(Com informações da Reuters)
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Jornalista russo premiado com Nobel adverte sobre risco nuclear com Putin
Dmitry Muratov
Legenda da foto,
Dmitry Muratov, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, diz que 'a propaganda estatal está preparando as pessoas para pensar que a guerra nuclear não é uma coisa ruim'
30 março 2023
As autoridades russas podem ter fechado o jornal dele, mas o jornalista Dmitry Muratov se recusa a ser silenciado.
Quando nos encontramos em Moscou, o editor-chefe da Novaya Gazeta e ganhador do Prêmio Nobel da Paz está preocupado com o quão longe o Kremlin irá em seu confronto com o Ocidente.
"Duas gerações viveram sem a ameaça de uma guerra nuclear", diz Muratov. "Mas esse período acabou. Putin vai apertar o botão nuclear ou não? Quem sabe? Ninguém sabe disso. Não há uma única pessoa que possa dizer com certeza."
Desde que lançou sua invasão em grande escala contra a Ucrânia em fevereiro de 2022, a Rússia tem dado claros sinais de que não está pronta para ceder.
Altos funcionários deram sugestões nada sutis de que as nações ocidentais que armam a Ucrânia não deveriam ir longe demais. Há alguns dias, o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou planos de estacionar armas nucleares táticas em Belarus.
Então, um de seus assessores mais próximos, Nikolai Patrushev, alertou que a Rússia tinha uma "arma moderna única capaz de destruir qualquer inimigo, incluindo os Estados Unidos".
Blefe e fanfarronice? Ou uma ameaça que precisa ser levada a sério? Muratov detectou sinais preocupantes dentro da Rússia.
"Vemos como a propaganda do Estado está preparando as pessoas para pensar que a guerra nuclear não é uma coisa ruim", diz ele. "Nos canais de TV daqui, a guerra nuclear e as armas nucleares são promovidas como se estivessem anunciando comida para animais de estimação."
“Eles anunciam: 'Temos este míssil, aquele míssil, outro tipo de míssil.' Eles falam sobre atacar a Grã-Bretanha e a França; sobre provocar um tsunami nuclear que varrerá a América. Por que eles dizem isso? Para que as pessoas aqui estejam prontas."
Recentemente, na TV estatal russa, um proeminente apresentador de talk show sugeriu que a Rússia "deveria declarar qualquer alvo militar no território da França, Polônia e Reino Unido um alvo legítimo para [a Rússia]".
O mesmo apresentador sugeriu ainda “achatar uma ilha com armas nucleares estratégicas e fazer um teste de lançamento ou disparo de armas nucleares tácticas, para que ninguém tenha ilusões”.
No entanto, a propaganda estatal aqui retrata a Rússia como um país de paz, e a Ucrânia e o Ocidente como os agressores. Muitos russos acreditam nisso.
"As pessoas na Rússia foram irradiadas pela propaganda", diz Muratov. "A propaganda é um tipo de radiação. Todo mundo é suscetível a ela, não apenas os russos. Na Rússia, a propaganda é de doze canais de TV, dezenas de milhares de jornais, mídias sociais como VK [a versão russa do Facebook] que serve completamente à ideologia do estado."
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Putin sentado
CRÉDITO,REUTERS
Legenda da foto,
'As pessoas na Rússia foram irradiadas pela propaganda', diz Muratov sobre país comandado por Putin
"Mas e se amanhã a propaganda parar de repente?", pergunto. "Se tudo ficar quieto? O que os russos pensariam então?"
"Nossa geração mais jovem é maravilhosa", responde Muratov. "É bem-educada. Quase um milhão de russos deixaram o país. Muitos dos que ficaram são categoricamente contra o que está acontecendo na Ucrânia. Eles são contra o inferno que a Rússia criou lá."
"Estou convencido de que, assim que a propaganda parar, esta geração — e todas as outras com bom senso — falarão."
"Eles já estão fazendo isso", continua ele. "Vinte e um mil processos administrativos e criminais foram abertos contra os russos que protestaram. A oposição está na prisão. Os meios de comunicação foram fechados. Muitos ativistas, civis e jornalistas foram rotulados de agentes estrangeiros".
"Putin tem uma base de apoio? Sim, enorme. Mas são pessoas idosas que veem Putin como seu próprio neto, como alguém que vai protegê-los e que lhes traz sua pensão todos os meses e lhes deseja Feliz Ano Novo todos os anos. Essas pessoas acreditam que seus netos de verdade deveriam ir, lutar e morrer."
No ano passado, Muratov leiloou seu Prêmio Nobel da Paz para arrecadar dinheiro para crianças refugiadas ucranianas. Ele tem pouco otimismo sobre o futuro.
"Nunca mais haverá relações normais entre o povo da Rússia e da Ucrânia. Nunca. A Ucrânia não será capaz de lidar com esta tragédia."
"Na Rússia, a repressão política continuará contra todos os opositores do regime", acrescenta.
"A única esperança que tenho está com a geração jovem; aquelas pessoas que veem o mundo como um amigo, não como um inimigo, e que querem que a Rússia seja amada e que a Rússia ame o mundo".
"Espero que esta geração viva mais que eu e o Putin."
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O CAPOTE DO PELEGO
Luiz da Silva dá um capote puído para seus barnabés.
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dar capote
• Não deixar que o parceiro no jogo faça vazas ou não faça trinta tentos no jogo da bisca.
levar capote
• Não fazer vazas ao jogo.
"capote", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/capote [consultado em 31-03-2023].
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sexta-feira, 31 de março de 2023
Luiz Carlos Azedo - Agora, sim, o governo Lula mostra sua política fiscal
Correio Braziliense
Falta ainda combinar com os beques. O governo precisa mandar o texto da Emenda Constitucional para o Congresso e convencer deputados e senadores de que a proposta é eficaz
Responsabilidade fiscal com responsabilidade social, esse é binômio da política econômica do governo Lula, reiterado, ontem, pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao lado da ministra do Planejamento, Simone Tebet. A tradução técnica dessa política é o novo “arcabouço fiscal”, como vem sendo chamado o mecanismo adotado para enfrentar o problema do deficit público com gradualismo, sem um choque fiscal que jogaria o país numa crise social ainda maior do que a que já existe. A nova regra fiscal substitui o teto de gastos, a emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior, que caducou durante a pandemia de covid-19.
O anúncio foi feito no Congresso, tendo boa repercussão no mercado e na opinião pública. Entre os políticos da oposição, a primeira reação foi deixar a proposta decantar no mercado, para aprová-la ou não, dependendo da reação. A proposta prevê metas de superavit primário flexíveis, com uma banda de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB) de ajuste para cima ou para baixo. Segundo Haddad, essa margem de manobra permitirá o fechamento do exercício fiscal do Orçamento da União com mais segurança, sem medidas atabalhoadas. A adoção de um mecanismo anticíclico daria mais flexibilidade para a gestão da economia em conjunturas radicalmente distintas, ao permitir correções de rota em momentos de necessidade.
Falta ainda combinar com os beques. O governo precisa mandar o texto da Emenda Constitucional para o Congresso e convencer deputados e senadores de que a proposta é eficaz. Também precisa superar a má vontade dos agentes econômicos, o “instinto animal” que faz os empresários deixarem de investir, temendo um desarranjo econômico.
No governo, o assunto também não foi pacífico, refletindo a queda de braços entre o ministro Haddad e a cúpula petista, principalmente a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, que gostariam de uma política mais expansionista. Com o apoio de Lula, Haddad venceu a queda de braços.
Agora, a resistência vai mudar de lado. Enquanto o governo se unifica, os setores que não querem arcar com os custos da inclusão dos mais pobres no Orçamento da União vão se mobilizar. Bolsa Família, aumento real do salário mínimo e ampliação de gastos com a educação e a saúde, principalmente, vão consumir boa parte das receitas disponíveis. Ao anunciar uma ampliação da base de arrecadação de impostos, Haddad remeteu essa disputa para a reforma tributária.
É a política
O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, recebeu a proposta de forma positiva. É bom sinal, porque a taxa de juros de 13,75%, mantida pela instituição, vem sendo alvo de críticas públicas do presidente Lula e dos seus aliados. Se o novo arcabouço for aprovado e der certo, os juros poderão baixar. Por força dos mandatos que receberam, Campos Neto forma com o procurador-geral da República, Augusto Aras, a dupla de altas autoridades sobreviventes do governo Bolsonaro.
O nome já diz, economia política. Apesar de se basear em números e muita econometria, a economia não é uma ciência exata. Obedece a algumas regras universais aceitas por todos, mas não existe unanimidade. Há muita controvérsia sobre a situação estrutural da economia brasileira, principalmente em relação ao deficit público e à política de juros. Entretanto, cada modelo econômico escolhe perdedores e ganhadores. Quando Lula resolve contemplar em seu projeto de governo a grande massa de eleitores com renda até 2 salários mínimos, que garantiram sua eleição, faz uma redistribuição da renda nacional.
Os economistas liberais não acreditam no sucesso dessa política, que consideram populista. Preferem preservar o chamado “mais do mesmo”: controle de gastos, meta de inflação e câmbio flutuante. Responsável pelo controle da inflação, Campos Neto é um neoliberal e não vacila, prefere os juros altos para controlar a inflação, mesmo que isso venha a provocar recessão.
Desenvolvimentistas pensam diferente. Como vivemos num país subdesenvolvido, segundo esses economistas, a política econômica exige soluções criativas, que levem em conta as desigualdades sociais e regionais, o atraso tecnológico, a ausência de crédito e financiamento e a posição subordinada na hierarquia monetária. Celso Furtado, o papa dos nossos desenvolvimentistas, dizia que o subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento econômico, mas uma construção histórica e social. O atraso e a iniquidade social fazem parte do modelo político que os reproduz.
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Aos 100 anos, alfaiate mantém ateliê no Centro de Cuiabá há mais de três décadas: 'Não pretendo parar' | Mato Grosso | G1
https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/aos-100-anos-alfaiate-mantem-atelie-no-centro-de-cuiaba-ha-mais-de-tres-decadas-nao-pretendo-parar.ghtml
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AUDIOBOOK - O CAPOTE - de Nicolai Gogól
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O Capote de Gogól conta, através de um narrador, a história de Akaki Akakiévitch, um homem que existe (e não vive) de modo simples, vazio, sem personalidade e ambições, alvo de chacotas dos colegas que trabalham no ministério russo copiando documentos.
Em decorrência do rigoroso inverno de Petersburgo, Akaki vive às voltas com remendos em seu surrado capote, que agora está tão velho e puído que só cabe um investimento alto em um novo.
Akaki consegue, com muito esforço e sacrifício, juntar o dinheiro necessário para outro casaco, vistoso e que orgulha o dono, agora alvo de congratulações de seus colegas de trabalho.
Mas os infortúnios do pobre Akaki Akakiévitch nunca terminam e tem consequências por causa do novo casaco.
Mas, ainda assim, apesar de tudo, o ato final ainda é dele.
O conto foi escrito em 1842 e é bastante atual.
Mesclando estilos literários e o contraste entre o concreto e o absurdo, Gógol se mostra sarcástico, irônico, inovador, pessimista, além de um exímio construtor de cenários e personalidades.
Produzido, editado, narrado e interpretado por Carlos Eduardo Valente
Capa elaborada a partir de uma foto conseguida na internet por Carlos Eduardo Valente
Sons de fundo: mixagem de sons de chuva e vendo com músicas livres de direito autoral na biblioteca de áudio do YouTube, sem necessidade de serem creditadas.
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O CAPOTE
Na Repartição de... Mas será melhor não a nomearmos, porque nada hámais susceptível do que os nossos empregados públicos, desde osamanuenses aos chefes de repartição. Actualmente, cada um sente-se emparticular como se na sua pessoa toda a sociedade tivesse sido ofendida.Diz-se que um capitão da polícia apresentou, ainda não há muito tempo,uma queixa - não me recordo em que cidade isto se passou - revelandoclaramente que os decretos imperiais eram desdenhados por toda a gente eque o santo nome de um oficial era proferido com desprezo. E juntava, comoprova, o volumoso tomo de certa novela em que, de dez em dez páginas,aparecia um capitão da polícia, e, o que é demais, em completo estado deembriaguez. Deste modo, para evitar desgostos, em vez de indicar arepartição onde ocorreu o facto, é preferível dizer apenas: "Numarepartição..."Por conseguinte, "numa repartição" servia "um funcionário". Essefuncionário, é justo dizê-lo, era muito distinto: de estatura baixa, um poucopicado das bexigas e igualmente um pouco curto de vista, com uma pequenacalva a principiar na testa, rugas nas duas faces e, no rosto, essa corcaracterística do hemorroidal ... Que se lhe há-de fazer: A culpa era do climade Sampetersburgo. Pelo que se refere à sua categoria (pois é entre nós aprimeira coisa que se menciona), era o que se designa por "conselheirotitular perpétuo", um daqueles com que satirizam certos escritores que têmo benemérito hábito de cair a fundo sobre os inofensivos.O nosso funcionário tinha o apelido de Blaquemaquine (sapateiro), e já poresse apelido se vê qual tinha sido a sua ascendência; mas quando, onde ede que maneira tal apelido surgira ninguém o sabia; sabia-se apenas quepai, o avô e até mesmo o cunhado, e em geral todos os Blaquemaquines,tinham ascendentes sapateiros.Chamava-se Acaqui Acaquievich. Ora é possível que o leitor considere estenome um pouco estranho e pretensioso, mas pode crer que não é assim: elefoi-lhe posto nas circunstancias mais naturais e é fácil ver que não poderiater sido outro.Acaqui Acaquievich nasceu na noite de 23 de Março. A sua defunta mãe,esposa de um funcionário, muito boa mulher, dispôs as coisas para que o insuportável e lhe batiam no cotovelo, desviando-lhe a atenção. exclamava:"Deixem-me! Porque zombam de mim?" E havia alguma coisa de estranhonas suas palavras e na voz alterada com que as pronunciava. Alguma coisasoava nelas que despertava compaixão; e, por isso, um jovem colocado narepartição havia pouco tempo, que, seguindo o exemplo dos demais, sepermitia zombar dele, deteve-se, impressionado, e modificou, a partir decerta altura, o seu comportamento, como se tudo, repentinamente, setivesse transformado. Que forca sobrenatural o elevava acima de todos osseus companheiros, a quem, até então, considerara pessoas correctas ecivilizadas! E muito tempo depois, no meio das suas alegrias e prazeres,detinha-se, perplexo, a recordar o funcionário baixo, de calva a principiar natesta, e ouvia-lhe as penetrantes palavras: "Deixem-me! Porque mevexam?" E juntamente com essas palavras penetrantes ressoavam outras:"Sou vosso irmão!" E o jovem cobria o rosto com as mãos e estremeciaintensamente, vendo quanta desumanidade existe no homem e quantagrosseria se disfarça sob a polidez, a educação e as maneiras da gente fina."Deus meu! Até mesmo aquele cavalheiro a quem toda a gente consideradigno e honrado..."Dizer que servia com zelo não basta; deve dizer-se: servia com amor. Ali,naquelas cópias, revia-se como num mundo tranquilo e feliz. O prazergritava-lhe na face. Havia letras que eram suas favoritas e, quando asescrevia, ficava como que excitado: sorria, devorava-as com os olhos eacompanhava a tarefa soletrando com os lábios, de maneira que era quasepossível ler-lhe no rosto cada uma das letras que com a pena escrevia. Setivesse sido proposta uma recompensa proporcional à sua diligência, talvezque, com espanto seu, já tivesse sido nomeado conselheiro de Estado. Mastudo quanto ouviu foi uma cruel alusão dos seus companheiros irónicos: queem vez de uma condecoração na lapela tinha hemorróidas noutro sítio. E eraassim a consideração que mostravam ter por ele. Um director, homem debom coração, desejando recompensá-lo pelos seus diligentes serviços,ordenou que lhe dessem alguns trabalhos de mais importância do que assimples cópias vulgares; encarregaram-no de informar outra repartiçãoacerca dos documentos passados naquela a que pertencia, consistindo a suatarefa em mudar os títulos e passar os textos da primeira pessoa gramaticalpara a terceira. Isto exigia-lhe tamanho esforço que, sem exagero,transpirava; esfregando a testa, exclamou por fim: "Não; é melhor que medêem um trabalho de cópia." E desde então ficou, para sempre, copista.Fora do mundo das cópias de ofícios, nada para ele existia. Nem sequer sepreocupava com o vestuário; o seu uniforme perdera a cor amarela e tinhaagora um tom desbotado e indefinido; a gola do casaco era estreita e baixa,de modo que o pescoço, apesar de ser um pouco gordo, parecia de umaextraordinária altura, lembrando aqueles gatitos de gesso que movem acabeça.Trazia sempre qualquer coisa agarrada ao uniforme, fossem palhas ou palitos, pois tinha tanta sorte, ao ir pela rua, que passava debaixo de uma janela no preciso momento em que deitavam fora uma lata vazia, e traziasempre no chapéu de chuva pevides e cascas de melão, ou coisassemelhantes. Nem uma só vez na vida prestara atenção ao que se passavaou sucedia diariamente na rua. Nisso era muito diferente dos jovensfuncionários, que, de olhar extremamente móvel e penetrante,imediatamente notavam quem levava os fundilhos das calças um poucocoçados, sorrindo com irónico prazer das alheias misérias. AcaquiAcaquievich, embora divagando o olhar por tudo isso, via exclusivamente osseus ofícios correctos, copiados com uma letra esmerada, e só porcasualidade, quando lhe roçava pelo ombro o focinho de um cavalo e o ventolhe soprava no rosto, só então, dava conta de que se não encontrava nomeio de um parágrafo, mas no meio da rua.Ao chegar a casa, sentava-se à mesa, levava rapidamente à boca umastantas colheradas de sopa, comia a carne de vaca com cebola, sem atendersequer ao paladar: era capaz de come-la com moscas e tudo. Quandoverificava que começava a ter o estômago cheio, levantava-se da mesa, iabuscar um pequeno tinteiro e copiava os papéis que trouxera da repartiçãopara trabalhar em casa; se não trouxera trabalho, ocupava-se então a copiarpor gosto e divertimento, e fazia-o com uma íntima satisfação, não derivadaapenas do belo talhe de letra que possuía, mas da importância da pessoa aquem imaginava que o ofício se dirigia.Até quando se obscurece totalmente o céu nevoento de Sampetersburgo etoda a multidão de empregados ceia segundo as suas possibilidades,conforme os vencimentos e os gostos particulares de cada qual; quandotodos descansam de ouvir o incessante arranhar da pena no papel e doconstante vaivém da vida diária, quer das andanças realizadas por motivo daprofissão, quer de todas quantas empreendem homens insatisfeitos einquietos; quando os funcionários se apresentam a dedicar o tempo que lhesresta em distracções várias - uns no teatro, outros na rua, observandocertas sombrinhas elegantes, outros ainda adorando uma bela e modestadama, estrela de um pequeno círculo de empregados, e, ainda maisfrequentemente, algum outro em casa de um colega que habita no segundoou terceiro andar, em dois diminutos compartimentos, tais como umaantessala e uma cozinha e uma lâmpada ou qualquer outro objecto queostensivamente pretende estar na moda e que custou muitos sacrifícios,renúncias a prazeres e divertimentos -, numa palavra, à hora em que todosos burocratas se dispersam pelas exíguas habitações dos amigos, para jogaro
whist,
bebendo aos golos pequenos chá com açúcar, apertando-se unscontra os outros no ambiente denso do fumo que se evola dos grandescachimbos, contando o resultado de qualquer intriga da alta sociedade, coisaa que nunca o Russo, e em qualquer condição, pode renunciar, ou então,quando não há outro assunto, repetindo uma velha anedota acerca de umcomandante a quem vieram dizer que tinha sido cortado o pescoço do cavalo do monumento de Pedro, o Grande; em suma, até nos momentos em quetodos procuram divertir-se, Acaqui Acaquievich não se entregava adivertimento algum. Ninguém podia afirmar tê-lo visto num sarau. Depois decopiar o mais que podia, deitava-se, antecipadamente se regozijando apensar no dia seguinte. "Que lhe ofereceria Deus para copiar amanhã?"Assim se escoava a vida do homem pacífico a quem bastaria uma modestaaposentação para fazer feliz e que teria de prosseguir a mesma vida até àmais provecta idade se não sucedesse qualquer das desgraças que nãosurgem apenas na vida de um titular, mas também na dos própriosconselheiros secretos efectivos e na dos conselheiros da coroa, inclusive nadaqueles que não dão conselho algum e de quem, de resto, nem se aceitam.Em Sampetersburgo existe um poderosíssimo inimigo de todos os querecebem uns quatrocentos rublos de vencimentos anuais. Esse inimigo não éoutro senão o frio do Inverno, que é, aliás, considerado, por alguns, muitosadio. Às dez da manhã, ou seja à hora em que as ruas se enchem de todosos que se dirigem para as respectivas repartições, começa o vento adistribuir fortes zurzidelas, que cortam todos os narizes à direita e àesquerda, sem selecção de nenhuma espécie, de maneira que os pobresfuncionários não sabem onde e como os podem resguardar. À hora em queaté aos mais altos empregados dói a cabeça com frio e em que as lágrimaslhes saltam irresistivelmente dos olhos os pobres conselheiros titularesencontram-se, por vezes, indefesos. A única salvação consiste em caminharo mais depressa possível, embrulhados nos finos capotes, percorrendo cincoou seis ruas, e deixar depois arrefecer os pés na portaria, perdendo assim aúnica vantagem da ofegante caminhada.Acaqui Acaquievich andava há tempos a sentir intensas picadas nas costas enos ombros, apesar de se esforçar por transpor as distâncias o maisrapidamente possível. Começou a pensar se o responsável disso não seria oseu capote. Ao chegar a casa, examinou-o cuidadosamente e descobriu quea fazenda estava puída em dois ou três lugares, precisamente nas costas enos ombros, de tal modo que se tornara uma rede, e em virtude de o forrose encontrar também esgarçado. Convém saber que o capote de AcaquiAcaquievich servia também de motivo de chacota aos funcionários;chegaram até a recusar-lhe o nobre nome de capote e a chamarem-lhecapinha. Tinha, efectivamente, uma forma pouco comum nos capotes, vistoque a gola diminuía de ano para ano, porque era utilizada para remendar oresto. Quanto aos remendos, não demonstravam gosto algum da parte doalfaiate; demonstravam, muito pelo contrário, grosseria e fealdade.Tendo Acaqui Acaquievich considerado ponderadamente os prós e oscontras, decidiu-se a levar o capote a Petrovich, um alfaiate que habitavanum quarto andar sem sol e que, apesar de zarolho e bexiguento, seocupava, com bastante habilidade, em consertar calças e fraques defuncionários, isto, é claro, nos momentos em que não se encontrava emestado de completa embriaguez e não alimentava na sua cabeça outras ideias. Não faria falta, dir-se-á, falar deste alfaiate, mas, já que é costumedar a conhecer plenamente em todas as histórias o carácter de umapersonagem, não deve haver inconveniente em que apresentemos aquiPetrovich. Começara por se chamar simplesmente Gregório, e era então umhomem equilibrado, servo de um senhor. O nome Petrovich data da épocaem que alcançara a liberdade e em que dera em emborrachar-sevalentemente todos os dias de festa; primeiro só nos dias grandes, e depois,sem destrinças, em todos os dias santificados, sempre que no calendárioencontrasse uma cruz. Permanecia, por este lado, fiel aos costumes dosantepassados, e, ralhando com a mulher, chamava-lhe mundana e tudesca.Já que citámos a consorte, conviria dizer duas palavras acerca dela: pordesgraça, tudo quanto se sabe a seu respeito é que era mulher de Petrovich,que usava gorro à russa e não lenço; não parecia distinguir-se pela suabeleza, e o mais que aconteceu foi encontrarem-se duma vez com ela ossoldados da guarda ao regimento, mirarem-na por baixo do gorro, fazeremtrejeitos com a boca e proferirem certas palavras que não podemos repetir.Subindo a escada que conduzia a casa de Petrovich - escada essa que, paradizer a verdade inteira, estava cheia de pequenas poças de água de cheironauseabundo e penetrante, vencendo esse odor estonteante que faz atéarder os olhos e que, como se sabe, constitui característica inseparável detodos os andares interiores das casas de Sampetersburgo -, subindo aescada, meditava Acaqui Acaquievich naquilo que podia pedir-lhe Petrovich,e a si mesmo jurava não dar mais de dois rublos. A porta estava aberta. Amulher do alfaiate cozinhava peixe e provocara tal fumarada na cozinha quenão era sequer possível descortinar as baratas. Acaqui Acaquievich passou junto da cozinha sem que a mulher o notasse e chegou ao quarto, ondeencontrou Petrovich sentado sobre uma grande mesa de madeira, com aspernas cruzadas como um paxá. Estando de pés descalços, como é costumeentre sapateiros quando estão a trabalhar, despertavam atenção, pelo seutamanho, os artelhos, bem conhecidos de Acaqui Acaquievich, com as unhasenormes, espessas e fortes como carapaças de tartaruga. Em volta dopescoço tinha fios de linha e de seda e estendidos nas pernas farraposvelhos de variegadas cores. Havia três minutos já que tentava enfiar aagulha, sem o conseguir, e por isso praguejava exaltadamente contra aobscuridade e contra a maldita linha, gritando em altos berros: "A imbecilnão entra na agulha! Esta maldita cai-me das mãos!"Era para Acaqui Acaquievich extremamente desagradável chegar ali nomomento exacto em que Petrovich experimentava um tal assomo de cólera:preferiria encarregá-lo do trabalho noutra altura, quando tivesse perdido afúria ou, como dizia a mulher, quando esse diabo torto estivesse adormecidopela aguardente. Nessas ocasiões, Petrovich mostrava-se relativamenteafectuoso e aquiescente, chegando mesmo a conceder um cumprimento oua agradecer. A mulher vinha, é claro, acto contínuo, a chorar, dizer que omarido estava embriagado e que, por isso, ajustara o trabalho por uma ninharia; mas, juntando dez copeques ao preço estipulado, o assunto ficavaresolvido.Neste momento, Petrovich encontrava-se, segundo parecia, num dos seusdias de temperança, e, por conseguinte, rígido, pouco falador e disposto apedir preços exorbitantes. Compreendendo-o, Acaqui Acaquievich aindapensou em retroceder, sem ser visto; mas era demasiado tarde. Petrovichvirou para ele o seu único olho e Acaqui Acaquievich disse, sem querer:- Bom dia, Petrovich!- Muito bom dia, cavalheiro! - replicou Petrovich, desviando o olho emdirecção às mãos de Acaqui Acaquievich, a ver que bela prenda lhe traria.- Venho a tua casa, Petrovich, efectivamente...Convém saber que Acaqui Acaquievich se exprimia quase sempre mediantepartículas gramaticais sem qualquer significado. Se o assunto era muitocomplicado, tinha por costume não terminar a frase, de modo que oselementos principais da oração eram precedidos das palavras "coisa, comefeito, absolutamente ..", e calava-se depois, supondo ter já dito tudoquanto pretendia.- Quê? Vamos lá a ver... - interpôs Petrovich, observando naquele instante,com o seu único olho, toda a fatiota, desde a gola às mangas, desde ascostas à labita e às pernas das calças, tudo tão seu conhecido, como produtoda virtuosidade das suas mãos. Era o que, como um verdadeiro alfaiate,fazia antes de mais conversa.- Pois eu, o caso é este, Petrovich... este capote, a fazenda... como vês, estáainda boa em todos os sítios... um pouco coçada, é certo, e com aspecto develha, embora seja nova ainda, se exceptuares neste sítio um rasgãozito,uma coisa pequena aqui... nas costas... e também aqui... neste ombro, umpouquinho puído. E só isto, vês? Não é grande coisa.Petrovich pegou no capote, estendeu-o em cima da mesa, examinou-odurante largo tempo, abanou a cabeça e estendeu a mão para uma velhacaixa de rapé que tinha na tampa o retrato de um general, cujo nome não épossível precisar por a sua fisionomia estar suja dos dedos do possuidor.Depois de tomar uma pitada, Petrovich pôs o capote contra a luz e voltou aabanar a cabeça: tornou a pegar na caixa que tinha o general na tampa e,introduzindo o rapé no nariz, fechou-a e pô-la de lado, dizendo finalmente:- Não, não tem conserto; isto é um monte de trapos.Ao ouvir estas palavras, a Acaqui Acaquievich oprimiu-se-lhe o coração.- Porque dizes isso, Petrovich? - murmurou ele quase implorativamente, coma sua voz infantil. - Só está um pouco puído aqui nos ombros, mas tu,certamente, hás-de ter algum pedaço que...- Não seria essa a dúvida, ainda tenho dessa fazenda - disse Petrovich. -Mas a dificuldade reside no cosê-lo; está completamente podre, tão podreque não aguenta a linha.- Podes aproveitá-lo, cosendo uns remendos por cima.- Uns remendos por cima! Mas não se segura numa fazenda neste estado! O próprio vento é capaz de o arrancar.- Nesse caso, reforça então a fazenda por dentro, e ficará bem...- Não - objectou Petrovich com decisão -, nada se pode fazer. O melhor,visto que se aproxima agora o maior frio do Inverno, será você fazer umaspolainas desta fazenda. Sempre lhe resguardarão as pernas melhor do queas meias, que são apenas invenção dos Alemães para ganhar dinheiro.(Agradava a Petrovich aproveitar a ocasião para insultar os Alemães.)Quanto ao capote, o melhor é mandar fazer um novo.Ao ouvir a palavra "novo", toldaram-se os olhos de Acaqui Acaquievich, quecomeçou a ver andar à roda de si tudo quanto se encontrava naquela sala.Só via claramente a figura do general na caixa do rapé.- Novo? - dizia como em sonho. - Desgraçadamente, não tenho dinheiropara tal.- Sim, novo - repetia Petrovich com uma calma brutal.- E, sendo novo, a quanto montaria?- Quanto custaria?- Sim.- Teria de gastar uns cento e cinquenta rublos - disse Petrovich, cerrando oslábios.Era partidário dos efeitos fortes; agradava-lhe desconcertar por completoalguém e lançar um olhar de soslaio para observar a cara do assustado aoouvi-lo.- Cento e cinquenta rublos pelo capote! - exclamou o pobre AcaquiAcaquievich, sendo talvez este o primeiro grito desde que nasceu, já que,geralmente, se conservava em silêncio.- Naturalmente - afirmou Petrovich. - E isso conforme seja o capote. Selevar gola de marta e bandas de seda, atira a uns duzentos.- Por Deus, Petrovich! - disse Acaqui Acaquievich com voz suplicante, semescutar nem pretender considerar as palavras de Petrovich ou os seusefeitos. Arranja-me este como puder ser, para que ainda me sirva algumtempo.- De modo nenhum; seria perder trabalho e dinheiro - respondeu Petrovich.Depois de ouvir aquelas palavras, Acaqui Acaquievich saiu, acabrunhado.Petrovich viu-o caminhar pela rua e permaneceu largo tempo de pé, com oslábios cerrados, sem fazer caso do trabalho, tal era o seu contentamento pornão se ter rebaixado nem traído a sua nobre arte de alfaiate.Quando Acaqui Acaquievich chegou à rua, encontrava-se como num sonho."Alguém viu já semelhante coisa?", dizia ele com os seus botões, "Nuncapensaria que podia chegar a tal..." E logo, após um silêncio, acrescentou:"Ora aí está! Cheguei finalmente a isto! Nunca teria suposto que fosseassim." E, depois de outro largo silêncio, voltou a exclamar: "Assim é, pois!Já não há esperança possível... Acabou-se... As circunstâncias requerem-no!"E, dito isto, em vez de ir para casa, seguiu na direcção contrária, sem se dar de maneira alguma conta disso. Enquanto caminhava, roçou por ele umlimpa-chaminés, que o sujou no ombro, e caiu-lhe também em cima umpedaço de argamassa de uma casa em construção. Não se apercebia denada, e, mais tarde, quando tropeçou contra um guarda municipal, aomudar este a espingarda para tirar tabaco do bolso, despertou ao ouvir omesmo admoestá-lo:- Porque te metes debaixo do meu nariz? Não te chega a rua?Aquilo obrigou-o a reflectir e a dirigir-se a casa. Só então lhe foi dadoconcentrar os seus pensamentos e viu com clareza a sua presente situação;começou a falar com os seus botões, sem a anterior incoerência, masmeditando com lógica, como se revelasse a um amigo inteligente o maisintimo segredo do seu coração."Não", monologava Acaqui Acaquievich. "Não convém hoje tratar comPetrovich. Hoje, a mulher... deve ter-lhe dado uma sova. O melhor serávoltar domingo de manhã: depois da bebedeira da véspera estará ainda como olho pisco e sonolento, e, como precisa de voltar a beber e a mulher nãolhe dá dinheiro, se eu lhe passar uns rublos para a mão, deixa-se convencere conserta-me o capote."Assim ia monologando e assim se ia animando Acaqui Acaquievich. Esperouaté ao domingo seguinte e, depois de ver a mulher de Petrovich sair decasa, entrou com ar decidido.Custava muitíssimo a Petrovich, com efeito, abrir o seu único olho depois doque bebera na véspera, e cabeceava, sonolento; mas, apenas soube do quese tratava, pareceu que se apossara dele o Diabo.- Não pode ser! - disse. - Tem de se lazer outro novo.Acaqui Acaquievich meteu-lhe uns copeques na mão.- Obrigado, senhor. Agora poderei fortalecer-me um pouco à sua saúde -disse o alfaiate. - E não se preocupe você com o capote: não serve paranada. Far-lhe-ei um novo; e, quanto ao preço, havemos de entender-nos.Acaqui Acaquievich preferia que ele lhe cosesse o velho, mas Petrovich nãofazia caso das suas palavras e insistia:- Far-lhe-ei um novo, com toda a perfeição; tenha confiança em mim, fareiquanto puder. E, se for preciso, até lhe ponho botões de prata, pois agoraestão na moda.E Acaqui Acaquievich, vendo que não tinha outra solução senão fazer umcapote novo, sentia um grande pavor na sua alma. Era necessário, tinha deser, mas o dinheiro? Podia, certamente, contar com a gratificação quereceberia nas próximas festas, mas esse dinheiro estava há muito jádestinado. Necessitava fazer umas calças novas, pagar ao sapateiro umadívida antiga de umas meias solas e, além disso, tinha de mandar fazer, semfalta, três camisas novas, duas das quais brancas; numa palavra, o dinheiroestava já destinado, e, ainda que tivesse um director compreensivo, capazde conceder uma gratificação de quarenta e cinco ou cinquenta rublos, emvez de quarenta, o restante seria apenas uma insignificância para a soma de que necessitava para o capote - uma verdadeira gota de água no oceano.Sabia perfeitamente que Petrovich costumava fazer preços exorbitantes, detal modo que até a mulher não podia conter-se e exclamava: "Mas tu estáscom o juízo todo? Umas vezes aceitas o trabalho por nada, e agora atreves-te a pedir um preço que nem tu próprio vales." E sabia perfeitamentetambém que Petrovich acabaria por fazer-lhe o capote por oitenta rublos;entretanto, donde haviam de vir-lhe esses oitenta rublos? Metade aindapodia arranjar-se: metade, sim, e talvez um pouco mais; mas ondeconseguir a outra metade? Antes de prosseguirmos, deve o leitor ficar asaber donde lhe podia vir a primeira metade.Acaqui Acaquievich tinha o costume de reservar uma pequena quantia porcada rublo que gastava num mealheiro pequeno e fechado, com uma largaabertura. Ao cabo de cada meio ano contava o dinheiro em cobre e trocava-o por moedas de prata. Assim procedera durante muito tempo, e, destamaneira, ao fim de alguns anos reunira uma soma superior a quarentarublos. A metade, por conseguinte, encontrava-se nas suas mãos; mas aoutra metade? Onde obter os outros quarenta rublos? Acaqui Acaquievichpensava, pensava, e chegou à conclusão de que o único recurso era reduziraté ao extremo possível todos os gastos ordinários durante um ano, abolir ohábito de tomar chá à noite, não acender a luz e, quando precisasse decopiar qualquer coisa, ir ao quarto da patroa e trabalhar à luz da sua vela;ao caminhar pela rua, fazer por andar o mais cuidadosamente possível eevitar as pedras ou pedaços de ferro, para não gastar rapidamente as solasdos sapatos; dar à lavadeira a roupa branca com a menor frequênciapossível e, para que se não gastasse, tirá-la logo ao chegar a casa esubstitui-la pela camisa de dormir, que era de algodão, muito velha, e nãopodia durar muito mais.Para dizer inteiramente a verdade, consignaremos que, a principio, lhecustou muito habituar-se a todas estas privações, mas depois, uma vezacostumado, chegou até a suprimir a refeição da noite; em compensação,alimentava-se espiritualmente, pensando no seu futuro capote. A partir daípareceu encontrar um complemento do seu ser, como se fora casar, oucomo se se sentisse outro, como se não estivesse sozinho na vida, como setivesse encontrado uma companheira que aceitasse seguir juntamente comele pela estrada da vida; ora esta companheira não era outra senão o seucapote, de grosso forro, sem a menor passagem. Tornou-se mais animado ede carácter mais firme, como um homem que se propôs um fimdeterminado. Do seu rosto e até dos seus passos desapareceram a dúvida ea indecisão. No seu olhar aparecia mesmo um certo lampejo; no cérebropassavam-lhe, como relâmpagos, pensamentos audazes e temerários:"Porque não havia de pôr a gola de marta?" Com estas ideias tornou-se umtanto distraído. Uma ocasião, ao copiar um oficio, esteve a ponto de fazerum erro; quase gritou em voz alta "ai!" e fez o sinal da cruz. Uma vez pormês, pelo menos, visitava Petrovich, com o propósito de lhe falar acerca do capote: onde conviria comprar a fazenda, de que cor e por que preço sairia;e, embora um pouco preocupado, voltava sempre satisfeito a casa,pensando que em breve chegaria o momento de comprar tudo o que eranecessário e ter pronto o capote.O caso resolveu-se ainda mais rapidamente do que ele pensava. Contra todaa sua expectativa, o director concedeu-lhe não só quarenta ou quarenta ecinco, mas sessenta rublos. E esta circunstância apressou o caso. Dois outrês meses mais de pequenos jejuns e Acaqui Acaquievich reuniaexactamente oitenta rublos. E o seu coração, de ordinário tranquilo,começou a bater fortemente.Logo no primeiro dia dirigiu-se, com Petrovich, a um armazém. Compraramuma fazenda muito bonita e que não era cara, porque estes tinham sido osseus pensamentos durante os últimos seis meses, e não se teria passado ummês sem que tivesse ido ao armazém informar-se dos preços. MestrePetrovich asseverava, pelo seu lado, que não havia melhor fazenda.Escolheram um forro de seda indiana, tão bom e tão forte que, no dizer dePetrovich, dificilmente poderia encontrar-se seda que lhe fosse superior noaspecto e no brilho. Não compraram marta porque, com efeito, o preço eraexorbitante; mas escolheram, em compensação, pele de gato, a melhor quehavia no armazém de pelagem, tão fina que, de longe, qualquer a tomariapor marta. Petrovich ocupou-se duas semanas completas na feitura docapote: era preciso pespontar muito; doutro modo tê-lo-ia terminado antes.Pelo seu trabalho cobrou ele doze rublos, e menos não podia levar: tudo foracosido com costura dupla e em cada uma delas recorrera Petrovich à ajudados seus próprios dentes.Foi - não é fácil precisar qual, mas é quase certo - o dia mais solene da vidade Acaqui Acaquievich aquele em que, por fim, Petrovich lhe trouxe ocapote. Trouxe-o numa manhã, no instante preciso em que AcaquiAcaquievich ia a sair, para a repartição. Em nenhuma outra altura teria sidomais oportuno, pois já o frio começara a fazer-se sentir com intensidade eameaçava vir ainda a ser mais agreste. Apareceu Petrovich com o capote,como convém a um bom alfaiate. Via-se no seu rosto uma expressão tãoorgulhosa como Acaqui Acaquievich jamais vira. Parecia sentir comintensidade que a sua obra não era nenhuma pequenez e que existia umabismo de diferença entre os alfaiates que só põem remendos e os queconfeccionam roupa nova. Desembrulhou a obra (que trazia envolta numatoalha de chita, que dobrou e meteu cuidadosamente no bolso). Uma vezdestapado o capote, mirou-o com grande satisfação, segurando-o comambas as mãos, colocou-o habilmente nos ombros de Acaqui Acaquievich eesticou-o muito cuidadosamente, sem o abotoar. Acaqui Acaquievich, comohomem experiente, desejara verificar o comprimento das mangas; Petrovichajudou-o, vendo-se logo que também estas ficavam a primor. Numa palavra,o capote estava feito com irrepreensível correcção. Petrovich não perdeu aoportunidade de dizer que aquilo só era possível por viver, sem tabuleta, numa rua tão modesta; demais a mais já há muito sabia Acaqui Acaquievichporque lhe cobrara tão barato; se fosse um alfaiate de Nevsqui Prospect(Avenida do Neva), teria cobrado, só pelo trabalho, setenta e cinco rublos. AAcaqui Acaquievich não agradava falar mais deste assunto com Petrovich, atal ponto temia aquelas formidáveis quantias com que este o assaltava!Pagou-lhe, agradeceu-lhe e, envergando já o seu capote novo, dirigiu-se àrepartição. Petrovich seguiu-o e, parando a meio da rua, contemploudemoradamente a sua obra, e até passou para o outro lado, adiantou-se evoltou para trás, para observar de novo o capote de frente. Entretanto,Acaqui Acaquievich caminhava com um ar exuberante. Sentia a todo omomento que levava aos ombros um capote novo e, até, por diversas vezes,sorriu de íntimo prazer. Experimentava, com efeito, duas vantagens: aprimeira, sentir mais calor; a segunda, sentir-se outro. Não se demorou pelocaminho e chegou rapidamente à repartição; entregou o capote ao porteiroe, olhando à direita e à esquerda, recomendou-o ao seu especial cuidado.Não se sabe de que maneira, o certo é que correu, sem demora, por toda arepartição que Acaqui Acaquievich tinha um capote novo e que a velhacapinha desaparecera. Todos correram à portaria a admirar o novo capotede Acaqui Acaquievich. Desataram a felicitá-lo e deram-lhe as boas-vindas,de tal maneira que ele começou por sorrir de contentamento e acabou porse envergonhar. Quando o rodearam todos, dizendo que era preciso molharo capote novo e que, pelo menos, tinha de lhes pagar uma bebida, AcaquiAcaquievich perdeu a calma sem saber que responder nem como defender-se. Afirmava, muito corado, que não era um capote novo, mas velho. Porúltimo, um dos funcionários, ajudante do chefe, talvez para demonstrar quenão era orgulhoso e que sabia tratar com os inferiores, disse:- Pois, então, fá-lo-ei eu em vez de Acaqui Acaquievich, e convido-os atomar hoje o chá em minha casa; até calha bem, por ser o dia do meuaniversário.Os funcionários, como é de supor, felicitaram o ajudante do chefe eaceitaram o seu convite. Acaqui Acaquievich quis desculpar-se, mas todos oincreparam, dizendo-lhe que era um malcriado, que devia envergonhar-sedaquela incorrecção, e isto de maneira tal que não pôde escusar-se. Poroutro lado, agradava-lhe pensar que iria ao chá com o seu capote novo.Todo aquele dia pôde considerar-se como de festa para Acaqui Acaquievich.Voltou a casa na mesma disposição de espirito, tirou o capote e pendurou-ocuidadosamente; regozijou-se mais uma vez com a qualidade da fazenda edo forro e até vestiu o capote velho para fazer a comparação. Ao ver-se,sorriu: tão grande era a diferença! E ainda muito depois de comer ele sesorria, e mal pensava nas novas possibilidades de vida que o capote lheproporcionava. Comeu alegremente, não escreveu nem o mais insignificantepapel e, com voluptuosidade, deitou-se na cama até ao escurecer. Logo,sem mais demora, se vestiu e, com o capote pelos ombros, saiu para a rua.Sinto não poder dizer onde habitava o funcionário anfitrião: a minha memória começa a fraquejar e os nomes das ruas de Sampetersburgomisturaram-se-me de tal maneira na cabeça que me é muito difícil ordená-las. Seja como for, o facto é que vivia numa das melhores artérias dacidade, bastante longe de Acaqui Acaquievich. Teve este de seguirprimeiramente através de ruas solitárias, de iluminação escassa; mas, àmedida que se aproximava do domicílio do funcionário, as ruas eram maisanimadas, a iluminação maior e mais intensa; os viandantes iam e vinham,mais frequentes, multiplicavam-se as mulheres elegantemente vestidas; oshomens levavam golas de pele de castor; quase não se viam já os bancos demadeira esburacada; os cocheiros, de libré dourada e gorro de veludocarmesim, sobre os trenós envernizados e forrados de peles, vagueavampelas ruas... Acaqui Acaquievich admirava tudo aquilo como uma novidade;há muitos anos que não saía à noite. Cheio de curiosidade, deteve-se diantede uma montra para ver o quadro de uma mulher belíssima a descalçar umsapato, mostrando assim toda a perna escultural; por detrás dela assomavaa uma porta um sujeito de patilhas e com uma bonita barba ao gostoespanhol. Acaqui Acaquievich abanou a cabeça, sorrindo, e prosseguiu o seucaminho. Porque sorria ele? Talvez por lhe serem desconhecidas todas aspessoas com quem cruzava, ou talvez por um sentimento oculto em relaçãoa esse ambiente, ou então porque pensava como pensam funcionários: "Vá!Estes Franceses! O que se diz! Que inveja causa! Há que ver, precisamentee tal!...", ou então seria isto que pensava: que não é possível perscrutar aalma de um homem e apreender tudo quanto pensa. Chegou por fim à casaem que habitava o ajudante do chefe. Este vivia à grande: a escadaria erailuminada por um magnífico candelabro; a habitação ficava no segundoandar.Ao entrar na antecâmara, Acaqui Acaquievich viu uma fila de taças. Entreestas, a meio do compartimento, fervia um samovar, que espargia volutasde vapor. Pelas paredes estavam pendurados os vários capotes e agasalhos,alguns dos quais tinham golas de castor ou de veludo. Ouviam-se por detrásda parede ruídos e diálogos, que se tornaram mais próximos quando umcriado abriu a porta e saiu com chávenas e taças vazias, uma compoteira euma bandeja com pastéis. Concluía-se que os funcionários se encontravamreunidos já há algum tempo e que acabavam de tomar a primeira chávenade chá. Acaqui Acaquievich despiu o capote sozinho e penetrou no salão;ante ele resplandeceram as velas, os funcionários, os cachimbos, as mesasde jogo, e surpreenderam-no confusamente os diversos ruídos; ouvia-se emtodas as direcções rumor de conversas e movimentos de cadeiras.Permaneceu atónito no centro do salão, pensando no que devia fazer. Mas játinham reparado nele; rodearam-no, com alguns gritos, e levaram-no àantecâmara, para que lhes mostrasse o capote. Acaqui Acaquievichencontrava-se um tanto aflito, mas, como homem de bom coração, nãopôde deixar de alegrar-se ao ver como todos elogiavam o seu capote.Depois, claro está, deixaram-no a ele e ao seu capote e voltaram para as mesas de jogo.Tudo aquilo - ruído, conversação, grande número de convivas - era paraAcaqui Acaquievich como que um sonho. Não sabia verdadeiramente o queexperimentava, nem onde havia de colocar as mãos, os pés, o seu próprioser; por último, aproximou-se dos jogadores, olhou as cartas, contemplouora um, ora outro, e pouco depois começou a bocejar, sentindo que seaborrecia, tanto mais que havia passado há muito a hora a que costumavadeitar-se. Quis, por conseguinte, despedir-se do dono da casa, mas não lhoconsentiram, alegando que tinha de beber uma taça de champanhe emhonra do novo elemento da sua indumentária. Uma hora mais tarde foiservida a ceia, composta de fiambre, vitela, empada, pastéis e champanhe.Acaqui Acaquievich teve de beber duas taças, sentindo que, depois delas, setornava ainda mais alegre e ruidoso tudo quanto o cercava; entretanto, nãose esqueceu de que dera já a meia-noite, e, portanto, muito tarde para estarfora de casa. A fim de que ninguém o obrigasse a permanecer ali, saiusilenciosamente do salão e procurou o seu capote, que, não sem íntimodesgosto, encontrou caído no chão; apanhou-o, sacudiu-o, limpou-o, pô-lopelos ombros, desceu as escadas e encontrou-se ao ar livre.Na rua tudo estava iluminado. Algumas tabernas (que são os clubes dosporteiros e gente parecida) achavam-se ainda abertas; das outras, jáfechadas, saiam longos feixes de luz por entre os interstícios das portas,mostrando que não estavam sem freguesia, criados certamente que seentretinham a falar e a dizer mal dos patrões. Acaqui Acaquievich caminhavacom alegre disposição de ânimo e quase se sentiu capaz de correr atrás deuma dama que passou veloz por diante dele, dama cujo corpo se lheafigurou extraordinariamente flexível. Dominou-se, no entanto, e prosseguiumuito lentamente, admirado de si próprio. Em breve se estenderam ante eleas ruas desertas, onde de dia não se notava alegria alguma, quanto mais denoite. Apareciam-lhe agora mais profundas e isoladas, luziam os candeeiroscada vez menos, porque já o azeite se ia esgotando; começavam a surgir ascasas de madeira dos bairros mais pobres; em parte alguma se via vivalma;a única luz era agora a que reflectia a neve do chão; e sobre a neverecortavam-se lugubremente as sombras das baixas choupanas, de janelascerradas. Aproximava-se do lugar em que a rua desembocava numa praçaenorme, mal se podendo ver as casas do outro lado, como se se tratasse deum terrível deserto.Ao longe (só Deus sabe onde!) brilhava o fogo de alguma guarita, queparecia encontrar-se nos confins do mundo. A boa disposição de AcaquiAcaquievich passara já. Penetrou na praça, não sem certo terror, como se oseu coração pressentisse perigo. Olhou para trás de si e para o lado; emvolta via-se apenas o espaço deserto. "É melhor não olhar", pensou.Continuou a avançar, de olhos fechados. Quando os abriu, para ver seestava já próximo do outro extremo da praça, observou que tinha diante desi gente de bigode. Mas nada mais pôde distinguir. Toldaram-se-lhe os olhos e recebeu uma pancada no peito. "Este capote é meu!", disse um doshomens, agarrando-lhe pela gola. Acaqui Acaquievich quis ainda gritar: "Óda guarda!", mas o outro colocou-lhe a mão na boca e disse: "Desgraçadode ti se gritas!" O nosso herói só se deu conta de que lhe arrancavam ocapote e de que lhe davam um violento pontapé. Caiu então de costas naneve e nada mais sentiu. Voltou a si minutos depois, mas já não viuninguém. Sentindo a frialdade do chão e a falta do capote, começou a gritar;parecia entretanto que a sua voz se perdia naquela praça enorme e nãoatingia o outro lado. Desesperado, sem parar de gritar, pôs-se a correr emdirecção à guarita, atrás da qual estava um soldado apoiado à sua arma;parecia perguntar-se, com curiosidade, quem diabo era aquele que vinhaassim a correr e a gritar com voz humana. Acaqui Acaquievich chegou,ofegante, junto dele e começou, com voz aguda, a clamar que se tinhaembriagado e que nada mais sabia senão que dois homens o tinhamroubado. O soldado replicou nada ter visto; tinha observado apenas que doishomens o deixavam no meio da praça, mas supusera que eram seusamigos; acrescentou que, em vez de queixar-se ali, em vão, devia ir no diaseguinte à esquadra, onde por certo investigariam acerca de quem lheroubara o capote.Acaqui Acaquievich dirigiu-se para casa num estado lamentável: os cabelos,que ainda lhe restavam, em pequenas quantidades, nas têmporas e na nuca,totalmente desgrenhados; o peito, as costas e as calças cobertos de neve. Avelha patroa, ao ouvir o tremendo ruído do batente da porta, saltourapidamente da cama, calçando apenas uma meia, e foi a correr abriraquela, segurando pudibundamente a camisa contra os seios; mal abriu, aover Acaqui Acaquievich, esqueceu o seu pudor. Quando o hóspede contou oque lhe sucedera, ela cruzou as mãos de espanto e disse ser preciso recorrersem demora ao capitão da polícia, "porque o tenente nada mais faz queouvir, fazer muitas promessas e dar tempo ao tempo"; melhor era irdirectamente ao capitão, de quem ela tinha boas informações, pois Ana, quefora sua cozinheira estava agora de ama em casa dele. Acrescentou que ovia muitas vezes, principalmente ao domingo, na igreja, onde rezava commuita devoção e, ao mesmo tempo, olhava amigavelmente para toda agente, parecendo um homem bondoso. Depois de ouvir este conselho,Acaqui Acaquievich, amargurado, retirou-se para a sua habitação. Como elepassou a noite... compreendê-lo-á quem tenha capacidade de se imaginarna situação de uma outra pessoa.Na manhã seguinte, muito cedo, dirigiu-se ao Comissariado, mas disseram-lhe que o capitão estava ainda a dormir; foi às dez e disseram-lhe outra vez:"Está a dormir"; foi às onze e responderam-lhe: "Não está"; à hora decomer... Mas os amanuenses não lhe consentiam de maneira nenhuma vê-lo, e queriam saber exactamente do que se tratava e o que acontecera; demaneira que Acaqui Acaquievich quis provar, uma vez na vida, que tinhaenergia e disse, com ar decidido, que precisava de falar ao inspector, que não consentia que lhe negassem a entrada, que vinha da repartição tal, doministério tal, para tratar de um assunto de serviço, que se veria obrigado aapresentar reclamações contra eles e saberiam então como elas doíam.Contra isto não se atreveram os amanuenses a dizer nada e foram anunciá-lo ao inspector. Este tomou distraídamente nota do roubo do capote. Em vezde atender ao ponto principal da questão, começou a perguntar a AcaquiAcaquievich: "Porque voltava tão tarde a casa? Tinha passado a noitenalguma casa de perdição?" - de tal maneira que, ao sair, AcaquiAcaquievich não sabia já bem se lhe tinha ou não exposto o assunto docapote.Faltou nesse dia ao serviço, pela primeira vez na sua vida. No dia seguinteapresentou-se pálido e com o antigo capote, que parecia agora muito maisesfarrapado.A noticia do roubo - apesar de alguns funcionários aproveitarem a ocasiãopara novas zombarias - comoveu, no entanto, muitos. Resolveram fazeruma subscrição, mas o resultado foi insignificante: os empregados darepartição tinham subscrito já para o retrato do director e tinham comprado,por indicação do chefe, amigo do autor, um livro que acabara de publicar-se.Um, mais disposto a compadecer-se, decidiu, pelo menos, ajudar AcaquiAcaquievich com um bom conselho e disse-lhe que não devia ir à Inspecção,pois podia suceder que, mesmo que o inspector encontrasse o capote, estecontinuasse nas mãos da polícia, se não fosse capaz de demonstrarlegalmente que lhe pertencia; melhor seria dirigir-se a uma "altapersonalidade", com a mediação da qual pudesse dar-se mais rapidez aoandamento do caso.Não pareceu mal a Acaqui Acaquievich tal conselho, e por isso decidiudirigir-se a uma "alta personalidade". Convém saber que essa "altapersonalidade" ascendera há pouco tempo, tendo sido, até ai,completamente ignorada. A sua posição, não sendo, aliás, das maiselevadas, comparada a outras, não era destituída de relevo. Sempre seencontrará gente disposta a apreciar estas personalidades que carecem deintrínseca importância e que, no entanto, são elevadas em relação a muitos.A personalidade a que nos referimos esforçara-se por se evidenciar demuitas maneiras, a saber: introduzira o costume de que os funcionáriosinferiores o esperassem na escada quando entrava de serviço e estabeleceraque ninguém teria directo acesso à sua presença, devendo observar-seestritamente a ordem seguinte: o amanuense devia entregar a petição aooficial; este, por sua vez, entregá-la-ia ao funcionário de categoriaimediatamente superior, até chegar, de grau em grau, ao seu destino. Assimse encontra tudo infectado na santa Rússia pela imitação: julga cada umdesempenhar bem o seu importante papel imitando o que lhe está acima.Diz-se até que certo conselheiro titular, quando o fizeram director de umarepartição modestíssima, fez separar, por um tabique, o seu gabinetedaquilo a que ele chamava "o pessoal de serviço", pondo à porta dois contínuos agaloados, que abriam a porta a quem chegava: e convém saberque nesta importante secretaria de Estado pouco mais cabia que uma vulgarsecretária.O modo de receber, assim como os gestos e hábitos da "alta personalidade",eram graves e majestosos, mas um tanto complicados. O fundamentoprincipal do seu sistema era a disciplina. "Disciplina, disciplina e...disciplina", costumava ele dizer. E ao repetir pela terceira vez esta palavrafixava intensamente a pessoa a quem se dirigia, ainda mesmo sem o menormotivo para tal, pois os dez funcionários de que se compunha o mecanismoburocrático da repartição andavam sempre num verdadeiro terror. Aconversação da "alta personalidade" com os inferiores recaia, em geral, notema disciplina e compunha-se de frases deste género: "Como se atrevevocê? Sabe com quem está a falar? Sabe bem quem é que se encontradiante de si?" Era, noutros aspectos, homem de bom coração, afável e atéserviçal para os da sua classe; mas a patente de general fizera-lhe perder osenso comum. Desde que recebera a nomeação, andava desvairado,descontrolara-se e não se apercebia bem do que se passava nele próprio. Setratava com iguais, era um homem correcto, ordenado, e até, sob muitosaspectos; inteligente, mas, apenas se encontrava num grupo de gente desituação social inferior, já não sabia onde tinha a mão direita: tornava-sehirto e silencioso e a sua situação era tanto mais digna de dó quanto é certoque ele era o primeiro a saber que poderia passar o tempo de maneira muitomais agradável. Transparecia, às vezes, nos seus olhos o desejo deentabular uma conversa interessante com os funcionários; mas paralisava-oeste pensamento: "Não seria excesso da sua parte? Não seria excesso defamiliaridade, com que a sua dignidade perigasse?" Como consequência detais reflexões, permanecia eternamente só, impenetrável, limitando-se aemitir um ou outro monossílabo. Conquistou por esta razão o título de "ohomem que se aborrece".Foi perante esta "alta personalidade" que se apresentou Acaqui Acaquievich,precisamente no momento menos favorável, muito adverso para ele,embora o mais oportuno possível para a "alta personalidade", que nessaprópria ocasião se encontrava no seu gabinete e dialogava muitoalegremente com um antigo conhecido, companheiro de infância, a quem há já vários anos não via. Tal foi o momento em que lhe anunciaram um talBaquemaquine. Perguntou bruscamente: "Quem é?" Responderam-lhe que"um funcionário". "Bom, que espere; não tenho agora tempo", replicou a"alta personalidade". É preciso dizer-se que a "alta personalidade" mentiadescaradamente. Tinha tempo; já acabara a conversa entre os dois amigos eestavam naquele ponto em que se recorre a frases desta espécie: "Assimera nesse tempo, Ivan Abramovich." "E como dizes, Estêvão Valarmovich."Entretanto, mandou que o funcionário esperasse, com o propósito dedemonstrar ao amigo, há muito retirado do serviço oficial numa casinha daaldeia, quanto tempo tinham de esperar os funcionários na sua antecâmara.
Finalmente, depois de terem falado quanto quiseram (ou, melhor dizendo,depois de terem calado o suficiente) e terem fumado um cigarro sentadosnas comodíssimas poltronas, de repente, como se por casualidade serecordasse, disse ao secretário, que estava de pé, junto à porta, com unspapéis para informar: "Se ainda ai está esperando o funcionário, diga quepode entrar."Vendo o humilde Acaqui Acaquievich, com o seu velho uniforme, voltou acara de repente e perguntou: "Que deseja?", com o tom de voz brusco eforte que antes experimentara em casa para tais emergências. AcaquiAcaquievich, que era um homem muito respeitador, atrapalhou-se um poucoe, com a liberdade com que lhe era possível dispor da sua língua, explicou, juntando agora com mais frequência partículas desnecessárias, que o capoteera completamente novo, que lho tinham roubado de um modo desumano,que se lhe dirigia para que interviesse, escrevendo ao inspector, fazendoaparecer o capote.Pareceu ao general que tais maneiras eram demasiado familiares,- Que é isso, senhor? - perguntou bruscamente. - Não conhece oregulamento? Donde vem? Não sabe como se procede em tais casos? Aprimeira coisa que devia fazer era dirigir um requerimento à secretaria; esserequerimento seria então remetido, pelas vias competentes, ao chefe derepartição; este, por seu turno, remetê-lo-ia ao secretário, e o secretário tê-lo-ia remetido a mim...- Mas, Excelência... - disse Acaqui Acaquievich, esforçando-se por reunir apouca força que encerrava a sua alma e sentindo que transpirava de modoatroz. - Eu, Excelência, atrevi-me a apresentar-me directamente, porque ostais secretários... é gente em que se não pode confiar...- Quê? ... O quê?... O quê?... - clamou a "alta personalidade"... - Onde foi osenhor buscar essa ideia? Donde lhe surgiram tais pensamentos? Queaudácia se está generalizando entre os jovens contra os superiores e ahierarquia?A "alta personalidade" demonstrava assim que não reparara em AcaquiAcaquievich, o qual estava já nos 50; doutra maneira, chamar-lhe jovemseria bastante estranho.- Sabe com quem está a falar? Sabe bem quem tem diante de si? Percebeisto? Percebe?, pergunto eu.E deu uma forte patada no chão, imprimindo à voz tanta energia que mesmoum outro que não fosse Acaqui Acaquievich teria ficado bastante assustado.Este, porém, deveras aterrado, sentiu um abalo interior e começou a tremerconvulsivamente; mal se podia aguentar de pé, e, se um empregado nãoacorresse a ampará-lo, teria caído ao chão; retiraram-no hirto do gabinete.Mas a "alta personalidade" estava contente com o efeito, que fora muitoalém de todos os seus cálculos. Embriagado com a ideia de que a sua vozforte era capaz de perturbar um homem até àquele ponto, olhou de ladopara observar a impressão que fizera a cena, notando, não sem profundo prazer, que o amigo se encontrava na mesma situação indefinível e que atécomeçava a sentir angústia.Do modo como saíra do gabinete da "alta personalidade" e como chegara àrua nunca Acaqui Acaquievich foi capaz de se recordar. Não podia fixar-se noque acontecera: jamais, em toda a sua vida, um general, e demais o vento ea neve fustigavam-no; seguia pelo meio da rua, com a boca aberta,perplexo; o vento soprava, soprava, como é habitual em Sampetersburgosoprar o vento nas quatro direcções, de todas as encruzilhadas. Em certomomento a garganta resfriou-se-lhe, começou a sentir os sintomas de umaangina e, quando chegou a casa, não tinha sequer forças para proferir umapalavra. Deitou-se na cama com o pescoço exageradamente inchado. No diaseguinte sobreveio uma febre altíssima. Graças à magnânima ajuda do climasampetersburguês, a enfermidade progrediu mais rápidamente do quepoderia esperar-se, e quando chegou o doutor tomou-lhe o pulso e entendeuque devia limitar-se a receitar qualquer coisa para o enfermo não morrersem o benéfico auxílio da medicina; quanto ao mais, declarou que nãoviveria além de dia e meio; dirigiu-se à patroa, dizendo: "E a senhora nãoperca tempo: mande vir um caixão de pinho, pois um de mogno é muitomais caro."Não sabemos se Acaqui Acaquievich ouviu essas palavras proferidas acercada sua sorte; e, no caso de as ter ouvido, não sabemos se foramsusceptíveis de o emocionar, porquanto permaneceu constantemente nodelírio da febre. Visionava sucessivos conjuntos de memórias e de fantasias:ia visitar Petrovich e encarregava-o de lhe fazer um capote, mas com umadefesa contra os ladrões, que lhe surgiam sem cessar por baixo da cama, epedia à patroa que lhe trouxesse um deles preso e coberto com a manta;logo perguntava porque lhe traziam um capote velho, quando possuía umnovo; depois julgava encontrar-se diante do general, ouvindo os seusinsultos, e dizia: "Perdoe Vossa Excelência"; por último praguejava nostermos mais grosseiros, de tal modo que a velha hospedeira se benzia epersignava, pois nunca tinha ouvido sair da boca dele tais palavrões, tantomais quanto essas palavras eram contraditórias com as que anteriormenteproferira, e principalmente com a expressão "Vossa Excelência". Começoudepois a falar sem o mínimo sentido, de tal modo que era impossívelperceber fosse o que fosse; só podia inferir-se que as expressõesincoerentes dos seus pensamentos convergiam para um único e idênticoobjectivo: o capote. Finalmente, o pobre Acaqui Acaquievich morreu. Não foiselada a habitação, nem coisa alguma arrolada; em primeiro lugar, porquenão existiam sucessores, e, em segundo lugar, porque a sua herança era,realmente, muito pequena, a saber: um embrulhinho com penas de ganso,um livro de papel branco do usado nos ofícios, três pares de coturnos, doisou três botões caídos das calças e o capote já nosso conhecido. Só Deussabe para quem tudo isso ficou; supomos, aliás, que não interessa aosleitores este pormenor da nossa narrativa. Levaram Acaqui Acaquievich a enterrar. E Sampetersburgo ficou sem Acaqui Acaquievich, como se nuncaali tivesse existido.Desapareceu e ocultou-se um ser a quem ninguém protegera, a quemninguém dedicara afeição e que nem sequer atraíra o interesse de qualquernaturalista, um desses indivíduos que não desdenham pôr num alfinete amosca vulgar e observá-la ao microscópio; um homem que atraíra azombaria dos seus companheiros de repartição e que desceu à sepulturasem ter realizado qualquer acto excepcional; antes pelo contrário, a quemnada importava, ainda que no fim da sua vida brilhasse para ele a luz sob aforma de um capote, reanimando um momento fugaz a sua pobre vida, esobre quem caiu depois a desgraça em grau superior às suas forças, comocai também, por vezes, sobre os mais poderosos da Terra... Poucos diasdepois da sua morte compareceu na sua residência um contínuo, enviadopela repartição, com ordem para se apresentar imediatamente; exigia-o ochefe; mas o homem teve de voltar sozinho, levando a informação de que ofuncionário não podia apresentar-se. Tendo-lhe sido perguntado: "Porquenão pode?", respondeu estas palavras: "Não pode: morreu; há quatro diasque o enterraram." Desta maneira se conheceu na repartição a morte deAcaqui Acaquievich, e no dia seguinte já estava sentado no seu lugar umnovo funcionário, muito mais alto, que não desenhava as letras em linhastão rectas, mas, pelo contrário, em linhas muito mais inclinadas econtrafeitas,Mas quem poderia imaginar que ainda não dissemos tudo acerca de AcaquiAcaquievich, condenado a tornar-se famoso alguns tempos depois da morte,como recompensa de uma vida que passou ignorada? Sucedeuefectivamente isso, e a nossa pobre história tem uma abrupta conclusão.Começou a difundir-se por Sampetersburgo o rumor de que na ponte deKaliuquine, nas ruas vizinhas e nos bairros a que ela conduzia aparecia denoite um fantasma, com aspecto de funcionário público, que procurava umcapote roubado e tirava capotes de todos os ombros, sem diferençar classesou profissões: os de gola de pele de gato, de castor, de coelho, de raposa oude qualquer outra espécie de pele. Um dos funcionários da repartição viucom os seus próprios olhos o fantasma e reconheceu imediatamente odefunto Acaqui Acaquievich; mas produziu-lhe este tal terror que se pôs acorrer quanto podia, sem se atrever a voltar a olhar para o fantasma, que oameaçava com o dedo espetado. De todos os lados surgiam queixas deindivíduos a quem tinham desaparecido os capotes, e isso acontecia atitulares e também às altas gentes do Paço; muitos tinham-se atéconstipado em consequência do roubo. A polícia fez investigações para seapoderar do defunto, vivo ou morto, e castiga-lo severamente, para exemplode outros, mas a diligência não resultou. Assim, por exemplo, um polícia devigilância a uma das pequenas ruas de Kiriuquine, tendo agarrado o defuntopela gola (no momento em que este ia a roubar o capote de certo músico,que então tocava flauta), chamou em seu auxílio outros guardas de ronda, enquanto tirava do bolso a caixa de rapé para encher o nariz, que já lhegelara seis vezes; mas o rapé devia ser de tal qualidade que nem sequer omorto pôde suportá-lo. Mal o polícia, fechando com o dedo a narina direita,meteu o rapé na esquerda, o defunto espirrou tão fortemente que lançousalpicos pelos olhos. E enquanto o polícia esfregava os olhos com as mãos, odefunto desaparecia. Chegaram a duvidar se, na verdade, o tinham tido namão. Desde aí, os polícias amedrontaram-se tanto com as almas do outromundo que não se atreviam a apanhá-las nem sequer vivas, e só de longegritavam: "Olá, segue o teu caminho!"E o funcionário defunto começou a aparecer também na ponte Kaliuquine,suscitando terror às pessoas tímidas.Mas abandonámos por completo a "alta personalidade", verdadeiraresponsável porque a nossa história tenha tido um fim fantástico. Para honrada verdade, devemos dizer, antes de mais nada, que a "alta personalidade",depois da morte do pobre Acaqui Acaquievich, sentiu alguma compaixão. Apiedade não lhe era completamente estranha; o seu coração sentia impulsosde muito boas acções; simplesmente a sua categoria não lhe permitia segui-los. Mal o amigo que o visitara saiu do seu gabinete, começou a pensar nopobre Acaqui Acaquievich. E desde então, muitas vezes, quase diariamente,evocava Acaqui Acaquievich, pálido, humilde, incapaz de reagir à suarepreensão. Aquela recordação causava-lhe tão grande intranquilidade que,decorrida uma semana, resolveu enviar um funcionário a casa de AcaquiAcaquievich para se informar do que havia, como estava e se nalguma coisapodia ajudá-lo. Ao saber que morrera de febre, de um dia para o outro,comoveu-se profundamente, escutou as censuras da sua consciência eesteve um dia inteiro de mau humor.Desejando distrair-se e esquecer aquela desagradável impressão, foi, ànoite, a casa de um amigo, o que se reflectiu de um modo admirável no seuestado de espírito. Esteve animada a conversa, que decorreu agradável eamistosa; numa palavra, passou a noite muito satisfeito. Ao cear, bebeuduas taças de champanhe, que, como se sabe, é um excelente meio deaumentar a alegria. O champanhe, modificando-lhe o humor, decidiu-o a irvisitar certa senhora sua conhecida, Catarina Ivanovna, uma alemã,segundo parece, com quem mantinha afectuosas e excessivamente íntimasrelações. Devemos acrescentar que a "alta personalidade" não era já umhomem novo e solteiro; era casado e todos o consideravam um honrado paide família. Tinha um filho funcionário na Chancelaria e uma filha, bonitarapariga de 16 anos, com o nariz um pouco adunco, que vinha todos os diasbeijar-lhe a mão, dizendo: "Bonjour, papa!" A esposa, que não se pode dizerque fosse velha ou feia, estendia-lhe a mão para que ele lha beijasse;depois, voltando-se para o outro lado, beijava-lhe ela, por seu turno, a mão.Mas a "alta personalidade", que se encontrava, aliás, plenamente satisfeitocom as ternuras domésticas, achou, no entanto, muito importante, para seimpor aos amigos, ter uma amante num bairro da cidade afastado daquele onde vivia. A amante não era nem mais nova nem mais fresca do que aesposa, mas estes enigmas existem no mundo, e não é nosso propósitoesmiuçá-los. Assim, pois, a "alta personalidade" saiu de casa do seu amigoe, sentando-se na carruagem, disse ao cocheiro: "Para casa de CatarinaIvanovna"; e, embrulhando-se no seu quente capote, permaneceu nesseestado agradável, como não é possível imaginar melhor para um russo, emque nada se pensa e em que, entretanto, as ideias se agitam na cabeça,cada qual mais lisonjeira, sem haver o penoso encargo de as seguir oucoordenar. Toda a sua alegria consistia em recordar o sítio onde passara anoite e todos os ditos com que fizera rir às gargalhadas o restrito e amávelcírculo dos seus amigos; repetia a meia voz muitos desses ditos espirituosose observava que conservavam toda a graça dos antigos tempos, nãopodendo assim deixar de rir-se sozinho com vontade.Incomodou-o subitamente a ventania que se levantara, Deus sabe donde eporquê, fustigando-o fortemente no rosto, atirando-lhe flocos de neve aosolhos, bufando-lhe na gola do capote como na vela de um navio, ou, pelocontrário, colando-lha inesperadamente à cara com força sobrenatural, detal modo que se agitava constantemente de uma maneira e de outra, sempoder libertar-se. De repente sentiu a "alta personalidade" que alguém oagarrava muito fortemente pela gola do capote. Ao voltar-se, notou que eraum indivíduo de pequena estatura, com um fato velho e coçado, ereconheceu com terror Acaqui Acaquievich.O rosto do funcionário estava pálido e o olhar era bem o de um defunto. Maso terror da "alta personalidade" não teve limites quando viu que a boca domorto se abria e, exalando um odor de sepultura, lhe dirigia estas palavras:"Sempre te apanhei! Agarrei-te finalmente pela gola! Preciso do teu capote!Não quiseste preocupar-te com o meu, e até me insultaste! Dá-me agora oteu!" A pobre "alta personalidade" por pouco não morreu de susto.Era bem conhecida a sua severidade para com os inferiores e, considerandoo seu aspecto enérgico, todos diziam: "Está ali uma personalidade!" Noentanto, aqui, como muitos outros que posam de heróis, sentia tal pavorque, não sem razão, começou a recear cair doente. Ele próprio despiu ocapote e disse para o cocheiro, com voz alterada: "Segue para casa! Semdemora!" Mal o cocheiro ouviu aquele tom de voz, que o amo só empregavanos momentos decisivos e que era acompanhado muitas vezes de algumacoisa de mais efectivo, ocultando a cabeça entre os ombros, brandiu ochicote e a carruagem despediu como um raio. Seis minutos depois achava-se a "alta personalidade" à porta da cocheira. Pálido, amedrontado e semcapote, em vez de visitar Catarina Ivanovna, entrou em casa, ocultou-senum quarto interior e passou a noite muito inquieto. No dia seguinte demanhã, à hora do pequeno-almoço, a filha, ao vê-lo, disse imediatamente:"Como estás pálido, papá!"; mas o papa calou-se e a ninguém confessoupalavra do sucedido, nem acerca do lugar onde estivera, nem onde sedirigira depois. Aquele sucesso impressionara-o fortemente. E muito poucas vezes mais lhe ouviram dizer: "Como se atreve o senhor? Sabe quem temdiante de si?"; e, se tal acontecia, nunca era sem se informar antes do quese tratava.E o mais notável foi, todavia, que a partir daquele dia não voltou a aparecero funcionário defunto: talvez porque o capote do general lhe ficavaperfeitamente. O certo é que nunca mais se ouviu falar de um roubo decapote do mesmo género. Muitos, já se vê, não queriam ainda tranquilizar-se e contavam que em certos sítios da cidade mais afastados aparecia ofuncionário defunto. Um polícia viu, com os seus próprios olhos, sair ofantasma de uma casa; mas, achando-se um tanto debilitado e falto deforças, não se atreveu a detê-lo e limitou-se a segui-lo de longe. Ofantasma, em determinado sítio, deu uma volta, olhou e polícia e perguntou-lhe: "Que desejas?", mostrando um punho que não é possível observar nosseres vivos. O polícia replicou: "Nada", e voltou para trás. O fantasma, queera, no entanto, muito mais alto e tinha uns imensos bigodes, dirigiu-se comgrandes passadas para a ponte de Obujo, desaparecendo nas trevas danoite.
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Governo reajusta auxílio-alimentação dos servidores públicos federais; saiba o valor
Portaria publicada no Diário Oficial da União aumenta em 43,6% o valor mensal do benefício; reajuste já está em vigor
BRASÍLIA | Do R7, em Brasília
31/03/2023 - 07H04 (ATUALIZADO EM 31/03/2023 - 11H04)
https://www.r7.com/MEmU
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MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
O governo federal reajustou o valor do auxílio-alimentação dos servidores da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. O benefício foi reajustado em 43,6% e foi de R$ 458 para R$ 658 mensais. A portaria com o aumento foi publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira (31) e passou a vigorar a partir do ato de publicação.
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O aumento no valor do auxílio-alimentação faz parte do acordo assinado na última sexta-feira (24) entre representantes dos servidores públicos do Executivo federal e o governo, que aumentou em 9% o salário dos servidores federais. A princípio, os funcionários pediam aumento de 13,5%. A proposta inicial do Executivo, apresentada em fevereiro, trazia uma recomposição gradual, de 7,8% em março, 8,5% em abril e 9% em maio.
No início de março, porém, o governo recuou e ofereceu 8,4%, o que causou indignação entre as entidades representativas, porque, com o reajuste de 8,4%, o governo não usaria por completo os R$ 11,2 bilhões previstos no Orçamento deste ano para o reajuste dos funcionários do Executivo. Após novas conversas, foi decidido o valor de 9%.
Pelo acordo, o aumento dos salários passa valer a partir de 1º de maio (Dia do Trabalhador), com o pagamento em junho, e beneficia servidores ativos, aposentados e pensionistas regidos pela lei nº 8.112/90.
A ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, afirmou que o reajuste do auxílio-alimentação não é maior porque, segundo ela, existe uma trava na Lei de Diretrizes Orçamentárias, pela qual só se pode reajustar um valor considerando a inflação acumulada. "A gente sabe que ainda existe uma defasagem em relação aos demais poderes, mas é um momento significativo para quem está há muito tempo sem reajuste no benefício. É um dinheiro que chega, principalmente, para quem ganha menos."
Custo estimado
O custo estimado dos reajustes aos cofres públicos será de R$ 11,2 bilhões e, para entrar em vigor, o acordo precisa ser aprovado, por meio de um projeto de lei, pelo Congresso Nacional, porque modifica a lei orçamentária já aprovada pelo Legislativo. O governo federal enviará um projeto de lei ao Congresso para alterar o Orçamento Geral da União de 2023.
Pelo acordo assinado, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos ainda vai solicitar ao Congresso Nacional a retirada da proposta de emenda à Constituição (PEC) 32/2020, que trata da reforma administrativa com previsão de mudanças nas regras para futuros servidores e para organização da administração pública.
AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO
REAJUSTE
PODER EXECUTIVO
GOVERNO FEDERAL
MINISTÉRIO DA GESTÃO E DA INOVAÇÃO EM SERVIÇOS PÚBLICOS
ESTHER DWECK
https://noticias.r7.com/brasilia/governo-reajusta-auxilio-alimentacao-dos-servidores-publicos-federais-saiba-o-valor-31032023
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