E um sonho audaz
“Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu
as apprivoisé”
Muar que não é burro...
Executa seu dever
"Vai Colombo. Abre a cortina de minha eterna
oficina e tira a América de lá".
“O ser humano é portador da maior complexidade que
se pode imaginar.”
“Leonardo conta como um sonho, mas que ele acha
que não foi um sonho...”
“Francisco, meu filho, ponha os pés no chão! Pare de
sonhar e viva a realidade! Sonhos não dão alegria para o bolso e não fornecem alimento
para o estômago.”
Tenho
visto nesta vida
Muito
burro que não é muar
Enquanto
muito muar que não é burro
Seu
dever bem executar
Burro
é quem sabe e não faz
Quem
conhece e não pratica
Deixando
crescer entre as flores da fé
Um
lindo pé de tiririca
Com Jesus,
Cornélio Pires
“Em seguida entra em cena a fantasia que ele acha:
Leonardo conta como um sonho, mas que ele acha que não foi um sonho, foi uma
fantasia, uma imaginação.”
“Beijo por beijo, sonho por sonho”
Sonho
Por Sonho
Leandro & Leonardo
Nunca imaginei que você quisesse de mim
Uma noite só de prazer, uma transa apenas
Tudo que você me falou, dói no meu coração
Loucura cheia de sedução, mudou a minha vida
Não dá pra esquecer a emoção que eu senti por você
Por tudo que não pode ser, eu te quero
Eu não tenho tempo a perder com a solidão
Na hora em que você me quiser, eu vou
Beijo por beijo, sonho por sonho
Carinho por amor, paixão por paixão
Composição: Carlos Colla / Chico Roque
“E
um sonho audaz
Feito
um balão”
Sonho
de Ícaro
Byafra
Voar, voar
Subir, subir
Ir por onde for
Descer até o céu cair
Ou mudar de cor
Anjos de gás
Asas de ilusão
E um sonho audaz
Feito um balão
No ar, no ar
Eu sou assim
Brilho do farol
Além do mais
Amargo fim
Simplesmente sol
Rock do bom
Ou quem sabe jazz
Som sobre som
Bem mais, bem mais
O que sai de mim
Vem do prazer
De querer sentir
O que eu não posso ter
O que faz de mim
Ser o que sou
É gostar de ir
Por onde, ninguém for
Do alto coração
Mais alto coração
Viver, viver
E não fingir
Esconder no olhar
Pedir não mais
Que permitir
Jogos de azar
Fauno lunar
Sombras no porão
E um show vulgar
Todo verão
Fugir meu bem
Pra ser feliz
Só no pólo sul
Não vou mudar
Do meu país
Nem vestir azul
Faça o sinal
Cante uma canção
Sentimental
Em qualquer tom
Repetir o amor
Já satisfaz
Dentro do bombom
Há um licor a mais
Ir até que um dia
Chegue enfim
Em que o sol derreta
A cera até o fim
Do alto, coração
Mais alto, coração
Faça o sinal
Cante uma canção
Sentimental
Em qualquer tom
Repetir o amor
Já satisfaz
Dentro do bombom
Há um licor a mais
Ir até que um dia
Chegue enfim
Em que o sol derreta
A cera até o fim
Do alto, o coração
Mais alto, o coração (2x)
Composição: Claudio Rabello / Piska
O
SONHO DE ÍCARO:
“Ícaro é um rapaz da mitologia grega que, com ajuda
do pai, fez dois pares de asas com cera de vela e penas de gaivota para que
pudessem escapar do labirinto onde estavam presos. No entanto Ícaro, ignorando
o conselho do pai, voou na direção do sol e a cera derreteu, fazendo com que
ele caísse no mar e morresse. Portanto, "Sonho de Ícaro" é um sonho
inalcançável, daqueles em que não vale a pena ter esperanças.”
Reconstruindo
~
emoçoes
Psicol. cienc.
prof. vol.14 no.1-3 Brasília 1994
http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98931994000100005
ENTREVISTA
Nise
da Silveira
Luiz Gonzaga Pereira dos Santos
Uma mulher de muita vivência e que tem a idade das
ilusões
Nise da Silveira é aquariana, nascida em 15 de
fevereiro e diz ter a idade das ilusões, não revelando a idade. Alagoana,
residente no Rio de Janeiro, tem uma história de vida pautada pelas polêmicas e
"edificações" revolucionárias, no campo profissional.
Em 1946 fundou a seção da terapêutica ocupacional no
Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro. Seis anos mais tarde, em 1952, também no
Centro Psiquiátrico do Rio, fundou o Museu do Inconsciente que se transformou
no importante centro de estudos e pesquisas que reúne obras produzidas nos
ateliês de atividades expressivas (pintura e modelagem). O museu de Imagens do
Inconsciente tornou-se conhecido em todo o mundo e suas pesquisas deram origem
a exposições, filmes, documentários, simpósios, conferências e cursos, tanto no
que se refere à terapêutica ocupacional, quanto à importância das imagens do
inconsciente na compreensão do mundo interior do esquizofrênico.
Em 1956 a Dra. Nise fundou o primeiro serviço de
Egressos (campo das Palmeiras). Nesse serviço, as atividades expressivas eram
realizadas por pacientes em regime de externato, tendo sido a primeira
instituição que desenvolveu um projeto de desistitucionalização dos manicômios
no Brasil. Assim, já nessa época, por intermédio de Nise da Silveira, os
pacientes saem das "amarras".
Nise da Silveira é também responsável pela formação
do grupo de estudos Carl Gustav JUNG, grupo que preside desde 1968. É também
membro fundadora da Sociedade Internacional de Psicopatologia da Expressão, com
sede em Paris.
Na literatura Nise é estudiosa de Machado de Assis,
autor que foi a ela "apresentado" por seu pai. Desde cedo teve
contato com a obra de Spinoza, tendo, inclusive, publicado um livro intitulado
"Cartas a Spinoza", que evidencia seu profundo conhecimento sobre o
"teórico da loucura".
Por suas atividades políticas, Nise da Silviera foi
presa durante o Estado Novo e partilhou cela com Olga Benário, judia que foi
entregue à Gestapo de Hitler pelo governo brasileiro. Nise foi também
contemporânea de Graciliano Ramos na Prisão, tendo sido personagem do livro e
posteriormente filme, Memórias do Cárcere e da novela "Kananga do
Japão".
Por reconhecimento à sua obra Nise da Silveira tem
recebido condecorações, títulos e prêmios nas mais diferentes áreas do
conhecimento: saúde, educação, arte, literatura etc.
juntando-se a tantos, também a revista
"Psicologia: Ciência e Profissão "publica a seguir entrevista
exclusiva, feita pelo terapeuta ocupacional e professor da Universidade Federal
de Pernambuco, Luís Gonzaga Pereira Leal, no dia 28 de julho de 1992, em sua
residência no Rio de Janeiro, na qual a Dra. Nise fala de sua vida, sua obra e
suas "preferências", em geral.
LG - O que é Mito?
NS - Quem é que sabe. É a expressão do inconsciente,
digamos assim. O mito é como uma espécie de trilha. Se você partir do mito,
Você chega onde quiser.
LG - Você é uma pessoa que é bastante
entusiasmada com o mito de Dionísius...
NS - Não só pelo mito de Dionísius. Sou também
entusiasmada por todos os mitos, inclusive pelo mito de Dafne, sobre o qual
tenho um trabalho que encontra-se publicado no livro "Imagens do
Inconsciente". Os mitos egípcios também. A barca do sol, que aparece nos
desenhos de Carlos Pertins. Pouco antes dele morrer, ele pintou o sol num
barco. E os egípcios viam o sol todos os dias fazer a volta da terra num barco.
O sol, à noite, combatia com dragões terríveis. Não queriam que ele renascesse.
LG - Nos fale um pouco sobre o mito de
Dionísius.
NS - Ah! O mito de Dionísius é de grande
complexidade. Há várias versões desse mito. Há a versão na qual ele é
apresentado como filho de Deméter, segundo uns, ou de Penepólis, segundo
outros. E há o mito mais corrente que narra Dionisius como filho de Senele que
era filha de um rei; era uma mulher mortal. Dionísius é Filho de Deus nuns mitos;
Filho de uma mulher mortal noutros. Cheguei a escrever um trabalho sobre
Dionísius, motivada pelas pinturas de internatos do Hospital de Engenho de
Dentro. É importante saber que, quando o consciente está sufocado pelo
inconsciente, a pessoa passa a se comunicar através da linguagem dos mitos. Foi
por isso mesmo que Jung me sugeriu: "Se você não conhecer os mitos jamais
entenderá os delírios dos pacientes, nem tampouco as imagens que eles
pintam". Disso isto em resposta à minha queixa, de que eu estava muito
insatisfeita com o trabalho no Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro. Eu
buscava uma outra coisa. Isto foi por ocasião do II Congresso Mundial de
Psiquiatria em 1957, cujo tema central era a esquizofrenia. Fazia parte desse
Congresso uma sessão de pinturas e expressões plásticas. Então eu levei um
material daqui. Quer dizer: dos internos do Hospital de Engenho de Dentro. Eu
já tinha estudado um pouco de Jung, mas não tinha me aprofundado, nem me
familiarizado com a linguagem do inconsciente, a linguagem mística que ele
tanto preconiza e acha indispensável para que o médico possa atender e,
portanto, entrar em relação com o doente através de uma linguagem comum.
LG-Jung, para Você foi uma pista ou um mestre?
NS - As duas coisas. Une mestre e pista.
LG- No entanto Você não é apegada exclusivamente a
ele...
NS - Ah! Claro. Eu tenho um encanto por Laing.
Porque o que caracteriza meu trabalho em psiquiatria, meu entusiasmo pela
psiquiatria, meu apego ao que se chama de psiquiatria, é a pesquisa do mundo
interno do processo psicótico. Do que se passa no mundo interno do psicótico,
sem desprezar naturalmente o mundo externo, porque nós vivemos simultaneamente
em dois mundos, o mundo externo e o mundo interno. Mas o que acontece é que a
maioria dos psiquiatras, mesmo atualmente, só valorizam o mundo externo. O movimento
Baságlia, que eu aprecio, e estou de acordo de que estes velhos manicomônios
que se parecem prisões sejam implodidos, é um movimento que ao meu ver não se
ocupa do mundo interno do paciente.
LG - Quer dizer que uma proposta de
organização do mundo externo do paciente pouco adianta se o mesmo internamente
não possui uma organização?
NS - Não só isto. Ele, o paciente, não entende a
linguagem do mundo externo. Eu parto sempre do que o doente diz, escuta ou faz.
Nem sempre considero aquilo que os livros falam. Nem mesmo os de Jung. No
entanto, há uma grande coincidência no que o doente faz, sente e fala e o que
Jung ensina. Por exemplo: Fernando Diniz em certa ocasião falou: "mudei
para o mundo das imagens". Fernando era o único desses nossos pacientes
que tinha uma cultura maior. Estava fazendo o colegial quando adoeceu. E tinha
um racional desenvolvido; entretanto, ele se espantou com suas imagens devido a
problemas emocionais. O inconsciente invadiu esse mundo racional onde ele
vivia. Então ele diz espantado: "mudei para o mundo das imagens. As
imagens tomam a alma da pessoa". Se o próprio doente diz que está tomado
pelas imagens, porque você vai continuar buscar entendê-lo exclusivamente
através de uma linguagem racional? Ele não vai te entender. Se importa ele em
responder: que horas são? que dia é hoje? E outras perguntas semelhantes do
mundo externo valorizadas pela psiquiatria tradicional. No prontuário de
Fernando Diniz, muitas vezes encontrei escrito: desorientado no tempo e espaço.
Entretanto Fernando Diniz lia livros de física atômica. Muitas vezes ia a
livrarias acompanhado de um estagiário e escolhia livros.
LG - Voltando a Dionísius. Como você
encara a manifestação de Dionísius na atualidade?
NS - Eu vejo que Dionísius está presente, muito
presente na atualidade. Mas vejo também que não é o Dionísius dos mitos, nem
Dionísius de Netzsche. Ele é um Dionísius muito sombrio, porque a componente
"mal" da psique parece que está solta. E essa é a tese que o grupo de
estudo atualmente está empenhado em estudar com relação aos meninos de rua.
Estuda-se o aspecto social, mas o aspecto social só não dá para explicar tudo.
A componente profunda que existe em todos nós -a componente psíquica - está
desabrida. Essa componente, segundo Jung, é um dos complexos de oposições, daí
ele estudar em um livro perturbador, onde relembra da Bíblia todos os
sofrimentos de Jó e os atribui à ausência de um elemento fundamental da psique,
que é o elemento feminino, que é a Sófia. Este é um período muito sem amor,
muito sem compaixão.
LG - Nesta caso Você entende que o caos,
essa turbulência pela qual o mundo está passando, é também uma manifestação de
Dionísius "mal"?
NS - Não digo do Dionísius. Dionísius será sempre
uma figura manchada pelo mal. Não totalmente. Muito do Dionísius sadio
persiste, felizmente.
LG - Como? Em que sentido?
NS - Na música, na dança. Ai de nós se uma grande
parte de Dionísius sadio não permanecesse viva. Uma parte da componente
"mal", que existe em todos nós, anda se sobressaindo e solta, sem que
as outras partes se entrosem e aceitem o mal. Temos de aceitar o mal, mas não
deixá-lo solto a ponto de sufocar as outras componentes da psique que são o
bem.
LG - Ontem, falávamos sobre os meninos de
rua e Você dizia de sua admiração por Joãozinho Trinta...
NS - Admiro Joãozinho Trinta, porque ele é um grande
sacerdote de Dionísius. E porque ele procura nesse apoio, nesse amparo que ele
dá a tantas crianças de rua, alegria e afeto. Pelo que eu leio, as oficinas de
trabalho dele com os meninos são preparos para o carnaval. Enquanto... se você
for a um CIESP, não sei, nunca fui, é uma hipótese, poderá estar uma
professora, talvez áspera, demasiado racional. Não é que eu preconize o
apagamento do racional, mas é preciso que o afeto não seja esvaziado.
LG - Você entende o afeto como uma mola
propulsora em tudo...
NS - Exatamente. Uma mola propulsora em tudo.
LG - E me parece que este foi um dos
grandes dilemas que Você teve com a psiquiatria: a forma como Você encaminhava
o seu trabalho centrado nos afetos, nas canalizações dos afetos e criando assim
uma atmosfera afetiva na qual os pacientes pudessem viver...
NS - O meu desencanto com a psiquiatria é pela
grande marca que ela tem do cartesianismo.
LG - E a psicanálise?
NS - A psicanálise é o grande elemento de abertura
para o inconsciente. Freud era um grande conhecedor dos mitos. Freud sabia
muito sobre mitos, mas alguma coisa o amarrava. Não sei exatamente o quê. Ele
caminhava, enxergava o mito que estava por traz do problema, mas parava. Ele
conhecia muito bem. Em "Moisés e o Monoteísmo", ele faz referência ao
inconsciente filogenético, mas não avança. A interpretação do ponto de vista
sexual tinha tamanha força que isto o segurava. É isso que Você encontra em
todas as interpretações dele. Por exemplo: no estudo que ele faz sobre Leonardo
Da Vinci, ele vem como as duas mães, Catarina e Dona Albiera. A relação dele
com Catarina, a mãe... Em seguida entra em cena a fantasia que ele acha:
Leonardo conta como um sonho, mas que ele acha que não foi um sonho, foi uma
fantasia, uma imaginação. Ele associa o seio de Catarina ao fálus e faz então
um Leonardo uma certa suspeição de homossexualidade. Pelo menos uma atração,
não propriamente uma prática. Freud não se refere a uma prática homossexual,
mas uma atração pelo homem. Em um dos meus livros, faço duas leituras do quadro
de Leonardo da Vinci. Uma freudiana e outra jungiana. As duas mães aparecem
como um tema mítico. Então me dirijo ao mistério de Eneusis, onde estão
presentes Demeter, Persefona, e Dionísius. É aí que nascem os mistérios.
LG - Você andou estudando também o Reino
das Mães. Do que se trata este estudo?
NS - Estudei sim. Também levada pelos trabalhos dos
doentes. Eu prefiro ser conduzida pelo doente. Nas suas produções plásticas
pude encontrar mães que vão desde o Neolítico até hoje. Uma doente de nome
Adenina, está estudada no livro "Imagens do Inconsciente", através do
mito de Dafne. Neste caso pude encontrar as mães do Paleolítico. Mães
terríveis, que vão se desdobrando. Elas abrem o peito, mostram o coração e Você
chega finalmente à representante da nossa civilização, a mãe Maria e caminha-se
talvez para uma salvação, para Sofia. Na Bíblia, você encontra Sofia antes da
criação do mundo e Jung acha que o período de Jó simboliza bem, como Deus
permite, e muita gente diz, que aconteçam tantas desgraças. Jung, em seus
trabalhos, valorizou bastante o princípio feminino. Sobre a Trindade, que
conduz do dogma da assunção de Maria.
LG - Ultimamente Você tem manifestado uma
certa antipatia pelo nome Terapia Ocupacional. Eu te pergunto: a antipatia é
pelo nome em si ou à prática?
NS - Naturalmente pela prática, e isso também eu
aprendi com os doentes. Em Terapia Ocupacional exigia-se que os doentes
arrumassem, limpassem e varressem o Hospital. Exigia-se muito do doente. Disto
eu sempre fui contra isso. Quando assumi a direção da Terapia Ocupacional em
1994, mudei inteiramente essa situação. Criamos oficinas, e nas oficinas os
pacientes criavam com toda a liberdade.
LG - Acredito que essas mudanças na
Terapia Ocupacional passaram não tanto pela Nise psiquiatra, mas pela Nise
pessoa, Nise mulher...
NS - Acredito também. Porque estas mudanças
ocorreram muito antes de eu ter um contato maior com a psicologia Jungiana, com
anti-psiquiatria. Pretendia que o paciente na Terapia Ocupacional tomasse
conhecimento com a matéria. E, outra vez, um paciente me mostrou que eu estava
no caminho certo, quando certa vez me ofereceu um coração em madeira e no centro
do coração um livro aberto. Quando me ofereceu isso, me disse: "um livro é
muito importante, a ciência é muito importante, mas se se desprender do coração
não vale nada". Tudo que eu sei de psiquiatria aprendi com eles.
LG - Você é uma pessoa preocupada em
estudar literatura...
NS - Eu sou uma pessoa que desde muito cedo cultivei
o racional. Tanto que me apaixonei por Geometria. Meu pai era professor de
Geometria. Cheguei a Spinoza através da geometria.
LG - Falando em infância, como foi a sua?
NS - Foi felicíssima. Filha única. Mimadíssima.
Minha mãe, musicista, tangenciando a genialidade. Meu pai, um homem que lia
muito matemática e literatura. Ele tinha uma boa biblioteca. E sendo assim, li
Machado de Assis muito cedo.
LG - Você leu Machado de Assis por
influência do pai ou por curiosidade?
NS - Porque minha professora de português me fazia
analisar. Primeiro foi Camões, que eu odiei. As figuras todas de retórica que
ela não ensinava procurei esquecer tudo e odiar. Depois eu fiz as pazes com
Camões que é um grande poeta. De Machado o primeiro livro que eu li, estudando
português, foi a "Cartomante". O irmão da minha mãe era poeta. Vivia
em Recife. Era Pernambucano. Eu sou alagoana. Nasci em Maceió, mas minha mãe e
meu pai são pernambucanos. De modo que um dos grandes prazeres meus na infância
era irmos a Recife. Então, como não havia televisão nessa ocasião, todo mundo
recitava Castro Alves, minha mãe chegou a musicar e cantava com uma bela voz de
contralto. Meu avô também me fazia perplexa. Lembro-me dele com uma toalha no
ombro caminhando para o banheiro antes de ir para o emprego burocrático que ele
exercia, recitando: "Vai Colombo. Abre a cortina de minha eterna oficina e
tira a América de lá". Nunca havia pegado num livro, mas de tanto ouvir
terminava decorando. Eu não entendia bem, "como é que se vai tirar a
América?" Como será isso? (risos). Não perguntava a ele porque ele era uma
pessoa austera. Certa vez perguntei a minha mãe e ela me mostrou o livro.
LG - Falando em Recife, que recordações
você guarda?
NS - Das minhas viagens.
LG - Por onde você transitava?
NS - Tenho lembranças não muitas. Uma era a irmã do
meu pai que morava em Casa Forte. Algumas vezes, nos hospedávamos lá. Era a
Campina da Casa Forte. Era um verde enorme. Então ficávamos lá, na casa de
minha tia que tinha duas filhas. E havia o colégio da Sagrada Família, onde
minha prima estudava pintura. Achava bonito. E a casa do meu avô, pai de minha
mãe. Minha avó eu não conheci. Ele morava com uma filha solteira e um filho
poeta que já aos 15 anos publicou um livro de versos. Ele teve vários filhos,
entre eles um que era predileção minha e da minha família. Era escritor e
chamava Léo. É em sua homenagem que este gato se chama Léo.
LG - Falando em fatos, você sempre esteve
rodeada por eles. Como é a sua relação com os gatos?
NS - Eu gosto muito de todos os animais. Admito
muito o cão. Me sinto humilhada diante do cão. Respeito o cão, porque o cão tem
uma qualidade que eu acho belicismo e da qual eu me sinto distante, que é a
infinita capacidade de perdoar. Dê um passo que se dê ele é fiel. Nunca se
ouviu contar que um cão fizesse um "treta" com seu dono, ou que fosse
infiel, que traísse sobre qualquer forma o seu dono. Eu tinha cães em Maceió,
porque morava numa casa grande. Com relação aos gatos, de tanto vê-los na rua desamparados,
eu ia apanhando e trazendo prá casa. Chequei a ter 23 gatos. O gato não tem
essa capacidade de perdoar, como eu não tenho. Eles são muito especiais. No
Hospital, introduzi os animais como ajuda para os doentes. Como co-terapêutas.
Um analista americano, de quem eu tenho um livro costumava trabalhar com um cão
no consultório. Como aliás Freud trabalhava com um cão no consultório; Jung
trabalhava com um cão no consultório. Marie Lenize Von Franz, com quem eu fiz
análise, trabalhava com um cão no consultório. Aqui o cão não entra nos
lugares.
LG - Você teve o número de pessoas que não
compreenderam bem o seu trabalho, no entanto Você teve grandes aliados.
NS - Tive excelentes aliados. Tive Mário Pedrosa que
foi um grande aliado e incentivador. Tive pessoas da imprensa. A imprensa me
ajudou muito. No entanto, poucos médicos foram meus aliados.
LG - O Carlos Drumond de Andrade era
também um grande admirador seu.
NS - Ele escreveu uma crônica muito interessante
quando me aposentei, e quando foi fundada uma sociedade de amigos do Museu do
Inconsciente. Foi preciso fundar uma sociedade, para que o Hospital não o
destruísse.
LG - O Ferreira Gullar também...
NS - O Ferreira Gullar foi um grande aliado, que era
muito amigo de Mário Pedrosa. Ele quer escrever um livro sobre Emídio, que ele
considera o maior pintor brasileiro. Tive muitos aliados. Domitília Amaral,
considerada a maior intérprete de Garcia Lorca no mundo.
LG - Vamos brincar um pouco?
NS - Vamos! Eu adoro brincar.
LG - Uma cor...
NS - Minha cor predileta é o azul. E para surpresa
minha, uma cor de que eu não gostava e passei a gostar, não sei se por causa de
Artaud, Van Gog, Carlos Pertius, é o amarelo. O sol.
LG - Um livro...
NS - É difícil. São tantos. Gosto principalmente dos
livros de Machado de Assis.
LG-E a Bíblia?
NS - Gosto muito. Admiro bastante. E gosto muito de
ver as aproximações e contrastes entre o Velho e o Novo Testamento. Uma imagem
que me impressiona muito neste contraste é a atitude do Antigo Testamento em
relação à mulher. Fazia parte da Lei mosaica, Moisés foi o legislador. A mulher
adúltera era apedrejada até morrer. No Novo Testamento, você encontra uma cena
que eu acho belicíssima. Jesus chega, está andando na rua, atravessando uma
praça e está lá uma mulher amarrada para ser apedrejada. Então alguém explica:
essa mulher vai ser apedrejada porque foi apanhada em adultério, e a lei ordena
que ela seja apedrejada. Jesus olhou para os apedrejadores que estavam ali e
perguntou: "Quem de vós está isento de culpa?" Então eles foram
saindo de cabeça baixa.
LG - Um mito...
NS - Dionísius.
LG - Uma flor...
NS - A flor de sinete de Spinoza, na qual
encontra-se escrito em latim: "Cuidado que eu tenho espinhos".
LG - Uma lembrança...
NS - São tantas. Talvez a minha mãe sentada ao piano
lá de casa, esperando que chegasse o sabiá; é um pássaro curioso. Hoje ele não
subsistiria. As pessoas por muito menos matam os pássaros. O sabiá é boêmio.
Não vai para o ninho cedo, e canta de noite. Minha mãe com as mãos no plano
esperando que o sabiá chegasse para aprender a melodia do seu canto. Depois ela
achou que estava tão próxima realmente do canto do sabiá que resolveu
acompanhá-lo.
LG - Uma tristeza...
NS - A morte do meu pai. Uma perda imensa. Era muito
ligada a ele. Embora eu admirasse minha mãe por esse lado de artista dela, era
com meu pai que tinha uma ligação mais estreita. Um édipo caprichado.
LG - Uma emoção...
NS - São tantas. Ver por exemplo, um esquizofrénico
que não se relacionava com pessoa alguma, vê-lo abraçado com um cão, mostrando
que a afetividade está viva no esquizofrênico, enquanto os livros dizem que a
afetividade está embotada. Uma destas fotografias, está no meu livro o
"Mundo das Imagens".
LG - Uma saudade...
NS - Da minha casa em Maceió. Até me lembro dos
versos de um poeta que diz assim: "minha mãe, é em ti que eu penso, oh!
casa". Esse é um dos motivos porque eu me recuso a ir a Maceió, prá não
ver essa casa.
LG - E se tivesse que voltar?
NS - Voltava certa de que ia ter uma emoção muito
forte.
LG - É um tempo mítico?
NS - Acho que sim. Acho que Maceió prá mim é um
mito. Uma cidade mítica que estragaram completamente querendo imitar
Copacabana. Eu adoro Maceió. Tenho medo de ir a Maceió.
LG - Quais são os teus medos?
NS - Não saber morrer como um gato, embora a morte
propriamente não me faça medo. É não saber como morrer como os gastos sabem. É
isso que peço que eles me ensinem. Um gato, quando não quer saber de uma
pessoa, levanta a cauda e sai. Não parece que esteja com emoção de raiva como
eu fico às vezes. Desprezo. Sutileza completa. Eles são grandes mestres.
LG - Uma personalidade...
NS - Todo mundo é uma personalidade. Dessas que um
pouco que Você encontra a personalidade. As pessoas geralmente vivem recobertas
pela Persona, que é a máscara do ator. As pessoas vivem representando com as
roupas do ator.
LG - Uma música...
NS - Resumindo eu diria: "As quatro
estações" ou então, o canto do sabiá.
LG - Prá encerrar o que Você gostaria de
dizer.
NS - Gostaria de dizer que o mal que está solto no
mundo atualmente, dentro da complexidade da psique, recuasse um pouco, diante
dos seus opostos.
LG - Esse mal está em todos nós.
NS - Em todos nós e nunca será destruído.
Referências
https://cdn.culturagenial.com/imagens/o-pequeno-prc3adncipe1-0-cke.jpg
https://www.culturagenial.com/frase-tu-te-tornas-eternamente-responsavel-por-aquilo-que-cativas/
https://www.culturagenial.com/frase-tu-te-tornas-eternamente-responsavel-por-aquilo-que-cativas/
https://docgo.net/philosophy-of-money.html?utm_source=livro-reconstruindo-emocoes-miolo-prova
file:///D:/Usu%C3%A1rio/Desktop/Ao%20Entardecer%20De%20Uma%20Exist%C3%AAncia%20-%20Alceu%20Costa%20Filho%20-%20Google%20Livros.html
https://youtu.be/L32R_wutQbE
https://www.letras.mus.br/leandro-e-leonardo/444187/
https://youtu.be/7t6RKPeD-To
https://www.letras.mus.br/biafra/44571/
https://www.youtube.com/watch?v=7t6RKPeD-To&feature=youtu.be
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98931994000100005
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98931994000100005
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