quarta-feira, 9 de abril de 2025

"Faria tudo outra vez."

"Faria tudo outra vez." Entreouvido de uma senhorinha na Praça Presidente Kennedy, na transversal da Rua Padre Café, na Redentora cidade de Juiz de Fora, das Minas e Campos Geraes, não muito longe do Caminho Novo, que ligava Diamantina à Raiz da Serra, nas quebradas da Serra Estrela, para chegar ao Porto do Rio! Nomes que povoam a memória. De Frente Pro Crime Roberta Sá Tá lá o corpo Estendido no chão Em vez de rosto uma foto De um gol Em vez de reza Uma praga de alguém E um silêncio Servindo de amém O bar mais perto Depressa lotou Malandro junto Com trabalhador Um homem subiu Na mesa do bar E fez discurso Prá vereador Veio o camelô Vender! Anel, cordão Perfume barato Baiana Prá fazer Pastel E um bom churrasco De gato Quatro horas da manhã Baixou o santo Na porta bandeira E a moçada resolveu Parar, e então Tá lá o corpo Estendido no chão Em vez de rosto uma foto De um gol Em vez de reza Uma praga de alguém E um silêncio Servindo de amém Sem pressa foi cada um Pro seu lado Pensando numa mulher Ou no time Olhei o corpo no chão E fechei Minha janela De frente pro crime Veio o camelô Vender! Anel, cordão Perfume barato Baiana Prá fazer Pastel E um bom churrasco De gato Quatro horas da manhã Baixou o santo Na porta bandeira E a moçada resolveu Parar, e então Tá lá o corpo Estendido no chão Composição: Adir Blanc / João Bosco.
No artigo "O ‘mau militar’ e o Alto-Comando", Marcelo Godoy critica a atitude de Jair Bolsonaro ao apoiar um pastor que, durante um comício, atacou publicamente a honra dos generais do Alto-Comando do Exército, chamando-os de covardes e omissos. Em vez de repreender o discurso, Bolsonaro o endossou, evidenciando mais uma vez seu histórico de desrespeito às instituições militares e à legalidade republicana — algo que já lhe rendeu o rótulo de “mau militar” por parte do ex-presidente Ernesto Geisel. Godoy também questiona o silêncio de governadores aliados, como Tarcísio de Freitas, que estavam presentes no palanque e não se manifestaram em defesa da honra dos generais. Para o autor, Bolsonaro tenta usar os militares a serviço de seus interesses pessoais, sem compromisso com a democracia ou com os valores das Forças Armadas. O texto conclui que o ex-presidente, ao desrespeitar novamente o Exército e flertar com discursos sediciosos, coloca seus aliados em posição desconfortável, obrigando-os a mostrar se realmente compartilham de suas atitudes e ideias.
quarta-feira, 9 de abril de 2025 O ‘mau militar’ e o Alto-Comando - Marcelo Godoy O Estado de S. Paulo Ao apoiar o ataque à honra dos generais, Bolsonaro obriga os governadores a dizer se estão com o líder Era para ser mais um comício para salvar Bolsonaro. Um grupo de sete governadores compareceu ao palanque do ex-presidente de olho nos votos que o inelegível espargirá sobre a cabeça de seu eleito. Há ainda os que acreditam que ele terá uma solução republicana, em vez da dinástica, para o destino da direita. Tudo parecia mais uma vez tomar o rumo da discussão sobre quantos milhares foram à Paulista e se as ruas seriam suficientes para influenciar os gabinetes parlamentares na distante Brasília. Quem foi ao comício no domingo encontrou um público eclético, assim como os oradores que se revezavam no palanque. Tudo corria como o esperado até um pastor tomar o microfone. Disse o homem: “Cadê esses generais de quatro estrelas, do Alto-Comando do Exército? Cambada de frouxos, cambada de covardes, cambada de omissos. Vocês não honram a farda que vestem. Não é para dar golpe, não, é para marcar posição”. No dia seguinte, em vez de repúdio, o pastor ganhou o apoio de Bolsonaro. E o silêncio de governadores, como o de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ele também capitão do Exército – turma de 1996 da Academia das Agulhas Negras. Pode-se perguntar: afinal, o que Tarcísio pensa dos generais ultrajados? Alguém sabe de onde vem essa mossa do pastor? Ele parecia fazer exatamente aquilo que procurou negar: incitar um golpe. Querer que o poder militar dite o que o poder civil deve ou não fazer é subverter a ordem e a lei, pregar a sedição, a baderna, e tornar letra morta o controle civil objetivo, transformando a República em um estado pretoriano. É desconhecer aquilo que Oliveiros Ferreira escreveu em Elos Partidos. “Na Força Armada não há essa distinção entre o ‘legal’ e o ‘moral’. A conduta ajusta-se ou não aos padrões militares.” Já o que define as ações civis e as do Estado é a legalidade. A mossa do pastor vem de Bolsonaro. O ex-presidente sempre esteve em conflito com a legalidade republicana e com os valores da caserna. Não é por outra razão que Ernesto Geisel o definiu como “um mau militar”. Ao atacar pela enésima vez a honra do Alto-Comando – que nem é mais o mesmo que lhe cortou, em 2022, o caminho da ruptura, tentada em seguida por meio de um golpe de coronéis contra generais –, Bolsonaro revela desprezo pelo nosso Exército. Para ele, este só tem mesmo serventia se estiver a serviço de seus interesses. De Bolsonaro e do pastor ninguém espera mais nada no Forte Caxias. Não deveria ser surpresa o que aconteceu para os governadores que o acompanharam no palanque paulista. Ao tentar salvar sua pele, o ex-presidente pouco se importa se é motivo de novos constrangimentos. Mas quem o acompanha sabe muito bem com quem divide a mesa.
O texto de Elio Gaspari, publicado em O Globo em 9 de abril de 2025, critica a tentativa de Jair Bolsonaro de defender a anistia para os envolvidos nos atos golpistas de 8 de Janeiro. Gaspari argumenta que, ao contrário das anistias históricas de 1945 e 1979, que buscaram a reconciliação nacional após períodos autoritários, a proposta atual é uma manobra política de Bolsonaro para confundir e tirar proveito da situação. O autor destaca a lentidão da Justiça — com muitos presos ainda sem sentença — e aponta que o sistema penal brasileiro, com seus benefícios de progressão de pena, também contribui para distorções. Ele lembra ainda que, mesmo após a anistia de 1979, foi preciso reduzir penas gradualmente para libertar os presos, o que acabou beneficiando também agentes da repressão. Gaspari conclui que o STF, ao misturar os grandes articuladores do golpe com manifestantes do 8 de Janeiro, abriu espaço para Bolsonaro se fortalecer politicamente enquanto houver presos ou condenações severas em andamento.
quarta-feira, 9 de abril de 2025 A anistia virou guerrilha – Elio Gaspari O Globo Bolsonaro defende aquilo que condenou Jair Bolsonaro simula que põe na mesa a carta da anistia para os condenados pelo 8 de Janeiro, mas pretende embaralhar o jogo. Ele e os demais denunciados pela Procuradoria-Geral da República são acusados de tentar um golpe de Estado no exercício de funções públicas. Nada a ver com o batom de uma cabeleireira. As duas últimas anistias no Brasil serviram a regimes exauridos para fechar feridas da política nacional. Assim foi em 1945 e em 1979. (Durante seu governo, Juscelino Kubitschek — 1956-1961 — enfrentou dois levantes de militares aloprados e anistiou-os antes que as feridas se abrissem.) Bolsonaro não conseguiu reunir multidões, mas foi hábil ao embaralhar as cartas, beneficiado pela bizarrice da dureza (teórica) das sentenças já proferidas. O Datafolha informa: 56% dos entrevistados são contra uma anistia para os condenados pelo 8 de Janeiro (há um ano eram 63%) e 37% são a favor (eram 31%). Noutro recorte, 36% acham que as penas impostas deveriam ser menores, e 34% acham que são adequadas, enquanto 25% acreditam que deveriam ser maiores. O sistema penal brasileiro tem uma jabuticaba do tamanho de um mamão. O cidadão condenado por certos crimes tem direito a uma progressão da pena que lhe permite, tendo cumprido sua sexta parte, respeitando algumas condições, deixar a cadeia durante o dia para trabalhar, retornando à noite. Em alguns casos, no regime semiaberto, pode ir para casa com uma tornozeleira eletrônica. Esse sistema tem a melhor das intenções, mas delas o inferno está cheio. Como um condenado a seis anos de prisão pode deixar a cadeia durante o dia ao cabo de um ano, metem-lhe uma pena de 12 para que fique trancado por dois. Formou-se no próprio Supremo Tribunal Federal uma corrente propensa a baixar as penas já impostas. Nada de novo sob o céu de anil. A anistia de agosto de 1979 criou uma geringonça pela qual não seriam beneficiados condenados e encarcerados por práticas terroristas, assaltos ou sequestros. Aqueles que viviam na clandestinidade ou no exterior estavam anistiados; os presos, não. Aos poucos, o Superior Tribunal Militar reduziu as penas e assim, em outubro de 1980, o último preso deixou a prisão, em Fortaleza. Estava na cadeia desde 1971, condenado à prisão perpétua, mais 84 anos. Sua pena foi reduzida para 16 anos e, tendo cumprido a metade, obteve liberdade condicional. Beneficiada pela extensão da anistia aos que cometeram crimes “conexos” (leia-se torturas e execuções), a tigrada não reclamou. Noutra jabuticaba, do tamanho de uma jaca, passados dois anos, 78 dos 155 presos pelo 8 de Janeiro ainda não foram sentenciados. São os presos provisórios. A cabeleireira do batom ainda não foi sentenciada e passou a cumprir prisão domiciliar. Há meio século, o STM desatou o nó. Hoje, o Supremo Tribunal Federal meteu-se no enrosco que dá pista livre a Bolsonaro. Misturando a trama do golpe de Estado de 2022-23, coisa de peixes grandes, a delitos praticados no 8 de Janeiro, deu-se agenda a Bolsonaro. Ele tirará proveito da situação enquanto houver presos provisórios ou pessoas encarceradas por condenações superiores a 12 anos de prisão.
No artigo "O passado reprimido do Brasil", Roberto DaMatta analisa como o Brasil moderno ainda carrega práticas arcaicas, marcadas pelo favoritismo e pelo peso das relações pessoais sobre a impessoalidade da lei. Usando como exemplo a carta de Pero Vaz de Caminha — que, ao relatar o descobrimento do Brasil, aproveita para pedir um favor pessoal ao rei —, o autor mostra como o costume de misturar o público com o privado vem desde as origens do país. Segundo DaMatta, essa cultura persiste até hoje: a lei, que deveria ser impessoal e coletiva, acaba sendo aplicada de forma seletiva — rigorosa para os "inimigos" e flexível para os "amigos". O sistema jurídico e político brasileiro, ainda marcado por apadrinhamentos, jeitinhos e privilégios, é incapaz de se desvencilhar das relações familiares e de amizade, mesmo sob regimes modernos ou democráticos. Ele conclui que a digitalização atual expõe esses antigos vícios com mais clareza, exigindo uma sinceridade que o modelo político tradicional brasileiro, baseado em simpatias e favores, ainda resiste a adotar.
quarta-feira, 9 de abril de 2025 O passado reprimido do Brasil - Roberto DaMatta O Globo A impessoalidade da lei que concretiza os interesses da coletividade é para os outros e, com certeza, para os inimigos O Brasil certamente mudou, mas somos muito incomodados por permanências contraditórias reprimidas na mudança. Testemunhos da incompetência decorrente da ausência de um olhar crítico sobre as simpatias pessoais responsáveis por um sistema jurídico kafkiano, claramente desenhado para anistiar e anular corruptos confessos e inibir conflitos de interesses. Tudo isso produz a certeza desanimadora de que leis e instituições que valeriam para todos são passíveis de particularização se o criminoso tiver o benefício de estar do nosso lado. O exemplo mais contundente dessa afirmação é o documento que oficializa a descoberta ou achamento de nossa terra por Cabral. Nessa carta-certidão, o escrivão da frota reitera ao rei sua lealdade para, em seguida, solicitar um favor. Vale citar o original: — Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro — o que d’Ela receberei em muita mercê. Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. Pero Vaz de Caminha. Nesse palaciano pedido de favor, testemunhamos como o costume fabricado pelo relacionamento pessoal obviamente particular — chamado “empenho” em Portugal — engloba a notícia oficial. É como se o oficial não pudesse se separar (como ocorre até hoje) do pessoal. O particular não se isola do universal, como seria o caso nas formas modernas de dominação. O tarifaço trumpista não tem simpatias ou jeitinhos. Comunica-se ao rei um acontecimento feliz, e seu escrivão — saindo de seu papel institucional — aproveita o evento feliz para pedir um favor para sua filha e seu genro. O particular da casa derrete-se ao oficial, caracterizando uma intrusão vedada pela lógica burocrática existente, mas, como tenho aqui insistido, permanente nos sistemas relacionais. Numa monarquia, o rei é a fonte da lei; numa burocracia, até mesmo os burocratas que engendram regras são, como diz Max Weber, obrigados a segui-la. Esse, observo enfaticamente, é um detalhe permanentemente reprimido, por isso sistematicamente reformulado na vida pública brasileira. O rompimento da lei por um costume — um gesto de esperta consideração — é justamente o que permanece em nosso espaço de “modernização”. Nele, mudamos regimes imaginando ingenuamente que formas de governo mudam hierarquias e favores relacionais estabelecidos no código das reciprocidades do parentesco e da amizade. O que Caminha realizou na carta caracteriza o que chamamos de “política”, que os jornais de hoje noticiam e elaboram. Entre Estado e sociedade; leis e costumes, deveres ligados a cargos públicos e simpatias pessoais, não conseguimos abandonar o relacional. A impessoalidade da lei que concretiza os interesses da coletividade é para os outros e, com certeza, para os inimigos. A intrusão do familístico (a tal fulanização de um saudoso FH) no mundo público é uma forma de prêmio ou vingança. Nosso estilo político trata tal intrusão como dimensão legítima da “política” que, hoje (graças à revolução digital) promove impasse, ineficiência e atraso. Antigamente desvios “saíam no jornal”, hoje pipocam nos iPhones, destruindo segredos particularistas. Tal novidade demanda uma indesejável sinceridade, esse traço avesso a nossa concepção da esfera “política”. Para nós, ser político é ser Pedro Malasartes, como digo em meu velho livro “Carnavais, malandros e heróis”. O favor do apadrinhamento confirma o axioma de Oliveira Vianna, segundo o qual temos coragem para tudo, menos para negar o pedido de um amigo. Somos universalistas e igualitários no papel que afirma — a lei vale para todos! — e somos particularistas nas solidariedades que devemos aos familiares e amigos. Governamos o Estado que é da “rua” — e seria de todos — se relativizássemos ossas simpatias. Se você duvida, leia este jornal!
O artigo "Emendas parlamentares derrubam ministro das Comunicações", de Luiz Carlos Azedo, relata a renúncia do ministro Juscelino Filho, após ser denunciado por corrupção pela Procuradoria-Geral da República. Ele é acusado de desviar R$ 5 milhões para beneficiar a cidade onde sua irmã é prefeita, com suspeitas de fraude em licitação e favorecimento familiar. Com a saída, ele retorna à Câmara dos Deputados, onde volta a ter imunidade parlamentar. A situação de Juscelino expõe um problema maior: o uso irregular das emendas parlamentares, incluindo os casos do chamado "orçamento secreto" (RP9), em que bilhões foram distribuídos sem transparência. A Operação Overclean e a EmendaFest investigam esquemas semelhantes em todo o país, envolvendo superfaturamento, desvio de verbas e fraudes em contratos públicos. Esses escândalos causaram atrito entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso, especialmente após o ministro Flávio Dino suspender o pagamento de milhares de emendas por falta de transparência. Para enfrentar a crise, foi aprovada a Resolução 1/25, que impõe novas regras e exigências de publicidade e justificativas nas emendas. Apesar disso, as investigações continuam e envolvem nomes ligados a vários partidos políticos, revelando a amplitude da corrupção ligada às emendas no Brasil.
quarta-feira, 9 de abril de 2025 Emendas parlamentares derrubam ministro das Comunicações – Luiz Carlos Azedo Correio Braziliense O caso de Juscelino é apenas a ponta de um iceberg na Câmara dos Deputados, para a qual o ministro volta, com as prerrogativas de imunidade parlamentar O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, decidiu pedir demissão do cargo após ser denunciado por corrupção pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Suspeito de participação em esquema de desvio de verbas, a situação do ministro na Esplanada se tornou insustentável, ainda mais porque já estava exposto a desgastes desde quando foi indiciado pela Polícia Federal no ano passado. À época, ele acusou a PF de realizar uma "ação política" e questionou as ações da corporação. Juscelino é acusado de ter desviado recursos públicos no montante de R$ 5 milhões para a cidade de Vitorino Freire, no Maranhão, cuja prefeita é a irmã dele, para asfaltar uma estrada que dá acesso a propriedades da família. A PF também apontou fraude na licitação para fazer a pavimentação. Ontem, a PGR enviou a denúncia ao gabinete do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do caso. A situação criou um enorme constrangimento para o governo. O ministro nega qualquer irregularidade. Gato escaldado por causa da Lava Jato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anda no fio da navalha quando surge alguma denúncia contra um de seus ministros. De um lado, faz uma veemente defesa do direito à presunção de inocência dos investigados, o que o impede de demiti-los de pronto; de outro, porque o tema da ética é uma das questões mais sensíveis para seu governo, para o qual qualquer escândalo de corrupção pode ser fatal do ponto de vista de imagem, devido à memória do mensalão e da Lava Jato. A ministra das Relações Institucionais (SRI), Gleisi Hoffmann, e o presidente do União Brasil, Antônio Rueda, já estão negociando a substituição de Juscelino na pasta. O indicado pela legenda é o líder do União na Câmara, deputado Pedro Lucas Fernandes (MA). Hoje, provavelmente, a saída do ministro será formalizada com o rito tradicional: deixará o cargo para cuidar da própria defesa. O caso de Juscelino é apenas a ponta de um iceberg na Câmara dos Deputados, para a qual o ministro volta, com as prerrogativas de imunidade do mandato parlamentar, entre as quais o direito ao sigilo das investigações. As apurações sobre emendas parlamentares no Brasil decorrem de suspeitas de desvio de recursos públicos, corrupção, favorecimento político e mau uso do dinheiro destinado a obras e projetos nos estados e municípios. São emendas propostas por deputados ou senadores, geralmente para seus redutos eleitorais. No caso do chamado orçamento secreto (RP9), descobriu-se que bilhões de reais em emendas de relator eram distribuídos sem critérios públicos claros, favorecendo aliados do governo. Há várias operações em curso, envolvendo dezenas de parlamentares. As investigações Em 3 de abril de 2025, a PF, em conjunto com a Controladoria-Geral da União (CGU), deflagrou a terceira fase da Operação Overclean. Foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão em Salvador, São Paulo (SP), Belo Horizonte e Aracaju. A investigação apura um esquema de corrupção e desvio de R$ 1,4 bilhão em recursos públicos, envolvendo superfaturamento de contratos e fraudes em licitações relacionadas a prefeituras e ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). Os crimes teriam ocorrido entre 2018 e 2024 e envolvem pessoas ligadas a oito partidos políticos: MDB, PP, PSD, PSDB, PT, Republicanos, Solidariedade e União Brasil. A Operação EmendaFest, deflagrada em 13 de fevereiro de 2025, investiga desvios de recursos públicos provenientes de emendas parlamentares destinadas a um hospital no Rio Grande do Sul. Foram cumpridos 11 mandados de busca e apreensão e dois de busca pessoal. Entre os alvos, estão Cliver André Fiegenbalfm, diretor administrativo e financeiro da Metroplan, e Lino Rogério da Silva Furtado, secretário parlamentar do deputado federal Afonso Motta (PDT-RS). Ambos foram afastados de suas funções públicas. Essas investigações geraram um impasse entre o Supremo e os líderes do Congresso, depois que Flávio Dino, às vésperas do Natal do ano passado, determinou a suspensão do pagamento de 5.449 emendas de comissão, que somam R$ 4,2 bilhões do Orçamento da União, por falta de transparência. Diante da suspeita de irregularidades nas emendas, o ministro determinou a abertura de investigação pela Polícia Federal. A aprovação do Orçamento da União foi suspensa até que se chegasse a um acordo com relação aos critérios de transparência para distribuição das emendas. Em março de 2025, o Congresso Nacional promulgou a Resolução 1/25, estabelecendo novas regras para a apresentação e indicação de emendas parlamentares ao Orçamento. Entre as principais alterações estão a obrigatoriedade de atas públicas das reuniões que decidem sobre as emendas e a exigência de justificativas detalhadas para as emendas de comissão e de bancada estadual. Essas ações refletem um esforço contínuo para aumentar a transparência e a fiscalização no uso das emendas. Em segredo de justiça, os ministros Flávio Dino e Cármen Lúcia são responsáveis pelo maior número de inquéritos, com três casos sob a relatoria de cada um. Os ministros Luiz Fux, Nunes Marques e Cristiano Zanin relatam dois inquéritos cada, enquanto o ministro Gilmar Mendes é responsável por um inquérito sobre corrupção em emendas no Ceará.
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O artigo "Trump e o populismo tarifário com jeito de faroeste", de Wilson Gomes, analisa as recentes medidas tarifárias anunciadas por Donald Trump não do ponto de vista econômico, mas sim da comunicação política. Segundo o autor, Trump atua como um populista de direita, construindo uma narrativa onde os EUA são a vítima de elites corruptas e de uma ordem global exploradora. Sua retórica se baseia em três pilares: vitimismo nacionalista, compensação histórica e punição exemplar aos supostos culpados. As tarifas impostas a países estrangeiros, embora criticadas por analistas econômicos, funcionam como um instrumento simbólico de vingança e justiça. Para Trump, o importante não é a lógica econômica, mas o efeito emocional de punir aqueles que “roubaram empregos e fábricas americanas”. Gomes compara o discurso de Trump ao roteiro de um faroeste moral, onde ele se apresenta como o “novo xerife” que chegou para restaurar a ordem — com balas e murros, se necessário. No fundo, o ex-presidente oferece não uma política comercial, mas um espetáculo político de ressentimento e revanche, que agrada à parcela da população que se sente traída e esquecida pelo sistema.
quarta-feira, 9 de abril de 2025 Trump e o populismo tarifário com jeito de faroeste - Wilson Gomes Folha de S. Paulo Na guerra das tarifas, Trump encena western moral em que a punição vale mais que a economia Não sou capaz de opinar sobre a racionalidade econômica por trás da guerra tarifária em que Trump empenhou seu governo nos últimos dias. Deixo a dor de cabeça para quem entende de comércio internacional. Mas gostaria de examinar essa confusão do ponto de vista da política ou, mais precisamente, da comunicação política. Mesmo porque tenho a impressão de que Trump entende tanto quanto eu sobre comércio e tarifas —e é na arena das narrativas e dos imaginários que está, de fato, jogando o seu jogo. E se tudo parece desconcertante sob a ótica econômica, talvez no campo da comunicação política as coisas se esclareçam. Trump é um populista de direita, é essa a sua persona pública —e ele ainda não saiu do personagem. O contrato que o populista estabelece com seus seguidores é simples: ele é o campeão do povo contra a exploração e a traição das elites. O povo, neste caso, é a nação em seus estratos mais profundos: o americano médio, trabalhador e empobrecido por ser vítima, ao mesmo tempo, de um Estado que mete a mão no seu bolso e do globalismo que se aproveita do país. O populismo opera com uma equação sem variações: há um povo bom, uma elite exploradora e um líder vinculado organicamente ao povo, que busca o poder para reparar essa injustiça. Por isso, Trump estrutura sua retórica sobre três pilares centrais: o vitimismo (nacionalista), a exigência de compensações e, agora com nitidez, a punição exemplar dos culpados. O primeiro inverte os papéis: os EUA, vistos como potência imperial, aparecem como nação humilhada por seus aliados e adversários. O segundo transforma a reparação em questão de justiça histórica. E o terceiro —o mais brutal e eficaz— promete fazer os exploradores sofrerem. Esse tripé retórico esteve escancarado no discurso do chamado Liberation Day, na semana passada. Trump declarou que "por décadas, nosso país foi saqueado, pilhado, estuprado e explorado" e que "trabalhadores americanos assistiram, impotentes, à destruição do sonho americano enquanto líderes estrangeiros roubavam seus empregos e fábricas". O mais absoluto vitimismo: a nação como vítima passiva da pilhagem mundial, enquanto uma elite nacional cúmplice a tudo assistia. A resposta vem sob a forma de uma vingança organizada e institucional. "Este é o Dia da Libertação", declarou Trump, com pompa e vaidade. "É a nossa declaração de independência econômica." E, com isso, anunciou tarifas punitivas sobre automóveis estrangeiros e novas exigências para países que desejem acesso ao mercado americano: "Se quiser tarifa zero, construa aqui". Aqui entra a lógica da compensação —mas com um detalhe central: essas tarifas não são apenas uma medida econômica, são castigo. Um mecanismo de correção simbólica que faz os supostos culpados —os países que "nos exploraram"— sentirem na pele o peso da justiça retributiva. As tarifas, nesse registro, pouco têm a ver com racionalidade econômica. Podem ser um absurdo técnico —e os analistas de mercado quase unânimes as tratam como tal—, mas fazem sentido no campo da retórica política. Para Trump, elas são o chicote que desce no lombo dos que "por muito tempo se aproveitaram de nós", um prazer punitivo que o povo americano merece ver e saborear. Afinal, o que importa é o espetáculo da restituição, da revanche e da punição dos que "nos humilharam". "Eles vão pagar um preço alto", prometeu. "E, pela primeira vez em muito tempo, o povo americano vai vencer." Essa retórica —que ora se vitimiza, ora agride— alterna dois modos populistas clássicos. No modo vitimista, Trump apresenta o povo americano como explorado por uma elite global e traído por suas próprias lideranças políticas e culturais. No modo valentão, encarna o macho alfa que chegou para limpar a cidade: o novo xerife do Velho Oeste do comércio internacional, disposto a restaurar a decência nem que seja à base de balas e murros. Trump talvez não entenda nada de comércio internacional. Mas entende tudo de ressentimento, espetáculo e gozo punitivo. E é nisso que aposta: na satisfação que a vingança política oferece aos que se sentem derrotados, empobrecidos e esquecidos por um sistema que, ao longo das décadas, os transformou em número, estatística e dano colateral. No fundo, o que ele oferece não é uma política comercial. É o roteiro de um western moral: o povo foi roubado, o herói chegou e alguém vai pagar com sangue por cada lágrima derramada. Se vai dar certo, não sei, mas o enredo é esse. Falta só combinar com a realidade.

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