terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Pressão cresce…

Campos neto lendo a resposta no Roda
*** Roberto Campos Neto, sob pressão, vê 'perda de flexibilidade' com mudança de meta da inflação - Estadão *** *** Câmpus, Campus ou Campi QUAL É A CORRETA? *** no caso, o acusativo era campum (plural campos ), que daria campo , assim como temos lobo , fumo , longo , todo. *******************************************
*** Cresce pressão para Congresso derrubar vetos de | Direitos Humanos *** A convicção e a argumentação clara de André Lara Resende no Canal Livre, comparadas com a posição defensiva de Roberto Campos Neto, no Roda Viva, fortalecem os ataques de Lula aos juros altos do BC. Pressão cresce… 8:38 AM · 14 de fev de 2023 · Tweet Fernando Mitre https://twitter.com/fernandomitre/status/1625459478664556546?s=48&t=UdsWaWj5IZZ5Wan5NxhrJQ **********************************
*** Maria Cristina Fernandes - Para Lara Resende, equipe conciliatória expõe Lula frente ao BC Valor Econômico Economista propõe manutenção da meta de inflação e definição de regime fiscal A proposta do novo regime fiscal deveria ter aberto a pauta econômica do governo no Congresso. A proposta de reforma tributária do governo é boa, mas está na praça há algum tempo e enfrenta muita resistência. Para aprová-la, o governo corre o risco de queimar cartuchos que podem lhe faltar no debate do regime fiscal. Ao se expor nesta contestação aos métodos do atual governo, sem aviso prévio aos titulares da economia, André Lara Resende não aceita a visão de que esteja a atropelar o Ministério da Fazenda, instância responsável pela condução do debate com o Congresso. “Não sou governo, mas torço pelo bem do Brasil e não sou obrigado a concordar com tudo”, diz, em conversa de vídeo com o Valor na tarde desta segunda-feira (13). Integrante da equipe da transição na economia, ao lado do ministro Fernando Haddad, Lara Resende foi insistentemente convidado para integrar a Pasta, mas preferiu compor um comitê consultivo do BNDES que discute estratégias de desenvolvimento. Resolveu se manifestar de maneira mais contundente porque vê uma equipe econômica conciliatória enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deveria atuar como mediador, fica excessivamente exposto no debate. Não entende como Lula passou a ser visto como um radical 40 dias depois de ter escolhido não apenas Haddad como Simone Tebet para o Planejamento e o vice-presidente Geraldo Alckmin para o Ministério da Indústria e Comércio. “Ele montou um ministério conciliador que não estava enfrentando a arrogância do Banco Central e ele foi obrigado a sair a campo”. Não há tema na economia em que se veja impedido. Vai da Fazenda - “Haddad não precisa concordar comigo. O ministro é ele. Tem opiniões divergentes dentro do governo, dirá fora” - ao Planejamento - “Simone disse que o déficit é insustentável e que o país deve evitar gasto desnecessário. Se alguém propôs gasto desnecessário não deveria ser ministro”. Haddad ficou de apresentar o regime fiscal até abril e aposta na tramitação conjunta. Lara Resende não apenas descrê disso como vê o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tramando para queimar os cartuchos do governo. Na inexistência da proposta de regime fiscal, deu prioridade à reforma tributária, onde há contestações encasteladas como a dos escritórios de advocacia. Alinha-se, no regime fiscal, ao que propõe o ex-economista chefe do FMI, Olivier Blanchard, hoje professor no Massachussetts Institute of Techology (MIT), que reputa como o melhor economista da atualidade. Em artigo de 2021, Blanchard diz o seguinte: “Padrões, ao contrário de regras, distingue o bom e o mau comportamento fiscal em termos qualitativos e não numéricos”. Frouxo demais? O autor diz que não: “A Comissão Europeia deve bloquear orçamentos não condizentes com os padrões fiscais”. Lara Resende migra com muito mais contundência para a política monetária quando diz que só o Brasil continua fixado na ideia de que juro combate inflação. Retoma o argumento do último artigo publicado no Valor (“O precipício fiscal e a realidade”, 07/02/2023), quando diz que entre 2021 e 2022, a elevação da taxa de juros pelo BC teve um impacto fiscal equivalente ao triplo da PEC da transição. E apesar de tudo isso, diz, o Brasil fez superávit de 1,3% e tem uma relação dívida/PIB de 73%. Seu artigo despertou reações e mobilizou argumentos como o de que isso só foi possível porque o Brasil cresceu mais no ano passado do que se prevê que cresça este ano. E também que o país contou com dividendos de estatais, o que não acontecerá em 2023, ou, ainda, que haverá reajuste real do salário mínimo e do funcionalismo. Mal ouve a contraposição, acusa os proponentes de “terroristas fiscais” movidos pela má-fé: “Só gosto do debate inteligente, não do indigente”. Não aceita, por exemplo, que os mesmos que preveem crescimento menor advoguem a manutenção da taxa de juros reais em 8%, “o dobro da segunda maior do mundo (México e Chile)”. Cita o balanço dos bancos e a crise do varejo como sinais da gravidade da contração de crédito e evidências pela redução do juro. Recorre ao economista americano Jeffrey Sachs, que, em passagem recente pelo Brasil, se mostrou inconformado com as razões pelas quais um país saneado fiscalmente e com dívida quase integralmente nas mãos de residentes, tenha taxas de juros tão altas. Credita ao “pânico das expectativas” a posição do Brasil, em ratings de investimento, inferior a Peru e Turquia. É “patético” diz, que a expectativa seja ditada pelo mercado e não pelo formador de preços. Diz que o BC está capturado pelos interesses que deveria regular. Vê o rentista se financiar lá fora e aplicar na taxa de juro brasileira três vezes maior e sem risco cambial. Não vê embate com o mercado que o banco não possa enfrentar com reserva e derivativo. “Deixa eu sentar lá pra ver se o mercado vai encarar”. A frase leva à óbvia constatação de que aceitaria a presidência do BC. “Isso é pergunta que se faça? Qualquer pessoa competente que sente lá não ficaria refém do mercado”. Partidário da autonomia do BC, Lara Resende vê-se numa preleção pedagógica. Diz que Campos Neto deve permanecer no cargo. “Ele não é o único voto no Copom e está submetido ao Conselho Monetário Nacional. Basta que ele, inteligente como é, não confronte um governo legitimamente eleito”. Atribui o silêncio dos empresários contra os juros, solitariamente rompido pelo presidente da Fiesp, Josué Gomes, nesta segunda, ao encolhimento da indústria e ao desaparecimento, na finança, de grandes banqueiros que também foram homens públicos, como Olavo Setúbal e Walter Moreira Salles. “Hoje o sistema financeiro é o lúmpen de assets”. Surpreende, portanto, que, indagado sobre o voto que daria na reunião do CMN, diz que não mudaria a meta. “Só gera ruído. Não se deve ser condescendente com inflação. Você pode explicar se não atingir a meta. O que está errado é a taxa de juro”. Lembrado que Lula elegeu-se por uma coalizão de forças que extrapola a esquerda, diz que o presidente só pode liderar a reconciliação do país e a reconstrução de um centro político se colocar o país na rota do crescimento. A um amigo que o acusou de ser anti-establishment, disse: “Sou establishment. Minha cruzada é contra a burrice e o dogmatismo suicida”. E se despede citando o ex-ministro Pedro Malan, que, ao vê-lo exaltado, lembrou-lhe de um político inglês. Em trechos de seu discurso, ele anotava: “Aumentar o tom de voz porque o argumento é fraco”. No seu caso, espera que o tom só reflita a indignação. https://mundovelhomundonovo.blogspot.com/2023/02/voltei-o-linda.html *********************************************************************
*** “…Campos planando na plano no Roda…”Acento de Maia na 13/02/2023 *** RODA VIVA Roda Viva | Roberto Campos Neto | 13/02/2023 *** Da Redação 13/02/2023 20h29 O #RodaViva desta segunda-feira (13) entrevista o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Roberto Campos Neto assumiu a presidência do Banco Central em 2019. Indicado pelo então presidente Jair Bolsonaro, o economista é defensor da autonomia do BC. A apresentadora Vera Magalhães destaca que Campos Neto não costuma conceder muitas entrevistas. "Ouvi-lo neste momento em que o presidente Lula intensifica as críticas a ele e à autonomia do BC será de extrema relevância jornalística”, frisa a jornalista. A bancada de entrevistadores é formada por Alex Ribeiro - repórter especial do Valor Econômico; Alexa Salomão - repórter da Folha de S.Paulo; Carlos Alberto Sardenberg - jornalista da CBN; Alvaro Gribel - colunista do jornal O Globo; e Adriana Fernandes - repórter especial e colunista do jornal O Estado de S.Paulo. A apresentação do programa é de Vera Magalhães. https://cultura.uol.com.br/programas/rodaviva/videos/12378_roda-viva-roberto-campos-neto-13-02-2023.html ************************************************** ELES VÊM AÍ *** *** Maria Bethania "Drama-Luz da Noite" 1973 DVD ***
*** Maria Hermínia Tavares* - Isolar os radicais para desradicalizar a política Folha de S. Paulo Direita radical representa algo como 1/4 do eleitorado A imensa maioria dos ricos e muito ricos certamente votou em Bolsonaro nos dois turnos. Muitos deles, decerto, terão desejado que, vitorioso, Lula não conseguisse tomar posse. É provável que alguns tenham ajudado de diferentes formas a invasão golpista de 8/1. É de esperar que as investigações em curso os identifiquem. Mas é irrealista imaginar que seja obra exclusiva deles a fracassada tentativa de negar pela força a vontade das urnas. Muito menos supor que a direita neles se esgote. A força dos populismos de ultradireita que prosperam mundo afora –assim como a de seus antecessores do nazifascismo– vem do fato de serem policlassistas, ou seja, recrutam adeptos em diferentes estratos da sociedade e, sobretudo, mostram-se capazes de atrair a simpatia de contingentes consideráveis das camadas populares. Daí por que constituem alternativa eleitoral viável; nessa medida, quando a disputa é polarizada, acabam conquistando o voto dos mais moderados. Eis o ponto: o populismo golpista e autoritário é perigoso exatamente porque pode vencer eleições dentro das regras da democracia. No Brasil, desde 2018, a falange que abomina essa mesma democracia comanda nas contendas presidenciais um campo político e social mais amplo, amalgamado no antipetismo. Lá estão pessoas de diferentes níveis de renda, riqueza, valores políticos e crenças religiosas. Estudiosos da opinião pública calculam que a direita radical, hoje encarnada no populismo bolsonarista, represente algo como 1/4 do eleitorado —uma minoria robusta, radicalizada e fiel ao líder. Sua ascensão, nas circunstâncias muito peculiares da crise política que se seguiu ao impeachment de Dilma Rousseff, deveu-se em boa medida ao fato de ter sido capaz de apresentar um candidato popular, com cara de brasileiro comum —logo, eleitoralmente mais promissor do que os egressos da elite política tucana. Impossível prever se o populismo de extrema direita continuará a encarnar o antipetismo em âmbito nacional. Afinal, a máquina de ódio e mentiras alimentada durante quatro anos pela Presidência da República teve efeitos: criou uma cisão profunda na sociedade, dividiu famílias, destruiu amizades e enclausurou pessoas comuns em circuitos fechados de absurdas crenças compartilhadas. Mas bem fariam os democratas e progressistas se não simplificassem o campo opositor e, ao revés, tratassem de entender e falar para os milhões de brasileiros que, tendo embora votado em Bolsonaro, não são extremados nem golpistas, muito menos ricos. Afinal, desradicalizar a política não significa senão isolar os radicais. *Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap. ********************
*** "Um banco, de preferência, importado de uma loja de móveis de Nuremberg." *** Ruy Castro - De Nuremberg para Bolsonaro Folha de S. Paulo Os ministros de seu governo sabiam o que estava acontecendo aos yanomamis As imagens dos yanomamis em condições subumanas, com as costelas da fome, doentes, agonizantes ou mortos remeteram o mundo às vítimas dos campos de concentração nazistas da Segunda Guerra. Desde o começo da guerra sabia-se da existência desses campos e que eles deviam ser palco de maus-tratos e de mortes de judeus, mas não se tinha a dimensão da tragédia. Foi preciso que, com a rendição da Alemanha, os Aliados penetrassem neles para que fosse conhecido o tamanho do horror. Da mesma forma, por mais que se soubesse que Bolsonaro e os militares que ele corrompeu tinham aberto a Amazônia a um vasto catálogo de bandidos —invasores de terras, garimpeiros ilegais, desmatadores, assassinos de aluguel, estupradores e traficantes de drogas, armas e pessoas—, o Brasil não tinha consciência de até que ponto isso estava atingindo os yanomamis. É possível que o povo alemão ou parte dele desconhecesse a realidade dos campos de extermínio ou não quisesse acreditar neles. Mas, assim como a burocracia nazista sabia o que se passava, vários ministros de Bolsonaro —pelo menos os do Meio Ambiente, da Saúde, da Defesa, da Justiça, da Agricultura e da Mulher, Família e Direitos Humanos, além dos três comandantes e demais militares que atuaram na Amazônia— também sabiam da situação dos yanomamis. Se mais não fosse, há dezenas de provas de que eles foram alertados. Mas a boiada precisava passar. O genocídio dos yanomamis está agora escancarado. Isso não trará os seus mortos de volta, mas, se se fizer justiça, Ricardo Salles, Damares Alves, Braga Netto, Eduardo Pazuello, Marcelo Queiroga, Tereza Cristina, Hamilton Mourão e muitos outros terão de se sentar ao lado de Bolsonaro no banco dos réus. Um banco, de preferência, importado de uma loja de móveis de Nuremberg. ****************************************************************************
*** 'O cientista político Luiz Werneck Vianna, logo no começo do governo Bolsonaro, foi um dos intelectuais a primeiro destacar que a democracia brasileira estava sob alto risco, não apenas por causa de um governo reacionário, “que faz do seu desmonte o seu objetivo estratégico”, mas também porque “uma parte de sua sociedade abandonou sua afeição por ela”. Uma de suas causas foi “o descaso com a organização da vida popular e a descrença no papel que uma cidadania ativa pode desempenhar nas democracias”.' *** Luiz Carlos Azedo - Encontro de Lula com Biden muda o eixo da política externa Correio Braziliense A viagem do petista aos Estados Unidos e seu encontro com o presidente Biden demonstram que a rota histórica de nossas relações internacionais se mantém tendo por norte o Ocidente A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Casa Branca, para um encontro com o presidente Joe Biden, muda o eixo da política externa brasileira, que volta ao Ocidente, por razões geopolíticas e político-ideológicas. Se num primeiro momento a política externa do governo de Jair Bolsonaro fora de alinhamento absoluto com a política de Donald Trump, com a vitória do democrata a política externa brasileira havia nos levado a um afastamento dos Estados Unidos e a uma aliança tácita com os regimes iliberais da Europa Oriental, da África e do Oriente Médio. Bolsonaro estava se tornando um espelho do presidente russo Vladimir Putin. O cientista político Luiz Werneck Vianna, logo no começo do governo Bolsonaro, foi um dos intelectuais a primeiro destacar que a democracia brasileira estava sob alto risco, não apenas por causa de um governo reacionário, “que faz do seu desmonte o seu objetivo estratégico”, mas também porque “uma parte de sua sociedade abandonou sua afeição por ela”. Uma de suas causas foi “o descaso com a organização da vida popular e a descrença no papel que uma cidadania ativa pode desempenhar nas democracias”. Muito antes do assalto aos palácios da Praça dos Três Poderes, Werneck nos advertia dos riscos de que uma “ralé de novo tipo, com extração nos setores das camadas médias, em busca da fama e da riqueza fácil, inebriadas pelo mito pós-moderno da personalidade”, vislumbrasse na sociedade indefesa a sua hora e a sua vez. Dizia que a infiltração desses vândalos em postos importantes no sistema da representação política era uma grave ameaça “à obra ainda inacabada da civilização brasileira”. “O Brasil não é uma ilha, e faz parte desde sua origem do sistema capitalista mundial, filho do Ocidente, sua formação nacional se forjou sob a influência das correntes de ideias que nos vinham da França, no Império, segundo a modelagem operada pelo Visconde do Uruguai, e, na República, dos EUA, que inspiraram em larga medida a sua primeira Constituição em 1891, obra em grande parte derivada da influência de Ruy Barbosa na sua redação”, dizia. A derrota de Bolsonaro interrompeu o caminho para a barbárie, mas parece que a verdadeira dimensão dos riscos que corríamos está se perdendo, mesmo diante do que aconteceu no dia 8 de janeiro. Lula está sendo tratado por nossas elites, principalmente aquelas que apoiaram Bolsonaro no primeiro e segundo turnos, como um líder populista terceiro-mundista de meados do século passado, ao contrário da percepção da opinião pública mundial e da maior parte dos líderes do Ocidente. E, às vezes, parece gostar disso. Raízes do Brasil Nesse aspecto, a viagem de Lula aos Estados Unidos e seu encontro com o presidente Biden demonstram que a rota histórica de nossas relações internacionais se mantém tendo por norte o Ocidente. Retoma-se o eixo democrático da diplomacia do Barão do Rio Branco, de Joaquim Nabuco e de Osvaldo Aranha. Oriente e Ocidente não são apenas espaços geopolíticos, são culturas, valores e conceitos que remontam há 4 mil anos de processo civilizatório, desde a antiguidade grega. A história viajou do Oriente, seu começo, para o Ocidente, a sua modernidade. A pós-modernidade, porém, por causa da China, é uma nova disputa entre Ocidente e Oriente no plano das estruturas políticas. O Brasil não tem como fazer um percurso diferente, mesmo tendo um pé no Oriente ibérico, como nos mostrou Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil. Um dos traços característicos dos povos ibéricos é a cultura da personalidade, que consiste em se apegar a uma pessoa, mais do que a seus títulos ou posição social. O personalismo é a marca de uma sociedade que não consegue se organizar por si mesma. Relações sociais são marcadas pela empatia, seja a familiar, seja de afinidade. O personalismo, portanto, atravessa todas as camadas sociais. Nele, a obediência também é vista como virtude e sinônimo de lealdade. Um pouco da polarização política existente no país decorre desse fenômeno, que vale para Bolsonaro e para o presidente Lula. Entretanto, Lula tem a obrigação de compreender os riscos desse fenômeno. A herança da escravidão e a da estrutura agrária colonial estão na raiz da desigualdade social brasileira, da formação da nossa elite econômica e política tradicional. Isso tudo tem um preço. Acabamos de nos livrar de um governo inspirado na experiência neoliberal chilena, que trabalhou para desconstruir o acervo social-democrata dos governos da redemocratização, mas também a herança liberal republicana que deu sustentação ao Estado brasileiro nos momentos de predomínio da democracia na vida nacional. Talvez a conversa de Lula com Biden nos ajude a olhar para a frente. O presidente norte-americano acaba de fazer um discurso sobre o Estado da Nação que reposiciona os Estados Unidos em várias dimensões. As mais importantes são a defesa da democracia e de uma política econômica voltada para a reindustrialização do país, defesa do meio ambiente, combate às desigualdades e inclusão das minorias. Entretanto, o fantasma de Donald Trump, que manteve seu controle sobre o Partido Republicano e lidera a extrema direita norte-americana, ronda a Casa Branca. Existe muita convergência entre a situação de Biden e a de Lula. Isso é muito mais importante do que as boas relações com Argentina, Venezuela e Cuba. ************************************************************************* "O xamã Davi Kopenawa Yanomami escreveu e publicou um livro, em coautoria com o antropólogo francês Bruce Albert - “A queda do céu: Palavras de um xamã yanomami” -, justamente para explicar ao branco o que são os indígenas e, sobretudo, o que são os brancos, coisa que os brancos não sabem." ***
*** sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023 José de Souza Martins* - A tragédia yanomami Eu & Fim de Semana / Valor Econômico Não são os indígenas que devem compreender e acatar os brancos. São os brancos que devem compreender os indígenas, reconhecer-lhes o direito à diferença e respeitá-la Uma tradição, ainda que relutante, de respeito pelos direitos territoriais dos nossos indígenas, desde o período colonial, desde o Diretório dos Índios do Grão Pará e Maranhão, de 1755, foi desconsiderada cada vez mais a partir da economia do regime militar. Desde que a frente de expansão do café começou a ocupar o “sertão desconhecido” de São Paulo, nas décadas finais do século XIX, bugreiros, profissionais do genocídio, eram pagos para liquidar indígenas, levando como comprovante do “serviço” para os patronos do extermínio os pares de orelhas de suas vítimas. Hoje, mudou o estilo da violência, mas o propósito continua o mesmo: “limpar” o país de seus nativos imemoriais e usurpar-lhes os meios de sobrevivência, a terra e os recursos naturais. O ideólogo autoidentificado da tragédia imposta aos yanomami é Jair Bolsonaro. Ele deixou um rastro de sua fixação adversa nesse povo brasileiro. Em 1993, deputado federal recente, apresentou projeto para anular decreto de 1992 que homologara a demarcação administrativa da terra Yanomami. O escritor Lira Neto publicou há pouco, no “Diário do Nordeste”, um cuidadoso estudo sobre suas teimosas investidas contra a demarcação daquele território. Num discurso, em 16 de abril de 1998, publicado no Diário da Câmara dos Deputados, p. 957, afirmou: “... a Cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a Cavalaria norteamearicana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema em seu país - se bem que não prego que façam a mesma coisa com o índio brasileiro...”. Trata-se de uma característica do discurso bolsonarista: a recomendação implícita e a ressalva autoprotetiva do duplo dizer. Fica por conta dos ingênuos úteis a interpretação e a ação decorrentes, como no caso da terra Yanomami e, também, no da intentona de 8 de janeiro. Num país em que palavra de pastor evangélico, de militar e de político é tomada pelo vulgo como recomendação legítima, e não é, pode-se ver o quanto essa atitude tem a ver com a tragédia de agora. Não só a palavra, mas também os gestos. Caso da visita de Bolsonaro, em 2021, citada por Lira Neto, a um garimpo ilegal, em Roraima, para uma confraternização com os garimpeiros, em terra indígena vizinha ao território yanomami. Bolsonaro baseia-se na concepção impressionista e antiantropológica de que aqueles índios ocupam o equivalente a duas vezes a extensão do estado do Rio de Janeiro, sendo no entanto menos numerosos do que a população fluminense. A ignorância implícita nesse tipo de discurso não leva em conta que são sociedades antropologicamente diferentes, com visões radicalmente distintas da relação homem-natureza, da relação entre os seres humanos e da própria concepção de destino. Se essa mentalidade pseudoempresarial fosse correta, empresas não iriam à falência, não precisariam de subsídios do Estado, como os milhões que foram transferidos dos cofres públicos para empresas privadas a partir do regime militar para ocupação econômica da Amazônia. Os diferentes povos indígenas têm suas próprias e legítimas concepções da vida, do modo de viver e de trabalhar, de proteger a natureza e mesmo de morrer. Na tradição yanomami mais antiga, o funeral é um complicado rito antropofágico, que deve ser cumprido pelos parentes do morto, cremado, as cinzas misturadas num mingau de banana a ser comido por eles para que seu corpo retornasse à vida pela via do parentesco. Os brancos das religiões cristãs não estranham que suas crenças tenham como fundamento o sacramento da Eucaristia, por meio da qual o fiel se torna membro do corpo de Cristo: corpo e sangue que ele digere, um rito simbólico antropofágico. O comandante do Exército anunciou que pretende empregar antropólogos como colaboradores de uma solução para o caso yanomami. Chegou a mencionar a hipótese de convocar os indígenas para o serviço militar. O que só complicaria a situação. Os valores de quartel, uma instituição total, bloqueada à compreensão da diversidade social, pois só reconhece a da hierarquia, acabariam dessocializando os indígenas e aniquilariam o que lhes resta como referência de identidade. Não são os indígenas que devem compreender e acatar os brancos. São os brancos, e nesse caso os militares, que devem compreender antropologicamente os indígenas, reconhecer-lhes o direito à diferença e respeitá-la. Sem isso, não haverá Brasil. O xamã Davi Kopenawa Yanomami escreveu e publicou um livro, em coautoria com o antropólogo francês Bruce Albert - “A queda do céu: Palavras de um xamã yanomami” -, justamente para explicar ao branco o que são os indígenas e, sobretudo, o que são os brancos, coisa que os brancos não sabem. *José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de "As duas mortes de Francisca Júlia - A Semana de Arte Moderna antes da semana" (Editora Unesp, 2022). ****************************** *** Você Não Entende Nada Gal Costa *** Quando eu chego em casa nada me consola Você está sempre aflita Lágrimas nos olhos, de cortar cebola Você é tão bonita Você traz a coca-cola eu tomo Você bota a mesa, eu como, eu como Eu como, eu como, eu como Você não está entendendo Quase nada do que eu digo Eu quero ir-me embora Eu quero é dar o fora E quero que você venha comigo E quero que você venha comigo Eu me sento, eu fumo, eu como, eu não aguento Você está tão curtida Eu quero tocar fogo neste apartamento Você não acredita Traz meu café com suita eu tomo Bota a sobremesa eu como, eu como Eu como, eu como, eu como Você tem que saber que eu quero correr mundo Correr perigo Eu quero é ir-me embora Eu quero dar o fora E quero que você venha comigo E quero que você venha comigo compositores: Caetano Emmanuel Veloso Divino Maravilhoso (2005) - Gal Costa Gravadora: Ano: 2005 Faixa: 12 *****************
*** "A liberdade de imprensa requer que o jornalista tenha o direito de não expressar o que não quer. No caso presente, para sorte do País, prevaleceu o bom senso democrático." *** Eugênio Bucci - Muito mais que liberdade de expressão O Estado de S. Paulo. Conversas que repórteres mantiveram com suas fontes e resolveram não levar a público devem ser protegidas, não expostas pela Justiça Na semana passada, aconteceu de novo. Um pequeno incidente veio mostrar, mais uma vez, que a cultura política e a cultura jurídica brasileiras ainda não compreendem bem a substância da liberdade de imprensa. Desta vez, o episódio ocorreu no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF). O despacho em que o ministro Alexandre de Moraes solicitou a empresas jornalísticas que entregassem a íntegra dos áudios de entrevistas concedidas pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES) tropeçou numa hesitação inicial reveladora, que deveria nos servir de alerta. Conforme noticiado amplamente, a primeira versão da ordem judicial estabelecia multa para quem não a cumprisse e – ainda mais preocupante – não deixava claro se o magistrado exigia a apresentação de todos os diálogos gravados com o senador ou apenas daqueles que tivessem sido efetivamente publicados pelos órgãos de imprensa. Em seguida, numa benfazeja correção de curso, as coisas se acertaram: além de retirar a previsão de multa, o ministro explicitou que estava se referindo apenas aos conteúdos, nos termos dele, “já publicizados”. Ficou melhor assim. Ficou direito, como deve ser. Do Val, você sabe, é aquele que vem falando de propostas golpistas que teria ouvido do tal que era presidente da República até o ano passado. A denúncia precisa ser apurada, é lógico. O problema é que, em declarações dispersas e diversas, o parlamentar deu versões distintas das falas presidenciais que teria presenciado. Diante das inconsistências, o Supremo acerta em procurar reunir todos os pronunciamentos possíveis na tentativa de reconstituir a verdade factual. O esforço é necessário e bem-vindo. Quanto a isso, é preciso registrar o mérito indiscutível do STF em conter as nefastas, embora “tabajáricas”, tentativas de golpe de Estado. Nesse trabalho institucional – que se mostrou decisivo para garantir a estabilidade da democracia –, o ministro Moraes ocupou e ocupa lugar de honra. Portanto, não vai aqui nenhum ataque à conduta dos membros do Supremo Tribunal Federal. O episódio em questão, no entanto, descortina um problema de fundo: quando se trata de liberdade de imprensa, o poder, infelizmente, hesita, titubeia, deixando ver que desconhece o que deveria proteger com firmeza racional. São inúmeros os casos. Estão aí, frescas na memória, medidas de censura que tiveram de ser revertidas – ainda bem – a toque de caixa. Somos uma sociedade que não entendeu direito que a liberdade de imprensa é mais, muito mais, do que a simples liberdade de expressão. Por certo, o jornalismo dá curso à livre circulação das ideias, que é um direito de todas as pessoas. Sim, a imprensa é uma forma especializada da liberdade de expressão. Mas sua substância é maior do que a mera liberdade de expressão. Para que se realize como prática social, a atividade jornalística requer direitos que não se resumem a manifestar ideias. Mais do que uma liberdade de dizer, é uma liberdade de fazer. O ofício de repórteres e editores se define muito mais por aquilo que eles fazem do que por aquilo que eles enunciam ou propiciam que outros enunciem. Para começar, esses profissionais se reúnem todos os dias para criticar o poder. Depois, saem às ruas, entrevistam pessoas, consultam documentos, testemunham fatos e dirigem aos poderosos perguntas que os incomodam. Em suas tarefas cotidianas, exercem direitos que a democracia lhes assegura – e cumprem seu dever, que é essencial para a mesma democracia. Mais que um hábito, uma ética e um discurso, a imprensa é um método que inclui uma escola própria para fiscalizar o poder, para promover investigação independente e para moderar o debate público. Essa liberdade de fazer inclui, não por acaso, o direito de não dizer. Quem edita uma publicação séria lida diariamente com uma grande quantidade de informações. Nem tudo é publicado. É verdade que, de vez em quando, lamentavelmente, alguma sandice escapa, o que gera noites de insônia para os profissionais, mas o método jornalístico tem sempre o ideal de desenvolver critérios para selecionar o que merece ser publicado. O que não é publicado permanece guardado em reserva. O direito de não publicar parte das informações é parte da liberdade de imprensa. Disso decorre que as autoridades não deveriam exigir que o jornalista conte para a polícia o que resolveu não publicar. Tal pretensão expõe a risco fundamentos basilares, como o do sigilo da fonte. Conversas que repórteres mantiveram com suas fontes e resolveram não levar a público devem ser protegidas, não expostas pela Justiça. É claro que uma empresa, isoladamente e espontaneamente, pode resolver mostrar todos os seus arquivos para as autoridades que conduzem um inquérito. Decisões privadas autônomas não criam jurisprudência. Como regra geral, contudo, o juiz age bem quando se limita a conhecer o “já publicizado”. A liberdade de imprensa requer que o jornalista tenha o direito de não expressar o que não quer. No caso presente, para sorte do País, prevaleceu o bom senso democrático. *********************************************************************** ***
*** O Câmpus - IFSP - Campus Araraquara *** Em torno das grafias CAMPUS , CAMPUS E CÂMPUS . Profa. Dra. Maria Helena de Moura Neves * Informações iniciais: 1) O Vocabulário ortográfico da língua portuguesa , da Academia Brasileira de Letras (4 ed. 2004), que é o registro oficial das palavras do português do Brasil, não registra campus nem campus nem câmpus. 2) O Dicionário Aurélio – Século XXI coloca a entrada “campus” sem acento, sem itálico, e com a indicação (uma flecha) de que se trata de estrangeirismo. Quanto à etimologia, indica: [ Lat ., pelo ingl . amer .]. Registra como plural: “ campi ( lat .)”. Não há exemplos. 3) O Dicionário Houaiss coloca a entrada “ campus ” (em itálico), sem acento. Quanto à etimologia, indica [ lat .], e, mais adiante, especifica: “ campus nom. sing . de campus, i ”. Para o plural, registra: “ campi ( lat .)”. Não há exemplos. 4) O jornal O Estado de S. Paulo usa sempre câmpus (com acento, como recomenda seu Manual de Redação), enquanto o jornal Folha de S. Paulo usa, em geral, campus (sem acento): no site da Folha de S. Paulo , entre 2000 e 2007 encontrei, em 2404 ocorrências, apenas 3 casos de câmpus , com acento) . Discussão da questão A longa discussão de que tem sido objeto a adoção da grafia da palavra câmpus / campus / campus tem estado baseada na origem latina do termo e na questão do aportuguesamento ou nãoaportuguesamento de sua forma no registro escrito. O acompanhamento da discussão (pela imprensa escrita ou em meio eletrônico) mostra uma série de equívocos de interpretação: 1º equívoco - Considerar que só “houve” aportuguesamento de uma palavra (isto é, que se pode escrever uma palavra em forma conformada à grafia portuguesa) quando uma determinada grafia já está registrada em tal ou tal obra de referência. Se o fato de uma grafia estrangeira com adaptação ao vernáculo estar abrigada em dicionário ou vocabulário pode, sim, ser invocada como forte sinal de aportuguesamento da palavra, por outro lado o fato de ela não estar abrigada nessas obras não pode ser invocado como sinal de impossibilidade de uso da forma aportuguesada, porque é a partir do uso que os registros lexicográficos são feitos (e, em geral, a longos intervalos). Dificilmente uma forma aportuguesada terá entrado em um dicionário sem nunca ter sido tentada pelos usuários a adaptação à grafia portuguesa. O registro oficial da conformação de uma palavra ao vernáculo já é o atestado de que ela é corrente na língua. 2º equívoco - Considerar essa palavra (especialmente tendo em vista a acepção que ela tem em português) como, simplesmente, de origem latina. São duas as questões: a) Essa palavra não está na nossa língua por via daquela derivação histórica (e popular) do latim para o português pela qual vieram, em geral, as nossas palavras (exemplos: lobo, mesa , mar ), como língua neolatina que o português é. A palavra foi incorporada muito mais tardiamente, quando se tornou necessário denominar a área que compreende as construções e os diversos terrenos que constituem um espaço universitário (o que, obviamente, não havia, ainda, no Império Romano). A primeira evidência disso é que a palavra mantém a forma em - us (vinda do nominativo latino), enquanto as palavras latinas que entraram por ocasião da formação da língua portuguesa vieram, na sua derivação natural, pelo acusativo: no caso, o acusativo era campum (plural campos ), que daria campo , assim como temos lobo , fumo , longo , todo. b) Outro dado histórico importante, no caso dessa palavra, é que, embora sua forma seja latina, a fonte da importação foi o inglês, e não o latim, do mesmo modo que ocorreu, por exemplo, com a palavra bônus . O inglês, que não é uma língua latina, freqüentemente vai buscar palavras no latim para denominação de coisa novas , e as vai buscar no nominativo, o caso em que a palavra aparece no dicionário, já que se trata de um empréstimo, e não de uma derivação histórica, que tem procedimentos naturalmente instituídos no próprio processo (por exemplo, o caso lexicogênico , para o italiano, foi o nominativo, e, para nós, foi o acusativo). 3º equívoco - Considerar natural a existência de um plural campi , em português. O plural latino do nominativo campus é, de fato, campi , e é esse o plural que uma pessoa adotará se continuar considerando campus uma palavra “estrangeira”, uma palavra de forma latina, e não da língua portuguesa (o que, pelas nossas normas, costuma vir indicado com uma marca gráfica especial, em geral o itálico). Nesse particular, não vou comparar campus com lupus (que também tem o nominativo plural em –i , porque é uma palavra latina do mesmo tema), já que lupus veio pelo acusativo ( lupum > lobo ; plural formado em português: lobos ), enquanto campus , como já observei, é uma palavra decalcada pelo nominativo. Mas vou comparar essa palavra com outras palavras latinas (de outro tema) em - us que, no português, também deram palavras terminadas em - us (exemplos: lat . onus , munus ; port . ônus , múnus ), e não porque elas tenham vindo do nominativo, mas porque eram do gênero neutro, e todas as palavras desse gênero tinham o acusativo igual ao nominativo (no caso, também em -us ). O plural latino dessas palavras (nominativo e acusativo) era onera e munera , respectivamente, mas ninguém pode sequer imaginar que um falante do português, mesmo tratando-se de um usuário de um campo de especialidade, precisaria saber disso para pluralizar esses substantivos. Do mesmo modo ninguém defenderia o plural bôni , para bônus . Pelas regras ortográficas do Brasil, as palavras com o singular terminado em sílaba átona de final s não se alteram no plural: ( o/a; os/as) ceres , lápis , tênis , ânus , bônus , íctus , ônus , múnus , tônus (esta última, de origem grega). Quanto ao plural, ainda resta uma observação. O inglês criou, segundo a índole da língua, ao lado do plural latino campi , o plural campuses assim como criou bonuses e viruses , para as palavras latinas bonus e vírus . Ressalte-se que, em inglês, é comum que os empréstimos latinos já sejam acolhidos com suas formas singular e plural, mas isso não impede a formação de plurais vernáculos (são exemplos os neutros latinos: continuum , plural continua , coexistindo com continuums ; datum , plural data , coexistindo com datums ; memorandum , plural memoranda , coexistindo com memorandums ). A pergunta final, quanto ao plural de campus , é se alguém ousaria propor que nossa importação da palavra fosse completa, inclusive do plural campuses , ao lado de campi . Indicações conclusivas: 1) Câmpus é um termo latino trazido à língua portuguesa para aplicação a um campo de especialidade, mas, pela própria acepção, tornou-se termo corrente, o que faz esperar sua incorporação à norma gráfica da língua. 2) Como forma de origem latina, essa palavra tem naturalmente a feição de palavra portuguesa, e facilmente se coloca entre outras semelhantes no rol de substantivos da língua. 3) Segundo as regras oficiais de acentuação, o acento circunflexo é o sinal necessário para indicar que se trata de palavra paroxítona, já que as palavras portuguesas terminadas em -u (s) não-acentuadas são oxítonas. A partir daí, o plural é câmpus , igual ao singular (como bônus , íctus , vírus ). 4) Por outro lado, o uso de palavras estrangeiras é corrente no português, como em qualquer outra língua. Desse modo, a palavra latina campus (sem circunflexo) está em textos do português, a ela correspondendo o plural campi , mas ambas as formas têm de sempre ser entendidas como da língua latina, e, como tal, registradas com tipo especial de fonte, por exemplo o itálico. Essa decisão implica entendê-las não apenas como estrangeiras mas ainda como de uso em língua de especialidade, de modo similar ao que ocorre com tantos termos e expressões da linguagem do Direito, por exemplo data venia , ex consensu , ex contractu , habeas data , habeas corpus . Esse entendimento, porém, não é tão pacífico, e por duas razões: a) o Direito é um campo que, herdeiro do Direito Romano, adota, literalmente, termos latinos para nomear conceitos jurídicos: por exemplo, enquanto uma obra leiga eventualmente fala de conceitos muito divulgados tentando aportuguesar a forma da expressão (como se tem feito na grafia com hífen habeas-corpus ), as obras de especialidade necessariamente manterão a forma latina, como um verdadeiro nome próprio; b) é diferente o que ocorre com o termo câmpus , que, embora tenha aplicação em um campo de sentido particular (não nomeia todo “espaço aberto”, só o das universidades / faculdades), tem, hoje, uso bastante corrente (feito o cálculo para o jornal Folha de S. Paulo , essa palavra foi usada quase uma vez por dia, nos últimos oito anos), o que não é o caso de verdadeiros termos de especialidade. * Maria Helena de Moura Neves é docente aposentada do Departamento de Lingüística da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, câmpus de Araraquara, autora de Gramática de usos do Português , publicado pela Editora da UNESP. É docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisadora do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). https://www2.unesp.br/portal#!/aci_ses/normas-e-padroes/sobre-campus-campi/ ****************************************************************************

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