Espectador privilegiado
A julgar pelas nuvens da política do meio da semana, o STF está à beira de uma de suas decisões mais relevantes para a própria política. É gritante a ironia contida no fato de que “nuvens da política” pairem sobre decisões de uma corte que deveria se ocupar sobretudo dos grandes temas constitucionais, mas na permanente crise brasileira o Supremo tornou-se (voluntária ou involuntariamente) um relevantíssimo ator político com cálculos idem.
O cálculo político que as nuvens do meio da semana indicavam dentro do Supremo é o de lavar as mãos no caso da sucessão na presidência das casas legislativas. Em outras palavras, deixar para os próprios parlamentares decidirem se os atuais presidentes da Camara dos Deputados e do Senado podem pleitear permanecer onde estão a partir do ano que vem. “Politicamente, é a solução mais elegante”, diz um envolvido diretamente na decisão.
Recorre-se também à história, argumentando que uma questão regimental do Congresso (a proibição de reeleição dentro da mesma legislatura) foi parar na Constituição ainda durante o regime militar como casuísmo para inibir a consolidação de lideranças parlamentares que pudessem causar dificuldades à ditadura. Portanto, nada mais adequado do que se reparar esse “erro histórico” e deixar que uma questão regimental do Congresso seja decidida pelo próprio.
As consequências jurídicas de uma provável decisão do Supremo de deixar os parlamentares decidirem vão das mais óbvias (“afinal, o que a Constituição diz vale ou não vale?”) às mais nebulosas (“abre-se o precedente para reeleições sem limites também no Executivo?”). Mas no cálculo político (sim, político) de integrantes do STF está explícita a noção de que vale a pena assumir o inevitável ônus da acusação de oportunismo (afinal, o STF estaria agindo para prejudicar ou ajudar o governo?) em troca de se desfazer o atual estado de paralisia.
Sim, pois o que impede em boa parte a tramitação de matérias de imensa relevância para a recuperação do País (fiscal e econômica, que vem a ser a mesma coisa) é a disputa pela sucessão nas casas do Congresso – e o que trava ainda mais essa disputa é o fato do Executivo não ter uma articulação política (em sentido amplo) digna desse nome. A “esperteza” política dos senhores juízes não está apenas em deixar os parlamentares decidirem por si mesmos mas, também, em explicitar que esse é um problema que o Planalto deveria estar tratando.
No nosso sistema de governo – que opõe a uma figura forte no Planalto um Legislativo com imensas prerrogativas – não é possível a qualquer chefe do Executivo permanecer alheio à sucessão na Camara e no Senado. O exemplo mais extremo é o que aconteceu a Dilma no embate com Eduardo Cunha. No caso de Jair Bolsonaro, porém, a questão é identificar o que ele exatamente pretende, ou até mesmo se sabe o que lhe convém.
Pois o tal do Centrão, ao qual o homem da “nova política” se abraçou, está longe de ser essa figura monolítica do imaginário popular. É um conjunto de partidos e forças políticas que são a expressão acabada das tais “nuvens políticas” – as que estão de um jeito pela manhã e de outro poucas horas depois. E as tais nuvens saídas das eleições municipais dão força a partidos tradicionais como o DEM (formalmente o dono das duas casas legislativas).
A briga dentro desse maleável “centro” o Executivo não controla e nela tem poucas condições de interferir – exatamente o preço que está pagando por ter renunciado de saída a dispor de uma base parlamentar sólida e razoavelmente coordenada, além de ter desprezado a articulação política para além da confecção de planilhas com pedidos individuais de deputados. Jair Bolsonaro acabou ficando na posição de espectador privilegiado, tentando adivinhar quais desfechos da ópera eventualmente lhe serão favoráveis.
Mas música e libreto são por conta de outros.
quinta-feira, 3 de dezembro de 2020
William Waack -
- A Constituição e o Supremo
Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. (Redação da EC 50/2006)
- Redação Anterior:
- Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 15 de fevereiro a 30 de junho e de 1º de agosto a 15 de dezembro
§ 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente. (Redação da EC 50/2006)
Redação Anterior:
§ 4º - Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente."Emenda Constitucional estadual 20/1996. Altera dispositivo para assegurar a reeleição dos membros da mesa da Assembleia Legislativa. Ausência do periculum in mora. Hipótese em que não se enquadra no art. 27, § 1º, da CF. Essa não veda a hipótese da EC 20/1996. Incidência do art. 57, § 4º, da CF." (ADI 2.262-MC, Rel. Min. Nelson Jobim, julgamento em 6-9-2000, Plenário, DJ de 1º-8-2003.) No mesmo sentido: ADI 2.292-MC, Rel. Min. Nelson Jobim, julgamento em 6-9-2000, Plenário, DJE de 14-11-2008.
"(...) o art. 57, § 4º, da CF, que veda a recondução dos membros das Mesas das Casas Legislativas federais para os mesmos cargos na eleição imediatamente subsequente, não é de reprodução obrigatória pelos Estados-membros. Com base nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, indeferiu pedido de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro-PTB, contra o § 5º do art. 58 da Constituição do Estado do Espírito Santo, com redação dada pela EC 27/2000, que permite aos membros eleitos da Mesa da Assembleia Legislativa do Estado a recondução para o mesmo cargo no biênio imediatamente subsequente." (ADI 2.371-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 7-3-2001, Plenário, DJ de 7-2-2003.)
"A norma do § 4º do art. 57 da CF que, cuidando da eleição das Mesas das Casas Legislativas Federais, veda a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, não é de reprodução obrigatória nas Constituições dos Estados-membros, porque não se constitui num princípio constitucional estabelecido." (ADI 793, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 3-4-97, Plenário, DJ de 16-5-97). No mesmo sentido: ADI 1.528-MC, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 27-11-1996, Plenário, DJ de 5-10-2001; ADI 792, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 26-5-1997, Plenário, DJ de 20-4-2001.)
"Assembléia Legislativa. Permissão de reeleição dos Membros da Mesa Diretora (art. 95, I, e § 3º do art. 100, ambos da Constituição do Amapá, com a redação dada pela Emenda 7, de 31-10-1996). Relevância jurídica do pedido comprometida em face do decidido, em situação análoga, na ADI 793-RO (DJ de 28-5-1993) e indesejável inversão do risco decorrente da eventual concessão da liminar como ressaltado na ADI 792 (DJ de 23-11-1992), onde também se contestava a possibilidade de recondução, para o mesmo cargo, perante o art. 57, § 4º, da Carta Federal. Medida cautelar, por maioria indeferida." (ADI 1.528 MC, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 27-11-1996, Plenário, DJ de 5-10-2001.)
- Em artigo contra reeleição de Alcolumbre, senador fala em "asfixia da democracia brasileira"
- 02.12.20 16:10
- https://cdn.oantagonista.net/cdn-cgi/image/fit=contain,width=1020,height=555/uploads/2020/12/Oriovisto-Guimaraes.jpg
- Foto: Agência Senado
- O senador Oriovisto Guimarães (Podemos), um dos signatários de um documento divulgado ontem contra a possibilidade de reeleição de Davi Alcolumbre, escreveu um artigo para O Antagonista falando em “asfixia da democracia brasileira”.
- Leia:
- “Na pouca luz dos porões dos poderes, rumores indicam que, na casa onde nasceu nossa Carta Magna de 1988, tramam assassiná-la. O golpe fatal estaria sendo preparado para satisfazer interesses pessoais e apego ao poder. Aqueles que pretenderiam asfixiá-la esperam contar com a ajuda e a cumplicidade dos guardiões da Constituição, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
- O §4º, do art. 57 da Constituição, diz textualmente que ‘cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente’. Clareza maior é impossível! Quem foi eleito em fevereiro de 2019 não pode ser reeleito para o mesmo cargo em fevereiro de 2021. É o famoso ditado latino ‘in claris cessat interpretatio’.
- A estratégia do golpe seria muito simples. Primeiro, baseado no pedido já feito pelo PTB ao STF, para que este diga se Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia podem ser candidatos à reeleição para a Presidência do Senado e da Câmara dos Deputados, respectivamente. Segundo, esperam os estrategistas que o STF entenda que se trata de decisão interna corporis. Terceiro e finalmente, que a maioria dos membros do Senado e da Câmara dos Deputados, encantada por seus líderes, decida que a reeleição de ambos os presidentes é viável.
- Xeque-mate, a Constituição estaria ferida de morte. Se isto se transformar em realidade, será estendido a outros poderes? Teremos reeleições do Presidente do STF? Reeleições (no plural) no Poder Executivo? Rasgada a Carta Magna, tudo se torna possível. O que garante a democracia é a rotatividade nos poderes constituídos, no prazo determinado pela lei maior.
- Não podemos nos esquecer que ditador não tem prazo certo para deixar o poder. Sua primeira atitude é sempre rasgar a Constituição para sua própria perpetuação no cargo. Apesar dos fortes indícios de uma conspiração em marcha, continuo acreditando no patriotismo e na sabedoria dos ministros do STF e da imensa maioria dos parlamentares brasileiros.
- Termino lembrando nosso saudoso Ulysses Guimarães: ‘Democracia é a vontade da lei, que é plural e igual para todos, e não a do príncipe, que é unipessoal e desigual para os favorecimentos e os privilégios’.”
- https://www.oantagonista.com/brasil/em-artigo-contra-reeleicao-de-alcolumbre-senador-fala-em-asfixia-da-democracia-brasileira/
01/09/2016
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar o conceito de devido processo legislativo, com marco teórico na teoria de Elio Fazzalari. Em seguida, irá se buscar a compreensão dos atos interna corporis, com o fito de conhecer os limites da atuação do Poder Judiciário, em relação a esses atos, quando da apreciação dos vícios eventualmente emergentes no curso do processo de elaboração das espécies normativas.
Palavras-chave: processo legislativo, devido processo legal, controle judicial do processo legislativo
Resumen: Este estudio tiene como objetivo analizar el concepto de debido proceso legislativo, con el marco teórico en la teoria de Elio Fazzalari. A continuación, se buscará la comprensión de los actos interna corporis, con el objetivo de conocer el límite para la atuación del poder judicial, en relación con estos actos, al evaluar los defectos posibles en el curso del proceso de elaboración de las espécies normativas.
O controle judicial de matérias interna corporis no curso do processo legislativo
01/09/2016
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar o conceito de devido processo legislativo, com marco teórico na teoria de Elio Fazzalari. Em seguida, irá se buscar a compreensão dos atos interna corporis, com o fito de conhecer os limites da atuação do Poder Judiciário, em relação a esses atos, quando da apreciação dos vícios eventualmente emergentes no curso do processo de elaboração das espécies normativas.
Palavras-chave: processo legislativo, devido processo legal, controle judicial do processo legislativo
Resumen: Este estudio tiene como objetivo analizar el concepto de debido proceso legislativo, con el marco teórico en la teoria de Elio Fazzalari. A continuación, se buscará la comprensión de los actos interna corporis, con el objetivo de conocer el límite para la atuación del poder judicial, en relación con estos actos, al evaluar los defectos posibles en el curso del proceso de elaboración de las espécies normativas.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/o-controle-judicial-de-materias-interna-corporis-no-curso-do-processo-legislativo/
Fonte: ÂMBITO JURÍDICO
Informações Sobre o Autor
Antonelle Martins Januário
Advogado especialista em direito público
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/o-controle-judicial-de-materias-interna-corporis-no-curso-do-processo-legislativo/
Os dois partidos querem um julgamento presencial do tema, “pela relevância, complexidade e ineditismo”. No plenário virtual, os votos são inseridos no sistema, sem discussão. A sessão será aberta na sexta-feira, e os ministros terão até o próximo dia 11 para votar.
O pedido de retirada dos partidos e sua rejeição pelo relator são indícios de que os partidos governistas e o Palácio do Planalto não têm segurança em relação ao julgamento. Ao governo e ao deputado Artur Lira (PP), o candidato a comandar a Câmara mais próximo do presidente Jair Bolsonaro, interessa que o STF rejeite a possibilidade de reeleição.
A recondução dos presidentes da Câmara e Senado na mesma legislatura é vedada parágrafo 4º do Artigo 57 da Constituição.
quinta-feira, 3 de dezembro de 2020
Fernando Schüler* - O Supremo e a tentação da política
Carta não deve ser ajustada ao sabor de eventuais maiorias
A Constituição é clara ao fixar os mandatos das Mesas do Congresso em dois anos e estabelecer que é “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. É sempre possível à criatividade humana desafiar o sentido das palavras. E um risco quando se trata do direito e da Constituição, onde levar a sério as palavras significa levar direitos a sério.
É o tema neste episódio da sucessão de Maia e Alcolumbre no Congresso. Para além de juízos de maioria ou minoria, a Constituição consagrou o valor da alternância de poder. O reconhecimento de que não faz bem ao país a tentação do uso da máquina do próprio Parlamento para a preservação do poder.
Neste episódio, porém, há algo mais em jogo: a própria ideia de que o que está escrito na Constituição não é uma banalidade passível de interpretação a gosto de uma eventual maioria na Câmara ou no Senado.
A tese simples e essencial de que não é a “autonomia dos Poderes” que disciplina o uso da Constituição, mas a Constituição que disciplina o funcionamento dos Poderes. Tese que põe por terra o argumento sem nexo, que se escuta por aí, segundo o qual fixar as próprias regras de sucessão é um problema interna corporis do Congresso.
Não é. A regra já foi dada pela Constituição. A Carta que deve funcionar, como diz meu conterrâneo Lênio Streck, como um “remédio contra as maiorias” e a “voz das ruas”. Neste caso, diria, a voz dos corredores do Congresso. Leio coisas ainda mais estranhas, como a ideia de que ministros do Supremo avaliem como positivo o atual “arranjo político” e a contenção do Executivo feita por Maia e Alcolumbre. E que seria uma boa ideia manter os atuais presidentes.
Não faz sentido que integrantes da Suprema Corte façam este tipo de juízo quando se trata de garantir o que está escrito na Constituição.
É certo que o avanço dos tribunais sobre o Parlamento já vai longe. Em dezembro de 2019, o Supremo promoveu um debate com líderes partidários sobre a possibilidade das candidaturas independentes. O tema continua na pauta do STF. À época, o ministro Barroso dizia que era preciso entender “se o Supremo tem caminhos para decidir sobre o assunto”, ou se isso caberia ao Parlamento.
O dado singelo é que a Constituição diz que a filiação partidária é “condição de elegibilidade” e, ao menos até onde se saiba, cabe ao Congresso (e em alguns casos nem mesmo ao Congresso) mudar a Constituição.
Caso notório foi o tratamento que o Supremo deu a dois elementos centrais do pacote anticrime aprovado em 2019 pelo Congresso. O primeiro foi o devido ajuste feito na exigência de revisão de prisões preventivas a cada 90 dias. Havia um clamor popular, e o STF decidiu que a regra aprovada no Congresso não era bem assim. Quanto ao juiz das garantias, foi simplesmente suspenso em decisão monocrática.
O caso mais banal talvez tenha sido a reintrodução pura e simples da censura prévia na vida brasileira. Dado que feita contra os “indesejáveis”, pouca gente chiou. O tema mereceu o curioso argumento de um ministro do STF segundo o qual se tratava de uma “curadoria”. Proibir alguém de usar o Facebook não significava ferir sua liberdade de expressão, visto que ele poderia seguir falando o que quisesse, imagino que gritando pelas ruas ou via sinais de fumaça.
Sob certo aspecto, trata-se de um tema sem solução. Como bem disse o ministro Fux em seu discurso de posse, o próprio mundo político usa o STF para lidar com seus desacordos. E as pessoas tendem a reclamar do ativismo judicial apenas quando a coisa mexe em seus interesses ou paixões do momento.
A pergunta é se o próprio Supremo não vem criando incentivos para que o mundo político o tome como instância moderadora. A judicialização e a interferência crescentes, para a qual não há outro remédio que a autocontenção. No fundo, a renúncia à tentação da política em nome da guarda e da estabilidade da Constituição em meio ao vaivém das maiorias e urgências cotidianas da democracia.
Este episódio da sucessão no comando do Congresso será um bom teste neste sentido.
*Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.
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