sábado, 11 de janeiro de 2025

RETROAÇÃO

"Eu acredito no amor, no infinito, na eternidade. E Deus é isso." Roda Viva Retrô / Fernando Henrique Cardoso / 1988 ----------
------------ Reflexão sobre o termo: "Retroação" é muitas vezes associada à ideia de aprendizado ou ajuste, seja no contexto jurídico, emocional ou técnico. Voltamos ao que foi para ajustar o presente ou moldar o futuro. ------------ ----------- Adagio For Strings Samuel Barber (Instrumental) -----------
----------- A Roda da Vida ---------- "O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; É um tigre que me devora, mas eu sou o tigre; É um fogo que me consome, mas eu sou o fogo." Borges traduz poeticamente a ideia de continuidade e transformação, abordando a relação entre ser humano, história e existência. "Eterno Retorno", de Jorge Luis Borges (excerto adaptado) -----------
------------ O artigo de Cristovam Buarque publicado na Revista Veja aborda duas "armadilhas" que afetam o Brasil: a da renda média baixa e a da renda mínima permanente. Ele critica a falta de uma estratégia que integre crescimento econômico com o fim da pobreza, destacando a insuficiência das políticas atuais para resolver esses problemas de forma estrutural. Principais pontos do texto: O fracasso da distribuição econômica espontânea: Buarque lembra que a expectativa de que o crescimento econômico por si só reduziria a pobreza não se concretizou. A renda que chega aos mais pobres não é suficiente para suprir necessidades essenciais como saúde e educação. Evolução da política social no Brasil: A ideia original de programas como o Bolsa-Escola era condicionar a ajuda social à educação de qualidade, visando acabar com a pobreza ao longo do tempo por meio da capacitação da população. Contudo, essa estratégia foi abandonada em favor de uma política de transferência direta de renda para aliviar a pobreza no curto prazo, mas sem erradicá-la. Educação negligenciada: Em vez de priorizar o fortalecimento da educação básica, optou-se por expandir o ensino superior, sem uma base sólida que garantisse o aprendizado e a formação para todos. Críticas ao modelo atual: O autor compara a situação à perpetuação da escravidão, onde há alforria para poucos, mas a maioria permanece marginalizada. O Brasil, segundo ele, escolheu um sistema de assistência social para os pobres e subsídios fiscais para os ricos, criando uma dependência mútua e retroalimentada. O perigo das "duas armadilhas": Renda média baixa: causada pela baixa produtividade, decorrente de uma força de trabalho mal capacitada. Renda mínima permanente: gerada pela dependência contínua da assistência social, sem perspectivas de superação. Propostas de solução: Manter o Bolsa Família para o presente, mas buscar uma estratégia que elimine sua necessidade no futuro. Adotar "incentivos sociais produtivos" que direcionem esforços para construir infraestrutura básica (moradia, saneamento) e, principalmente, um sistema de educação de qualidade, garantindo frequência e aprendizado. Promover reformas estruturais que livrem o país de sua dependência crônica de assistência e de subsídios. Desafio cultural e político: O autor conclui que o Brasil parece resignado com a pobreza, vendo o Bolsa Família e os subsídios fiscais como soluções permanentes. É necessário mudar essa mentalidade e construir uma economia eficiente que supere as desigualdades. Reflexão final: Buarque argumenta que sem reformas profundas e uma visão estratégica que alinhe crescimento econômico e justiça social, o Brasil continuará preso em um ciclo de pobreza e desigualdade. Ele clama por uma sociedade que vá além da mitigação da pobreza, buscando sua erradicação. _________________________________________________________________________________________________________ ------------ ------------ Roda Viva Retrô | Fernando Henrique Cardoso | 1988 ---------- Roda Viva 23 de set. de 2021 #RodaViva Recebemos no Roda Viva, em 1988, o então senador Fernando Henrique Cardoso. Fernando Henrique Cardoso é sociólogo de formação. Ingressou no PMDB em 1977, foi candidato, derrotado, à prefeitura de São Paulo, em 1985 e líder do PMDB no Senado até deixar o partido. Foi um dos principais articuladores do novo partido e se tornou liderança do PSDB. Participaram da bancada de entrevistadores Ennio Pesce, comentarista político da Rede Globo; José Carlos Bardawil, diretor da sucursal de Brasília da revista Isto É Senhor; Ricardo Kotscho, repórter especial da sucursal paulista do Jornal do Brasil; Aloisio de Toledo César, repórter político do jornal O Estado de S. Paulo; Fernando Mitre, diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes de Televisão; Carlos Brickmann, editor-chefe da Folha da Tarde; Ivan Ângelo, editor-chefe do Jornal da Tarde; André Singer, secretário de redação da Folha de S. Paulo. #RodaViva _________________________________________________________________________________________________________ -------------
------------ sábado, 11 de janeiro de 2025 De que democracia falamos? - Dora Kramer Folha de S. Paulo PT vai à posse de Maduro três dias depois de reger ato em defesa da legalidade É difícil compreender o que quis dizer o presidente da República em sua nova estratégia de comunicação ao patrocinar um ato estreito na praça dos Três Poderes para marcar a passagem dos idos de 8 de janeiro de 2023. Bandeiras vermelhas, convocação dos movimentos da base social do governo, um abraço na democracia escrita em flores, com as ausências significativas dos que não foram à cerimônia de pouco antes no palácio e outros que lá estavam, mas não desceram a rampa porque o ritual tinha um lado marcado. Era uma festa da esquerda, assim foi dito e assim foi feito numa apropriação indevida do que ali deveria se assinalar: a celebração da resistência democrático/institucional, valor pertencente a todos os brasileiros. Quase a totalidade (86%) havia acabado de registrar em pesquisa do instituto Quaest seu repúdio ao motim, guiados não por preferências ideológicas e/ou eleitorais, mas pela consciência de ser esse o regime garantidor da legalidade. Dos eleitores de Jair Bolsonaro em 2022, 85% condenaram, o que já os inclui entre os que não querem ver repetidos episódios de sedição. Essas pessoas se identificam como de direita. Residentes, portanto, dentro do campo ideológico compartilhado com gente de centro, de esquerda e demais matizes existentes na seara das liberdades políticas. Quando são excluídas, jogadas na vala do fascismo sem que lhes seja permitida a nuance de opinião a separá-las dos selvagens instrumentalizados por um déspota pouco esclarecido, é de se perguntar do que falamos quando nos postamos na defesa inamovível do Estado de Direito. A que democracia se refere o PT, partido no poder, que regeu o ato desta terça-feira e três dias depois se fez representar por quatro correligionários na fraudulenta posse do ditador venezuelano Nicolás Maduro? Acata um conceito absoluto ou se rende a uma noção relativista adaptada ao sabor das simpatias? A questão é um dos itens que requer resposta em nome da saúde da pretendida melhoria do diálogo do governo com a sociedade. Sejam seus cidadãos de que partido forem. _________________________________________________________________________________________________________ -----------
------------ - Senador! - Pois não. - (...) democracia à brasileira? - Tucana. Roda Viva Retrô / Fernando Henrique Cardoso /1988 _________________________________________________________________________________________________________ --------- "Tinha um coronel metido a falante e então disse: - O Senhor não entende, Doutor Sobral, que nós estamos construindo uma democracia à brasileira? "Aí ele fala: - O que é isso, Coronel? Peru que é à brasileira! Democracia é universal e os senhores não conhecem." ---------- ------------- Filme: Os Advogados contra a Ditadura: Por uma questão de Justiça Ministério da Justiça e Segurança Pública 3 de abr. de 2014 Com a instauração da ditadura militar através de um golpe das Forças Armadas do Brasil, no período entre 1964 e 1985, o papel dos advogados na defesa dos direitos e garantias dos cidadãos foi fundamental no confronto com a repressão, ameaças e todo tipo de restrições. "Os Advogados contra a Ditadura" propõe uma profunda reflexão sobra a época em questão, relembrando, através de depoimentos e registros de arquivos, a relevante e ativa participação dos advogados contra as imposições do autoritarismo e na luta pela liberdade. Dirigido por Silvio Tendler, o filme faz parte do Projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia _________________________________________________________________________________________________________ ------------
-------------- --------------- sábado, 11 de janeiro de 2025 Duas armadilhas - Cristovam Buarque Revista Veja Os desencontros: renda média baixa e renda mínima permanente Por décadas, perdurou a ideia de que a renda do crescimento econômico se espalharia do topo para a base da pirâmide social em quantidade suficiente para abolir a pobreza. A história mostra que essa distribuição não ocorreu e sabe-se que a renda chegada aos pobres não seria suficiente para comprar no mercado os bens e serviços essenciais: educação, saúde, segurança. Dessa constatação surgiu a ideia do “keynesianismo social e produtivo”: renda mínima condicionada à produção para atender às necessidades, sobretudo educação. O Bolsa-Escola foi o mais reconhecido desses incentivos: pagar à mãe para que assegure a frequência dos filhos à escola. Previa-se que em poucas décadas a pobreza seria superada, não pela pequena renda, mas pelas consequências da educação, desde que a frequência ocorresse com aprendizado em escolas de qualidade. E que, paralelamente, fossem feitas as reformas adequadas para livrar o país da armadilha da baixa renda média. Lamentavelmente, a estratégia do incentivo social e produtivo foi substituída pela visão da renda mínima para reduzir a penúria, mas não para erradicar a pobreza; e pela opção de ampliar o número de vagas no ensino superior, e não de implantar um sistema nacional de educação de base com qualidade. É como se, em vez de abolir a miséria, os governos tivessem preferido subsidiar a ineficiência econômica da escravidão, oferecendo alforria para alguns escravos viverem na casa-grande. O Brasil escolheu a assistência social para os pobres e subsídios fiscais para os ricos. O resultado é que, depois de duas décadas, o Brasil só tem o Bolsa Família para mitigar a penúria de 54 milhões de pessoas, mas infelizmente tudo indica que em 2045 ele ainda será necessário para 100 milhões. O fim do Bolsa Família hoje seria uma tragédia social, sua necessidade daqui a vinte anos será uma tragédia histórica. “O Brasil precisa de uma estratégia para eliminar a necessidade de assistência no futuro” O Brasil precisa manter a tática da mitigação da penúria no presente com a renda mínima do Bolsa Família, mas deve também implantar uma estratégia para eliminar a necessidade de assistência no futuro, salvo a idosos ou deficientes. Isso é possível com a adoção de incentivos sociais produtivos que empreguem as pessoas para a construção de moradia, água, esgoto, sobretudo para implantar um sistema escolar com máxima qualidade, garantindo frequência, assistência e aprendizado. Sem isso, no lugar da construção de uma economia sólida, com renda alta e bem distribuída, e de uma sociedade com serviços públicos essenciais acessíveis para todos, o Brasil estará condenado a não escapar da armadilha da renda média baixa, nem da armadilha da renda mínima permanente: a primeira por causa da baixa produtividade, devido à falta de preparo da mão de obra; a segunda devido à dependência de assistência social para parte da população. As duas armadilhas se retroalimentando. Pesquisa recente mostra que os brasileiros felizmente apoiam o Bolsa Família para diminuir a pobreza, mas já não acreditam na abolição do vergonhoso quadro, inclusive os líderes dos partidos progressistas. O Brasil parece viciado nos dois caminhos: acostumado com a assistência para os pobres e com os subsídios para os ricos, sem acreditar no propósito de economia eficiente e sociedade sem pobreza. Deseja-se aliviar a penúria, não abolir a pobreza. Publicado em VEJA de 10 de janeiro de 2025, edição nº 2926 _________________________________________________________________________________________________________ ------------ ------------- Adriana Calcanhotto - E o Mundo Não Se Acabou ----------- "Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar." _________________________________________________________________________________________________________ ------------
----------- Pedro Cerize @PedroCerize Esquerda que não condena ditadura de esquerda, não liga pra democracia. É só hipocrisia mesmo ----------- A crônica de Dora Kramer aborda a contradição percebida na postura do Partido dos Trabalhadores (PT) e do governo brasileiro em relação à defesa da democracia. A autora destaca que, enquanto o governo promove um ato na Praça dos Três Poderes para celebrar a resistência democrática contra os ataques de 8 de janeiro de 2023, o mesmo partido envia representantes à posse de Nicolás Maduro, considerado um líder autoritário por muitos. Pontos principais do texto: Ato de 8 de Janeiro: Dora Kramer critica o evento, que foi apresentado como uma celebração da democracia, mas que acabou tendo um caráter ideológico, com bandeiras e símbolos associados à esquerda. Isso, segundo a autora, exclui uma parcela significativa da sociedade brasileira que também rejeita os ataques, mas que não compartilha dessa filiação ideológica. Contradição ideológica: A presença de membros do PT na posse de Maduro é colocada como um contraste direto à defesa de princípios democráticos. A autora questiona o compromisso do governo com uma democracia universal e pluralista, insinuando que o partido adota um conceito relativista e seletivo de democracia, condicionado por afinidades políticas. Inclusão e polarização: Kramer aponta que grande parte da população brasileira condena atos antidemocráticos, independentemente de sua posição ideológica. No entanto, a exclusão de vozes da direita do campo democrático pode aprofundar divisões e minar o diálogo necessário para fortalecer o Estado de Direito. Reflexão histórica: A citação ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e ao filme "Os Advogados contra a Ditadura" reforça a ideia de que democracia não deveria ser relativizada ou adaptada às circunstâncias. Kramer critica a noção de uma "democracia à brasileira", que pode ser moldada conforme conveniências políticas. Reflexão proposta: O texto levanta questões sobre o compromisso real com os princípios democráticos no Brasil, sugerindo que uma visão parcial e ideologizada pode enfraquecer o ideal democrático universal. É um convite ao debate sobre a coerência entre discurso e prática na política brasileira, especialmente em tempos de polarização. _________________________________________________________________________________________________________ ------------ ------------ Papo Antagonista - Ditadura renovada - 10/01/2025 ------------ O Antagonista Transmissão ao vivo realizada há 20 horas O Papo Antagonista desta sexta-feira, 10, comenta a posse do ditador Nicolás Maduro, após a fraude eleitoral na Venezuela. O programa também fala sobre o aumento da repressão a opositores do regime chavista. Além disso, está na pauta a ofensiva do governo Lula contra a Meta, após as mudanças anunciadas por Mark Zuckerberg em plataformas. _________________________________________________________________________________________________________ ------------
-------------- PolíticaAlemanha Musk faz campanha para ultradireita na Alemanha em live no X 09/01/20259 de janeiro de 2025 Bate-papo com candidata da AfD é parte de ofensiva de bilionário para influenciar eleições no país a menos de dois meses da votação. Conversa com Alice Weidel tem críticas ao governo, à imprensa e à política. ---------- O bilionário Elon Musk realizou nesta quinta-feira (09/01) uma transmissão ao vivo em sua plataforma de mídia social X ao lado da líder do partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), Alice Weidel, candidata à chefia de governo nas eleições gerais de 23 de fevereiro. O envolvimento de Musk nas eleições alemãs gera preocupações em toda a Europa, também em relação a uma possível interferência do proprietário do X, Tesla e SpaceX no processo eleitoral. Após apoiar Donald Trump nas eleições americanas e abrir negociações para financiar populistas no Reino Unido, Musk voltou suas atenções para a próxima eleição federal alemã, afirmando repetidas vezes que "só a AfD pode salvar a Alemanha" – frase repetida por ele na live desta quinta-feira. O apoio foi celebrado e reproduzido inúmeras vezes pelos líderes do partido, que é rotineiramente acusado de abrigar neonazistas e que tem vários diretórios estaduais monitorados de perto por serviços de inteligência por suspeita de afronta aos valores constitucionais. Há poucos dias, Musk publicou um artigo de opinião no jornal alemão Welt am Sonntag afirmando que a AfD seria a "última centelha de esperança" para a Alemanha. Ele alegou que o país, sob o governo do chanceler de centro-esquerda Olaf Scholz, estaria "oscilando à beira do colapso econômico e cultural". Em dezembro, Musk chamou Scholz de "tolo incompetente" e disse que o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, era um "tirano antidemocrático". Críticas a Merkel Na transmissão ao vivo, acompanhada por mais de 200 mil perfis no X, Musk e Weidel trataram de uma série de temas controversos. Na primeira parte da conversa, ambos discutiram a política energética alemã. A ultradireitista se referiu à ex-chanceler Angela Merkel como "a primeira chanceler verde da Alemanha", aparentemente em referência aos seus esforços em prol das energias renováveis, um movimento que começou muito antes do mandato de Merkel. A ex-chanceler pertence ao partido conservador tradicional União Democrata Cristã (CDU). Weidel criticou o fato de a Alemanha ter se afastado da energia nuclear e investido em energia solar e eólica, e disse que a dependência alemã do gás natural russo foi evidenciada em meio à invasão da Ucrânia, criticando o uso temporário do carvão para cobrir as lacunas energéticas. Weidel, porém, omitiu que seu partido – tido como pró-Rússia – defende justamente as usinas de carvão e o reabastecimento da Alemanha com gás russo, ao lado da retomada da energia nuclear. A líder da AfD alegou que Merkel "arruinou" o país, principalmente devido à sua atuação durante a crise migratória de 2015, quando centenas de milhares de migrantes chegaram ao país, fugindo de guerras e da pobreza em países como Síria, Afeganistão e Iraque. A dupla também abordou tópicos como a baixa avaliação dos alunos alemães nos estudos internacionais como o Pisa, com Weidel alegando que a queda nas notas alemãs pode ser atribuída a fatores como as "questões de gênero socialistas" que estariam tomando tempo demais durante as aulas. Hitler "comunista"? Em certo ponto, Musk fez alusão ao passado nazista da Alemanha e pediu que Weidel comentasse sobre a associação comumente feita entre a AfD e a extrema direita. Ela se queixou do tratamento público dedicado ao seu partido na mídia tradicional alemã e disse que a alternativa "libertária" representada pela AfD foi injustamente rotulada como sendo de extrema direita, embora haja inúmeros fatores que permitam essa interpretação. Mostrar conteúdo adicional? Este conteúdo é parte do texto que você está lendo. O provedor YouTube fornece esse conteúdo e pode coletar seus dados de utilização diretamente quando você clica em "Mostrar conteúdo". Sempre mostrar conteúdo de YouTube Weidel também alegou falsamente que o próprio Adolf Hitler não era de direita, e sim de esquerda, e que a prova disso seria o fato de regime nazista identificar sua ideologia como "nacional-socialismo", reavivando uma tese que já foi amplamente debatida e refutada por especialistas, inclusive no Brasil, de que o nazismo seria de esquerda. Apontando para as políticas econômicas e para os gastos pesados do regime nazista, enquanto rearmava a Alemanha e a preparava para a guerra com quase toda a Europa, Weidel argumentou que a palavra que definia Hitler e os nazistas era "socialista", e não "nacional". No entanto, o próprio Hitler afirmou à época que queria resgatar o termo "socialismo" da forma como era empregado pelos marxistas que, segundo disse, mancharam o que poderia ter sido uma base viável de política econômica de Estado. Durante o nazismo, comunistas e socialistas foram sistematicamente perseguidos e reprimidos. Parte da propaganda nazista se baseava na antagonização com o "mal vermelho" representado pelo comunismo, cujas pontas de lança seriam os judeus e soviéticos. Antissemitismo Musk e Weidel se disseram preocupados com o aumento do antissemitismo, sinalizando um contraste com algumas atitudes anteriores do bilionário. Em 2023, ele endossou uma postagem no X que alegava falsamente que membros da comunidade judaica estavam alimentando o ódio contra os brancos. A mensagem também se referia a uma teoria da conspiração que argumenta que os judeus apoiaram a chegada da população não branca aos países ocidentais – teoria apoiada pelo homem que atacou uma sinagoga em Pittsburg em 2018 e matou 11 pessoas. "Você disse a pura verdade", respondeu Musk ao usuário na época. No entanto, ao discutir o conflito Hamas-Israel, Musk citou o provérbio que diz "olho por olho deixa um homem cego", e Weidel concordou, numa crítica à ação militar de Israel na Faixa de Gaza. UE monitora abusos nas redes A conversa de Musk e Weidel foi acompanhada de perto pela Comissão Europeia, que acusou o X de violar a Lei de Serviços Digitais (DSA, na sigla em inglês) do bloco. A regulamentação foi criada para controlar as atividades das plataformas de mídia social e proteger usuários da internet de danos online. Autoridades da Comissão dizem que Musk tem o direito de expressar suas opiniões, mas ressaltam que a DSA foi criada para conter os riscos de que as plataformas sejam utilizadas para amplificar conteúdo ilegal, incluindo discurso de ódio ou desinformação relacionada a eleições. Também ressaltam que a plataforma não pode ser usada para favorecer um partido em detrimento de outro na campanha, conferindo-lhe uma vantagem indevida na corrida eleitoral. Atualmente, uma equipe de até 150 funcionários da entidade investiga se o X age em conformidade com as leis europeias. Eles possuem poderes investigativos de longo alcance que lhes permitem visitar os escritórios do X, solicitar acesso ao seu algoritmo e monitorar correspondências internas. Na live com Musk, Weidel chamou a DSA de "ridícula" e acusou o conjunto de leis de "censurar a liberdade de expressão". Musk amplia influência na Europa As incursões de Musk na política geram alarme em toda a Europa. Além de endossar a AfD, Musk exigiu a libertação do extremista anti-islâmico do Reino Unido Tommy Robinson, chamou o primeiro-ministro britânico Keir Starmer de tirano maligno e disse que ele deveria estar na prisão. Na Polônia, há preocupações de que Musk possa usar sua influência para interferir na eleição presidencial do país, em maio. AfD em segundo lugar nas pesquisas A AfD vem ganhando popularidade nos últimos anos, com as pesquisas de opinião mostrando que o partido já é o segundo mais popular do país atrás apenas da CDU, à medida em que a ultradireita tem deixado de ser tabu na Europa. Os democratas cristãos são os favoritos para vencer a eleição, com 31% de apoio, segundo as últimas pesquisas. A AfD, por sua vez, teria 20% das intenções de voto, à frente de outras legendas tradicionais, como Partido Social-Democrata (SPD) de Olaf Scholz e os Verdes. É improvável, porém, que o partido integre qualquer coalizão de governo, dada a aversão dos partidos tradicionais alemães à AfD em razão da experiência traumática do país com o nazismo. O apoio à AfD cresceu como resultado do descontentamento com o governo liderado por Olaf Scholz. Sua popularidade também reflete uma frustração cada vez maior com a economia alemã e o envolvimento do país na União Europeia, na Otan e na guerra na Ucrânia. rc/ra (ots) _________________________________________________________________________________________________________ -----------
----------- anais da humanidade Notícias do fim do mundo Uma retrospectiva das principais manchetes que não lemos em 2024 Gilberto Porcidonio*, do Rio de Janeiro | 31 dez 2024_09h15 Sabe aquela trend que diz “como vou ser triste este ano, se blá blá blá”? Com 2024 batendo recorde de temperaturas – na política, no dólar, nas relações diplomáticas e no clima mesmo –, sentimos em informar que, sim, há motivos de sobra para estar triste. Mas como rir é o melhor placebo, apresentamos aqui algumas das mais importantes notícias deste ano de nosso(s) senhor(es) de 2024, mas de uma forma diferente, já que 2025 está batendo à porta e é feio traumatizar quem ainda está começando. JANEIRO 1º – Entrada de novos países no Brics causa choro e ranger de ocidente. FEVEREIRO 15- A exemplo da Grécia, Grécia aprova união entre pessoas do mesmo sexo. 22- Dino toma posse como ministro do STF prometendo tornar a corte menos jurássica. 25 – Bam de Popó transforma Bambam em pó. MARÇO 4 – Suprema Corte permite que Trump dispute o fim das eleições dos Estados Unidos. 6 – Descriminalização do porte de drogas vira fumaça no STF. 10 – Oppenheimer ganha sete estatuetas do Oscar mesmo sendo uma bomba. 17 – Putin é reeleito na Rússia com 888% dos votos. 24 – Irmãos Brazão são presos no Rio de Janeiro, e Jacarepaguá inicia uma espécie de Brexit. 25 – Vídeo vazado mostra Bolsonaro pedindo escondidinho na embaixada da Hungria. 28 – Lula e Macron selam união estável na Amazônia. ABRIL 9 – TSE rejeita a cassação de Sérgio Moro, impedindo que seu mandato dê PT. 23 – Sonda espacial Voyager 1 volta a dar sinal depois de cinco meses sumida. Ela só precisava de espaço. 23 – Portugal admite culpa pela escravidão e o colonialismo, contrariando o clichê de que portugueses odeiam responder coisas óbvias. MAIO 4 – Rainha do pop faz show histórico na praia de Copacadonna. 26 – Tribunal de Haia abre espaço no seu Calçadão da Fama para Benjamin Netanyahu. 30 – Trump se torna o primeiro ex-presidente americano a ser condenado criminalmente por agir como um típico presidente americano. JUNHO 24 – Julian Assange vaza. Da prisão. JULHO 21- Biden tem lapso de bom senso e desiste de tentar a reeleição. 26 – Paródia de A Última Ceia na abertura dos Jogos Olímpicos chocou cristãos que não sabem com quem Jesus andava. AGOSTO 5- Paris não vira Biles, e Rebeca Andrade conquista medalha de ouro no solo da ginástica artística. SETEMBRO 15- Pablo Marçal leva chá de cadeira. 17 – Pagers explodem no Líbano, e mundo se pergunta se eles são da Tesla. 18 – ONU exige, em parecer não obrigatório, que Netanyahu pare com a destruição da Palestina, inaugurando o primeiro amistoso diplomático da história. 20 – Brasil tem primeiro teste de carro voador; operação Lei Seca passará a ser operada pela FAB. 27 – Governador Claudio Castro ignora inteligência e divulga quais serão as viaturas secretas da PM. OUTUBRO 27 – São Paulo reelege prefeito sem energia. 28 – Vini Jr. não é cogitado para Bola de Ouro depois de demonstrar raça. 31 – Assassinos de Marielle e Anderson Gomes são condenados, e condomínio Vivendas da Barra sofre evasão súbita. NOVEMBRO 6 – Donald Trump vence as eleições americanas, e título de “maior democracia do mundo” vai a leilão. 7 – Rede de Observatórios da Segurança revela que 87,8% das pessoas mortas pela polícia brasileira em 2023 estavam portando melanina. 13 – Homem leva bombas para a frente do STF e acaba explodindo anistia. 18 – Javier Milei se encontra com Xi Jinping no G20 e diz “no hablo con comunistas, pero no mucho”. 19 – Polícia Federal descobre que golpistas tinham plano de golpe e revela intenção de matar por parte de quem já afirmou que sua especialidade era matar. 28 – Governo anuncia mudança no IR e mercado entende como DR. DEZEMBRO 3 – Tarcísio de Freitas afirma que providências serão tomadas contra policiais que seguiram ordens do governador de São Paulo. 3 – Coreia do Sul declara lei marcial e diz para os Estados Unidos: “eu sou você amanhã.” 4 – Brasil alcança os menores níveis de pobreza e extrema pobreza da série histórica que, curiosamente, não começaram a ser medidos em 1500. 4 – Comissão do Senado pede vistas para analisar PEC de Flávio Bolsonaro que pretende transformar as praias brasileiras em beachcoin. 5 – Mulher não cede assento para criança em voo, é aclamada nas redes sociais e inicia primeiro caso de cancelamento reverso da história. 10 – Lula passa por operação na cabeça enquanto general Braga Netto se ferra de verde e amarelo. 17 – Dólar volta a disparar por pressão do mercado financeiro, e população começa a temer a aproximação de farialimers como quem teme dois homens numa moto. *Algumas das frases foram publicadas ao longo do ano no perfil do jornalista no X: @_puppet Gilberto Porcidonio É checador e repórter do site da piauí, roteirista e apresentador da audiossérie Chumbo & Soul, um Original Audible produzido pela Rádio Novelo _________________________________________________________________________________________________________
------------ questões geopolíticas A volta ao mundo em 80 eleições Para onde as urnas nos levarão, depois de um ano com número recorde de votações, em um cenário prolongado de policrise Marina Slhessarenko Barreto, especial para a piauí | 27 dez 2024_08h17 Em um ano sem precedentes na história do voto, mais de 80 países tiveram eleições legislativas ou executivas, nacionais ou locais – e ainda houve outras votações importantes, como a do Parlamento Europeu. No geral, o clima foi de mudança: a inércia típica das reeleições, quando as máquinas governamentais trabalham a favor da continuidade do poder, foi suplantada por um desejo de troca no comando, resultado de um mundo em estado prolongado de “policrise”, decorrente de guerras, alto custo de vida e outras ameaças. O termo popularizado pelo historiador inglês Adam Tooze segue vivo. Já havia tido algum impacto na troca de Jair Bolsonaro por Lula, no Brasil, de Alberto Fernández por Javier Milei, na Argentina, e seguiu dando o tom das urnas em 2024. Em mais de 80% das democracias que depositaram votos para eleições nacionais, o governo de situação perdeu cadeiras ou percentual de votos em relação à eleição anterior. Em uma janela de dois anos na pandemia, diversos países foram obrigados a abandonar políticas brutais de austeridade fiscal e deram a ilusão do retorno triunfal a Estados de bem-estar social com que governos flertaram no passado. Foram políticas para assegurar a saúde, o trabalho, a economia, direitos de minorias, dentre tantas outras no guarda-chuva da Covid. Depois disso, contudo, os governos extinguiram os benefícios: deixaram seus cidadãos sonhar com a volta de Estados-providência, mas os retiraram de cena. Guerras em Gaza e na Ucrânia, só para ficar em algumas, também têm dado o tom de uma geopolítica mais agressiva. Sem vergonha de mostrar seus dentes, representantes máximos do clube dos autocratas bombardeiam seus alvos como se não houvesse amanhã. À parte as perdas humanas irreparáveis e a destruição de regiões ou países inteiros, eles jogam o mundo em uma era de insegurança militar, alimentar e energética. Preços de combustíveis sobem, grãos disparam, fronteiras fecham e os cidadãos se descontentam ainda mais com seus cenários políticos nacionais. Foi ainda um ano de desconfiança generalizada, com grande número de eleições antecipadas e um impeachment presidencial na Coreia do Sul que quebrou a dieta mundial de dois anos sem ejeção de chefes de Estado via impeachment. Isso tudo sem contar as reformas constitucionais que aconteceram à queima-roupa, como no Togo, ou reformas judiciárias que aconteceram no encalço de outras eleições, como no México. As cortes também foram acionadas sob vultosas suspeitas de fraudes e, pela primeira vez na história, um país europeu cancelou uma eleição em razão de fortes suspeitas de interferência estrangeira. Em dezembro, a Corte Constitucional da Romênia cancelou o primeiro turno das eleições presidenciais, devido ao vazamento de documentos confirmando a influência de uma massiva campanha cibernética russa. Nesse contexto, também não é de surpreender que mais de quatro em cada dez cidadãos do mundo não confiem em seus governos nacionais – patamar de confiança que piora a cada ano há mais de uma década. Exposição Castelo Ra-Tim-Bum Para quem não vive em um sistema parlamentarista, a chamada de eleições antecipadas pode soar um sinal de alerta. Em sistemas presidencialistas, afinal, contamos com um calendário eleitoral mais estável: eleições periódicas para presidente, outras periódicas para parlamentares; excepcionalmente, algum caso de impeachment. Em sistemas parlamentaristas, porém, é exigido de partida mais jogo de cintura dos líderes partidários para articular coalizões de governo. Se o primeiro-ministro não consegue costurar apoio no parlamento, se perde um voto de confiança, se fica diante de um impasse político ou em outra crise de grande magnitude, a regra é que chame eleições antecipadas. E elas aconteceram em uma frequência ainda maior em 2024. Uma década atrás, sequer havia eleições antecipadas no mundo; duas já eram muito (como foi o caso em 2015). Em 2024, foram registradas dezoito. Assine nossa newsletter e-mail Avião - enviar formulário Toda sexta-feira enviaremos uma seleção de conteúdos em destaque na piauí Ocaso da França chocou o mundo ainda no primeiro semestre. Depois de eleições para o Parlamento Europeu que entornaram o caldo centrista de Emmanuel Macron na direção da extrema direita, o presidente dissolveu a Assembleia Nacional (Câmara Baixa do parlamento), eleita em 2022, e convocou novas eleições. Nesse ínterim, a esquerda conseguiu montar uma frente ampla de supetão, a Nova Frente Popular, que conquistou 182 cadeiras ou 31,5% da Assembleia Nacional após o segundo turno das eleições. Ainda que tenha conseguido uma quantidade de votos válidos maior em razão de um sistema eleitoral distrital (mais de 3 milhões de votos a mais que a Nova Frente Popular), a Reunião Nacional (partido de extrema direita) ganhou 24,8% das cadeiras totais e perdeu o favoritismo que a embalou no primeiro turno. O esperado era que o presidente indicasse um novo primeiro-ministro a partir da coalizão vencedora. Não foi o que aconteceu, mas nenhum partido foi capaz de angariar as 289 cadeiras necessárias para governar. As eleições resultaram em um parlamento sem maioria e esse fato, por si, poderia também ser motivo para convocar eleições antecipadas. Nesse clima de desorientação, Macron tentou manter o primeiro-ministro de até então, Gabriel Attal – que assumiu em janeiro depois da renúncia da impopular premiê Élisabeth Borne –, mas acabou cedendo à sua renúncia. O contraste não poderia ser mais nítido: Attal, mais jovem primeiro-ministro a assumir na França, cedeu lugar a Michel Barnier, o mais velho mandatário a tomar posse. Três meses no cargo, e Barnier foi quicado. A aprovação de um voto de desconfiança – inédito no país desde 1962, quando a França amargava a derrota sangrenta na Argélia e uma tentativa de assassinato do presidente De Gaulle – uniu da esquerda à extrema direita, em um coro de 331 deputados rechaçando a política econômica do primeiro-ministro conservador. Em 13 de dezembro, François Bayrou foi indicado por Macron para o posto de primeiro-ministro – o sexto em sete anos. No Senegal, em uma das democracias mais estáveis da África Ocidental, uma série de atropelos marcou o calendário eleitoral. Primeiro, em razão de eleições postergadas; depois, de eleições antecipadas. O então presidente senegalês, Macky Sall, tentou adiar eleições por dez meses após temer que seu sucessor não fosse eleito. Sall – no poder desde 2012 por dois mandatos consecutivos pelo partido da Aliança da República, que é a cabeça da coalizão partidária União na Esperança – reduziu significativamente os direitos políticos e civis da população senegalesa, em um roteiro autoritário oldschool. Assassinatos de manifestantes, prisões de opositores e restrições severas à liberdade de expressão marcaram seu governo. Dois candidatos a presidente foram presos por difamação ou desacato à autoridade. A oposição não hesitou em protestar contra a manobra eleitoral do presidente, acusando seu caráter inconstitucional. Era uma tentativa espúria, e inédita, de aumentar seu mandato, dar uma lambada na vontade popular e comprar tempo para seu candidato, Amadou Ba (também da Aliança da República, que era primeiro-ministro do país desde 2022), ganhar as mentes e corações dos senegaleses. Protestos se espalharam pelo país desde o anúncio infeliz e resultaram em uma onda de mais mortes e violência policial. Vendo-se isolado e impopular, além de pressionado pela espada da Corte de Cassação (mais alto tribunal do país) nas costas, Sall voltou atrás e marcou as eleições presidenciais para final de março. Pela primeira vez desde a independência do país em relação à França, em 1960, nenhum nome nas urnas concorria à reeleição. Ganhou o candidato oposicionista Bassirou Diomaye Faye, do partido Patriotas Africanos do Senegal pelo Trabalho, Ética e Fraternidade (Pastef, na sigla em inglês), que foi preso em abril de 2023 em razão de um post no Facebook criticando a falta de independência do poder judiciário senegalês e solto dez dias antes da eleição em 2024. Não bastasse a trama toda, seu partido Pastef também foi banido em julho de 2023, sob acusação de incitar movimentos insurrecionais no país – outro fato inédito na história do Senegal, que nunca baniu outro partido político desde a independência. Três dias após a eleição de Faye, o partido voltou à legalidade. Em seguida, Faye apontou seu mentor político e colega de partido Ousmane Sonko como primeiro-ministro. Sonko também foi preso ilegalmente e foi o espírito por trás do post de Facebook que Faye fez, criticando a falta de independência judicial no país, e que lhe rendeu a prisão. A medida veio depois de um curto período com um ministro-tampão aliancista, Sidiki Kaba, que serviu por miúdos 28 dias no final do mandato de Sall e começo de Faye. A debacle presidencial de atraso e remarcação eleitoral foi seguida, então, pelo chamamento de eleições antecipadas em setembro. O recém-eleito Faye dissolveu a Assembleia Nacional, dominada pela oposição União na Esperança (que detinha cerca de 50% dos assentos) e convocou eleições para novembro. Em novembro, o Pastef angariou quase 79% dos assentos, cedendo-lhe confortável maioria para governar. Outras eleições antecipadas cortaram da Europa à Ásia, da África à Oceania. Desde 2021, a Bulgária já enfrentou seis votações antecipadas em razão da formação de governos instáveis. Isso equivale a uma média de duas eleições por ano – fora as regulares que elegeram um novo parlamento em abril de 2021 – para tentar conter a instabilidade parlamentar. Em 2024, foi precisamente este o caso. A coalizão que unia duas forças opostas (Cidadãos para o Desenvolvimento Europeu da Bulgária/ União de Forças Democráticas, conservadora, e Nós Continuamos a Mudança/ Bulgária Democrática, mais liberal), esfacelou-se depois da parte conservadora puxar o tapete da liberal, alijando-a da decisão sobre um novo gabinete de governo. O acordo de cavalheiros – e cavalheira, neste caso, porque a cabeça de chapa conservadora é Mariya Gabriel – era que os primeiros nove meses de governo seriam liderados pela ala liberal (e vice-liderados por conservadores). Em seguida, os conservadores entrariam no rodízio, acautelados por um vice primeiro-ministro liberal, e assim se seguiria até o fim do mandato proposto. Como resultado da pataquada, eleições em junho vieram a reboque, com uma participação popular tão baixa quanto 34% do total de votantes – um recorde negativo em um país que já vinha mostrando participação eleitoral perto dos 40% nos últimos pleitos. As eleições de junho resultaram, de novo, em um parlamento fragmentado, com a coalizão conservadora Cidadãos para o Desenvolvimento Europeu da Bulgária/ União de Forças Democráticas ocupando 68 assentos de um total de 240. Receita para mais enredo de série de tevê: a coalizão conservadora tentou, em conjunto com o presidente Rumen Radev (crítico vocal de sanções contra a Rússia), montar uma nova maioria por três vezes. Depois do fracasso da terceira tentativa, Radev convocou novas eleições para outubro. A estratégia de debelar a crise política do país por uma surra de eleições antecipadas não tem sido bem-sucedida. Não é para menos: como esperar que as preferências eleitorais mudem radicalmente em tão curto período de tempo? Com 39% de participação eleitoral, os cidadãos búlgaros elegeram mais uma vez um parlamento fragmentário, concedendo 69 assentos (um a mais que em junho) à coalizão conservadora. Sem mudanças fundamentais no funcionamento do governo, não há perspectiva de que a Bulgária saia dessa crise política duradoura. Não só as eleições antecipadas tumultuaram 2024. A agitação do ano foi recheada de outros fatos inesperados. Os antecedentes políticos que resultaram no impeachment do presidente da Coreia do Sul foram alguns deles. O país já vinha fraturado politicamente pelo descompasso entre uma presidência conservadora de Yoon Suk Yeol – do Partido do Poder Popular (PPP), que assumiu em 2022 – e uma maioria liberal eleita para o parlamento – puxada pelo Partido Democrático (DPK, na sigla em inglês), que alcançou sozinho 180 assentos em 2020, mais do que os 151 necessários para a maioria. Não bastasse isso, Yoon era um outsider, eleito em 2022 sem qualquer experiência prévia com política. Era o equivalente ao procurador-geral da República do país até então, sendo crucial para a prisão de dois ex-presidentes da Coreia do Sul e investigação de grandes empresários coreanos. O famoso figurão do “vigiar e punir”, duro no crime e anticorrupção. Na época, elegeu-se por inacreditáveis 0,73 pontos percentuais a mais do que seu oponente, do DPK. Foram menos de 248 mil votos de diferença em relação ao segundo colocado. As eleições de 2024 vieram a engrossar o caldo de descontentamento e fratura interna do país. Chegaram em um momento político de escândalos tanto do lado do PPP quanto do DPK. Como gota d’água, a oposição usou um discurso do presidente Yoon sobre o preço de cebolinhas, que se transformaram em símbolo automático de revolta. Para ilustrar a luta do governo para reduzir o preço dos alimentos, o presidente havia visitado um hortifruti e mostrado como estariam baixos os preços do maço de cebolinha ali: 875 won ou cerca de 3,73 reais. Críticos do governo apontaram o teatro armado e o descolamento com a realidade sul-coreana, já que os preços reais do maço da hortaliça rodavam em torno de 3 a 4 mil won (13 a 17 reais). Fora o conteúdo com alto potencial para meme, as cebolinhas viraram tamanho totem de indignação que passaram a desfilar em manifestações desde então. A repercussão foi tamanha que a Comissão Nacional Eleitoral – agência do governo responsável por fiscalizar as eleições – proibiu os cidadãos de levarem cebolinhas aos locais de votação em abril por temor de “interferência eleitoral”. Após as novas eleições legislativas, o DPK conseguiu, novamente, maioria – muito embora tenha perdido assentos – e o PPP ficou em segundo lugar. Desde então, uma série de escândalos envolvendo a primeira-dama do país, Kim Keon-hee, culminaram na infame decretação de lei marcial pelo presidente em dezembro de 2024. Acusada de corrupção e influência indevida no governo, Kim foi alvo de três projetos de lei da oposição para o estabelecimento de investigação especial. Os três foram vetados pelo seu marido e presidente. O mais novo capítulo da saga veio com o lançamento do documentário Primeira Dama no país, em que o jornalista investigativo Lee Myung-soo revela conversas de bastidores atribuídas a ela. Segundo os áudios revelados, Keon-hee diz que não acha que “Suk Yeol é realmente o presidente. Aquele bobo é só uma marionete”. Segundo críticos do governo, o presidente decretou lei marcial (emprego do exército na política ordinária) para barrar investigações contra sua esposa. A justificativa oficial foi um clima de tensão aumentado e o perigo de forças sul-coreanas que não apoiaram as políticas do governo. Mais do que isso: ameaças à segurança nacional e possíveis laços com a Coreia do Norte. Um pouco de intolerância com o funcionamento democrático básico; um pouco de conspiração – fermentada pelo uso compulsivo de YouTube por Yoon, alertou um colunista conservador sul-coreano. De um modo ou de outro, Yoon Suk Yeol se sentiu à vontade para militarizar o país em meio a dificuldades de aprovação de sua agenda – e o fez em um clima de normalização crescente de medidas militares de um mundo em franca corrida armamentista. O impeachment presidencial veio coroar a novela e teve sucesso em 14 de dezembro. Ele se seguiu à reversão da lei marcial apenas algumas horas depois de seu anúncio, e a ondas intensas de protestos contra o presidente e reivindicações da oposição pela renúncia presidencial. Não bastasse isso tudo, o partido do presidente ainda tentou boicotar o processo legislativo que o levaria ao impeachment na semana anterior. Quase todos os congressistas do PPP deixaram a Câmara de votação antes do voto pelo impeachment e, portanto, não houve quórum suficiente para aprovar o pedido. Antes da nova votação, o líder do PPP autorizou a participação dos membros do partido no rito e doze deles foram favoráveis à moção de impeachment. Eram exigidos 200 votos para o procedimento (ou dois terços do total dos congressistas), foram conquistados 204. Desde então, o país navega em instabilidade e os próximos passos serão ditados pela Corte Constitucional. É ela quem decidirá, ao cabo de seis meses de afastamento presidencial, se Yoon Suk Yeol pode retornar ao cargo ou se será removido em definitivo. Quando o assunto é a rejeição de candidatos ou partidos bem-estabelecidos, outra onda de eleições veio a galope em 2024. No Reino Unido, o Partido Conservador amargou seu pior resultado desde a grande reforma eleitoral de 1832, que redistribuiu assentos com base na nova demografia do país e ampliou o direito ao voto. Conquistando apenas 23,7% dos votos válidos, os conservadores se saíram piores do que em outros momentos historicamente significativos, como em 1945 (quando o partido do primeiro-ministro Winston Churchill conseguiu apenas 36,2% dos votos) e em 1997 (quando o partido abocanhou só 30,7% dos votos). “O partido político mais bem-sucedido do mundo” (em número de anos no poder desde a fundação), nas palavras do jornal Wall Street Journal, enfrentou uma derrota arrebatadora. A humilhação veio na forma de eleições antecipadas mais uma vez. Previstas inicialmente para dezembro, foram convocadas pelo então primeiro-ministro Rishi Sunak (Partido Conservador) em maio, para acontecer no começo de julho. A plateia ficou confusa com a manobra, mas a estratégia era surpreender o partido de extrema direita, o Reform UK (encabeçado por Nigel Farage), e não lhe conceder a chance de amealhar os votos já minguados dos conservadores. Ao mesmo tempo, o tempo curto poderia atrapalhar as chances de vitória do Partido Trabalhista, a legenda progressista nacional. Logo antes de o anúncio ser feito, um temporal barulhento atrapalhou a solenidade – ainda que Sunak não se tenha deixado abalar. O literal clima de choro adornou a atmosfera melancólica do partido, e o fato virou manchete em todos os jornais do dia seguinte. Vale lembrar que o líder assumiu o governo na sequência da primeira-ministra que durou menos que uma cabeça de alface (Liz Truss, 50 dias no cargo) e que, por sua vez, substituiu um escandaloso contumaz (Boris Johnson). Com os resultados, o Partido Trabalhista reassumiu o país, depois de uma dieta de quase quinze anos. A vitória animou forças progressistas ao redor do mundo, em especial tendo em vista os números acachapantes: foram 211 assentos a mais do que aqueles angariados nas eleições de 2019. Em comparação, os conservadores perderam nada menos que 251 cadeiras. Keir Starmer foi nomeado como primeiro-ministro e viu sua popularidade derreter entre agosto e outubro em razão do orçamento proposto, que aumentou o salário mínimo em 6,7%, passa a taxar grandes propriedades rurais a partir de abril de 2026 e propõe aumentos nas contas de luz e gás a partir do próximo ano. Urnas fechadas depois da votação de Botsuana, em outubro: vitória da oposição depois de 58 anos Outros países tiveram transições de governo até mais dramáticas. Botsuana, que é um dos anteparos democráticos em meio a uma enxurrada de vizinhos autocráticos sub-saarianos, elegeu pela primeira vez em 58 anos o partido da oposição. Em resultado sem precedentes desde independência em relação ao Reino Unido em 1966, o país rechaçou maioria legislativa ao Partido Democrático de Botsuana (PDB) em prol da coalizão de esquerda Umbrella for Democratic Change (UDC, na sigla em inglês). Com a perda de maioria na Assembleia Nacional, o PDB perdeu também a presidência – já que, em Botsuana, o presidente é indicado pelos membros do parlamento em eleição indireta. O candidato à reeleição presidencial Mokgweetsi Masisi, do PDB, perdeu para Duma Boko, do partido da Frente Nacional de Botsuana, partido-membro da UDC. Foram basicamente 58 anos de governo de partido único, já que em todas as eleições desde então o PDB controlou maioria na Assembleia Nacional unicameral e, consequentemente, indicou os presidentes desde então. A presidência de Masisi, que assumiu em 2018 e foi reeleito em 2019, foi crucial para a piora significativa dos indicadores democráticos do país – que era considerado pelo instituto V-DEM uma democracia liberal até 2021, quando caiu para o posto de democracia eleitoral[1]. Para efeito de comparação, o Brasil é considerado uma democracia eleitoral desde 1987 e nunca mudou de status desde então. Saindo de um país que abriga menos de 0,03% da população mundial para outro que é casa para cerca de 3% dela, o Paquistão, os resultados foram em parte surpreendentes. Considerado uma “autocracia eleitoral” – um regime que não tem competitividade partidária real nem eleições livres e justas –, o quinto país mais populoso do mundo também foi às urnas neste ano. Mesmo que o Paquistão não esteja perto de ser considerado uma democracia e tenha sofrido recente deterioração de indicadores de liberdades, a trama pré-eleitoral teve um resultado inesperado. Ainda em abril de 2022, a Assembleia Nacional depositou um voto de desconfiança no primeiro-ministro Imran Khan do Partido do Movimento Paquistanês pela Justiça (PTI, na sigla em inglês). Khan foi preso na sequência por diversas acusações, dentre elas de corrupção e manutenção de um casamento “não islâmico”. Na véspera das eleições de fevereiro de 2024, o clima era sórdido. Em janeiro, a Suprema Corte do país já havia banido o símbolo do partido das urnas e, na sequência, todos os candidatos a ele vinculados tiveram de se candidatar como independentes. Em um país com cerca de 40% de analfabetos, esse foi um golpe duro. Ainda assim, seus candidatos conseguiram emplacar 93 assentos na Assembleia Nacional, o que estava longe dos planos. Os resultados se devem em parte a uma campanha eleitoral puxada por inteligência artificial e segmentação em redes sociais. É certo que a surpresa teve vida curta porque os outros partidos que tiveram expressiva votação – Liga Muçulmana do Paquistão (PML-N, em inglês) e Partido Popular do Paquistão (PPP) – se uniram em coalizão e o novo primeiro-ministro apontado foi Shehbaz Sharif, uma liderança política que estava no exílio em Londres até o ano anterior. Eleitores pelo mundo também entregaram manifestações pelas ruas, em indignação aos resultados das eleições ou por algum fato relacionado a elas. Em janeiro, Bangladesh concedeu maioria ao partido da então primeira-ministra Sheikh Hasina, já mandatária por cinco carnavais. Boicotadas pela oposição, as eleições conduziram a uma série de protestos massivos, que culminaram com a renúncia de Hasina em agosto. A Geórgia, a seu turno, tem o componente de ter sido invadida pela Rússia em 2008 – o que uma voz crítica vê como o marco inicial da guerra completa na Ucrânia em 2022. Em outubro, assegurou mais uma vez maioria ao Partido Sonho Georgiano (GD) e, em seguida, elegeu indiretamente como presidente Mikheil Kavelashvili, um ex-jogador de futebol também do GD. A população foi às ruas contra os resultados, já que com eles vieram também as inclinações pró-Rússia e a descapitalização do acordo em curso para a integração europeia. Protestos impressionantes também se deram em Budapeste. Em 2022, a Hungria garantiu um quarto mandato consecutivo ao primeiro-ministro Viktor Orbán. Em 2024, as eleições europeias resultaram em uma perda de assentos significativa ao partido de Orbán, Fidesz. Nesse mesmo ano, uma série de escândalos do governo – envolvendo suspeitas de corrupção e de abuso sexual – levaram ao racha de Péter Magyar, então Fidezs, e sua capitalização como adversário político de Orbán para as eleições de 2026. Magyar reativou um partido de oposição, o Tizsa, e protestou diversas vezes na capital com apoio popular que superou, por vezes, a marca de 10 mil manifestantes. Quando o assunto é desconfiança generalizada, o caso da Alemanha atordoou o final de ano. Depois do que o premiê Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata (SPD, na sigla em alemão) chamou de “semanas de sabotagem” do ministro das Finanças Christian Lindner, a derrocada da coalizão de governo, conhecida como “semáforo” (em razão das cores de cada partido que a integrava: vermelho para os social-democratas; amarelo para os “liberais”; verde para os verdes), jogou o país em um limbo político. Scholz perdeu um voto de confiança no Parlamento em 16 de dezembro, o que já era esperado dada sua impopularidade e fortalecimento de forças contrárias para ocupar seu posto. O que não era esperado é que três deputados da Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão) – os únicos casos de divergência partidária na votação – votariam para manter o social-democrata no posto. Isso aconteceu para barrar o candidato favorito a assumir o posto de Scholz no ano que vem, Friedrich Merz, com as eleições antecipadas marcadas para o fim de fevereiro de 2025. Friedrich Merz é da União Democrata-Cristã (CDU, na sigla em alemão) e sugeriu conceder aos russos o que se chamou de “ultimato Taurus”. Segundo proposta que fez no começo de 2024, seria o caso de pressionar Putin a parar de atacar a infraestrutura crítica da Ucrânia, sob o risco de concessão de mísseis de cruzeiro Taurus para o país utilizar. Esse foi o motivo para os três deputados do partido de extrema direita AfD votarem contra Olfa Scholz abandonar a chancelaria da Alemanha. Segundo apontou uma das deputadas, Christina Baum, Merz empurraria a Alemanha para a guerra contra a Rússia de vez. Merz é do mesmo partido de Angela Merkel. Seu partido é conhecido como o responsável por barrar o avanço da extrema direita no país. No linguajar alemão, a CDU é o Brandmauer que impede o avanço da AfD para uma porção maior do eleitorado; no paladar tropical, ele seria o cordão sanitário. Essa constatação, porém, tem vasto espaço para questionamentos. Segundo apontam críticos, é mera questão de tempo até o partido começar a encampar mais agendas extremistas, que já vêm sendo normalizadas na política institucional alemã, com baixa reação do Estado. Em 2024, a AfD foi declarada uma “organização extremista suspeita” pelo Gabinete Federal para Proteção da Constituição (BfV, na sigla em alemão) e passível, portanto, de monitoramento. Ao mesmo tempo, o partido continua sendo elegível nas urnas – e teve vitórias arrebatadoras nas eleições legislativas estaduais de 2024 na Turíngia (32,8%), na Saxônia (30,6%) e em Brandemburgo (29,2%). Essas peripécias todas, por mais extravagantes que sejam, ainda puderam ser absorvidas dentro de parâmetros eleitorais domésticos, mesmo que muito desconfortavelmente. Este ano, entretanto, demarcou uma agressividade muito maior de influências externas nas eleições dos países – e “externas” aqui têm nome e sobrenome: Vladimir Putin. À parte a investida brutal na guerra direta contra a Ucrânia, o presidente russo tem se imiscuído mais e mais entre seus vizinhos ex-soviéticos ou integrantes do Pacto de Varsóvia. Este foi o caso na Eslováquia, Moldávia, Geórgia e Romênia – os dois últimos países já tematizados acima. Cada um desses casos selou um destino diferente, mas todos guardam em comum o fato de serem alvos de propaganda e interferência russa. A Eslováquia – que é um país membro da União Europeia – elegeu em abril Peter Pellegrini, presidente pró-Rússia, delimitando o distanciamento da inclinação ocidental-europeia do candidato opositor Ivan Korčok. Campanhas de desinformação russas emolduram Korčok como o candidato a favor da guerra na Ucrânia (em oposição a uma fictícia paz, que o candidato aliado à Rússia traria). No mês seguinte, houve também uma tentativa de assasinato do primeiro-ministro Robert Fico, reconhecido também por seu distanciamento da União Europeia. O episódio foi instrumentalizado pela propaganda russa contra o Ocidente. Entre outubro e novembro, a Moldávia teve eleições presidenciais. Conforme observado de perto por watchdogs, a eleição contou com interferência russa sem precedentes, tentando favorecer o candidato a presidente Alexandr Stoianoglo. No mesmo dia do primeiro turno, o país aprovou por curta maioria o referendo que propunha adicionar à Constituição o desejo dos moldavos de ingressar na União Europeia. Com o segundo turno, a candidata Maia Sandu ( Partido da Ação e Solidariedade) ganhou a reeleição, alertando igualmente para a interferência russa no país. Para não dizer que não falamos de Donald Trump nos Estados Unidos, sua vitória selou o fim de uma era – ou do Partido Democrata como conhecemos hoje. Se, no começo do ano, a disputa era carimbada como “a eleição” do ciclo, com resultado incerto e potencial margem de vitória para Joe Biden, do Partido Democrata, o cenário político capotou algumas vezes até o candidato do Partido Republicano ser consagrado não só como o novo presidente, mas como o primeiro presidente Republicano em vinte anos a conseguir ganhar também no voto popular. E não foi só a presidência; o partido de Trump conseguiu levar igualmente o Senado e a Câmara dos Representantes – as duas casas do Congresso norte-americano. Foi uma vitória de lavada. Os prognósticos eleitorais não são nada animadores, ainda mais considerando o impacto de cascata que as eleições no país tendem a desencadear nas vizinhanças. Primeiro, por conta das guerras em curso no mundo, que o país financia sem claros objetivos de paz. Segundo, por conta de eleições futuras que são influenciadas pelas dinâmicas de poder da Casa Branca. Não custa lembrar que o Brasil elegeu Jair Bolsonaro no embalo da escolha de Donald Trump; em seguida, o mandatário brasileiro veio a ser conhecido como o Trump dos Trópicos pela mídia internacional. Mesmo que em 2026 Bolsonaro não possa se eleger presidente – a menos que uma anistia blasfema venha a melar sua inelegibilidade ou as expectativas iminentes de sua prisão –, é certo que agregou um movimento radicalizado que vai além de sua figura, como já analisaram especialistas. O bolsonarismo de hoje já roda sem Bolsonaro, e um temor razoável vem de forças de extrema direita que podem capitalizar sobre a eleição dos EUA para se lançar como alternativa viável para a presidência do Brasil em 2026. Outro fator de preocupação é a normalização da militarização em países direta ou indiretamente afetados por guerras mundo afora – guerras essas que são reforçadas diretamente pelos resultados eleitorais (a exemplo da Rússia) ou que impedem eleições de aconteceram (a exemplo da Ucrânia). A Polônia – que vai ser palco de eleições presidenciais em 2025, eleições em que o atual mandatário não poderá concorrer por já ter sido reeleito uma vez – já dispensa percentual pornográfico de seu PIB com a defesa de seu território, o que é justificado nominalmente pela proximidade com a Ucrânia. Serão 5% gastos com Defesa em 2025; neste ano, foram 4,1%. A piauí apurou com fontes diplomáticas que o país quer se projetar como liderança na Otan e na UE, e isso tem a ver com seus investimentos em exército, defesa e armas. Dados de 2024 mostram que o país já tem o terceiro maior contingente das Forças Armadas entre membros da Otan (216 mil), estando atrás apenas dos EUA (1,3 milhão) e da Turquia (481 mil). No universo Otan, o percentual visado de gastos com Defesa é de 2% do PIB dos estados-membros. Dos 32 membros da aliança militar, a expectativa é de que 23 deles alcancem o percentual acima em 2024; em 2018, apenas seis o fizeram. Há também conversas crescentes entre os membros para aumentar o alvo percentual de gastos com defesa para 3% do PIB, o que é devido em parte à eleição de Donald Trump nos EUA, crítico contumaz da aliança. Os gastos militares também explodiram nos últimos anos. Em 2023, astronômicos 2.443 bilhões de dólares foram gastos por todos os países do globo, o que sinalizou aumento de 6,8% em relação ao ano anterior e o maior aumento de gastos entre um ano e outro desde 2009. Rumores de ameaça nuclear também aumentaram significativamente. Em novembro, a Rússia anunciou uma mudança em sua doutrina nuclear, ampliando o rol de situações que permitem o uso de armas nucleares. No mesmo mês, a Alemanha fez levantamento de bunkers no país para abrigar pessoas em caso de ataque e estuda expandir sua rede. No mês seguinte, a empresa pública de tevê polonesa anunciou que o governo enviará no próximo ano manuais para instruir seus cidadãos em situações de crise, inclusive nuclear. Por distópico que isso possa parecer, a venda de bunkers privados igualmente aumentou pelo mundo. No ano de tantas eleições, o retrato predominante é o do contraste. Participações eleitorais em nível recorde versus mobilização eleitoral baixíssima. Enquanto a França registrou maior participação em eleições legislativas desde 1997 (entre 63% e 65%), a Tunísia registrou menos de 30% de votantes no dia de eleição para presidente, pior percentual desde 2011. Enquanto os EUA registraram participação quase recorde (somente atrás de 2020), o Irã contou com a participação eleitoral mais baixa em sua história para as eleições presidenciais (cerca de 40%), neste caso chamadas às pressas – desde que o então presidente morreu em um desastre de helicóptero. Ganhos substanciais às extremas direitas nacionais e regionais versus resistências em âmbito local também fizeram o ano. Na Alemanha as eleições estaduais marcaram vitórias sem igual para a AfD: pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial o partido conseguiu maioria em eleições; no caso, do estado da Turíngia. Este é o mesmo estado em que, mais de cem anos atrás, a democracia alemã foi arquitetada – emprestando o nome de uma cidade sua, inclusive: a República de Weimar. Por outro lado, as eleições locais da Turquia em 2024 marcaram uma derrota significativa ao projeto autoritário de Erdoğan, confirmado à reeleição em 2023. O maior partido de oposição, o Partido Popular Republicano (CHP, na sigla em inglês) conseguiu controlar ainda mais grandes cidades do que na eleição anterior, em 2019. Protesto reúne multidão em Caracas contra resultado oficial da eleição presidencial da Venezuela, que reconduziu Nicolás Maduro para um novo termo: mais um exemplo da crescente ameaça democrática ao redor do mundo Reforço de projetos autoritários versus perda de maiorias em governos foram outro contraste significativo. Surpreendendo um total de zero pessoas, a Rússia reelegeu o presidente Vladimir Putin para o quinto mandato consecutivo, em uma margem de cerca de 87,8% dos votos. Também houve a reeleição do autodeclarado “ditador mais descolado do mundo”, Nayib Bukele, em El Salvador, com quase 85% dos votos. Já na Venezuela, eleições amplamente contestadas anunciaram a reeleição, com margem curta de vitória (51%), do presidente Nicolás Maduro. Na Índia, o partido do primeiro-ministro Narendra Modi, Partido do Povo Indiano (BJP, em inglês), perdeu assentos e nenhum dos outros partidos conseguiu sozinho maioria na Câmara Baixa do Parlamento (Lok Sabha). Na África do Sul, pela primeira vez desde o final do Apartheid, o Partido do Congresso Nacional Africano (ANC) perdeu maioria para governar sem coalizão no Congresso, conquistando aproximadamente 40% dos votos. Nas últimas eleições, o ANC angariou 17,5% de votos a mais, daí o espanto eleitoral. No Japão, a seu turno, o primeiro-ministro Shigeru Ishiba, do partido governante Partido Liberal-Democrata (PLD), convocou eleições antecipadas depois de uma série de escândalos, baixa aprovação e desafios econômicos. Como consequência, o PLD perdeu pela primeira vez, desde 2009, maioria na Câmara Baixa do parlamento. Além disso, 2024 foi o ano em que massas de cidadãos ao redor do mundo não temeram protestar contra sistemas políticos que lhes viraram as costas – seja nas urnas, seja nas ruas. Seja votando em candidatos que não eram favoritos, seja bancando manifestações públicas de descontentamento. A contraparte da desconfiança nos partidos, políticos e instituições bem-estabelecidas é a insatisfação, a manifestação, até o boicote. O ano de 2024 mostrou cidadãos em alerta. No quadro geral, igualmente foi um ano de reforço da deterioração democrática – com tendências já apontadas nessa direção há quase duas décadas. Algumas exceções, em sinais de reversão ou democratização nas margens, não podem ser desconsideradas. Por um lado, democracias no coração europeu se mostram cada vez mais instáveis e passíveis de erosão pela extrema direita. Também foi esse o caso da democracia norte-americana, que reelegeu Donald Trump depois de um curto hiato com um presidente democrata. Por outro lado, também é verdade que alguns países da periferia do capitalismo ou do chamado “Sul Global” apontaram sinais no sentido oposto – mesmo que eles tenham sido logo revertidos, como foi o caso no Paquistão. O ano de 2024 também nos lembrou de iniquidades brutais em sistemas eleitorais que já não refletem a demografia de seus países nem sequer seus anseios de aprofundamento democrárico. O Colégio Eleitoral norte-americano é um exemplo eminente: em pleno 2024, o país que por tanto tempo se vendeu como a maior democracia do mundo ainda elege delegados, que, por sua vez, elegem o presidente da República. Curto e grosso: ainda há eleição indireta para presidente. Mas os EUA não são o único caso. A confecção de distritos e outras malandragens de engenharia eleitoral estão nas prioridades de agenda de líderes autoritários mundo afora. A Hungria, por exemplo, é um laboratório importante de manipulação de distritos eleitorais. Já a Índia se destaca por tentativas reiteradas de restrição de cidadania de minorias étnico-religiosas. O que o ano igualmente veio a reforçar é um mundo em realinhamento. Um realinhamento de forças que clama por novas lideranças, já que aquelas do final da Segunda Guerra Mundial não conseguem mais responder aos desafios presentes. Esses espaços estão sendo disputados a unhas e dentes, e muitas vezes por forças claramente antidemocráticas. A Rússia é uma candidata óbvia, mas não a única. Mais do que nunca, este é o momento para países do Sul Global se unirem em torno de uma nova agenda: mais democrática, ambiciosa e inclusiva. __________________________ [1]O Instituto é referência na agregação de dados sobre a qualidade das democracia ao redor do mundo e tem um dos índices mais conceituados para medi-la. De acordo com seus parâmetros, os países podem ser, em escala decrescente de qualidade do regime político: democracias liberais, democracias eleitorais, autocracias eleitorais ou autocracias fechadas. Democracias eleitorais são regimes em que cidadãos têm direito a voto garantido em eleições livres e justas, mas não podem desfrutar de algumas garantias institucionais (como controle de governos para proteger a democracia) ou direitos de minorias. Já democracias liberais colocam à disposição dos cidadãos um amplo rol de direitos fundamentais e de minorias. Marina Slhessarenko Barreto Pesquisadora do LAUT e mestranda em Ciência Política na USP

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