Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
sexta-feira, 17 de dezembro de 2021
Meu caro poeta.
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Tribuna de Minas
O singelo encontro entre Belmiro Braga e Machado de Assis
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SciELO
SciELO - Brasil - Novas faces de uma figura prismática Novas faces de uma
de um trabalhador velho e amigo
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Meu Caro Amigo
Chico Buarque
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Meu caro amigo me perdoe, por favor
Se eu não lhe faço uma visita
Mas como agora apareceu um portador
Mando notícias nessa fita
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
Muita mutreta pra levar a situação
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
E a gente vai tomando e também sem a cachaça
Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades
Mas acontece que não posso me furtar
A lhe contar as novidades
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
É pirueta pra cavar o ganha-pão
Que a gente vai cavando só de birra, só de sarro
E a gente vai fumando que, também, sem um cigarro
Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo eu quis até telefonar
Mas a tarifa não tem graça
Eu ando aflito pra fazer você ficar
A par de tudo que se passa
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
Muita careta pra engolir a transação
E a gente tá engolindo cada sapo no caminho
E a gente vai se amando que, também, sem um carinho
Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo eu bem queria lhe escrever
Mas o correio andou arisco
Se me permitem, vou tentar lhe remeter
Notícias frescas nesse disco
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
A Marieta manda um beijo para os seus
Um beijo na família, na Cecília e nas crianças
O Francis aproveita pra também mandar lembranças
A todo o pessoal
Adeus
álbum
Meus Caros Amigos - Chico Buarque
Gravadora: Universal Music International Ltda.
Ano: 2013
Faixa: 10
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[44] BELMIRO BRAGA [Rio de Janeiro, 24 jun. 1895.]
Meu caro poeta.
Recebi e agradeço-vos muito de coração a carta com que me felicitais pelo meu aniversário natalício. Não tendo o gosto de conhecer-vos, mais tocante me foi a vossa lembrança. Pelo que me dizeis em vossa bela e afetuosa carta. foram os meus escritos que vos deram a simpatia que manifestais a meu respeito. Há desses amigos, que um escritor tem a fortuna de ganhar sem conhecer, e são dos melhores. É doce ao espírito saber que um eco responde ao que ele pensou, e mais ainda se o pensamento, transladado ao papel, é guardado entre as coisas mais queridas de alguém. Agradeço-vos também os gentis versos que me dedicais e trazem a data de 21 de junho, para melhor fixar o vosso obséquio e intenção.
Disponde de mim, e crede-me
amigo muito agradecido.
MACHADO DE ASSIS.
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[51] A BELMIRO BRAGA [Rio de Janeiro, 22 jun. 1897.]
Prezado senhor e amigo.
Muito me comoveu a carta que me enviou, datada de ontem, cumprimentando-me pelo meu aniversário natalício, e assim também a prova de afeição que me deu enviando-me o seu retrato. Este fica entre os dos amigos que a vida nos depara, e aquela entre os manuscritos dignos de recordação. Agradeço-lhe os votos que faz pela minha vida e felicidade, e subscrevo-me com estima e consideração
atento e obrg.o
MACHADO DE ASSIS.
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[82] A BELMIRO BRAGA [Rio de Janeiro, 5 nov. 1899.]
Meu caro Sr. Belmiro Braga.
Folguei muito com a sua carta, e cordialmente agradeço as palavras que me dirige a propósito do livro Vindiciae do Conselheiro Lafaiete. Creio que já não há quem ignore a autoria deste, embora ele a não confesse. Eu é que confessarei sempre a impressão que ele me fez, por dizer o que diz e vir de quem vem. Pelo que me escreve, há aí também quem pense e trabalhe em defender-me. Peço-lhe que, de antemão, lhe agradeça esta fineza de amigo, caso possa confessar ao Dr. Antônio Fernandes Figueira que me fez tão agradável e preciosa denúncia. Ainda bem que me não faltam amigos distantes, que sintam comigo o bem e o mal.
Não se esqueça de mim, e creia-me sempre
atento am.o muito obrig.o
MACHADO DE ASSIS.
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[88] A BELMIRO BRAGA [Rio de Janeiro, 26 fev. 1900.]
Prezado senhor e amigo.
Chamo-lhe amigo, e peço para conservar este nome a pessoa que mostra querer-me tanto. O Antônio Sales, a quem escrevo, ter-lhe-á anunciado esta carta, se receber a sua antes, mas eu espero que o correio me faça a fineza de as entregar ambas a um tempo. Não houve esquecimento na resposta que ora lhe dou; o adiamento é que me fez mal. Já não deixo a pena sem agradecer-lhe a fineza de suas palavras. Nem só fineza, mas a cordialidade também, e o espontâneo que as torna ainda mais prezadas. Também eu me honrei quando soube que Labieno era o nosso ilustre Lafaiete, esse mineiro que honra a terra de tantos brasileiros eminentes, e é venerado entre todos, como merece, por seus talentos naturais e rara cultura nas letras e na ciência. Disse-me na sua carta que o Dr. Antônio Fernandes Figueira tenciona responder ao Sr. Sílvio Romero. Aguardarei mais essa prova de simpatia, e de antemão agradeço a defesa, igualmente espontânea e honrosa, tanto mais que só agora sei que o Sr. Figueira é o mesmo Alcides Flávio, da Semana onde colaborei também há anos. Queira-me como antes e receba as congratulações de um trabalhador velho e amigo
MACHADO DE ASSIS.
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[163] A BELMIRO BRAGA [Rio de Janeiro, 23 jun. 1906.]
Caro e distinto amigo.
Recebi a sua carta 21, com as boas palavras que me manda pelo meu aniversário. Gostei de as ler, com a natural restrição que lhes põe de que tal data não é de alegrias para mim, depois que perdi a minha boa companheira de trinta e cinco anos. Assim é: muito obrigado. Estou aqui um triste velho desamparado, contando alguns poucos amigos, entre os quais figura o seu nome de moço de talento. Creia-me sempre
velho am.o e confrade
MACHADO DE ASSIS.
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O singelo encontro entre Belmiro Braga e Machado de Assis
Curta-metragem de ficção, em etapa de pré-produção, vislumbra contar um episódio marcante e resgatar o nome de Belmiro Braga, bem como sua importância na literatura mineira
Por Tribuna
18/02/2018 às 07h00- Atualizada 19/02/2018 às 10h07
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Belmiro Braga, que viveu em Juiz de Fora, será homenageado
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O que você já leu da obra de Belmiro Braga? Apesar de ser um renomado poeta brasileiro do início do século XX, atualmente faz-se necessário um trabalho de resgate de sua memória, vida e obra. Sua profunda relação com Juiz de Fora começa quando ele se muda para a cidade a fim de estudar no extinto colégio Atheneu Mireiro. Logo se tornou redator nos primeiros veículos da imprensa juiz-forana. Colaborou para os periódicos “O Farol”, “Correio de Minas” e fundou a revista “Marília”, além de ter escrito em jornais do Rio, Espírito Santo e São Paulo. Sua obra literária é marcada pelas trovas, poesia em forma de cantiga, acompanhada por música, carregadas de um tom de humor irônico que extravasava sua personalidade.
Com a intenção de propagar na contemporaneidade este capítulo da literatura mineira, o roteirista César Kluska escreveu um roteiro para um filme sobre a vida do poeta. A princípio, o projeto se tornaria um longa-metragem, seguindo o gênero de um filme biográfico. No entanto, por falta de captação financeira, toda a ideia foi adaptada para um curta-metragem, de modo a se tornar mais viável de financiá-lo. Para o curta “Des-encontros”, César convidou Ivann Willig para assumir a direção, e os dois estão trabalhando juntos, minuciosamente, para acertar os detalhes do roteiro. O projeto se encontra em fase de pré-produção. Toda a consultoria literária está sendo feita com a sobrinha-neta de Belmiro Braga, a escritora e professora Leila Barbosa.
Recentemente, uma parceria firmada com a Prefeitura de Belmiro Braga, junto ao prefeito Afonso Henrique Carvalho Ferreira, tornou o projeto possível de avançar nas próximas etapas de produção. A prefeitura vai abraçar e apoiar justamente para valorizar o personagem homenageado pelo município, mas também com a intenção de que o curta-metragem rode festivais e mostras de cinema em todo o país. César conta que querem buscar atores e atrizes de renome nacional para interpretarem os papéis de um enredo que conta, com nuances de ficção e muita poesia, um episódio da vida de Belmiro. O recorte mostra exatamente o apreço que o poeta sentia por Machado de Assis e a significância de uma carta que Belmiro recebeu do escritor brasileiro.
A locação está definida, a maior parte da mise-en-scène será na cidade de Tiradentes, por sua conservação histórica e arquitetônica, que faz da cidade um lugar completamente cinematográfico e perfeito para um filme que se passa em 1906. E ainda, vão aproveitar para filmar algumas cenas em um distrito de Belmiro Braga, São José das Três Ilhas”, que, apesar de muito pequeno, possui construções preservadas. Assim que elenco e outros detalhes forem definidos, darão início às gravações.
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Resenhas • Estud. av. 26 (76) • Dez 2012 • https://doi.org/10.1590/S0103-40142012000300034 COPIAR
Novas faces de uma figura prismática
New faces of a prismatic figure
Hélio Seixas GuimarãesSOBRE O AUTOR
RESENHAS
Novas faces de uma figura prismática
Hélio Seixas Guimarães
Professor-doutor e pesquisador da Universidade de São Paulo, coeditor e membro da Comissão Executiva da Machado de Assis em linha Revista eletrônica de estudos machadianos (Qualis, A1); membro da Comissão Editorial e Executiva de Teresa Revista de literatura brasileira. Graduado em Comunicação Social (Jornalismo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mestre e doutor em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas, tem pós-doutorado na University of Manchester, Reino Unido. @ helioguim@gmail.com
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Cinco meses antes de morrer, Machado escreveu ao amigo e crítico José Veríssimo, que lhe havia pedido autorização para publicar sua correspondência: "Não me parece que de tantas cartas que escrevi a amigos e a estranhos se possa apurar nada de interessante, salvo as recordações pessoais que conservarem para alguns".
Podemos dizer, machadianamente, que o escritor tinha e não tinha razão.
A correspondência de Machado de Assis pode ser lida como um enorme capítulo de negativas: não há revelação de grandes segredos íntimos, nem testemunhos sobre o modo de composição das obras, nem discussões filosóficas ou estéticas, nem comentários indiscretos sobre os contemporâneos. Boa parte da correspondência é protocolar, tratando de questões do dia, respondendo sucintamente a perguntas ou cedendo às insistências do interlocutor. Nesses escritos, a pena nunca parece correr solta, e sim presa ao controle severo de um homem que raramente deixou entrever sua intimidade.
Por sua vez, embora discreta e relativamente pouco numerosa, essa correspondência constitui também um farto e abundante manancial de informações sobre o escritor e as relações diversificadas que estabeleceu com correspondentes de várias idades, com os quais manteve distâncias sempre calculadas, mas muito variadas. Junto com o burocrata estritamente protocolar, quase seco, há também o homem com discretas expansões de afeto, reservadas aos velhos amigos, como Nabuco e Salvador de Mendonça, mas especialmente para os jovens cujas amizades cultivou na velhice, como Magalhães de Azeredo e Mário de Alencar.
Assim, se de fato são poucas as cartas que interessam isoladamente, o conjunto delas, que vem sendo reunido e anotado de maneira primorosa por Sérgio Paulo Rouanet, Irene Moutinho e Sílvia Eleutério, representa documento valioso sobre o homem e o escritor.
O tomo mais recente dessa correspondência, o terceiro, inclui cartas escritas e recebidas entre 1890 e 1900. Esses são os anos em que a troca epistolar se tornou mais abundante e diversificada, o que também indica o prestígio crescente do escritor, que a essa altura trocava cartas com pessoas proeminentes da política e da diplomacia, como Joaquim Nabuco, Salvador de Mendonça, Oliveira Lima e o Barão de Rio Branco; do jornalismo, como Quintino Bocaiúva e Max Fleiuss; e das Letras, como Coelho Neto, Graça Aranha e Olavo Bilac. Neste terceiro tomo há 291 documentos e cerca de sessenta correspondentes, ao passo que nos anteriores (o Tomo I vai de 1860 a 1869; o Tomo II, de 1870 a 1889) cada década compreendia cerca de cem documentos, com um número de correspondentes significativamente menor.
A leitura das 658 páginas do volume publicado mais recentemente confirma em grande parte o que se notava nos volumes anteriores: as cartas recebidas por Machado são mais numerosas e mais extensas do que as que ele escreveu, algo que deixava exasperados seus interlocutores, que não raro se queixam dos longos períodos de silêncio, das respostas lacônicas ou das não respostas. Sobressaem mais uma vez aqui a polidez e a contenção de todo o conjunto, notáveis tanto na correspondência ativa (escrita por Machado) como na passiva (recebida por ele).
Desde os cabeçalhos e os vocativos até os cumprimentos de despedida, nos quais se percebe a distância afetiva que separa o escritor dos seus interlocutores, tudo está regido por uma retórica muito bem manejada por todos, sendo raros os momentos de destom. Ainda que os tamanhos dos textos variem muito, do lembrete ao bilhete e às longas cartas informativas, poucas vezes alguém abusa da paciência de Machado, e Machado não enfastia ninguém.
A normalidade e o equilíbrio do conjunto são rompidos raramente.
Nas cinco cartas que escreve a Machado, Graça Aranha é dos poucos a adotar outro tom, entre derramado e galhofeiro:
E entre aqueles que eu amo com um doido e decidido amor está Você, meu mestre de todos os momentos, meu confidente íntimo, meu guia, meu espelho. O que Você é lá dentro desta alma tão escondida, eu sei muito bem. A sua ironia, que não entendem bem, é uma forma superior de piedade, é um sorriso de desdém do sonhador profundo, absoluto, ferido pela triste contingência da Realidade, que ele não pode vencer. E exatamente neste ponto foi que se deu o nosso íntimo contato.1
A grande exceção do conjunto, no entanto, é mesmo a correspondência com Magalhães de Azeredo, que neste terceiro tomo soma noventa documentos, o que representa quase um terço do total das cartas escritas e recebidas em onze anos. Essa correspondência se destaca não só pelo número de cartas e pela extensão delas (as de Magalhães de Azeredo sempre significativamente mais longas que as respostas de Machado), mas também pela marca nitidamente mais pessoal, que ressalta quando comparada com o tom adotado por Machado no trato com a maioria dos outros interlocutores.
Assim, para um homem que quase nunca falou diretamente de si, é surpreendente lê-lo fazendo menção à proverbial timidez e ao temperamento melancólico em declarações como esta:
A parte relativa ao que se achou de humorismo e pessimismo nos últimos livros é tratada com fina crítica, e acerta comigo, cuja natureza teve sempre um fundo antes melancólico que alegre. A própria timidez, ou o que quer que seja, me terá feito limitar ou dissimular a expressão verdadeira do meu sentir, sem contar que a experiência é vento mais propício a estas flores amarelas...2
Para um escritor que também contou tão pouco sobre o seu processo de criação e composição, é precioso vê-lo declarando que não escreve à noite,3 que quando padeceu de retinite teve em Carolina a sua leitora e chegou a ditar para ela "meia dúzia de capítulos" das Memórias póstumas de Brás Cubas,4 informações que deram tanto pasto às hipóteses dos biógrafos e críticos. Ou então vê-lo admitir que é parco em descrições e na pintura dos quadros da natureza, sendo o homem sua preocupação exclusiva, o que talvez, ainda segundo Machado, sirva para disfarçar "uma virtual incompetência técnica".5
Também é fascinante acompanhar o escritor soltando a conta-gotas informações sobre um livro que já escrevia em maio de 1895, durante as horas que lhe sobravam do trabalho administrativo. Hesitante quanto ao título, revela trabalhar de maneira intermitente, com grandes intervalos de dias, e até de semanas, naquilo que viria a ser, cinco anos mais tarde, Dom Casmurro.
O cuidado do escritor com a recepção da sua obra também é uma constante. Ele sempre agradece a leitura e os comentários elogiosos que recebe, neste volume em relação a Quincas Borba, Várias histórias, Histórias sem data e Dom Casmurro.6 Quando esses comentários vêm de um desconhecido, vemos um Machado quase efusivo. Numa carta a Belmiro Braga, é notável sua satisfação diante das manifestações elogiosas do jovem poeta mineiro, que o cumprimenta pelo aniversário de 56 anos, ainda que nem se conheçam pessoalmente:
Pelo que me dizes em vossa bela e afetuosa carta, foram os meus escritos que vos deram a simpatia que manifestais a meu respeito. Há desses amigos, que um escritor tem a fortuna de ganhar sem conhecer, e são dos melhores. É doce ao espírito saber que um eco responde ao que ele pensou, e mais ainda se o pensamento, transladado ao papel, é guardado entre as coisas mais queridas de alguém.7
Mas nem tudo são elogios e entusiasmos nesses anos. Na virada de 1897 para 1898, Machado será surpreendido por dois reveses: a reforma administrativa do governo Prudente de Morais, que o põe por quase um ano na condição desconfortável de adido da repartição em que trabalhava, e as críticas mais duras que teve de ler sobre o seu trabalho, que vieram na forma dos ataques demolidores de Sílvio Romero. Nas linhas e entrelinhas da correspondência é possível perceber o quanto as acusações de Romero surpreenderam e aborreceram Machado.
Para quem já conhece todo o desenrolar da história, surpreende a falta de prevenção de Machado em relação a Romero. O crítico sergipano já o atacara duramente em 1882, logo depois da publicação de Brás Cubas, que qualificara como "bolorenta pamonha literária". Apesar disso, em plena década de 1890, Machado ainda parecia ter expectativas positivas sobre os juízos de Romero. Aparentemente sem suspeitar da agressividade que encontraria nas páginas de Machado de Assis estudo comparativo de literatura brasileira, em dezembro de 1897 menciona para José Veríssimo a publicação recente de um livro de Sílvio Romero a seu respeito. Dias depois, comenta com Magalhães de Azeredo:
aparece aqui um livro do Sílvio Romero, com o meu nome por título. É um estudo ou ataque, como dizem pessoas que ouço. De notícias publicadas vejo que o autor foi injusto comigo. A afirmação do livro é que nada valho. Dizendo que foi injusto comigo não exprimo conclusão minha, mas a própria afirmação dos outros; eu sou suspeito. O que parece é que me espanca. Enfim, é preciso que quando os amigos fazem um triunfo à gente (leia esta palavra em sentido modesto) haja alguém que nos ensine a virtude da humildade.8
Desses reveses, Machado será consolado pelos jovens Magalhães de Azeredo e Mário de Alencar, que seriam os dois interlocutores privilegiados nas últimas décadas de vida.
Azeredo considera que "sempre lhe faltou [a Romero] a principal virtude do crítico a serenidade, sem a qual não há verdadeira lucidez de espírito", prevendo que "as conclusões desse crítico serão recusadas pelos vindouros".9 Mário de Alencar observa que a sina dos grandes homens é sofrer a injustiça dos contemporâneos. E diz a Machado: "Faltava-lhe isso para que o Senhor não fizesse exceção à lei das compensações humanas".10
Em 10 de janeiro de 1898, Machado de fato se pronuncia a respeito do livro:
Creio que já lhe falei no livro que o Sílvio Romero publicou a meu respeito. Não ouso dizer que é um éreintement, para não parecer imodesto; a modéstia, segundo ele, é um dos meus defeitos, e eu amo os meus defeitos, são talvez as minhas virtudes. Apareceram algumas refutações breves, mas o livro aí está, e o editor, para agravá-los, pôs-lhe um retrato que me vexa, a mim que não sou bonito. Mas é preciso tudo, meu querido amigo, o mal e o bem, e pode ser que só o mal seja verdade.11
A defesa virá de um desconhecido, que mais tarde revelará ser Lafaiete Rodrigues Pereira, que sob o codinome de Labieno refuta as críticas de Sílvio Romero em quatro artigos publicados no Jornal do Comércio em janeiro e fevereiro de 1898. Entretanto, o consolo maior nesses últimos anos vem mesmo dos amigos e admiradores mais jovens: "A minha fortuna tem sido que me entendam as novas gerações".12
Impressiona também neste terceiro tomo a compenetração do escritor em relação à morte, que passa a se tornar assunto recorrente a partir de 1895, quando escreve a Magalhães de Azeredo: "Não sou dos que dão para octogenários... não me demorarei muito por este mundo".13 Daí em diante, até 1908, quando efetivamente morre, testemunhamos Machado perdendo as forças e morrendo aos poucos também em sua correspondência:
Os anos, meu amigo, de certo ponto em diante andam muito depressa. Sabe quantos conto já? Entrei nos sessenta. Não escrevo em algarismo para me não afligir a vista. Ponha sobre isto o constante e crescido trabalho administrativo, e diga-me se pode haver nestes ossos muito que espremer para a literatura. Feliz ou infelizmente, como é vício velho, vou cachimbando o meu pouco.14
O pouco de Machado, felizmente, era muito, pois ele nos daria ainda as Poesias completas, Esaú e Jacó, Relíquias de casa velha e o Memorial de Aires. E escreveria muitas outras dezenas de cartas, que a Academia Brasileira de Letras deve publicar em breve como o quarto e último tomo da Correspondência de Machado de Assis, um conjunto publicado pela primeira vez de maneira tão completa e criteriosa.
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Assim como ocorre nos romances e contos, também na correspondência as lacunas, os silêncios e os interditos muitas vezes dizem mais do que aquilo que está escrito, desafiando o leitor a ligar pontos para tentar recompor a figura prismática de Machado de Assis. As anotações copiosas e excelentes dos organizadores da correspondência, bem como a apresentação de Sergio Paulo Rouanet, servem de guia seguro e oferecem estímulo para a recomposição da trajetória desse escritor que parafraseando aqui Drummond continua a revolver em nós tantos enigmas.
Notas
1
Carta de Graça Aranha datada de 21 de julho de 1899, p.389.
2
Carta a Magalhães de Azeredo datada de 10 de maio de 1898, p.308.
3
Carta a Magalhães de Azeredo datada de dezembro de 1900, p.531.
4
Carta a Magalhães de Azeredo datada de 2 de abril de 1895, p.72.
5
Carta a Magalhães de Azeredo datada de 2 de fevereiro de 1898, p.290-1.
6
Carta a Magalhães de Azeredo datada de 9 de dezembro de 1895, p.129.
7
Carta a Belmiro Braga datada de 24 de junho de 1895, p.90.
8
Carta a Magalhães de Azeredo datada de 7 de dezembro de 1897, p.273.
9
Carta de Magalhães de Azeredo datada de 27 de dezembro de 1897, p.279.
10
Carta de Mário de Alencar datada de 1º de janeiro de 1898, p.283.
11
Carta a Magalhães de Azeredo datada de 10 de janeiro de 1898, p.287.
12
Carta a Magalhães de Azeredo datada de 5 de novembro de 1900, p.515.
13
Carta a Magalhães de Azeredo datada de 3 de setembro de 1895, p.112.
14
Carta a Magalhães de Azeredo datada de 7 de novembro de 1899, p.434.
Datas de Publicação
Publicação nesta coleção
22 Nov 2012 Data do Fascículo
Dez 2012
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