“Ora
bem: na história de toda instituição longeva há luzes e sombras, e surpreenderia
que tal não acontecesse com a Suprema Corte norte-americana.”
JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA *
“Em matéria constitucional, o entrelaçamento entre o político e o jurídico já fora vislumbrado por EMMANUEL SIEYÈS, 1788, através do panfleto político célebre (O Que é o Terceiro Estado?), distinguindo, inauguralmente, poder constituinte e poderes constituídos; FERDINAND LASSALLE, em 1862, em conferência famosa (A Essência da Constituição), quando afirmava que os problemas constitucionais não são de direito, mas de poder; e por CARL SCHIMITT, em 1928, em sua Teoria da Constituição, quando entendia que o político é antecedente necessário do jurídico, e o momento da decisão é o momento político de todo direito, daí conter a Constituição, como matéria essencial, decisões políticas fundamentais.”
Carlos Antonio de
Almeida Melo
A Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental e o Horizonte Interpretativo da Constituição
No link:
file:///C:/Users/User/Downloads/1786-3657-1-PB.pdf
A SUPREMA CORTE
NORTE-AMERICANA: UM MODELO PARA O MUNDO?
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/f3/Seal_of_the_United_States_Supreme_Court.svg/360px-Seal_of_the_United_States_Supreme_Court.svg.png
JOSÉ
CARLOS BARBOSA MOREIRA *
1. Tem-se dito, e não sem boas razões, que a Suprema Corte norte-americana é o órgão judicial mais poderoso do mundo. Com efeito, muitas de suas decisões - certamente com maior frequência e profundidade que as de qualquer outro tribunal - influíram na história e traçaram rumos novos à vida da sociedade nos Estados Unidos.1
• Professor
da Faculdade de Direito da UERJ. Desembargador (aposentado) do TJRJ.
1 A fim de
evitar a tediosa multiplicação de citações, registra-se que os dados constantes
da exposição que se segue foram colhidos, principalmente, nas seguintes obras: STERN
- GRESSMAN, Supreme Court Praclice, 5" ed., Washington, 1978; SCHW
ARTZ, A Hislory of lhe Supreme Court, Nova Iorque - Oxford, 1995, e Decision
- How the Supreme Court Decides Cases, Nova Iorque - Oxford, 1997; MEADOR,
American Couns, St. Paul, 2000; The Oxford Guide 10 the Uniled Slales
Supreme Court Decisions (ed. por Kermith L Hall), Oxford, 2000. Notas de
rodapé ficarão reservadas para as referências mais específicas.
R. Dir.
Adm., Rio de Janeiro, 233: 201-211, Jul./Set. 2003
Várias
dessas decisões ficaram assinaladas pelo teor inequivocamente progressista: por
exemplo, as inspiradas no propósito de fazer cessar a prática da discriminação
racial, conforme ocorreu no célebre caso Brown x Board of Education, de
1952, que julgou inconstitucional a segregação étnica nas escolas. Algumas
provocaram reações mistas, com aplausos entusiásticos de certos setores e acres
censuras de outros: assim as que consagraram, em prol dos suspeitos de crime e
dos indiciados, garantias vistas como excessivas por uma parte da opinião
pública, dentro e fora dos círculos jurídicos. Nesse rol inclui-se, v.g., o
primeiro acórdão no caso Miranda x Arizona, de 1966, que tomou
obrigatória, em toda detenção pela polícia, a comunicação explícita ao detento
de que ele tem o direito de guardar silêncio; de que tudo quanto disser poderá
ser usado em seu desfavor no julgamento; de que pode exigir a assistência de
advogado; de que, se não possuir recursos para pagá-lo, o Estado colocará um
gratuitamente à sua disposição.2 Não existe hoje quem, tendo
assistido a filmes policiais norte-americanos, não haja visto aplicar
semelhante regra, às vezes em circunstâncias que beiram involuntariamente o
cômico, com o detento a debater-se, a fazer todos os esforços para escapulir, e
o police officer, quase sem fôlego, a recitar-lhe, bem ou mal, a
cantilena de praxe, indispensável para validar a detenção.
Outra
decisão extremamente polêmica foi a do caso Roe x Wade, de 1973, em que
a Corte, além de declarar a inconstitucionalidade de lei estadual, que
restringia severamente a admissibilidade do aborto, editou autêntica
regulamentação da matéria. Chegou a ponto de adotar uma divisão do tempo de
gestação em trimestres, para cada um dos quais fixou regime próprio: a lei que
pretendesse estabelecer restrições ao aborto poderia fazê-lo, com crescente
intensidade, a partir do segundo trimestre, mas teria de respeitar a decisão da
gestante no primeiro.
Não deixou
de haver casos em que a Corte tomou posição frontalmente oposta a valores caros
à tradição liberal do país. Num deles, Korematsu x United States, de 1944,
ela legitimou a compulsória remoção da costa do Pacífico, pretensamente fundada
em motivos de segurança nacional, de cidadãos norte-americanos de origem
japonesa, os quais foram encaminhados a estabelecimentos que não faltou quem
equiparasse - decerto com exagero - a campos de concentração.
Ora bem: na
história de toda instituição longeva há luzes e sombras, e surpreenderia que
tal não acontecesse com a Suprema Corte norte-americana. Nem teria propósito
tentar aqui um balanço, para proclamar a existência de saldo positivo ou
negativo. Nesta palestra, aliás, menos nos interessará o conteúdo das decisões
proferidas pela Corte do que a maneira por que ela funciona.
2 A decisão
de Miranda foi criticada por vários ângulos: vide, por exemplo, BRADLEY,
The Failure of the Criminal Procedure Revolution, Filadélfia, 1993, pp.
28 e ss.; AMAR, The Constitution and Criminal Procedure, New
Haven - Londres, 1997, p. 76.
No
link:
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/45448/45002
Bolsonaro
escolhe ministro do STF por fidelidade
https://conteudo.imguol.com.br/c/noticias/34/2020/09/22/o-presidente-jair-bolsonaro-sem-partido-na-saida-do-palacio-da-alvorada-em-foto-de-arquivo-7012020-1600810741488_v2_900x506.jpg
Imagem:
Gabriela Biló/Estadão Conteúdo
Josias de Souza
Colunista do UOL
26/09/2020 05h05
Celso de Mello
antecipou sua aposentadoria em três semanas. Sairia em 1º de novembro, ao fazer
aniversário de 75 anos. Adiantou o relógio para vestir o pijama em 13 de
outubro. Jair Bolsonaro terá a oportunidade de fazer sua primeira indicação
para o Supremo Tribunal Federal. Escolherá o substituto guiando-se pelo
critério da fidelidade. Muitos torcerão o nariz. Mas o capitão não será o
primeiro presidente a desprezar a neutralidade como parâmetro de escolha.
O que diferencia Bolsonaro dos
antecessores é que ele age como se desejasse testar a fidelidade dos
pretendentes à toga antes da nomeação. Enredado entre inquéritos que roçam a
sua Presidência, os filhos e os amigos, dispõe de farto material para a
testagem: o inquérito em que é acusado de aparelhar a PF, o foro especial
reivindicado pelo primogênito, os depoimentos do Zero Dois e do Zero Três, as
aflições do amigo e gestor de rachadinhas Fabrício Queiroz...
Bolsonaro gostaria de colocar um
subordinado na poltrona do seu algoz Celso de Mello. Constam de sua lista os
ministros Jorge Oliveira (Secretaria-Geral da Presidência) e André Mendonça
(Justiça). Arrisca-se a ser processado por plágio. Onde trabalhava Gilmar
Mendes quando FHC o indicou? Chefiava a Advocacia-Geral da União. Dias Toffoli
ocupava o mesmo posto no instante em que Lula o escolheu. Alexandre de Moraes,
ungido por Michel Temer, era ministro da Justiça. O presidente diz, em privado,
que dispõe de opções. Entre elas o procurador-geral da República Augusto Aras e
o ministro do STJ João Otávio Noronha. Aras não hesita em mostrar-se útil. Nos
últimos dias, fez isso em dois ofícios protocolados no Supremo.
O presidente diz, em privado, que
dispõe de opções. Entre elas o procurador-geral da República Augusto Aras e o
ministro do STJ João Otávio Noronha. Aras não hesita em mostrar-se útil. Nos
últimos dias, fez isso em dois ofícios protocolados no Supremo.
Num dos ofícios, Aras posicionou-se
contra o acatamento de ação que questiona o foro privilegiado concedido a
Flávio Bolsonaro pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no caso da
rachadinha. Noutro, posicionou-se a favor do pedido de Bolsonaro para depor por
escrito no inquérito em que é acusado de tramar o aparelhamento político da PF.
Otávio Noronha, um magistrado por quem
Bolsonaro disse nutrir "amor à primeira vista", também encantou o
presidente e sua família ao transferir Fabrício Queiroz do ambiente inóspito de
uma cela no presídio carioca de Bangu 8 para o conforto da prisão domiciliar.
Fez mais: estendeu o refresco à foragida Márcia Aguiar. Mulher do operador de
rachadinhas, Márcia flertava com a delação.
Na prática, trava-se uma competição
pela vaga de ministro do Supremo. Nada de novo sob o Sol. A diferença é que a
agora a disputa se desenvolve na frente das crianças. A fidelidade prévia não
assegura o alinhamento futuro. Lula indicou oito ministros para a Suprema
Corte. Acabou na cadeia. No julgamento do mensalão, ministros como Joaquim
Barbosa e Ayres Britto portaram-se com rigor inaudito. Perfilaram do lado da
moralidade.
Dilma Rousseff nomeou ministros como
Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. Nos julgamentos relacionados ao
petrolão, a trinca notabilizou-se pelo apoio à Lava Jato. Nos julgamentos sobre
a prisão de condenados na segunda instância, os três votaram invariavelmente a
favor da tranca, inclusive a de Lula.
Hoje, prevalece no Supremo, por 6
votos a 5, a banda da Corte adepta da política de celas abertas. Afrouxou-se a
regra sobre a prisão num instante em que aguardavam na fila por uma condenação
pessoas como Aécio Neves e Michel Temer, amigos de Gilmar Mendes. E sonhavam
com a reconquista do meio-fio um personagem como Lula, amigo de Ricardo
Lewandowski e ex-superior hierárquico de Dias Toffoli. Dá-se de barato que o
escolhido de Bolsonaro fechará com o pedaço do Supremo que abre as celas,
elevando a maioria que se autoproclama "garantista" um placar de 7 a
4.
Com a aposentadoria de Celso de Mello,
o novo decano da Suprema Corte será Marco Aurélio Mello. Ele costuma dizer que
magistrados não deveriam "agradecer com a toga." Ele próprio,
indicado pelo primo Fernando Collor de Mello, declarou-se impedido, por razões
de consciência, de participar de julgamentos que envolviam Collor. Entretanto,
isso está longe de ser um padrão.
https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2020/09/26/bolsonaro-escolhe-ministro-do-stf-pela-fidelidade.htm
Merval
Pereira - A direita no Supremo
- O Globo
domingo, 27 de setembro de 2020
A conformação do
Supremo Tribunal Federal (STF) e da Corte Suprema dos Estados Unidos está sendo
alterada no mesmo momento histórico de viés direitista nos dois países. Nos
Estados Unidos, a morte da juíza Ruth Bader Ginsburg, um ícone dos
progressistas americanos, pode dar lugar a um plenário majoritariamente
conservador, marcando por décadas o entendimento da Suprema Corte.
No Brasil, a aposentadoria antecipada
do ministro Celso de Mello, um exemplo de coerência e defesa da democracia,
permitirá que o presidente Bolsonaro nomeie um ministro claramente conservador,
embora não reverta a tendência progressista da Corte brasileira.
A tentativa de controlar as decisões
da última instância do Judiciário provoca crise política nos Estados Unidos,
pois a nomeação da substituta de RBG deveria ficar para o próximo presidente a
ser eleito dentro de 38 dias. Quando o ministro Antonin Scalia morreu, em
fevereiro de 2016, o Senado americano, dominado pelos Republicanos como agora,
não permitiu que o presidente Obama nomeasse o sucessor, sob alegação de que
estava em seu último ano de mandato. Hoje, os mesmos Republicanos defendem a
nomeação por Trump do novo ministro da Suprema Corte.
O golpe parlamentar dos Republicanos,
que fará com que a Suprema Corte fique com uma maioria de 6 conservadores
contra 3 progressistas, está provocando grande discussão política, e surge a
tese de que os Democratas, se ganharem a eleição para presidente com Joe Biden
e o controle do Senado nas próximas eleições, aumentem o número de juízes da
Corte Suprema.
O democrata
Franklin Roosevelt também ameaçou aumentar o número de integrantes da Suprema
Corte para conseguir aprovar medidas de seu programa New Deal, lançado para
combater as conseqüências da Grande Depressão de 1929, que estava sendo barrado
pela maioria conservadora.
Propôs ao Congresso, em 1937, lei
aumentando a composição da corte para 15 juízes, e estabelecendo a nomeação de
um juiz adicional, até o máximo de seis, para quem superasse a idade de 70
anos, quando o mandato, até hoje, é vitalício. A juíza Ruth Bader Ginsburg
morreu no cargo aos 87 anos Em meio a uma crise institucional sem precedentes,
a Suprema Corte mudou de posição devido ao juiz moderado Owen Roberts, cujo
voto ficou conhecido como “the switch in time that saved nine” (“a mudança no
tempo que salvou nove”, em tradução livre), e uma maioria a favor do “New Deal”
foi formada.
Entre nós, no regime militar, através
do Ato Institucional 2, de 1965, o presidente Castello Branco aumentou de 11
para 16 o número de ministros do STF, para controlar a maioria, considerada de
esquerda pelos militares. Com o AI-5, três juízes foram aposentados – Evandro
Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal – e dois renunciaram em protesto:
ministros Antônio Gonçalves de Oliveira, presidente do tribunal, e Antônio
Carlos Lafayette de Andrada.
Podendo nomear cinco novos ministro,
Costa e Silva restabeleceu a composição da corte com 11 ministros, número
vigente até hoje. O presidente Jair Bolsonaro já defendeu o aumento de cadeiras
do Supremo de 11 para 21, alegando que a atual composição da Corte é muito
esquerdista. Depois de desistir de manter uma guerra aberta com o Supremo,
Bolsonaro não insistiu mais no golpe parlamentar, mas pretende nomear um
ministro “terrivelmente evangélico” para tentar reverter decisões como a lei do
aborto, que é também um ponto central na campanha dos conservadores nos Estados
Unidos.
O provável indicado é Jorge Oliveira,
ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República. Há outros
conservadores na disputa, como o “terrivelmente evangélico” ministro da Justiça
André Mendonça, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que tem se
esforçado para se mostrar próximo a Bolsonaro, e o ministro do Superior
Tribunal de Justiça, João Noronha.
Nos Estados Unidos, o presidente
Trump indicou a juíza da Corte de Apelação de Chicago Amy Coney Barret, uma
professora da Universidade de Notre Dame que já tem explicitado posições
conservadoras em relação a temas polêmicos como aborto, imigrantes e posse de
armas.
Com 48 anos, garantirá aos
conservadores uma longa supremacia na Corte Suprema dos Estados Unidos.
https://gilvanmelo.blogspot.com/2020/09/merval-pereira-direita-no-supremo.html
Lourival
Sant'Anna - O futuro da democracia
- O Estado de
S.Paulo
domingo, 27 de setembro de 2020
Perspectiva de um
presidente que não aceita entregar o cargo e de uma decisão para a Suprema
Corte cuja legitimidade é contestada é um grande teste para os EUA
A recusa de Donald Trump em
garantir que aceitará eventual derrota nas eleições ganha nova dimensão com a
morte da juíza Ruth Bader Ginsburg, e a corrida do presidente para substituí-la
antes de 3 de novembro. O impacto dessa estratégia sobre a democracia americana
depende das reais intenções do presidente, algo sempre difícil de decifrar.
Tenho três hipóteses. Ao enfatizar o
risco de “fraude eleitoral” por causa do envio de cédulas, segundo ele, “não
solicitadas” pelo correio, Trump procura mobilizar os eleitores por meio da
raiva e do medo de serem roubados. A mobilização do eleitor é crucial em um
país onde o voto não é obrigatório e ocorre em dia útil.
Em razão da pandemia, metade da
votação poderá ser feita pelo correio. Historicamente, os democratas votam mais
pelo correio do que os republicanos, porque pessoas de baixa renda, que tendem
mais para as propostas democratas, têm mais dificuldades de deixar o trabalho
para votar. Por essa hipótese, a recusa de Trump seria só tática de campanha, e
se dissiparia após a eleição, independentemente do resultado. É o cenário mais
racional e benigno.
Minha segunda hipótese é dominada pela
emoção. Trump acabaria não resistindo a entregar o cargo, mas manteria a
narrativa de que a eleição foi roubada. Essa atitude atenderia às suas
fantasias egóicas. Três livros recém-lançados por autores muito diferentes
descrevem o quanto a autoestima ferida de Trump é determinante em seu
comportamento: The Room Where It Happened, de John Bolton, ex-chefe do Conselho
de Segurança Nacional; Too Much And Never Enough, de Mary Trump, sobrinha do
presidente e psicóloga; e Rage, do jornalista Bob Woodward, que o entrevistou
17 vezes, assim como seus assessores.
Essa hipótese é mais preocupante do
que a primeira, porque implica em investimento de mais longo prazo em teorias
conspiratórias que têm inflamado movimentos em favor de Trump. Entre eles, está
o QAnon, que acredita que Trump combate uma rede de pedófilos composta por
agentes secretos americanos e por democratas. Depois de ler no Facebook e
Twitter que a pizzaria Comet Ping Pong, em Washington, escondia no porão
crianças usadas como escravas sexuais de uma rede liderada por Hillary Clinton,
Edgar Welch, de 28 anos, pai de dois filhos, viajou de Salisbury, Carolina do
Norte, para lá. Ele invadiu a pizzaria com um fuzil e um revólver. Ninguém
ficou ferido e Welch foi condenado a quatro anos de prisão.
Isso foi em dezembro de 2016, logo
depois da campanha eleitoral, na qual o QAnon foi usado contra Hillary. A seita
também ataca negros, judeus e muçulmanos. Em agosto, Trump celebrou no Twitter
a vitória nas primárias republicanas de Marjorie Taylor Greene, candidata a
deputada pela Geórgia. Greene é seguidora do QAnon.
Minha terceira hipótese é um híbrido
de razão e emoção. É a mais perigosa. Trump pode ter a intenção de lutar até o
fim para reverter eventual derrota nas urnas. “Com os milhões de cédulas não
solicitadas que estão mandando, é uma armação”, disse o presidente, na
quarta-feira, ao justificar a pressa em preencher a vaga de Ginsburg. “Todo
mundo sabe. E os democratas sabem melhor que todo mundo. Acho que isso vai
acabar na Suprema Corte, e é muito importante termos nove juízes.”
A nomeação do terceiro juiz (no caso,
a juíza Amy Barrett) por Trump eleva o número de conservadores para seis,
contra três liberais. Em 2016, os republicanos bloquearam a nomeação pelo então
presidente Barack Obama oito meses antes das eleições, alegando que era preciso
esperar o resultado das urnas. Estamos a 37 dias das eleições. A perspectiva de
um presidente que não aceita entregar o cargo e de uma decisão por uma Suprema
Corte cuja legitimidade é contestada é um grande teste para a democracia
americana.
https://gilvanmelo.blogspot.com/2020/09/lourival-santanna-o-futuro-da-democracia.html
Eliane
Cantanhêde - Outubro efervescente
- O Estado de
S.Paulo
domingo, 27 de setembro de 2020
Eleição,
economia, pandemia e o novo ministro terrivelmente amigo no STF
Outubro será agitado, com as campanhas eleitorais aprendendo a
contornar a pandemia (que ainda mata mais de “dois Boeings” por dia), o governo
e o Congresso convergindo para desoneração da folha de pagamentos compensada
por um novo imposto e o presidente Jair Bolsonaro se divertindo com a aflição dos
muitos candidatos à vaga de Celso de Mello no Supremo, porque ele
já tem dois nomes no colete: Jorge Oliveira e André Mendonça.
Bolsonaro está no centro de toda essa
efervescência, mexendo as peças sem se queimar e entrando no jogo apenas em
caso, e na hora, da vitória. Só apoiará candidato para ganhar, só apoiará o
novo imposto depois de Paulo Guedes e o Centrão garantirem o resultado e só vai
anunciar o novo ministro do STF depois de ter sugado o possível dos candidatos
frustrados.
Até aqui, ninguém deu bola para a
eleição municipal e o interesse do eleitor continua caindo a cada pleito, mas a
tendência é esquentar, com foco óbvio em São Paulo, pelo seu peso político e
econômico, no Rio, pela chocante situação de governador e prefeito, e nos
neófitos, como o próprio Wilson Witzel, que caíram de paraquedas pelo sopro do
bolsonarismo. Elegerão seus candidatos?
Em São Paulo, Celso Russomanno
(Republicanos) conta com Bolsonaro para fugir da sina de sair na liderança e
acabar fora até do segundo turno. O prefeito Bruno Covas (PSDB) precisa driblar
a frustração pelo segundo lugar e evitar perda de votos para Márcio França
(PSB). Jilmar Tatto empurra o PT para o balaio dos nanicos e para o apoio a
Guilherme Boulos (PSOL), a novidade de 2020. No Rio, o prefeito Marcello
Crivella (Republicanos) está inelegível. Conseguirá reverter a decisão no TSE e
manter o apoio de Bolsonaro?
Na economia, Bolsonaro lavou as mãos:
Paulo Guedes que se vire. Se articular apoio para a “nova CPMF”, não vai
atrapalhar. Guedes recupera liderança e força, o governo comemora a troca dos
novatos do PSL pelo trator Centrão e a pergunta que não quer calar é: como
desonerar a folha, como Guedes quer, e encorpar o novo Bolsa Família, como
Bolsonaro exige, sem furar o teto de gastos nem aumentar a carga tributária? A
conta fecha?
Enquanto isso, Bolsonaro acompanha com
prazer o rebuliço em torno da indicação para o Supremo, com as decisões do
procurador-geral Augusto Aras sempre sob suspeita por algo que ele jura que não
quer e que não vai acontecer, o juiz do Rio Marcelo Bretas repreendido por
participar de atos políticos e o plenário do STJ em alvoroço, como sempre,
diante de uma vaga na alta Corte.
O ministro “terrivelmente evangélico”,
porém, afunila para Jorge Oliveira, advogado e policial militar sem credenciais
jurídicas compatíveis com o Supremo, mas secretário-geral da Presidência e
filho de grande amigo de Bolsonaro. E para André Mendonça, advogado, pastor
presbiteriano, ex-advogado-geral da União e atual ministro da Justiça.
Transformou a Justiça em órgão de defesa do presidente, mas ainda é bem aceito
no STF.
Celso de Mello deixa a Corte em 13 de
outubro, após 31 anos, à frente da investigação do presidente por intervenção
na PF. Celso, decano que sai, determinou depoimento presencial para Bolsonaro.
Marco Aurélio, o novo decano, jogou para o plenário virtual e defendeu
depoimento por escrito. O lance seguinte pode ser tirar do virtual (votos por
escrito) para o plenário real (ao vivo).
Logo, Bolsonaro vai trocar um ministro
ostensivamente crítico por outro terrivelmente amigo e um decano adversário por
outro nem tanto e, na presidência, entrou Luiz Fux com a expectativa de maior
independência em relação ao Planalto do que Dias Toffoli. O que se sabia de
Supremo não se sabe mais. Exemplo: e a prisão após segunda instância, que caiu
por um único voto?
https://gilvanmelo.blogspot.com/2020/09/eliane-cantanhede-outubro-efervescente.html
Roberto Romano* - As caretas da censura judicial
- O
Estado de S.Paulo
Juiz
despreza o cidadão comum. O costume de violar a Constituição perpassa o
Judiciário
O Estado
moderno firma-se desde os séculos 15 e 16. Contra o feudalismo o rei instaura
novos modos de administração, das fronteiras aos impostos, da justiça à
polícia, dos campi aos arquivos, das coleções incoerentes de livros às
bibliotecas. A racionalidade, no entanto, é paga com preço alto. Nobres e clero
devem ser comprados com favores, isenção de taxas, privilégios. Até a cor das
roupas exibe a “superioridade” dos barões e cardeais. A “gente ordinária de
veste” (expressão ainda usada na Corte carioca de João VI) usa o negro com
colarinho branco. Quem não pertence à burguesia rica ostenta andrajos.
Analista do
poder, o matemático e filósofo Blaise Pascal comenta as roupas e os acessórios
para intimidar os “homens comuns”. Existe o costume de ver os reis seguidos de
guardas, tambores, serviçais e tudo o que inclina a espinha humana pelo medo e
terror. Daí a bajulação: “O caráter da divindade está impresso na face real”.
Os juízes,
continua Pascal, “conhecem tal mistério. Suas vestes vermelhas, seus enfeites e
arminhos, os palácios onde julgam, as flores-de-lis (nada que ver com o Brasil
de hoje), todo um aparato augusto é para eles necessário. Se os médicos não
tivessem sotainas e mulas e os doutores não tivessem bonés quadrados e vestes
amplas (...) eles jamais teriam engambelado quem não pode resistir. Se tivessem
a justiça verdadeira e os médicos a arte verdadeira de curar seriam inúteis os
bonés quadrados. A majestade das ciências seria venerável o bastante. Mas eles
só têm ciências imaginárias, sendo preciso que as usem tais instrumentos
inúteis que ferem a imaginação, com a qual lidam e conseguem respeito”. Termina
o pensador: “Os soldados não se fantasiam porque sua parte é mais essencial.
Eles se impõem pela força, os demais pelas caretas”.
Juízes, a
exemplo do presidente Schreber – delirante interlocutor de Deus –, desprezam o
cidadão comum. O termo usado para designar quem não é juiz é claro: “leigo”, a
pessoa “ordinária de vestes” que não pode intimidar com caretas e palácios. Mas
as togas se curvam – como nas ditaduras que atormentaram o Brasil – diante das
fardas.
O vezo de
insultar os não iniciados nos mistérios “da justiça” tem origem
teológico-política. Na Igreja primitiva a hierarquia era tênue. Eram
valorizados, conforme indica Max Weber, os que se moviam para recordar a
iminente volta do Senhor, praticando pobreza, obediência, castidade. Quem não
praticava tais virtudes à espera do Juízo Final e não imitava monges e ermitãos
integrava a vida cristã conforme seu estado no mundo. Os cidadãos, na Igreja,
recebem o título de Christifideles laici: povo fiel a Cristo. Com a burocracia
eclesiástica, simultânea à centralização do Estado, o poder hierárquico ficou
mais rígido e exclusivo. Se no Estado apenas os dirigentes têm voz, na Igreja
só os sacerdotes, bispos e papa merecem acatamento.
O tratado
atribuído a Dionísio, o suposto Areopagita – A Hierarquia Eclesiástica –,
desenha o cosmos no qual os anjos, arcanjos, padres, nobres e reis estão
próximos da Luz Divina. Os leigos, imersos na escuridão, devem calar e
obedecer. Daí o costume, hoje abusado por médicos e juristas (bom Pascal!), de
aplicar o nome de “leigo” a quem não é iluminado pelo saber sagrado das
respectivas corporações.
Quando o
Terceiro Estado (os leigos) exigiu de um monarca francês a prestação de contas
sobre as finanças públicas, o clero deu o seguinte parecer: “As finanças reais
são como o Santíssimo Sacramento no altar. Só podem conhecê-las os que para tal
fim são ordenados”. Com a Reforma luterana a hierarquia eclesiástica desabou,
restaurando-se o sacerdócio comum dos fiéis. E como fruto vem a Revolução
Puritana inglesa, que institui a accountability, obrigação de governantes,
parlamentares, funcionários e... juízes prestarem contas de seus atos ao povo
soberano.
Tal
princípio, criado pelos gregos antigos, medra nas Revoluções Americana e
Francesa. Aqui, no entanto, dom João VI instaura um poder contra a
accountability. Não por acaso, o imperador é dito irresponsável.
A
responsabilidade nos cargos públicos é ignorada no Brasil. A quem respondem os
juízes do STF, do STJ e outras Cortes “excelsas”? O costume de violar a
Constituição perpassa o Judiciário. O trejeito atual de nossos magistrados é
censurar a imprensa, mesmo contra decisões tomadas pelo Supremo Tribunal. O
caso Boi Barrica amordaçou o jornal O Estado de S. Paulo. O jornalista Luis
Nassif e a Rede Globo são calados por juízes. Ganha quem deveria prestar contas
ao contribuinte. Mas os contribuintes são “leigos”, “gente ordinária de
vestes”.
Há um livro
de jovem, mas erudito, magistrado eleitoral, Marcelo Ramos Peregrino Ferreira,
com título exato: Da Democracia de Partidos à Autocracia Judicial (Habitus Ed.
2020). Ele denuncia a vontade de poder dos juízes brasileiros que mudam o
sentido da Constituição, legislam usurpando prerrogativas do Congresso e,
gradativamente, se imiscuem no Executivo. Haja boné quadrado e caretas!
*Professor
da Unicamp, é autor de 'Razões de Estado e outros estados da Razão'
(Perspectiva)
https://gilvanmelo.blogspot.com/2020/09/roberto-romano-as-caretas-da-censura.html
Bolsonaro diz que
vai indicar ministro 'terrivelmente evangélico' para o STF
Presidente
participou de culto evangélico na manhã desta quarta-feira (10) na Câmara dos
Deputados. Ele havia mencionado indicar um evangélico para a Corte durante
evento em maio.
Por Fernanda
Calgaro e Guilherme Mazui, G1 — Brasília
10/07/2019 09h19 Atualizado há
um ano
--:--/--:--
Bolsonaro volta a
falar em indicar ministro evangélico para o STF
O presidente Jair Bolsonaro afirmou na manhã desta
quarta-feira (10) que terá direito a indicar dois ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF) e que "um deles será
terrivelmente evangélico".
Bolsonaro deu a declaração durante
discurso durante culto evangélico na Câmara dos Deputados. Em seguida, repetiu a
promessa no plenário da Casa, durante sessão solene.
"Muitos tentam nos deixar de lado
dizendo que o estado é laico. O estado é laico, mas nós somos cristãos. Ou para
plagiar a minha querida Damares [Alves, ministra]: Nós somos terrivelmente
cristãos. E esse espírito deve estar presente em todos os poderes. Por isso, o
meu compromisso: poderei indicar dois ministros para o Supremo Tribunal Federal
[STF]. Um deles será terrivelmente evangélico", declarou o presidente.
Após o culto, Bolsonaro participou de
uma sessão solene no plenário na Câmara em homenagem aos 42 anos da Igreja
Universal do Reino de Deus. O presidente reafirmou o compromisso de indicar um
evangélico para umas vagas no STF.
"Reafirmo meu compromisso aqui: o
estado é laico, mas nós somos cristãos. E entre as duas vagas que terei direito
a indicar para o Supremo, um será terrivelmente evangélico", reforçou no
plenário.
Com mandato presidencial até 2022,
Bolsonaro terá, ao menos, duas indicações para vagas no STF, diante das
aposentadorias compulsórias, em razão de idade, dos ministros Celso de Mello
(2020) e Marco Aurélio Mello (2021).
O presidente já sinalizou que um dos nomes cotados para a vaga na Suprema
Corte é o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio
Moro.
--:--/--:--
Bolsonaro diz que
vai indicar ministro evangélico ao Supremo
Bancada evangélica
No culto realizado na Câmara,
Bolsonaro afirmou ainda ser "apenas um instrumento". E acrescentou
que, por mais crítica que a bancada evangélica receba, tem um "superávit
enorme junto à sociedade".
Bolsonaro é católico, mas a
primeira-dama, Michelle Bolsonaro, é evangélica. Na
campanha eleitoral, ele contou com o apoio de grupos evangélicos e, desde que
assumiu, vai com frequência a eventos evangélicos. Ele foi o primeiro
presidente a participar da Marcha para Jesus, em São Paulo.
Em maio, durante evento da Assembleia
de Deus Ministério Madureira, em Goiânia, Bolsonaro questionou se não estaria na hora de ter um
ministro evangélico no STF.
"Com todo respeito ao Supremo Tribunal
Federal, eu pergunto: existe algum, entre os 11 ministros do Supremo,
evangélico? Cristão assumido? Não me venha a imprensa dizer que eu quero
misturar a Justiça com religião. Todos nós temos uma religião ou não temos. E
respeitamos, um tem que respeitar o outro. Será que não está na hora de termos
um ministro no Supremo Tribunal Federal evangélico?", disse na ocasião.
Naquele evento, Bolsonaro disse que os
ministros do STF estavam "legislando" ao discutir a equiparação de
homofobia ao crime de racismo. No dia 13 de junho, STF decidiu permitir a criminalização da homofobia e da transfobia.
--:--/--:--
Bolsonaro vai à
Câmara para participar de evento da bancada evangélica
https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/10/bolsonaro-diz-que-vai-indicar-ministro-terrivelmente-evangelico-para-o-stf.ghtml
A escolha de um
novo ministro do STF mostra que o tribunal não é pior do que os outros poderes
Brasil 28.09.20 16:18
Por Mario
Sabino
https://cdn.oantagonista.net/cdn-cgi/image/fit=contain,width=1020,height=555/uploads/2020/05/1am0053_49945078228_o.jpg
Um exercício recomendável em relação
ao Brasil é tentar manter um olhar estrangeiro sobre o que vai no noticiário.
No site do jornal O Globo, a manchete é a seguinte: “Quem os ministros do
Supremo querem no lugar de Celso de Mello”. É um bom título e a reportagem
aprofunda um pouco mais o que já é sabido: que os ministros do STF querem André
Mendonça, atual ministro da Justiça, no lugar do decano que está de saída.
Diz-se que ele é bom nome neste momento, tanto para o governo quanto para o
próprio tribunal, por ter sido, em resumo, o algodão entre cristais na relação
do Planalto com o STF. É evangélico, mas não tão terrível como parecia querer
Jair Bolsonaro no início do governo, e a aposta é que, uma vez indicado e
aprovado pelo Senado, ele não será necessariamente um fantoche do Planalto.
De fato, comparado com a opção que
está na cachola de Bolsonaro, o eminente Jorge Oliveira, ministro-chefe da
Secretaria-Geral da Presidência da República, André Mendonça pode ser
considerado um Cesare Beccaria. No entanto, como o notável saber jurídico
passou a ser opcional desde que Dias Toffoli foi indicado por Lula, o alteroso
Jorge Oliveira entrou para o páreo com uma grande vantagem: é alguém que pode
beber uma cervejinha com Bolsonaro nos finais de semana, requisito que o
presidente preza muito, ao que parece. Entre uma breja e outra, alinha-se tudo.
E esse é o receio dos ministros do STF: ter alguém que sempre vote a favor de
Bolsonaro. Um terrivelmente bolsonarista, o que seria terrivelmente pior do que
um terrivelmente evangélico e, pelo jeito, um terrivelmente lulista (mais um).
Como complemento à reportagem de O
Globo, é preciso dizer que alguns ministros querem mais André Oliveira do que
outros. São eles Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. Toffoli é
chapa de André Mendonça. A admiração do segundo pelo primeiro é de uma
sinceridade que eu diria desconcertante. Ele até escreveu livro em homenagem ao
ex-presidente do STF, em parceria com Alexandre de Moraes, que coordenou o
trabalho. Moraes é amigo do amigo do atual ministro da Justiça e, portanto,
amigo também. Quanto a Gilmar Mendes, André Mendonça é sangue novo a lhe ser servido.
Poderá ser o Pigmaleão do moço, assim como foi de Toffoli.
O olhar estrangeiro de que falava é
justamente esse: há de se considerar absurdo que ministros do Supremo possam
externar, mesmo que anonimamente, esta ou aquela preferência por um nome para o
tribunal. Pelo simples motivo que, tão importante quanto serem juízes, eles têm
de parecer juízes. E juiz não pode tentar influir em indicação de presidente da
República para um novo colega de corte. Muito menos ter papel ativo na
aprovação do nome pelo Senado.
Um olhar estrangeiro sobre como se dá
a aprovação de um indicado para o STF é de deixar também o cidadão boquiaberto.
Veja-se a batalha que já começou em torno da indicação de Amy Barrett, a
terrivelmente católica, para a Suprema Corte americana. Ela será pesadíssima, e
não apenas em razão do contexto político para lá de belicoso. Como relata Duda Teixeira, na Crusoé,
“nos Estados Unidos, o processo para aprovar uma nomeação pode durar muitos
dias. Senadores são incisivos ao formular as questões. Quando acham que o
candidato tangenciou um determinado tema, questionam a resposta. ‘É um debate
entre titãs. Frequentemente, os senadores chamam intelectuais e especialistas
universitários para ajudar’, diz a professora de direito da USP, Maristela
Basso. Para se preparar melhor, o candidato se submete a pré-sabatinas em
universidades, que funcionam como um treino. A sociedade participa ativamente.
Aprovados para ocupar uma cadeira na Suprema Corte, os novos ministros,
chamados de ‘justices’, têm currículo de sobra para embasar suas decisões”.
Vale para todos os tribunais superiores. A sabatina de Amy Coney Barrett para a
corte de apelação de Chicago foi tão dura que acabou lhe sendo benéfica do
ponto de vista da popularidade. Ela virou heroína dos conservadores ao
enfrentar a senadora Dianne Feinstein, da Califórnia, que se dirigiu duramente
a Barrett, dizendo que havia diferença entre dogma religioso e lei e que
“o dogma vive dentro de você, e isso é algo preocupante”. Barrett não se
abalou.
No Brasil, campeonato de escolas de
samba têm critérios mais rígidos. A sabatina do indicado pelo presidente da
República é como avaliação feita por aquelas boates escolares que passam todo
mundo de ano porque são pagas para isso. A maioria dos senadores faz perguntas
genéricas sobre assuntos que não dominam e, não raro, gastam o seu tempo
tecendo elogios ao sabatinado. É apenas uma formalidade, e das mais fajutas,
porque a aprovação já está negociada. Inclusive no próprio Supremo. O único
indicado para o tribunal a ser rejeitado pelo Senado foi Barata Ribeiro, em
1894, quando saber jurídico ainda tinha peso determinante.
Por motivos que já começam na seleção
dos seus integrantes, o STF não é pior do que o Executivo ou o Legislativo. É o
seu espelho, com as exceções de praxe mais uma vez confirmando a tragédia de
sempre. Um espelho diante do qual olhos estrangeiros costumam ficar
arregalados.
https://www.oantagonista.com/brasil/a-escolha-de-um-novo-ministro-do-stf-mostra-que-o-tribunal-nao-e-pior-do-que-os-outros-poderes/
Quem os ministros
do Supremo querem no lugar de Celso de Mello
Publicado 28 de setembro de
2020 | Por Pedro Araújo
https://ogimg.infoglobo.com.br/in/24634964-63b-830/FT1086A/652/Celso-de-Mello-em-sessao-na-Segunda-Turma-do-STF.png
A notícia de que Celso de Mello
antecipará para outubro sua aposentadoria iniciou a corrida para ocupar a vaga
dele. Quem escolhe o novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) é o
presidente da República. Ser aceito pelos atuais integrantes da Corte não é uma
exigência da Constituição Federal, mas ajuda muito a azeitar a relação entre o
Judiciário e o Palácio do Planalto — que estão em pé de guerra há meses. Na
visão de ministros do tribunal, o nome ideal para apaziguar os ânimos é o do
ministro da Justiça, André Mendonça.
A Constituição Federal prevê três
quesitos para o ocupante da cadeira: notável saber jurídico, reputação ilibada
e ter idade entre 35 e 65 anos. Com critérios tão vagos, o presidente tem
praticamente carta branca para escolher. Hoje, o preferido de Jair Bolsonaro é
o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira. André Mendonça
está no páreo também. Na visão do presidente, ele tem uma característica
importante: é pastor da Igreja Presbiteriana. No início do mandato, Bolsonaro
disse que queria alguém “terrivelmente evangélico” no Supremo.
Para os ministros do tribunal, pouco
importa a religião do escolhido. Eles dão mais valor ao fato de que, desde o
início da gestão Bolsonaro, Mendonça atua como um dos principais interlocutores
do governo na Corte. Aos poucos, ele arrebatou o respeito dos ministros da
Corte, com quem tem diálogo aberto.
Quando era advogado-geral da União,
Mendonça teve papel fundamental na decisão da Corte de retirar a
obrigatoriedade do aval dos sindicatos nos acordos firmados entre empregadores
e funcionados para redução de salário e jornada, ou interrupção de contrato. A
vitória do governo foi acachapante no plenário.
No auge da crise entre o Planalto e o
Supremo, Mendonça conversou com os dois lados para arrefecer a briga. Por um
lado, Bolsonaro afrontou o Judiciário ao participar de manifestações que pediam
o fechamento do Supremo. Por outro, ministros da Corte deram decisões que
irritaram o presidente, como as ordens de busca e apreensão expedidas contra
aliados de Bolsonaro.
Além disso, ministros do Supremo
consideram que Mendonça tem mais preparo técnico que Jorge Oliveira. A
expectativa é que, se for nomeado para o STF, o titular da pasta da Justiça
deve se descolar do governo aos poucos, em nome de sua carreira jurídica. Já
Oliveira não agiria da mesma forma, segundo o palpite de integrantes do
tribunal.
A tendência é que Bolsonaro mantenha o
nome de seu escolhido em segredo até a última hora, para evitar fritura pública
do nomeado. Em seguida, a pessoa será sabatinada e aprovada pela Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Por fim, o nome será votado no plenário
da Casa. Além da vaga de Celso de Mello, Bolsonaro vai nomear um substituto
para Marco Aurélio Mello, que se aposenta em julho de 2021.
http://penoticias.com.br/blog/quem-os-ministros-do-supremo-querem-no-lugar-de-celso-de-mello/
Vinicius de Moura Xavier
A essência
da Constituição
Uma análise
da colaboração de Ferdinand Lassalle para o desenvolvimento do
constitucionalismo moderno
Introdução
Na concepção
de Lassalle (1998), os problemas constitucionais não são primariamente
problemas de Direito, mas de poder.
Nesse
contexto, Lassalle é considerado o iniciador da doutrina que desconhece a
importância do Direito como instrumento de organização social, e desconsidera
seu aspecto dirigente, afirmando-o apenas descritivo das relações sociais que
sustentam o poder político.
Sua obra, “A
essência da Constituição”, é, até hoje, duramente criticada por negar qualquer
força normativa à Constituição e traduzi-la como mera reprodução das situações
de controle existentes nos âmbitos nacionais.
Todavia,
como veremos no curso desta exposição, a tese dos fatores reais de poder,
embora possa ter ganhado novas roupagens, não se encontra totalmente superada,
seja no âmbito nacional, seja no internacional.
Por fim,
resta uma questão a ser analisada: qual ou quais eram as intenções reais de
Lassalle por trás de seu discurso, mercê do contexto histórico em que se
inseria? Nesse passo, embora impossível analisar o âmbito interno da mente
desse importante personagem da história do Direito, afigura-se factível inferir
axiologicamente o valor encontrado em suas afirmações.
Vinicius de
Moura Xavier é pós-graduado do Programa de Mestrado em Direito e Políticas
Públicas do Curso de Teoria do Poder e da Constituição da Faculdade de Direito
do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).
Destarte, a
pergunta que se faz após a leitura atenta e contextualizada do livro é: seria o
pai da construção da ideia de Constituição antijurídica, na verdade, o
fecundador do constitucionalismo jurídico moderno?
1. Biografia
e contextualização histórica
Ferdinand
Lassalle nasceu em Wrocław (Breslau), há época cidade alemã, (hoje da Polônia),
com cerca de 640.000 habitantes, em 11 de abril de 1825, em uma família judia e
próspera (DAWSON, 1891, p. 114). Seu pai era um comerciante do ramo da seda e
pretendia que o filho seguisse carreira no mundo empresarial, mandando-o para
uma escola em Leipzig com esse escopo.
Todavia,
posteriormente Lassalle trilhou outros caminhos, sendo discente na Universidade
de sua cidade natal e mais tarde em Berlim. Na Alemanha, Lassalle estudou
filologia e filosofia, tornou-se um seguidor do sistema filosófico de Hegel
(DAWSON, 1891, p. 114), e depois se dedicou à advocacia.
Durante a
denominada “Primavera1 dos Povos2 ”, Lassalle começou a
discursar em encontros coletivos incitando o povo de Düsseldorf a
preparar-se para uma resistência armada contra a decisão do governo da Prússia
de dissolver a Assembleia Nacional (DAWSON, 1891, p. 120).
Por conta
desses discursos, Lassalle foi preso sob a acusação de incitação à oposição
armada contra o Estado prussiano (DAWSON, 1891, p. 120). Todavia, essa acusação
foi desqualificada para incitação à resistência contra oficiais públicos. E, em
razão disso, teve sua pena reduzida de vinte e três anos para seis meses de
prisão.
Banido de
Berlim, Lassalle somente retornou à cidade em 1859, disfarçado de condutor de
trem. Conta-se que buscou o auxílio de seu colega dos tempos de escola,
Alexander von Humboldt, para que pudesse ficar na então capital prussiana (DAWSON,
1891, p. 125), tendo logrado êxito na sua intenção.
1 Membros do
operariado e do campesinato passaram a exigir melhores condições de vida e
trabalho. Aproveitando das novas tendências que surgiam, fizeram uma forte
oposição ao regime monárquico por meio de uma série de levantes. Alimentando
ainda mais esse sentimento de mudança, devemos salientar que nesse mesmo ano
houve a publicação do Manifesto Comunista, de Karl Marx, obra
que defendia a mobilização de trabalhadores.
2 Dá-se o
nome de Revoluções de 1848 à série de revoluções
na Europa central e oriental que eclodiram em função
de regimes governamentais autocráticos, de crises econômicas, de falta de
representação política das classes médias e do nacionalismo despertado nas
minorias da Europa central e oriental, que abalaram as monarquias da Europa,
onde tinham fracassado as tentativas de reformas políticas e econômicas. Também
chamada de Primavera dos Povos, este conjunto de revoluções, de caráter
liberal, democrático e nacionalista, foi iniciado por membros da
burguesia e da nobreza que exigiam governos constitucionais, e por
trabalhadores e camponeses que se rebelaram contra os excessos e a difusão das
práticas capitalistas.
Registra-se
que somente em 1862 Lassalle se reaproximou do campo político, motivado por uma
disputa constitucional que eclodiu na Prússia em virtude de o rei Wilhelm I, o
qual tinha ascendido ao trono em 2 de janeiro de 1861, forçar a aprovação de
uma lei que reorganizava o exército, aumentando vencimentos. Tal projeto
recebeu oposição da Câmara dos Deputados, filiada ao pensamento liberal. Diante
desse impasse, o rei decidiu agir por conta própria e alegou que assim o faria
“pelo bem da nação”. Na sequência, dissolveu o parlamento, o que levou o Estado
prussiano a ficar sem orçamento nos quatro anos seguintes. Nesse contexto de
disputa constitucional, Lassalle foi convidado pela associação de contribuintes
de Berlim para proferir conferência sobre as relações sociais, e cujo tema,
escolhido por ele, foi “A essência da Constituição”.
Posteriormente,
em 1863, participou da fundação e direção da Associação Geral dos Operários
Alemães, sendo seu primeiro presidente, posição que manteve de 23 de maio
de 1863 até sua morte, ocorrida em 31 de agosto de 1864.
Dissertando
sobre o partido e a influência de Lassalle para a História, escreveu Élie
Halévy (1941):
“Lassalle
foi o primeiro homem na Alemanha, o primeiro na Europa, que conseguiu organizar
um partido de ação socialista. No entanto, ele via os partidos burgueses
emergentes como mais hostis à classe trabalhadora do que à aristocracia, tendo
apoiado o sufrágio universal em um momento em que os liberais preferiam uma
limitação baseada na propriedade que excluía a classe trabalhadora e aumentava
as classes médias.
Isso criou
uma estranha aliança entre Lassalle e Bismarck. Quando, em 1866, Bismarck
fundou a Confederação da Alemanha do Norte em uma base do sufrágio universal
acolhendo conselho, que veio diretamente de Lassalle. E, após, 1878, quando
começou a praticar o ‘socialismo de Estado’, o ‘socialismo cristão’ e o
‘socialismo Monárquico’, ele não tinha esquecido o que tinha aprendido daquele
líder socialista.”
Outrossim,
como visto, o único objetivo declarado dessa organização foi a ideia de
sufrágio igual, universal, direto e por meios pacíficos e legais, o que serviu
de base para muitas conquistas democráticas posteriores.
Por
derradeiro, quanto à sua morte, conta-se que, em Berlim, Lassalle conheceu uma
jovem mulher de nome Helene von Dönniges, tendo ambos decidido casar-se no
verão de 1864. Ela, todavia, era a filha de um diplomata bávaro que residia em
Genebra, Suíça, e que diante dessa situação, por discordar da escolha da filha,
trancou-a em casa e, posteriormente, aparentemente por pressão paterna,
renunciou ao pedido formulado por Lassalle em favor de um outro admirador, um
nobre de nome Bajor von Racowitza.
Irresignado,
Lassalle desafiou o pai da moça e o Sr. Racowitza para um duelo, tendo este
aceito.
O embate
teve efeito em 28 de agosto de 1864, resultando na morte de Lassalle, dias
depois, em 31 de agosto, em decorrência de ferimentos sofridos.
Na data de
sua morte, o partido de Lassalle tinha 4.610 filiados, mas sem programa
político detalhado. A agremiação foi importante na estabilização posteiror do
Partido da Social Democracia Alemã em 1875 (DAWSON, 1891, p. 125) existente até
hoje, com cerca de 495.000 membros.
2. A
essência da Constituição
A concepção
de Lassalle enquadra-se no conceito sociológico de Constituição. Sobre o tema,
destaca Jorge Miranda (1991) as diversas correntes que tentaram conceituar e
analisar o que seria uma Constituição: as concepções jusnaturalistas
“manifestadas segundo as premissas do jusracionalismo nas Constituições
liberais e influenciadas depois por outras tendências”, as positivistas
(Laband, Jellinek ou Carré de Malberg e Kelsen), as historicistas (Burke, De
Maistre, Gierke), as sociológicas (Ferdinand Lassalle), as marxistas, as institucionalistas
(Hauriou, Renard, Burdeau, Santi Romano, Mortati), a decisionista (Schmitt), as
concepções decorrentes da filosofia dos valores (Maunz, Bachof) e as concepções
estruturalistas (Spagna Musso, José Afonso da Silva) (MIRANDA, 1991, p. 53-54).
Nesse
contexto, – o livro – na verdade a redução a termo de um discurso de Lassalle
proferido em conferência à Associação de Contribuintes de Berlim – divide-se em
três capítulos.
No primeiro,
denominado “Sobre a Constituição”, Lassalle (1998) indaga: qual a verdadeira
essência, qual o verdadeiro conceito de uma Constituição? Não basta apresentar
a matéria concreta de determinada Constituição, tampouco basta buscar, na
legislação precedente, seus dispositivos para alcançarmos um conceito de
Constituição e, portanto, a sua essência.
Segundo um
jurisculto, para Lassalle, a Constituição seria “um pacto juramentado entre o
rei e seu povo, estabelecendo os princípios alicerçais da legislação e do
governo dentro de um país” ou “a lei fundamental proclamada pela nação, na qual
se baseia a organização do Direito público do país” (LASSALLE, 1998).
Todavia,
essas respostas não explicam a pergunta; ao revés, limitam- -se a descrever
exteriormente como se formam as Constituições e o que fazem, mas não explicam o
que ela é.
Para tentar
responder à pergunta, Lassalle (1998) utiliza o método de comparação, ou seja,
coteja o objeto de conceito desconhecido com outro, similar, esforçando-se para
penetrar nas diferenças que os separam.
Desse modo,
compara Lei e Constituição. Inicialmente, ressalta as semelhanças, como a
essência genérica comum e a aprovação legislativa necessária a ambas.
Entretanto, ao acentuar as diferenças, estabelece que a Constituição afigura-se
mais sagrada, mais delicada, de modo que sua alteração deve ocorrer, em geral,
por quórum mais qualificado. E isso demonstraria o “espírito unânime dos povos
[que] uma Constituição deve ser qualquer coisa de mais sagrado, de mais firme e
de mais imóvel que uma lei comum” (LASSALLE, 1998).
Prosseguindo,
assevera que a Constituição deve, por óbvio, constituir algo, ou seja, informar
e engendrar as leis comuns originárias daquela, mas ao se deparar com a questão
do fundamento, Lassalle (1998) aprofunda-se na tentativa de encontrar resposta
à sua pergunta.
Consigna que
as coisas existem porque devem existir, têm uma função, se regem pela
necessidade. Assim, a ideia de fundamento traria, implicitamente, a noção de
uma necessidade ativa, de uma força eficaz e determinante que atuasse sobre
tudo em que nela se baseia, fazendo-a assim e não de outro modo.
Indaga: e
qual seria essa força ativa que fundamenta uma Constituição? Lassalle responde
expressamente: os fatores reais de poder3 .
Para
legitimar a sua ideia e explicá-la, Lassalle (1998) propõe o seguinte
exercício: suponhamos que um país, por causa de um sinistro, ficasse sem
nenhuma das leis que o governavam e que por força das circunstâncias fosse
necessário decretar novas leis. Nesse caso, o legislador, completamente livre,
poderia fazer leis por capricho ou de acordo com o seu próprio modo de pensar?
3 Os fatores
reais de poder que atuam no seio de cada sociedade são essa força ativa e
eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes,
determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são
(LASSALLE, 1998, p. 26).
A resposta
que ecoa na eloquência do silêncio é imediata: não.
Assim,
Lassalle (1998) passa a explicar o que entende por “fator real de poder”.
Vejamos.
2.1. A
monarquia
Seria
possível a existência de uma lei abolindo a monarquia? Não. E a resposta,
segundo Lassale (1998), assenta-se no fato de que o rei, por possuir o controle
do exército, o poder real efetivo, não permitiria tal proposição.4
2.2. A
aristocracia
De início,
Lassalle (1998) critica a posição da aristocracia na sociedade ao afirmar:
“Não sabemos
por que esse punhado, cada vez menor, de grandes proprietários agrícolas possui
tanta influência nos destinos do país como os restantes milhões de habitantes
reunidos, formando somente eles uma Câmara Alta que fiscaliza os acordos da
Câmara dos Deputados, eleita esta pelos votos de todos os cidadãos.
[...]
Destruídas
as leis do passado, somos todos ‘iguais’ e não precisamos absolutamente ‘para
nada’ da Câmara Senhorial.”
Entretanto,
em tom de ceticismo e derrotismo, afirma que a nobreza seria influente e bem
vista pelo rei, modo pelo qual essa influência poderia garantir-lhe o uso do
exército e dos canhões para seus fins, sendo, portanto, parte da Constituição,
ou seja, um fator real de poder.
2.3. A
grande burguesia
Ao
caracterizar a grande burguesia como um fator real de poder, Lassalle (1998)
propõe
4 Neste
ponto, é importante destacar que o exército prussiano à época não jurava
respeito à Constituição e estava sob as ordens diretas do monarca.
um exercício
inverso. Propõe que seja imaginada a união entre a aristocracia e a monarquia
com o fulcro de ser imposto o sistema medieval/ gremial aos burgueses, ou seja,
por lei seria estipulada a quantidade estrita de produção de cada industrial e
cada indústria somente poderia ocupar determinado número de operários por
igual.
Porém,
lembra o conferencista que a expansão industrial não aceitaria uma Constituição
inspirada nesse modelo. O progresso industrial requer “ampla liberdade de fusão
dos mais diferentes ramos do trabalho nas mãos de um mesmo capitalista” e
“necessita, ao mesmo tempo, da produção em massa e da livre concorrência – aqui
no sentido de empregar quantos operários necessitar, sem restrições” (LASSALLE,
1998). A implantação de uma Constituição nos moldes medievais, isto é, do tipo
gremial, provocaria uma crise no setor industrial e, consequentemente, no
social. O fechamento de fábricas e o desemprego levariam os homens sem trabalho
às ruas, subsidiados pela grande burguesia. Outrossim, entende que os grandes
burgueses, industriais, também são fragmentos da Constituição.
2.4. Os
banqueiros
Segundo
Lassalle (1998), os banqueiros também se caracterizam como fator real de poder
em virtude de os governos, de quando em quando, sentirem apertos financeiros
devidos à necessidade de investir grandes quantias que “não têm coragem de
tirar do povo por meio de novos impostos ou do aumento dos existentes”
Nesses
casos, ficaria o recurso de absorver dinheiro do futuro, por intermédio das
instituições bancárias. Sendo os seus diretores, os detentores do capital,
titularizam poder real e, portanto, são partes da Constituição.
É nesse
capítulo que Lassalle (1998) faz observações importantes sobre serem, também, a
cultura coletiva e a consciência social do país formas de expressão de poder.
Mas elas somente teriam força e se levantariam contra graves alterações legais
ou políticas à população imposta, indicando, como exemplo, a punição da pessoa
dos pais pelos roubos cometidos pelos filhos, tal qual o modelo chinês.
2.5. A
pequena burguesia e a classe operária
Por fim,
Lassalle (1998) afirma expressamente que, se todos os fatores de poder alhures
mencionados tentassem privar a pequena burguesia e a classe operária de suas
liberadades políticas, poderiam fazê-lo. Aliás, já o tinham feito. E recorda
que até 1848 vigia o sufrágio universal que garantia a todo cidadão, rico ou
pobre, o mesmo direito político. Mas, em 1849, foi instituído pelo rei, o
sistema eleitoral de três classes, após a dissolução do parlamento.
Tal sistema
dividia o eleitorado em três grupos de acordo com suas posses e com os impostos
por eles pagos.
Destaca
Lassale (1998) que no primeiro grupo estariam 153.808 pessoas, no segundo
409.945 e no terceiro 2.691.950. Dessa forma, o opulento teria o mesmo poder
político de 17 cidadãos comuns. Em suma: 17 vezes a influência política de uma
pessoa comum.
Critica
também a existência do Senado, o que para ele significava “pôr nas mãos de um
grupo de velhos proprietários uma prerrogativa política formidável que lhes
permitirá contrabalançar a vontade nacional e de todas as classes que a
contrapõem, por mais unânime que seja essa vontade” (LASSALLE, 1998).
Todavia, é
nesse cenário de crítica e desesperança que Lassalle (1998) começa a esboçar o
que seria a força motriz do constitucionalismo moderno.
Ao perguntar
se o governo poderia tirar não somente as liberdades políticas, mas também a
pessoal da pequena burguesia e do corpo operário, transformando-os em escravos
ou servos, responde prontamente: não, mesmo que todos os demais fatores de
poder se posicionem nesse sentido.
Dessa forma,
expressamente se manifesta: “nos casos extremos e desesperados também o povo,
nós todos, somos uma parte integrante da Constituição” (LASSALLE, 1998, p. 32).
Mas,
deixando-se levar novamente pelo ceticismo, afirma que, sob o poder político do
rei, o exército está organizado, ou seja, pode se reunir a qualquer hora do dia
ou da noite, funcionando com uma disciplina única e pode ser utilizado a
qualquer momento quando dele se necessite, ao contrário do poder que se apoia
na nação, embora infinitamente maior – e essa frase ganha especial relevo – por
não estar organizado.
Para
respaldar suas ideias, Lassalle (1998) cita Virgílio: “tu, povo, fabrica-os e
paga-os, mas não para ti”, referindo-se ao equipamento bélico utilizado pelo
exército contra o próprio povo.
Desse modo,
para ele, uma força organizada pode sustentar-se anos a fio, sufocando o poder,
muito mais forte, porém desorganizado, do país.
Importante
ressaltar que ao denominar a Constituição escrita de “folha de papel”,
expressão que ficou célebre, Lassalle (1998) apenas fazia alusão à frase de
Frederico Guilherme IV, que disse “Julgo-me obrigado a fazer afora,
solenemente, a declaração de que nem no presente nem para o futuro permitirei
que entre Deus do céu e o meu país se interponha uma folha de papel escrita
como se fosse uma segunda providência”. Desse modo, estabelece a relação que
existe entre esses fatores reais de poder e a Constituição jurídica:
“Juntam-se
esses fatores reais do poder, os escrevemos em uma folha de papel e eles
adquirem expressão escrita. A partir desse momento, incorporados a um papel,
não são simples fatores reais de poder, mas sim verdadeiro direito,
instituições jurídicas. Quem atentar contra eles atenta contra a lei, e por
conseguinte é punido” (LASSALLE, 1998).
No segundo
capítulo, Lassalle (1998) faz uma retrospectiva histórica demonstrando a
importância e a influência dos fatores reais de poder no caminhar evolutivo da
sociedade. Neste ponto, é importantíssima a sua definição do motivo pelo qual
seria necessária, na visão dos detentores de poder, a existência de uma
Constituição escrita. Para Lassalle (1998), seria como mera forma de
legitimação, mais fácil, mais convincente.
Observando
que todos os países tiveram e terão sempre uma Constituição real e efetiva, afirma
ser essa uma necessidade que se impõe, “pois não é possível imaginar uma Nação
onde não existam os fatores reais de poder, quaisquer que sejam eles”
(LASSALLE, 1998).
Segundo
Lassalle (1998),
“todos os
países possuem ou possuíram sempre, e em todos os momentos de sua história, uma
Constituição real e verdadeira. A diferença, nos tempos modernos – e isto não
deve ficar esquecido, pois tem muitíssima importância –, não são as
constituições reais e efetivas, mas sim as constituições escritas nas folhas de
papel”.
Nos Estados
Modernos, com o fenômeno do monopólio do Direito pelo Estado, é que surgem, de
modo generalizado, as Constituições escritas, “cuja missão é a de estabelecer
documentalmente, numa folha de papel, todas as instituições e princípios do
governo vigente” (LASSALLE, 1998).
Por isso,
aspirar a uma Constituição escrita tem como origem o fato de ter-se operado uma
transformação nos elementos reais do poder imperantes dentro do país, num
determinado momento:
Por isso,
aspirar a uma Constituição escrita tem como origem o fato de ter-se operado uma
transformação nos elementos reais do poder imperantes dentro do país, num
determinado momento:
Nesse
contexto, realiza uma breve análise da história constitucional europeia.
Destaca que no Estado pouco povoado da Idade Média, sob o domínio governamental
de um príncipe e com uma nobreza que possuía a maior parte da propriedade
territorial, necessitava-se de uma Constituição feudal. A nobreza detinha, além
da posse das terras, o poder sobre os feudatários, os servos, os colonos,
obrigando-os a formar suas hostes e a lutar com os seus vizinhos. Os senhores
feudais tinham, ainda, chefes de armas, soldados, escudeiros e criados que, sob
o seu poder, também serviam ao rei, que não mantinha outra força efetiva que a
dos próprios que compunham a nobreza. O príncipe não poderia criar, sem seu
consentimento, novos impostos e ocupava entre eles apenas a posição de primus
inter pares.
Acrescenta
que a passagem do feudalismo ao capitalismo determinou novas mudanças. Novos
fatores reais de poder surgiram determinando novo modelo de Constituição:
“a população
cresce, a indústria e o comércio progridem e seu progresso facilita os recursos
necessários para fomentar novas mudanças, transformando as vilas em cidades.
Nasce a pequena burguesia e os grêmios se desenvolvem, circulando o dinheiro e
formando os capitais e a riqueza particular” (LASSALLE, 1998).
Esclarece
que a população urbana não mais dependia da nobreza; tem interesses opostos a
esta que, pouco a pouco, perde as prerrogativas e os poderes. O príncipe
alcança maior poder efetivo, chegando a manter Exército permanente. Ato
contínuo, o poder central se fortalece, retirando da nobreza a prerrogativa de
receber tributos e obrigando-a ao pagamento de impostos.
Com a
transformação dos fatores reais do poder, transforma-se também a Constituição
vigente no país. O absolutismo sucede ao feudalismo, iniciando uma nova ordem.
Entretanto,
o príncipe, como soberano absoluto, não acredita na necessidade de se pôr por
escrito a nova Constituição. O príncipe tinha em suas mãos o instrumento real e
efetivo do poder – o exército permanente – que forma a Constituição efetiva
dessa sociedade, e ele e os que o rodeiam dão expressão a essa ideia e dão ao
país a qualificação de Estado militar.
Além disso,
o poder efetivo do príncipe é reconhecido pela nobreza, que abandona os feudos
e concentra-se na Corte, onde “recebe uma pensão e contribui, com sua presença,
para prestigiar a monarquia” (LASSALLE, 1998).
Após esse
período e em função dele ocorre o do fortalecimento da burguesia, por meio do
desenvolvimento da indústria e do comércio. Ao príncipe torna-se impossível
acompanhar o desenvolvimento da burguesia, “que começa a compreender que também
é uma potência política independente” (LASSALLE, 1998).
Paralelamente
ao aumento da população, aumenta e divide-se a riqueza social em proporções
incalculáveis, progredindo também as indústrias, as ciências, a cultura geral e
a consciência coletiva – outro dos fragmentos da Constituição, conforme já
visto.
Assim,
Lassalle (1998) entende “haver demonstrado que os fatos históricos analisados
tiveram o mesmo efeito de um incêndio ou de um furacão que tivesse varrido a
velha legislação nacional”.
No terceiro
e último capítulo, Lassalle (1998) diz que uma Constituição escrita só seria
boa e duradoura se correspondesse à Constituição real, pois, caso contrário,
mais dia ou menos dia, a escrita, a folha de papel, sucumbiria necessariamente
perante as verdadeiras forças vitais do país.
Traz também
a ideia de que o poder, a força do exército, embora menor, é mais efetiva do
que a do povo, pois encontra-se organizada e treinada, sendo um dos grandes
erros da Revolução de 1848 o fato de não ter sido o exército colocado sob a
Constituição, tirando-o do controle da monarquia.
Após essas
observações, Lassalle (1998) apresenta três consequências da Revolução de 1848
na Prússia:
“a) A
preocupação em evitar que fossem afastados os fatores reais de poder dentro do
país impediu que a Assembléia Nacional organizasse a sua Constituição por
escrito.
b) Com a
dissolução da Assembléia Nacional Constituinte, coube ao rei proclamar a
Constituição; decretou-a voluntariamente e – ainda que de acordo, em muitos
pontos, com as idéias da Assembléia Nacional – não correspondia à sua
pretensão, pois não se justificava pelos fatores reais de poder de que o rei
continuava a dispor.
A
disparidade entre a Constituição real, efetiva, e a Constituição escrita se fez
notar e acarretou várias modificações. A Constituição datada de 5 de dezembro
de 1848, em que o rei espontaneamente concordava com uma série de concessões,
foi alterada por Lei Eleitoral que restabeleceu o voto censitário.
c) Quando
uma Constituição corresponde aos fatores reais de poder que regem um país, não
há necessidade de modificá-la e o respeito a que a ela se tem é natural, não é
lema de um ou de outro partido político, porque ela, per si, já é respeitada e
invulnerável. Se, ao contrário, não corresponder, será modificada.”
3.
Considerações e cotejo
Inicialmente,
cumpre destacar que a lógica de Hegel e sua dialética – esta uma progressão na
qual cada movimento sucessivo surge como solução das contradições inerentes ao
movimento anterior5 –, estão presentes na obra de Lassalle, pois ele
buscou estabelecer uma visão global para conhecer a verdade por trás das
instituições.
Todavia, em
uma leitura perfunctória, a conclusão de que a essência da Constituição traduz
apenas a vontade de reduzidos detentores do poder mostra-se distante das reais
conclusões políticas a que chega o livro.
Deve-se ter
em mente que ao narrar uma situação, expondo-a a toda sociedade, Lassalle
(1998) provoca o debate, inquietude que iria desaguar na forma de dois livros
que se propuseram a combater, com maior ou menor êxito – ao menos no campo das
ideias – a lógica de Lassale, quais sejam, “A força normativa da Constituição”
de Hesse (1991) e “Sociedade aberta dos intérpretes da Constituição6 ” de
Häberle (1997)7 .
Georges
Burdeau (1969) conseguiu sintetizar bem a crítica dirigida à obra de Lassalle e
às suas concepções sobre a Constituição.
“A
Constituição deve ser considerada verdadeiramente criadora do Estado de
Direito, pois se antes dela o Poder é um mero fato, resultado das
circunstâncias, produto de um equilíbrio frágil entre as diversas forças
políticas, com a Lei Fundamental ele muda de natureza e se juridiciza,
convertendo-se em Poder de direito, desencarnado e despersonalizado.”
Entretanto,
o próprio Hesse (1991, p. 14) reconhecia que a norma constitucional não tem
existência autônoma em face da realidade e que, por isso, a sua pretensão de
eficácia não pode ser separada das condições históricas de sua realização.
Em verdade,
esse autor desloca essa discussão do plano dos fatos para o plano dos valores,
axiologicamente, modo pelo qual sua crença se dá ao fundamento de que, em ultima
ratio, a constituição só se mantém por um acordo dos poderes em
legitimá-la.
No mesmo
sentido, Häberle (1997, p. 12), pois a sua “Sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição” apenas aumentou e legitimou maior número de hermeneutas aptos a
participarem do debate constitucional, sem, contudo, fechar portas aos antigos
detentores do poder.
5 A visão
total é necessária para enxergar, e encaminhar uma solução a um problema. Hegel
dizia que a verdade é o todo. Que se não enxergamos o todo, podemos atribuir
valores exagerados a verdades limitadas, prejudicando a compreensão de uma
verdade geral.
6 Nessa
obra, a ideia principal é a de que toda e qualquer pessoa que leia livremente a
Constituição acaba sendo co-intérprete do texto.
7 Que, em
entrevista recente, desenvolveu assuntos deveras interessantes (HAIDAR;
SCRIBONI, 2011).
A questão
que se coloca em debate, já secular, é se a Constituição é manifestação de
força ou de fé. E o cerne dessa questão panorâmica pode restringir-se a uma
pergunta: a Constituição, escrita, dogmática, pode ir de encontro aos
detentores dos fatores reais de poder?
Todavia, a
importância não está na resposta, mas sim na própria pergunta. Afinal, quem
seriam os verdadeiros detentores dos fatores reais de poder?
Creio que no
âmbito interno, nacional, o próprio Lassalle dá pistas quando destaca:
“Dentro de
certos limites, também a consciência coletiva e a cultura geral da nação são
partículas e não pequenas da Constituição.
Nos casos
extremos e desesperados também o povo, nós todos, somos uma parte integrante da
Constituição.
O poder que
se apóia na nação, meus senhores, embora seja, como de fato o é, infinitamente
maior, não está organizado.
Uma força
organizada pode sustentar-se anos a fio, sufocando o poder, muito mais forte,
porém desorganizado, do país” (LASSALLE, 1998, p. 31-32, 36-37, grifo nosso).
Como se
denota, no decorrer do texto as ideias vão ganhando força e expressão, deixando
a timidez e partindo quase para incitação explícita. Ora, cambiemos a expressão
“do país” na última citação por “do povo”, o contexto e a profundidade
semântica seriam muito semelhantes.
Referido
argumento ganha força conclusiva na página 48, quando Lassalle começa um
subcapítulo com o título “O poder da nação é invencível” e destaca que “em
1848, ficou demonstrado que o poder da nação é muito superior ao do exército e,
por isso, depois de uma cruenta e longa luta, as tropas foram obrigadas a
ceder” (LASSALLE, 1998, p. 48).
Segundo
Sahid Maluf (2003, p. 15), “nação” é uma realidade sociológica, subjetiva, uma
entidade de direito natural e histórico. Conceitua-se como um conjunto
homogêneo de pessoas ligadas entre si por vínculos permanentes de sangue,
idioma, religião, cultura e ideais.
Sarida Maluf
(2003, p. 17) dispõe sobre “povo” afirmando que em sentido amplo, genérico,
equivale à população. Porém, no sentido estrito, qualificado, condiz com o
conceito de “nação” e cita Cícero:
“Populus est
non omnis hominum coetus, quoquo modo congregatus sed cuetus moltitudinis iuris
consensu et utilitaris comunione sociatus.8 ”
8 Povo não
são todos os seres humanos, em conjunto em qualquer forma, mas sim um conceito
jurídico e utilitário de comunhão social (Tradução livre).
Outrossim,
tem-se que o conceito de povo e nação se não são idênticos, afiguram-se
intimamente ligados.
Quando
Lassalle (1998) diz expressamente que “o poder da nação é invencível”, plausível
entender que “o poder do povo é invencível”. Logo, se o poder do povo é
invencível, ele é o detentor real do poder. Ele é a Constituição.
Se for a
essa conclusão a que se chega, resta a pergunta: por que Lassalle não deixou
expressa sua convicção? Se analisarmos o momento histórico da conferência e os
antecedentes pessoais de Ferdinand, poderemos supor que, na Prússia de 1863,
não seriam tolerados levantes organizados ou incitações contra o regime,
sobretudo diante de uma nova afirmação do poder da monarquia, com a dissolução
do parlamento.
Ademais,
Lassalle já havia sido preso em virtude de incitação, tendo sido banido de
Berlim e escapado, por pouco, de cumprir pena de 23 anos de prisão. Ora, a
reincidência poderia levar a condenações piores, como à prisão perpétua ou
talvez até à pena de morte. Não seria sensato, portanto, propagar ideais
socialistas de forma aberta naquela quadra histórica.
Desse modo,
mais fácil e talvez, produtivo sob o véu da descrença e do conformismo,
provocar e desafiar, ainda que implicitamente, os seus ouvintes – a assembleia
de contribuintes de Berlim –, buscando uma reflexão, em um tipo de provocação
subjetiva, indireta.
Assim, ao
produzir essa reflexão que culminou nos estudos de Hesse, Häberle e tantos
outros, Lassalle cumpriu seu objetivo: semeou a inquietude e a busca de
soluções para que o real poder, do povo, fosse, em um primeiro momento, por
este acreditado, tal como a doutrina de Hesse, para que, posteriormente, fosse
protegido. Afinal, como proteger algo em que não se acredita?
Dessa forma,
coube-lhe o mérito de haver lançado as bases de uma análise da Constituição no
sentido material e sociológico, ao afirmar a necessidade de distinguir entre
Constituições reais e Constituições escritas. Considerando que a verdadeira
Constituição de um país reside sempre e unicamente nos fatores reais e efetivos
de poder que dominam nessa sociedade, observa que, quando a Constituição
escrita não corresponder a tais fatores, está condenada a ser por eles
afastada.
Assim, se
uma Constituição escrita não corresponde à Constituição real, o povo pode
afastá-la. Não de modo expresso, mas com novas interpretações – a chamada
mutação constitucional – que adequem o texto à realidade atual.
Por fim, é
necessária uma reflexão. A força armada, para Lassalle (1998), como condutora
do poder, não é maior do que a força da nação, do povo. Todavia, nação e povo
são conceitos ainda regionais quando nos deparamos com o aspecto global da
humanidade. Dessa forma, no âmbito universal, no qual não há nação, mas sim
nações, é possível entender que a força armada ainda é a maior detentora do
poder?
Referências
BOURDEAU,
Georges. Traité de science politique: tome IV, Le statut du pouvoir
dans l’État. Paris: LGDJ, 1969.
DAWSON,
William Harbutt. German socialism and Ferdinand Lassalle. London:
Swan Sonnenschein, 1891.
HAIDAR,
Rodrigo; SCRIBONI, Marília. Constituição é declaração de amor ao país. Consultor
Jurídico, Brasília, maio 2011.
HALÉVY,
Élie. The age of tyrannies. Economica, London, v. 8, n. 29, p. 77-93,
Feb. 1941.
HÄBERLE,
Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes
da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e
“procedimental” da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: Fabris, 1997.
HESSE,
Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1991.
LASSALLE,
Ferdinand. A essência da Constituição. 4. ed. Rio de Janeiro: Líber
Juris, 1998.
MALUF,
Sahid. Teoria geral do Estado. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.MIRANDA,
Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 1991.
v. 2.
https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/50/197/ril_v50_n197_p301.pdf
No
link:
https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/50/197/ril_v50_n197_p301.pdf
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