terça-feira, 8 de abril de 2025

É até pecado morrer

É até pecado morrer Por Amanuense Gaúcho Zapeava-se. Era um domingo. A tarde tinha aquele ritmo morno e respeitoso das horas que sabem que não precisam se apressar. E então, no salto de um canal para outro — não por intenção, mas por acidente mágico — deparei-me com uma senhora de 103 anos. Não se apresentava como tal. Aliás, não se apresentava. Apenas existia com tamanha inteireza, que parecia recém-chegada ao mundo. A cena se passava dentro do coração de um Cristo. Literalmente. Uma estátua de 43 metros de altura fincada em Encantado, interior do Rio Grande do Sul. Dentro do peito da estátua — há um recorte em forma de coração — ali, respirava ela, a mocinha centenária. Diz-se por aí que o tempo é linear. Mas ali, diante daquela mulher, o tempo parecia ter desobedecido. Recuava, serpenteava, brincava com a lógica e pedia conselhos à magia. E no instante exato em que o repórter lhe perguntou como se sentia, ela, sem pedir licença à razão, nem consulta ao IBGE, respondeu com um sorriso irrepreensível: "É até pecado morrer." Houve silêncio. O tipo de silêncio que se instala quando uma frase preenche todos os cantos do ar. Era como se, por um segundo, todas as constituições — a de 1824, a de 1891, a de 1937, a de 1946, a de 1967, a de 1988 — estivessem ali, sentadas à sombra daquele Cristo, reverenciando uma frase sem parágrafo único. Porque ali, em Encantado, ela não quis ser chamada de Encantada. Ainda não. Não agora. Há um flerte em curso com a eternidade, é verdade — mas um flerte não é compromisso. Enquanto isso, prefere seguir viva. Viva com gosto. Com o coração no lugar — e o lugar, curiosamente, era mesmo o coração do Cristo. Cristo Protetor de Encantado – onde a vida se espanta de ser tão viva. Se fosse na Constituinte de 1988, Dr. Ulysses provavelmente diria: “Registre-se em ata — e que conste dos anais — que viver bem é cláusula pétrea.” E Nelson Jobim, com seu rigor lógico-mágico, talvez incluísse um artigo: “Art. 103. É vedado morrer com o coração em festa.” E que Encantado siga em frente. Porque sua mais jovem habitante — aos 103 anos — ainda está escrevendo capítulos com a tinta rara dos que sabem viver. Não se despede. Apenas contempla. E, vez ou outra, solta uma daquelas frases que deveriam ser esculpidas, não em pedra, mas em escuta. É até pecado morrer. Pois que se viva. Até que a própria morte se sinta, ela sim… encantada.
Art. 103. da Constituição da República Federativa do Brasil (texto atual) CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL TÍTULO IV DA ORGANIZAÇÃO DOS PODERES CAPÍTULO III DO PODER JUDICIÁRIO Seção II Do Supremo Tribunal Federal Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação dada por Emenda Constitucional nº 45 de 08/12/2004)Proposições em tramitação I – o Presidente da República;Proposições em tramitação II – a Mesa do Senado Federal;Proposições em tramitação III – a Mesa da Câmara dos Deputados;Proposições em tramitação IV – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada por Emenda Constitucional nº 45 de 08/12/2004)Proposições em tramitação V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada por Emenda Constitucional nº 45 de 08/12/2004)Proposições em tramitação VI – o Procurador-Geral da República;Proposições em tramitação VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;Proposições em tramitação VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;Proposições em tramitação IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.Proposições em tramitação § 1º O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal.Proposições em tramitação § 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias. § 3º Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado. § 4º (Revogado) (Incluído por Emenda Constitucional nº 3 de 17/03/1993) (Revogado por Emenda Constitucional nº 45 de 08/12/2004) Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial.
terça-feira, 8 de abril de 2025 Trump não está jogando Xadrez 4D - Joel Pinheiro da Fonseca Folha de S. Paulo Não há genialidade tática prestes a nos surpreender; americano defende tarifas desde os anos 1980 O trabalho do colunista —ou do comentarista— é, em boa medida, revelar alguma ordem na torrente de fatos e dados em que estamos imersos diariamente. É fácil se afogar na multiplicidade. Precisamos daquilo que organiza: relações causais, narrativas que deem sentido, conhecimento das intenções e planos dos envolvidos, ainda que ocultos. O dia a dia do comentarista consiste em incorporar novos fatos às narrativas possíveis, sempre reavaliando quais delas ainda fazem sentido e quais estão ruindo diante da realidade. A tentativa de encontrar ordem, porém, parte da nossa mente. A realidade nem sempre colabora. Aleatoriedade, incompetência, erro; tudo isso também existe. E tudo indica que é o caso do tarifaço de Trump. Desde que foi anunciado, deixou todo mundo perplexo. As tarifas vieram muito acima do previsto, e sem qualquer relação com a ideia de "reciprocidade tarifária" que supostamente guiaria o plano. Países que mal taxam produtos americanos, como Suíça e Israel, foram alvos de tarifas pesadas. Outros, notoriamente protecionistas, como o Brasil, ficaram com a tarifa mínima de 10%. Tem sido quase divertido assistir às acrobacias de muitos liberais econômicos tentando justificar o tarifaço. Segundo alguns, as tarifas anunciadas no dia 2 são apenas uma jogada inicial: um blefe calculado, que abriria espaço para negociar taxas menores num futuro próximo. Só esqueceram de combinar com o próprio Trump. Ele tem sido claro em defender a volta dos empregos industriais aos EUA. Se daqui a algumas semanas ele recuar para tarifas inferiores às que já existiam, não haverá renascimento industrial nenhum. Além disso, ele não pode retroceder demais por causa do buraco fiscal. Precisa de tarifas robustas para compensar, ainda que parcialmente, os cortes de impostos com os quais pretende aquecer a economia, e que devem reduzir a arrecadação em cerca de US$ 5 trilhões ao longo da próxima década. Caso contrário, o rombo nas contas públicas pode se transformar em uma crise ainda mais grave. As tarifas, portanto, vieram para ficar. Não duvido que Trump queira, mediante negociações, reduzi-las a um patamar menos catastrófico —mas não será abaixo do que já estava em vigor. Ainda que se aceite que o protecionismo é mesmo a política econômica, contudo, resta a pergunta: por que essa tabela desigual, com tarifas personalizadas para cada país, baseadas numa equação arbitrária dos fluxos comerciais? E por que mudar as regras com tanta frequência, a ponto de ninguém saber se a tabela ainda estará de pé em duas semanas? A incerteza, por si só, já tem cobrado seu preço, inclusive nas bolsas. Em vez de procurar um plano oculto, talvez caiba reconhecer algo mais simples: 1) Trump realmente gosta de tarifas, como vem dizendo desde os anos 1980. 2) Ele não faz ideia do que está fazendo e os bajuladores a seu redor são incapazes de limitá-lo. Não há xadrez 4D. Não há plano secreto. Não há genialidade tática prestes a nos surpreender. Quem insiste nisso está apenas procurando, a cada novo desastre, um motivo para não admitir que errou. Às vezes, uma burrada é apenas uma burrada.
----------- Moses and the Tablets A Velha A Fiar Palavra Cantada Murucututu Estava a velha no seu lugar, veio a mosca lhe incomodar. A mosca na velha e a velha a fiar. Estava a mosca no seu lugar, veio a aranha lhe fazer mal. A aranha na mosca, a mosca na velha e a velha a fiar. Estava a aranha no seu lugar, veio o rato lhe fazer mal. O rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha e a velha a fiar. Estava o rato no seu lugar, veio o gato lhe fazer mal. O gato no rato, o rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha e a velha a fiar. Estava o gato no seu lugar, veio o cachorro lhe fazer mal. O cachorro no gato, o gato no rato, o rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha e a velha a fiar. Estava o cachorro no seu lugar, veio o pau lhe fazer mal. O pau no cachorro, o cachorro no gato, o gato no rato, o rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha e a velha a fiar. Estava o pau no seu lugar, veio o fogo lhe fazer mal. O fogo no pau, o pau no cachorro, o cachorro no gato, o gato no rato, o rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha e a velha a fiar. Estava o fogo no seu lugar, veio a água lhe fazer mal. A água no fogo, o fogo no pau, o pau no cachorro, o cachorro no gato, o gato no rato, o rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha e a velha a fiar. Estava a água no seu lugar, veio o boi lhe fazer mal. O boi na água, a água no fogo, o fogo no pau, o pau no cachorro, o cachorro no gato, o gato no rato, o rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha e a velha a fiar. Estava o boi no seu lugar, veio o homem lhe fazer mal. O homem no boi, o boi na água, a água no fogo, o fogo no pau, o pau no cachorro, o cachorro no gato, o gato no rato, o rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha e a velha a fiar. Estava o homem no seu lugar, veio a mulher lhe incomodar. A mulher no homem, o homem no boi, o boi na água, a água no fogo, o fogo no pau, o pau no cachorro, o cachorro no gato, o gato no rato, o rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha e a velha a fiar. Estava a mulher no seu lugar, veio a morte lhe levar. A morte na mulher, a mulher no homem, o homem no boi, o boi na água, a água no fogo, o fogo no pau, o pau no cachorro, o cachorro no gato, o gato no rato, o rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha e a velha a fiar. Estava a morte no seu lugar. veio a vida lhe incomodar. A vida na morte, a morte na mulher, a mulher no homem, o homem no boi, o boi na água, a água no fogo, o fogo no pau, o pau no cachorro, o cachorro no gato, o gato no rato, o rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha e a velha fiar. Compositor: Dominio Publico _______________________________________________________________________________________________________ Se É Pecado Sambar Elza Soares Producer: Milton Miranda Associated Performer, Vocals: Elza Soares Composer: Manoel Sant' Ana ________________________________________________________________________________________________________

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