Inspirados já nos ensinamentos de Sófocles, aqui, procurar-se-á a conexão, pelo conhecimento, entre o velho e o novo, com seus conflitos. As pistas perseguidas, de modos específicos, continuarão a ser aquelas pavimentadas pelo grego do período clássico (séculos VI e V a.C).
quinta-feira, 30 de setembro de 2021
MUDANÇA
"...temendo que a nuvem se tivesse desfeito, vencida
pelo azul terrível, aquele azul que deslumbrava e endoidecia a gente."
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Brainly
2 – Ernst Fischer, na obra "A necessidade da arte". Rio: Zahar, 1983, considera a arte como o - Brainly.com.br
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Conversa
Dorrit Harazim
@dorritharazim
📌👏Não preciso ler mais nada hoje. Fico com o essencial:
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8:25 AM · 25 de set de 2021·Twitter for iPhone
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O Globo
A era em que podíamos cultuar o supérfluo está terminando
Precisamos retornar ao essencial
25/09/2021 - 04:30
Durante a guerra civil em Angola, nas cidades mais atingidas pelos confrontos, conheci pessoas que dormiam com os sapatos calçados e uma pequena mochila a servir de travesseiro. Guardavam na mochila tudo o que para elas era essencial, caso tivessem de fugir de repente.
Se alguma coisa nos ensinam estes dias estranhos, perigosos e voláteis, é que chegou o momento de colocar numa mochila aquilo que considerarmos essencial. Não porque precisemos fugir — na verdade, não temos para onde fugir —, mas porque a era em que podíamos cultuar o supérfluo, o ruído e o desperdício, está terminando. Precisamos retornar ao essencial.
Mas o que é essencial? Para uns pode ser uma garrafa de bom vinho do Porto, para outros um livro, as fotografias da infância, um console de videogame, uns tênis de marca, ou um anel de prata. O essencial de uns é o supérfluo de outros.
Volto ao brevíssimo período em que fiz reportagem de guerra em Angola. Certa manhã, vi um velho camponês carregando um colchão à cabeça. Lembro-me de ter comentado, em tom de troça, com outro jornalista: “Eis alguém que valoriza a preguiça”. Voltei a ver o velho ao entardecer, carregando a mulher no colchão. Envergonhado, atormentado pelos remorsos, fui falar com ele. “Só o colchão me pesa”, disse-me o homem com um sorriso tímido. Pesava-lhe mais quando não a carregava. A mulher tirava peso do colchão. É que o amor não pesa — liberta-nos do peso das coisas.
Regra geral, quanto menor for uma palavra, quanto menos sílabas tiver, mais antiga ela é. E, quanto mais antiga for, mais importante, mais fundamental, tende a ser aquilo que exprime: mãe, pai, Sol, mar, sal, pão, chão, grão, amor, dor, bom, mau, fogo, cão, boi, fruta, água, paz, samba ou rabada com agrião. Certo, a rabada com agrião, a feijoada e Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski são exceções à regra.
Ou seja, o que realmente importa cabe, quase sempre, nas palavras pequenas. O que realmente importa não costuma ter muito peso, nem ocupar muito espaço. O essencial está sempre conosco, nesse pequeno volume, chamado cabeça, que carregamos ao pescoço.
Regressei esta semana à Ilha de Moçambique, onde tenho vivido alguns meses por ano, desde 2016. A Ilha, como quase todos os territórios isolados, é um bom lugar para exercitar o desapego. Quem quiser viver num lugar como este tem de de se habituar a viver com pouco. Naturalmente, uma coisa é viver bem, com menos gastos e menos desperdício, e outra é sobreviver em situação de pobreza, como acontece com uma larga parte da população africana. Não há beleza nenhuma na miséria. Por outro lado, vivendo entre gente que tem tão pouco — e ainda assim manifesta uma alegria e uma sabedoria de vida que é raro encontrar, por exemplo, entre os povos prósperos do norte da Europa —, aprende-se a valorizar o essencial. Além disso, torna-se escandalosamente óbvio algo que tendemos a esquecer enquanto permanecermos encerrados na nossa bolha de prosperidade: num planeta com recursos limitados, e em risco de colapso, o ignóbil esbanjamento de uns poucos será sempre a mesa vazia de muitíssimos.
FONTE: O GLOBO
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"...O coração de Fabiano bateu junto do
coração de Sinha Vitória, um abraço cansado aproximou os farrapos que os cobriam.
Resistiram a fraqueza, afastaram-se envergonhados, sem ânimo de afrontar de novo a luz
dura, receosos de perder a esperança que os alentava...."
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Capítulo 1 - Mudança É a história da retirada de uma família, fugindo da seca.
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Fonte: Vidas Secas
Graciliano Ramos
Capítulo I - Mudança
NA PLANÍCIE avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os
infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente
andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem
progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos
juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar, Sinha Vitória com o filho mais novo
escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a
tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no
ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.
Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho
pôs-se a chorar, sentou-se no chão.
- Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai. Não obtendo resultado, fustigouo com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou,
deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se
levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando
baixo.
A catinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas
brancas que eram ossadas.
O vôo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.
- Anda, excomungado.
O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso,
queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato
necessário - e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não
era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.
Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que
pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés.
Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a idéia de abandonar o filho
naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a barba ruiva e suja,
irresoluto, examinou os arredores. Sinha Vitória estirou o beiço indicando vagamente uma
direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu a faca na
bainha, guardou-a no cinturão, acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os
joelhos encostados no estômago, frio como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano
teve pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato. Entregou a espingarda a
Sinha Vitória, pôs o filho no cangote, levantou-se, agarrou os bracinhos que lhe caíam
sobre o peito, moles, finos como cambitos. Sinha Vitória aprovou esse arranjo, lançou de
novo a interjeição gutural, designou os juazeiros invisíveis.
E a viagem prosseguiu, mais lenta, mais arrastada, num silencio grande.
Ausente do companheiro, a cachorra Baleia tomou a frente do grupo.
Arqueada, as costelas à mostra, corria ofegando, a língua fora da boca. E de quando em
quando se detinha, esperando as pessoas, que se retardavam.
Ainda na véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado,
morrera na areia do rio, onde haviam descansado, a beira de uma poça: a fome apertara
demais os retirantes e por ali não existia sinal de comida. Baleia jantara os pés, a cabeça,
os ossos do amigo, e não guardava lembrança disto. Agora, enquanto parava, dirigia as
pupilas brilhantes aos objetos familiares, estranhava não ver sobre o baú de folha a gaiola
pequena onde a ave se equilibrava mal. Fabiano também às vezes sentia falta dela, mas
logo a recordação chegava. Tinha andado a procurar raízes, à toa: o resto da farinha
acabara, não se ouvia um berro de rês perdida na catinga. Sinha Vitória, queimando o
assento no chão, as mãos cruzadas segurando os joelhos ossudos, pensava em
acontecimentos antigos que não se relacionavam: festas de casamento, vaquejadas,
novenas, tudo numa confusão. Despertara-a um grito áspero, vira de perto a realidade e o
papagaio, que andava furioso, com os pés apalhetados, numa atitude ridícula. Resolvera de
supetão aproveitá-lo como alimento e justificara-se declarando a si mesma que ele era
mudo e inútil. Não podia deixar de ser mudo.. Ordinariamente a família falava pouco. E
depois daquele desastre viviam todos calados, raramente soltavam palavras curtas. O
louro aboiava, tangendo um gado inexistente, e latia arremedando a cachorra.
As manchas dos juazeiros tornaram a aparecer, Fabiano aligeirou o passo,
esqueceu a fome, a canseira e os ferimentos. As alpercatas dele estavam gastas nos
saltos, e a embira tinha-lhe aberto entre os dedos rachaduras muito dolorosas. Os
calcanhares, duros como cascos, gretavam-se e sangravam. Num cotovelo do caminho
avistou um canto de cerca, encheu-o a esperança de achar comida, sentiu desejo de
cantar. A voz saiu-lhe rouca, medonha. Calou-se para não estragar força.
Deixaram a margem do rio, acompanharam a cerca, subiram uma ladeira,
chegaram aos juazeiros. Fazia tempo que não viam sombra. Sinha Vitória acomodou os
filhos, que arriaram como trouxas, cobriu-os com molambos. O menino mais velho,
passada a vertigem que o derrubara, encolhido sobre folhas secas, a cabeça encostada a
uma raiz, adormecia, acordava. E quando abria os olhos, distinguia vagamente um monte
próximo, algumas pedras, um carro de bois. A cachorra Baleia foi enroscar-se junto dele.
Estavam no pátio de uma fazenda sem vida O curral deserto, o chiqueiro das
cabras arruinado e também deserto, a casa do vaqueiro fechada, tudo anunciava abandono.
Certamente o gado se finara e os moradores tinham fugido.
Fabiano procurou em vão perceber um toque de chocalho. Avizinhou-se da
casa, bateu, tentou forçar a porta. Encontrando resistência, penetrou num cercadinho cheio
de plantas mortas, rodeou a tapera, alcançou o terreiro do fundo, viu um barreiro vazio,
um bosque de catingueiras murchas, um pé de turco e o prolongamento da cerca do curral.
Trepou-se no mourão do canto, examinou a catinga, onde avultavam as ossadas e o
negrume dos urubus. Desceu, empurrou a porta da cozinha. Voltou desanimado, ficou um
instante no copiar, fazendo tenção de hospedar ali a família. Mas chegando aos juazeiros,
encontrou os meninos adormecidos e não quis acordá-los. Foi apanhar gravetos, trouxe do
chiqueiro das cabras uma braçada de madeira meio roída pelo cupim, arrancou touceiras
de macambira, arrumou tudo para a fogueira.
Nesse ponto Baleia arrebitou as orelhas, arregaçou as ventas, sentiu cheiro
de preás, farejou um minuto, localizou- os no morro próximo e saiu correndo.
Fabiano seguiu-a com a vista e espantou-se uma sombra passava por cima
do monte. Tocou o braço da mulher, apontou o céu, ficaram os dois algum tempo
agüentando a claridade do sol. Enxugaram as lágrimas, foram agachar-se perto dos filhos,
suspirando, conservaram-se encolhidos, temendo que a nuvem se tivesse desfeito, vencida
pelo azul terrível, aquele azul que deslumbrava e endoidecia a gente.
Entrava dia e saía dia. As noites cobriam a terra de chofre. A tampa anilada
baixava, escurecia, quebrada apenas pelas vermelhidões do poente.
Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se,
somaram as suas desgraças e os seus pavores. O coração de Fabiano bateu junto do
coração de Sinha Vitória, um abraço cansado aproximou os farrapos que os cobriam.
Resistiram a fraqueza, afastaram-se envergonhados, sem ânimo de afrontar de novo a luz
dura, receosos de perder a esperança que os alentava.
Iam-se amodorrando e foram despertados por Baleia, que trazia nos dentes
um preá. Levantaram-se todos gritando. O menino mais velho esfregou as pálpebras,
afastando pedaços de sonho. Sinha Vitória beijava o focinho de Baleia, e como o focinho
estava ensangüentado, lambia o sangue e tirava proveito do beijo. Aquilo era caça bem
mesquinha, mas adiaria a morte do grupo. E Fabiano queria viver. Olhou o céu com
resolução. A nuvem tinha crescido, agora cobria o morro inteiro. Fabiano pisou com
segurança, esquecendo as rachaduras' que lhe estragavam os dedos e os calcanhares.
Sinha Vitória remexeu no baú, os meninos foram quebrar uma haste de
alecrim para fazer um espeto. Baleia, o ouvido atento, o traseiro em repouso e as pernas
da frente erguidas, vigiava, aguardando a parte que lhe iria tocar, provavelmente os ossos
do bicho e talvez o couro.
Fabiano tomou a cuia, desceu a ladeira, encaminhou-se ao rio seco, achou no
bebedouro dos animais um pouco de lama. Cavou a areia com as unhas, esperou que a
água marejasse e, debruçando-se no chão, bebeu muito. Saciado, caiu de papo para cima,
olhando as estrelas, que vinham nascendo. Uma, duas, três, quatro, havia muitas estrelas,
havia mais de cinco estrelas no céu. O poente cobria-se de cirros - e uma alegria doida
enchia o coração de Fabiano. Pensou na família, sentiu fome. Caminhando, movia-se como
uma coisa, para bem dizer não se diferençava muito da bolandeira de seu Tomás. Agora,
deitado, apertava a barriga e batia os dentes. Que fim teria levado a bolandeira de seu
Tomás?
Olhou o céu de novo. Os cirros acumulavam-se, a lua surgiu, grande e
branca. Certamente ia chover.
Seu Tomás fugira também, com a seca, a bolandeira estava parada. E ele,
Fabiano, era como a bolandeira. Não sabia porquê, mas era. Uma, duas, três, havia mais de
cinco estrelas no céu. A lua estava cercada de um halo cor de leite. Ia chover. Bem. A
catinga ressuscitaria, a semente do gado voltaria ao curral, ele, Fabiano, seria o vaqueiro
daquela fazenda morta. Chocalhos de badalos de ossos animariam a. solidão. Os meninos,
gordos, vermelhos, brincariam no chiqueiro das cabras, Sinha Vitória vestiria saias de
ramagens vistosas. As vacas povoariam o curral. E a catinga ficaria toda verde.
Lembrou-se dos filhos, da mulher e da cachorra, que estavam lá em cima,
debaixo de um juazeiro, com sede. Lembrou-se do preá morto. Encheu a cuia, ergueu-se,
afastou-se, lento, para não derramar a água salobra. Subiu a ladeira. A aragem morna
acudia os xiquexiques e os mandacarus. Uma palpitação nova. Sentiu um arrepio na
catinga, uma ressurreição de garranchos e folhas secas.
Chegou. Pôs a cuia no chão, escorou-a com pedras, matou a sede da família.
Em seguida acocorou-se, remexeu o aió, tirou o fuzil, acendeu as raízes de macambira,
soprou-as, inchando as bochechas cavadas. Uma labareda tremeu, elevou-se, tingiu- lhe o
rosto queimado, a barba ruiva, os olhos azuis. Minutos depois o preá torcia-se e chiava no
espeto de alecrim.
Eram todos felizes. Sinha Vitória vestiria uma saia larga de ramagens. A cara
murcha de sinhá Vitória remoçaria, as nádegas bambas de Sinha Vitória engrossariam, a
roupa encarnada de Sinha Vitória provocaria a inveja das outras caboclas.
A lua crescia, a sombra leitosa crescia, as estrelas foram esmorecendo
naquela brancura que enchia a noite. Uma, duas, três, agora havia poucas estrelas no céu.
Ali perto a nuvem escurecia o morro.
A fazenda renasceria - e ele, Fabiano, seria o vaqueiro, para bem dizer seria
dono daquele mundo.
Os troços minguados ajuntavam-se no chão: a espingarda de pederneira, o
aió, a cuia de água o baú de folha pintada. A fogueira estalava. O preá chiava em cima das
brasas.
Uma ressurreição. As cores da saúde voltariam a cara triste de Sinha Vitória.
Os meninos se espojariam na terra fofa do chiqueiro das cabras. Chocalhos tilintariam
pelos arredores. A catinga ficaria verde. Baleia agitava o rabo, olhando as brasas. E como
não podia ocupar-se daquelas coisas, esperava com paciência a hora de mastigar os ossos.
Depois iria dormir.
*** *** https://cs.ufgd.edu.br/download/Vidas%20Secas%20-%20Graciliano%20Ramos.pdf *** ***
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Fonte:
UOL
Em Nova York, Deus apareceu para Michelle Bolsonaro em forma de vacina
NONE SEPTEMBER 25, 2021
Josias de Souza
Colunista UOL
Carolina Antunes/PR
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Imagem: Carolina Antunes/PR
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Evangélica, a primeira-dama Michelle teve sua fé premiada em Nova York. Em meio à pandemia mais letal do século, se Deus tivesse que aparecer para a mulher de um presidente como Bolsonaro, Ele não se atreveria a surgir em outra forma que não fosse a de uma vacina de dose única contra a Covid.
Sob Bolsonaro, o absurdo adquiriu uma doce naturalidade. A reiteração da irracionalidade suprimiu o espanto dos hábitos nacionais. Se o presidente resolvesse andar de quatro, relinchando contra as vacinas, nada aconteceria. O inaceitável continuaria despachando no Planalto até o último dia do mandato.
De repente, a imunização de Michelle Bolsonaro ressuscitou o ponto de exclamação. Um frêmito de indignação percorre a conjuntura desde que o capitão revelou que sua mulher voltou dos Estados Unidos vacinada. Políticos chamam madame de impatriótica. Epidemiologistas a acusam de trair o SUS.
Bolsonaro derramou mentiras sobre o púlpito das Nações Unidas. E Augusto Aras reassumiu a chefia do Ministério Público com um discurso em que proclamou que a caneta do procurador-geral não será utilizada como instrumento para criminalizar a política. Nenhuma autoridade fez a concessão de uma surpresa.
Bolsonaro converteu o Brasil numa anedótica republiqueta de bananas ao prescrever na principal tribuna da diplomacia mundial o tratamento precoce com o seu kit cloroquina. E Arthur Lira, o réu que preside a Câmara, manteve trancado o gavetão em que se acumulam 132 pedidos de impeachment. O país boceja.
Nesse ambiente marcado pela pasmaceira contemplativa, a pancadaria que atinge Michelle desafia a lógica. Deus fez as vacinas. E logo o diabo inventou o negacionismo. Num cenário convencional, Bolsonaro reencarnaria Oswaldo Cruz, explicando aos súditos a necessidade da vacina. Acontece o oposto.
Há cinco meses, quando ainda chefiava a Casa Civil, o general Luiz Eduardo Ramos disse que tomou "escondido" do chefe a vacina contra Covid. A admissão soou numa reunião do Conselho de Saúde Suplementar. O general não sabia que o encontro estava sendo gravado e transmitido pelas redes sociais.
"Tomei, foi em Brasília, ali no Shopping Iguatemi", disse Ramos. "Tomei escondido porque a orientação era para todo mundo ir para casa, mas vazou. Tomei mesmo, não tenho vergonha não. Eu tomei e vou ser sincero porque eu, como qualquer ser humano, eu quero viver. Eu tenho dois netos maravilhosos, eu tenho uma mulher linda, eu tenho sonhos ainda. Então, eu quero viver, pô. E se a ciência, a medicina, fala que é a vacina, quem sou eu para me contrapor?".
Na mesma reunião, o ministro Paulo Guedes deu asas à perversão ao afirmar que os chineses "inventaram" o coronavírus. Embora tivesse tomado duas doses de CoronaVac, o Posto Ipiranga declarou que a vacina importada da China pelo Butantan é "menos efetiva" do que a norte-americana Pfizer.
Ao saber que estava sendo filmado, Guedes apavorou-se: "Não mandem para o ar". O Ministério da Saúde retirou o vídeo da internet. Mas era tarde. A pantomima ganhou as manchetes. Hoje, a covardia do general e a submissão do PhD de Chicago dão uma ideia da pressão a que estava submetida Michelle.
Na live da última quinta-feira, transmitida ao vivo pelas redes sociais, Bolsonaro contou: "Olha o que aconteceu com a minha esposa. Me perguntou se tomo ou não a vacina. Veio conversar comigo. Sabe como é que é esposa, sabe como é. Tomo ou não? Dei minha opinião."
A "opinião" de Bolsonaro é conhecida. Ao se encontrar em Nova York com o premiê britânico Boris Johnson, ele reiterou, entre risos, que não se vacinou. Absteve-se, porém, de revelar aos devotos da live da noite de quinta-feira o teor do conselho que deu a Michelle. "Vou dizer o que ela fez: tomou a vacina. É maior de idade, tem 39 anos. Tomou a vacina."
Michelle poderia ter rendido homenagens à ciência há dois meses, vacinando-se em Brasília. Mas talvez tivesse que imitar o general Ramos, agindo às escondidas para não aguçar os maus bofes de Bolsonaro. Mas na República do capitão irascível a covardia é monopólio da farda.
Em resposta à chuva de críticas, o Planalto informou em nota que Michelle recebeu o sinal divino no instante em que se submeteu ao teste obrigatório de PCR, antes do embarque da comitiva presidencial, em Nova York.
Diz o texto: "Durante a realização da testagem, a primeira-dama foi indagada pelo médico se ela gostaria de aproveitar a oportunidade para ser vacinada. Como já pensava em receber o imunizante, resolveu aceitar."
Deus, como se sabe, é brasileiro. Mas Ele está em toda parte. E decidiu soar para Michelle em língua inglesa: "Yes, madam, how can I help you?" A mulher de Bolsonaro não hesitou: "Uma vacina, pelo amor de Deus!"
A visita de Bolsonaro a Nova York foi marcada pelo vexame. O presidente e seius acompanhantes tiveram de comer na calçada a pizza que o Tinhoso amassou.
Infectado pelo coronavírus e pelo bolsovírus, Marcelo Queiroga despiu o jaleco ao exibir o dedo médio em riste para um grupo de manifestantes.
O chanceler Carlos Alberto França teve um surto de Ernesto Araújo ao ser filmadon reproduzindo o gesto da arminha.
De volta ao Brasil, ao testar positivo para Covid, o Zero Três Eduardo Bolsonaro, terceiro membro da comitiva alcançado pelo coronavírus, informou que está engolindo cloroquina.
Num caldeirão de horrores em que a mentira, a ignorância e a infeção se misturaram a dedos insensatos, o braço oferecido por Michelle à agulha norte-americana é um traço civilizatório.
Ficou entendido que a aversão de Bolsonaro à ciência não é levada a sério nem pela primeira-dama. Deus não mereceria existir se Michelle recusasse a vacina em Nova York.
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Maria Leopoldina
Maria Leopoldina entrou para a história do Brasil por ter sido a primeira imperatriz do país. Casada com d. Pedro I, a arquiduquesa austríaca teve papel fundamental em convencer seu marido a permanecer no Brasil e posicionar-se pela independência brasileira. O casamento de Leopoldina, no entanto, foi infeliz, e ela faleceu como consequência de um aborto espontâneo.
Os historiadores contam que a primeira imperatriz teve o seu papel na independência diminuído e apagado nas gerações seguintes. Sua atuação, nesse sentido, foi para garantir a manutenção da monarquia no Brasil. Da relação dela com d. Pedro I nasceram sete filhos, deles um foi d. Pedro II.
Acesse também: Cinco curiosidades sobre d. Pedro I, o primeiro imperador do Brasil
Nascimento
Maria Leopoldina era austríaca e nasceu, em Viena, no dia 22 de janeiro de 1797. Seus pais eram a imperatriz Maria Teresa e o imperador Francisco I, e Leopoldina foi o quinto filho do casal, sendo a quarta do sexo feminino. Seu nome completo era Carolina Josefa Leopoldina Fernanda Francisca de Habsburgo-Lorena (o Maria só foi acrescentado quando ela veio ao Brasil).
Maria Leopoldina nasceu na Áustria e casou-se com d. Pedro por procuração, em 1817. [1]
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Maria Leopoldina nasceu na Áustria e casou-se com d. Pedro por procuração, em 1817. [1]
Leopoldina teve 11 irmãos, e, entre eles, ela teve uma relação muito próxima com Maria Luísa, sua irmã mais velha. Quando Leopoldina casou-se com d. Pedro, ela escreveu várias cartas confidenciando detalhes de sua vida para a irmã. Essas cartas foram (e são) utilizadas pelos historiadores para a reconstrução de parte da vida da imperatriz do Brasil.
Leopoldina, como toda criança da realeza, recebeu uma educação muito boa e foi tutorada por pessoas importantes e influentes, como Goethe. Parte de sua educação era aprender a comportar-se em público e a respeitar as normas de etiqueta praticadas pela aristocracia europeia.
A arquiduquesa (título dela na Áustria) também foi educada a colocar os assuntos de Estado acima dos seus desejos pessoais, assim, se ela precisasse sacrificar suas vontades pelo bem da Áustria, isso seria feito de bom grado. Foi o que ela fez quando se casou com d. Pedro, e os historiadores apontam que ela não reclamou, em nenhum momento, do seu destino.
Mudança para o Brasil
O grande fato da vida de Leopoldina, e que fez com que sua história cruzasse-se com a do Brasil, foi o seu casamento com o filho de d. João VI, rei de Portugal. O destino inesperado de Leopoldina começou a ser traçado quando portugueses e austríacos negociaram essa possibilidade durante o Congresso de Viena.
Do lado dos portugueses, foi decidido que d. Pedro deveria casar-se porque se acreditava que o matrimônio iria colocá-lo “nos trilhos”. Já na sua juventude, d. Pedro era conhecido por ser mulherengo e ficou marcado por diversos casos amorosos, chegando, inclusive, a envolver-se com mulheres da mesma família.
Fora isso, o casamento de d. Pedro com uma das filhas de Francisco I era muito importante política e economicamente para Portugal. Primeiro porque garantia uma aliança com uma das monarquias mais poderosas e tradicionais da Europa, e, segundo, porque abria possibilidade para Portugal pôr fim na dependência que tinha da Inglaterra.
Para os austríacos, esse casamento era a chance de garantir-lhes uma importante influência na América. O historiador Clóvis Bulcão aponta que o matrimônio foi considerado um grande feito diplomático dos dois lados e causou profundo incômodo na Inglaterra|1|.
Uma vez concluída a negociação, o casamento de d. Pedro e Leopoldina aconteceu, em 13 de maio de 1817, por procuração. Quem representou o noivo na cerimônia foi o arquiduque Carlos, duque de Tuschen e tio de Leopoldina. Foi somente quase seis meses depois que Leopoldina e d. Pedro conheceram-se pessoalmente.
Pintura retrata a chegada de Leopoldina ao Brasil, em novembro de 1817. [1]
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Pintura retrata a chegada de Leopoldina ao Brasil, em novembro de 1817. [1]
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Leopoldina mostrou-se animada com a viagem, estudou português e preparou um grupo de cientistas para estudar mineralogia e botânica aqui. Sua viagem foi longa e durou 85 dias, até que desembarcou no Brasil, em 5 de novembro de 1817. A recepção da princesa foi bastante efusiva e uma festa em sua homenagem foi realizada.
Os historiadores contam que Leopoldina ficou encantada com a beleza do Rio de Janeiro e definiu o local como “a Suíça [uma referência à geografia do Rio de Janeiro] unida ao mais belo e ameno céu”|2|. Dias depois, outra recepção foi realizada para ela e membros do corpo diplomático austríaco.
Acesse também: As leis abolicionistas aprovadas ao longo do Segundo Reinado
Como foi o casamento de Leopoldina com d. Pedro?
Com base nos relatos de Leopoldina e em seu estado nos seus últimos anos de vida, pode ser dito que o seu casamento não foi feliz. Os primeiros comentários dela acerca do marido eram sobre seu apetite sexual e sua personalidade. Clóvis Bulcão traz um desses comentários feito para sua irmã:
“Com toda franqueza, diz ele tudo o que pensa, e isso com alguma brutalidade: habituado a executar a sua vontade, todos devem acomodar-se a ele; até eu sou obrigada a admitir alguns azedumes. Vendo, entretanto, que me chocou, chora comigo […].|3|”
A animação e o encantamento inicial de Leopoldina com o casamento e com seu marido logo deixaram de existir. Até 1822 ela tinha grande influência sobre ele, mas, quando tornou-se imperador, o interesse por ela diminuiu consideravelmente, e o tratamento a ela dispensado fez com que a imperatriz fosse bastante infeliz.
O período mais conturbado do casamento iniciou-se pouco antes da independência, durante uma viagem de d. Pedro a São Paulo. Lá ele conheceu Domitila de Castro, futura marquesa de Santos. Domitila foi amante do imperador durante muitos anos, e esse caso foi uma grande humilhação para Leopoldina.
Esse caso extraconjugal era escancarado ao ponto que toda a cidade do Rio de Janeiro sabia dele, até estrangeiros que vieram ao Brasil relataram-no. Domitila enriqueceu com o seu envolvimento com o imperador. Ela adquiriu bens e títulos, assim como seus familiares.
A situação era tão vexatória para Leopoldina que d. Pedro I chegou a nomear sua amante como primeira-dama da esposa. Essa função fazia com que Domitila tivesse contato diário com a imperatriz do Brasil. Esta deixou registrado em carta que d. Pedro I destratava-a na frente da amante e definiu-a como “a causa de todas as minhas desgraças”|4|.
Além de ser maltratada, d. Pedro I fez outras coisas horríveis com a imperatriz, como sofrer proibições e agressões. Proibiu-a de gastar a mesada a que ela tinha direito, cortou pela metade os gastos dela com comida, proibiu-a de passear a cavalo, e existem relatos de que chegou a agredi-la fisicamente, inclusive grávida.
Do casamento de Leopoldina com d. Pedro, nasceram sete filhos, dos quais o mais importante foi Pedro de Alcântara, coroado imperador do Brasil em 1840, tornando-se d. Pedro II.
Falecimento
Os últimos anos de Leopoldina foram marcados pelas decepções causadas pelo imperador. O casamento infeliz deixou-a em um estado de ânimo que alguns historiadores definem como compatível ao que consideramos atualmente como depressão. Isso é confirmado por vários relatos da época.
Além de depressiva, no final de 1826, a imperatriz estava grávida e sofreu um aborto espontâneo. Com a saúde fragilizada, seu quadro agravou-se e ela faleceu no dia 11 de dezembro de 1826, aos 29 anos de idade. Alguns relatos sugerem que o aborto pode ter sido consequência das agressões de d. Pedro I.
Acesse também: A história de uma das netas de Maria Leopoldina: a princesa Isabel
Qual foi o papel de Leopoldina na independência do Brasil?
Leopoldina foi uma figura fundamental durante os acontecimentos que levaram a nossa independência, mas sua atuação foi sendo esquecida. O processo de independência iniciou-se com os esforços da burguesia portuguesa (representada pelas Cortes portuguesas) em recolonizar o Brasil.
As medidas tomadas pelas Cortes e a forma como tratavam os representantes do Brasil começaram a agitar o clima político, sobretudo no Rio de Janeiro. Nesse momento, Maria Leopoldina abriu mão de seus desejos pessoais e focou naquilo que havia sido ensinada a prezar: os valores monárquicos e os interesses do Estado.
Em 1820 o desejo de Leopoldina era retornar para a Europa, mas a leitura que ela fez do cenário político fê-la abrir mão de seu desejo. Ela leu o clima político do Brasil e percebeu que o risco de que uma revolução democrática e republicana acontecesse aqui era considerável, caso os portugueses continuassem pressionando o reino brasileiro.
Assim ela passou a aconselhar seu marido a como agir nesse cenário. D. Pedro era indeciso e ainda apegado ao sentimento de lealdade a Portugal, e, assim, suas ações eram hesitantes. Leopoldina percebeu que a monarquia só se manteria em vigência no Brasil se um monarca dos Bragança tomasse a liderança da situação e conduzisse o processo de independência.
Com isso ela atuou para convencer d. Pedro a permanecer no país (até certo momento ele considerava retornar a Portugal), e depois, quando a relação com Portugal ficou muito ruim, ela, junto de José Bonifácio, convenceu o príncipe regente a romper com o próprio país de origem e declarar a independência do Brasil.
Notas
|1| BULCÃO, Clóvis. Leopoldina, a austríaca que amou o Brasil. In.: FIGUEIREDO, Luciano. História do Brasil para ocupados. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013, p. 237-238.
|2| Idem, p. 238.
|3| Idem, p. 239.
|4| LUSTOSA, Isabel. D. Pedro I: um herói sem nenhum caráter. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
Crédito das imagens
[1] Commons
Publicado por Daniel Neves Silva
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NOITE DA AGONIA: HÁ 196 ANOS, DOM PEDRO I MANDAVA PRENDER DEPUTADOS
Neste episódio fatídico, o Imperador Pedro I optou pelas armas para fazer sua versão da Constituição prevalecer
REINALDO LOPES E RODRIGO CAVALCANTE PUBLICADO EM 12/11/2019, ÀS 14H41
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Constituinte de 1823 retratada em óleo sobre tela
Constituinte de 1823 retratada em óleo sobre tela - Wikimedia Commons
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Na madrugada do dia 12 de novembro de 1823, temendo que o poder da Assembleia Constituinte ameaçasse seu reinado, dom Pedro I ordenou que o Exército invadisse o Plenário. O brigadeiro José Manuel de Morais entrou à frente de sua tropa, com um decreto em mãos.
Assinado pelo imperador, o texto dizia: "Havendo eu convocado como tinha direito de convocar a Assembléia Geral no ano próximo passado (...) Hei por bem, como imperador e defensor perpétuo do Brasil, dissolver a mesma Assembléia e convocar uma outra". O episódio ficaria conhecido como Noite da Agonia.
Os membros da Assembleia, que se preparavam para redigir a primeira Constituição brasileira, resistiram por horas, mas não conseguiram evitar a dissolução do grupo. Muitos deputados, incluindo o Patriarca da Independência José Bonifácio, foram presos e depois deportados.
Dias depois, o imperador reuniu dez cidadãos de sua confiança. A portas fechadas, eles escreveram a primeira Constituição do Brasil independente, publicada no ano seguinte.
Esse episódio deixa claro o quanto a figura de Dom Pedro I é complexa. Afinal, desde criança, todo brasileiro está acostumado a ver dom Pedro I de pelo menos duas maneiras. A primeira é aquela dos livros didáticos, com sua pose sisuda, porte imperial e tão (pouco) atraente como uma estátua mal conservada em praça pública.
A segunda versão, mais popular, é a do dom Pedro intempestivo, mulherengo e temperamental, que proclamou a independência em um acesso de fúria à margem do rio Ipiranga, em meio a um forte desarranjo intestinal.
O que pouca gente sabe é que, entre essas duas versões, há outra face de dom Pedro bem menos conhecida no Brasil que só agora começa a ser resgatada. “Ele se tornou um símbolo de liberdade na Europa na década de 1830”, diz Isabel Vargues, professora de História da Universidade de Coimbra, em Portugal.
“Em meio a inúmeros monarcas conservadores que estavam de volta ao poder nesse período, Pedro IV foi considerado um estadista moderno que inaugurou um período liberal no país.” Não estranhe: Pedro IV é como nosso dom Pedro I passou a ser chamado pelos portugueses após ser proclamado rei em sua terra natal.
Pesquisas já revelaram um lado fascinante do homem que conseguiu transformar a América Portuguesa em uma única nação, destino bem diferente do da América Espanhola — que se fragmentou em várias repúblicas. Isso não significa, é claro, que dom Pedro esteja sendo conduzido ao posto de guia moral da história do Brasil.
De fato, ele teve várias amantes e é bastante confiável a possibilidade de que ele tenha tido crises de diarreia em meio à proclamação da independência. Mas o realce que uma parcela da população e de historiadores continua a dar a esses aspectos picarescos parece apenas confirmar o prazer que sentem os brasileiros em reduzir os feitos de nossos vultos históricos.
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Pedro I em 1816, por Jean-Baptiste Debret / Crédito: Wikimedia Commons
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Afinal, é difícil imaginar que um americano ponha em xeque a grandeza de John Kennedy devido às suas escapadas conjugais, como a que teve com a atriz Marilyn Monroe. Tampouco seria fácil encontrar um francês diminuindo a grandeza de Napoleão por causa de algum mal-estar intestinal em meio a uma de suas batalhas — algo bem provável de ter acontecido.
“Não se trata de negar defeitos do caráter de dom Pedro I, mas de reconhecer que ele foi um estadista avançado quando comparado aos seus pares da época
”, diz Braz Brancato, professor de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e estudioso da vida de dom Pedro após sua volta para a Europa. “Além disso, ele conseguiu governar em um dos períodos mais turbulentos para os regimes monárquicos, que estavam caindo a todo momento.”
O PEQUENO PRÍNCIPE
A vida de dom Pedro começa em um quarto no Palácio de Queluz, residência da família real portuguesa, cujas paredes estavam decoradas com cenas do clássico Dom Quixote de la Mancha. Foi ali que Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon nasceu, em 12 de outubro de 1798.
Apesar do nome portentoso, aquela não era uma boa hora para um príncipe de Portugal nascer. Na época, o país estava encurralado entre duas potências. De um lado, a antiga aliada Inglaterra, dona da mais temida marinha do mundo.
Do outro, a França de Napoleão Bonaparte, que havia acabado de invadir a Espanha e exigia que Portugal fechasse seus portos para os ingleses. No aperto, dom João optou pela Inglaterra, a aliada tradicional. O resto você já sabe: a corte portuguesa foi transferida para o outro lado do Atlântico em 1808 e o Brasil jamais seria o mesmo.
A família se adaptou logo à vida por aqui, incluindo o pequeno Pedro. Cercado de tutores encarregados de prepará-lo para ser o sábio sucessor do pai, o pequeno príncipe acabou tendo uma infância tão movimentada quanto a de qualquer moleque carioca da época. Irreverente, divertia-se dando pancadas no queixo dos meninos que vinham beijar-lhe a mão.
Fascinado por armas, caçava à vontade. Adorava andar a cavalo, tocava vários instrumentos musicais e gostava do trabalho manual. Orgulhava-se de seu talento como marceneiro e ferreiro, atividades, à época, consideradas próprias para escravos. Mas ele não ligava: costumava conversar horas com criados.
Esse convívio popular atraía comentários não muito elogiosos. Nobres francesas reconheciam que ele era um rapagão bonito — de acordo com as más línguas, a única pessoa bonita de toda a casa real de Bragança —, mas abominavam suas roupas e seus modos. Mesmo assim, ao completar 18 anos, o príncipe era considerado um dos maiores conquistadores do Rio de Janeiro.
Era hora, então, de arrumarem uma nobre noiva para dom Pedro. E bota nobre nisso: a jovem arquiduquesa (ou apenas princesa) Leopoldina Carolina era filha do imperador Francisco I, líder do Império Austro-Húngaro — nessa época, uma potência.
Os dois não podiam ser mais diferentes: enquanto dom Pedro preferia andar com amigos de origem simples, Leopoldina era muito refinada, tinha sólida formação científica (era craque em mineralogia) e havia sido amiga do poeta alemão Johann W. Goethe e do compositor austríaco Franz Schubert.
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Dona Leopoldina de Áustria e seus filhos / Crédito: Wikimedia Commons
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Como a irmã de Leopoldina tornara-se esposa de Napoleão, dom Pedro se tornou concunhado do homem que obrigou sua família a fugir de Portugal. Apesar das diferenças, Leopoldina ficou de queixo caído no primeiro encontro com o noivo.
Eis o que ela escreveu numa carta sobre a primeira refeição a dois entre eles: “Conduziu-me ao salão de jantar, puxou a cadeira e, enquanto comíamos, piscou-me o olho e enlaçou a perna dele na minha debaixo da mesa”.
Crise em portugal
Apesar do casamento, a paz da família real no Rio estava com os dias contados. Desde 1815, com a derrocada de Napoleão, a desculpa que a corte tinha usado para se mudar para o Brasil não se sustentava mais.
Dom João (agora João VI, graças à morte de sua mãe, Maria I) não só se recusava a voltar como havia transformado a ex-colônia em reino unido a Portugal, sacramentando o Brasil como sede do império português. A capital carioca havia deixado de ser uma vila acanhada de uns 40 mil habitantes para virar uma metrópole de mais de 100 mil.
Quem não estava achando essa história nada engraçada eram os portugueses. Eles haviam perdido o domínio político sobre o Brasil, viviam uma crise econômica (gerada, em parte, pelo fim do monopólio comercial sobre a colônia) e estavam submetidos a uma humilhante ocupação militar inglesa.
Adicione a esse caldo uma pitada das ideias da Revolução Francesa, que ainda repercutiam em toda a Europa, e o resultado foi a chamada Revolução Constitucionalista do Porto, em 1820. Os revolucionários convocaram eleições e exigiram uma Constituição para Portugal, limitando os poderes absolutos do rei. Para isso, determinavam que o soberano voltasse.
Dom João VI não sabia se ia, se ficava ou se mandava dom Pedro. Tudo indica que ele temia o interesse do filho pelas ideias liberais e que, uma vez em Lisboa, ele fosse aclamado rei pelos revolucionários. O herdeiro, por sua vez, ressentia-se da desconfiança do pai. Em meio à crise, dom Pedro acabou se tornando porta-voz das reivindicações constitucionais junto ao pai, convencendo-o a jurar lealdade à Constituição.
Quando dom João VI decidiu retornar, em março de 1821, dom Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Pouco antes da partida do pai, ele tomou sua primeira medida antipopular: mandou reprimir com baionetas tumultos causados por protestos contra medidas impostas por Portugal. Pelo menos três pessoas morreram no episódio.
Independência
Em Portugal, dom João VI tornou-se uma figura decorativa. Quem governava, de fato, era a Assembleia — e suas medidas atingiam em cheio o orgulho brasileiro. “O projeto dos portugueses mais exaltados parecia ser a redução do Brasil ao estado colonial, numa situação política e econômica mais desvantajosa que a de antes da vinda do rei”, diz Isabel Lustosa, autora da biografia Dom Pedro I.
A partir de então, Portugal decidiu que cada província do Brasil teria um governo autônomo que responderia diretamente a Lisboa, enfraquecendo o poder do príncipe regente. Para piorar, Lisboa enviou tropas ao Brasil que deviam submissão direta ao governo português.
Dom Pedro estava dividido. De um lado, era inclinado a manter-se fiel a Portugal. Do outro, era atraído pelos panfletos e boatos que anunciavam que seria aclamado rei ou imperador do Brasil, caso rompesse com Lisboa.
Um decreto luso exigindo que o príncipe voltasse à Europa, onde deveria viajar por vários países para “terminar sua educação”, fez com que ele enfrentasse diretamente as ordens da corte e decidisse permanecer no Brasil. Foi o Dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822. Estava aberto o caminho para a independência.
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Pedro I rodeado por uma multidão em São Paulo depois de dar a notícia da independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822 / Crédito: Wikimedia Commons
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Na tarde do dia 7 de setembro, ao voltar de uma viagem à capital paulista para apaziguar disputas políticas, a comitiva de dom Pedro foi alcançada na colina do Ipiranga pelo serviço de correio da corte. As notícias não eram nada boas: a Assembleia portuguesa exigia a demissão de todos os ministros nomeados por dom Pedro e ameaçava fazer uma devassa em todos os atos do príncipe.
Segundo um dos membros da comitiva, o padre Belchior (o mesmo que narrou que dom Pedro estava sofrendo uma disenteria “que o obrigava o tempo todo a apear-se para prover”), dom Pedro pisoteou as cartas vindas de Portugal, arrancou do chapéu o laço com as cores lusitanas e teria dito as famosas palavras: “Laços fora, soldados. Viva a independência, a liberdade e a separação do Brasil”, declarando que o lema do país seria Independência ou Morte.
Em 12 de outubro, dom Pedro I é aclamado imperador e defensor perpétuo do Brasil. Mas, diferentemente do que muita gente imagina, a independência do país não foi feita apenas com o grito no Ipiranga. Ao cortar os laços com Portugal, o Brasil, na prática, declarou guerra à ex-metrópole. Sangue foi derramado em diversas regiões — em algumas províncias, como na Bahia, a independência só seria conquistada quase um ano depois.
Constituinte
Após a independência, prevalecia o consenso de que o Brasil precisava de uma Constituição própria. Apesar de defender princípios liberais, dom Pedro temia que o poder da Assembleia Constituinte eleita em 1823 ameaçasse seu governo, o que poderia também levar à fragmentação do Império.
Após se sentir desafiado pelos parlamentares oposicionistas, ele dissolveu a Assembleia em novembro. “Por muito tempo, essa medida autoritária terminou ofuscando o reconhecimento do avanço do texto constitucional imposto por dom Pedro”, diz a historiadora Lucia Bastos Neves, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
A nova Constituição incluía direitos pouco comuns para a época, como a liberdade de crença e culto concedida a adeptos de religiões não-cristãs. Por outro lado, garantia ao imperador poderes excepcionais. Além de ser o chefe do Executivo, ele detinha também o chamado Poder Moderador, com o qual podia resolver impasses entre os demais poderes com mão de ferro e dissolver o Congresso quando quisesse.
A decisão causou revolta. Lideradas por Pernambuco, várias províncias do Nordeste se rebelaram contra o que consideraram um ato de tirania, formando a chamada Confederação do Equador. A repressão foi implacável e vários chefes rebeldes, entre eles Frei Caneca, foram executados.
A revolta foi seguida por outra, no extremo sul do Império: a província da Cisplatina (atual Uruguai), anexada por dom João VI, rebelou-se com ajuda da Argentina. A guerra acabou em 1828, com o reconhecimento do Uruguai como país independente.
Outros desastres, dessa vez na vida doméstica, foram minando a popularidade do soberano. O principal deles foi o triste fim de seu casamento com dona Leopoldina. Dom Pedro chegou muito perto de assumir em público seu romance com Domitila de Castro, a marquesa de Santos, com quem teve vários filhos reconhecidos.
O pior, porém, é que transformou a amante em dama de honra da imperatriz. Dona Leopoldina sofreu uma série de crises depressivas. Acabou morrendo em dezembro de 1826.
Com a morte de dom João VI no mesmo ano, o imperador se viu envolvido na sucessão do trono português. Acabou designando sua filha adolescente, dona Maria da Glória, como rainha de Portugal, combinando o casamento dela com o tio, dom Miguel, nomeado regente. Tiro pela culatra: Miguel assumiu o poder como rei absoluto de Portugal e mandou o irmão às favas.
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Marquesa de Santos, com 29 anos de idade, ostentando a faixa da Ordem Real de Santa Isabel, 1826 / Crédito: Wikimedia Commons
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Por aqui, as hostilidades entre brasileiros e portugueses fizeram com que dom Pedro percebesse que os nativos sempre o veriam com desconfiança por seus laços congênitos com Portugal. A imprensa atacava dom Pedro violentamente, o povo protestava nas ruas.
Como seu filho, Pedro, havia nascido no Brasil, o imperador deu sua última cartada para que o Brasil não se esfacelasse, abdicando do trono em nome de uma criança de 5 anos de idade (que, coroado em 1841, seria o último imperador do Brasil).
Pedro IV, o liberal
Para nós, brasileiros, a história de dom Pedro costuma terminar por aqui, com seu retorno à Europa. Mas foi ao partir para o exílio, em 1831, então já casado com dona Amélia, uma princesa alemã, que ele viveu uma espécie de renascimento e se tornou um ícone da liberdade na Europa.
Havia vários motivos para que dom Pedro fosse encarado dessa maneira. O primeiro deles era sua defesa da volta de um governo constitucional às terras lusas, governada então despoticamente por seu irmão Miguel.
“Naquela época, não era comum que um monarca se empenhasse em garantir direitos constitucionais”, diz Braz Brancato. Segundo o historiador, isso fazia com que ele fosse visto com desconfiança por seus pares da Santa Aliança, grupo de monarquias conservadoras cristãs que incluía Rússia, Áustria e Prússia (hoje na Alemanha).
Ao se instalar em Paris com parte da família, dom Pedro tornou-se uma das personalidades mais populares da capital francesa, sendo recebido com deferência nos elegantes bailes da corte.
A França vivia uma onda liberal marcada pela ascensão do rei constitucional Luís Filipe, e dom Pedro chegou a morar em um castelo real, onde recebia exilados de Portugal e de outros países que sofriam sob a mão de monarcas despóticos.
Nesse período, ele buscou apoio militar para invadir Portugal e destituir seu irmão, fazendo de sua filha a rainha de Portugal. Apesar do apoio verbal, nenhum dos reinos europeus quis se envolver oficialmente com a briga.
Foi só com empréstimos pessoais (para pagar mercenários) e certo número de voluntários portugueses e franceses que dom Pedro partiu para sua derradeira aventura.
Liderando um exército de 7 mil homens, ele foi para Portugal, onde teria que enfrentar dezenas de milhares de soldados comandados por dom Miguel.
Incansável e se arriscando pessoalmente nas batalhas, ele inspirou seus soldados de tal maneira que o que parecia impossível aconteceu: em 20 de setembro de 1834, Portugal passava às mãos da nova rainha, dona Maria II. “Ela e seu filho, Pedro V, iriam inaugurar a fase moderna e constitucional da monarquia portuguesa”, diz Isabel Vargues.
O ex-imperador do Brasil não viveu muito para acompanhar o governo da filha. A guerra acabara também com sua saúde, e ele morreu provavelmente de tuberculose no dia 24 de setembro de 1834. No mesmo quarto decorado pelas cenas de dom Quixote onde ele nascera, 36 anos antes, quando o Brasil não passava de uma colônia portuguesa do outro lado do Atlântico.
Todas as mulheres do Imperador
Fazer a conta de quantas mulheres passaram pela cama de dom Pedro ao longo de sua curta mas apimentada vida é um desafio temerário. Até porque boa parte de seus casos não veio a público. Basta dizer que 18 filhos seus estão oficialmente registrados, tidos com duas esposas (Leopoldina e Amélia) e cinco amantes.
Ele não costumava perdoar mulheres da mesma família: deu suas escapadas com uma das irmãs da marquesa de Santos, sua amante mais famosa, bem como com a dançarina Noemi Thierry e a irmã da própria. Ninguém ainda conseguiu explicar muito bem o que dom Pedro viu na marquesa — que se chamava Domitila de Castro e originalmente não era de família nobre coisa nenhuma, e só foi ganhando títulos e mais títulos pelas boas graças dele.
Segundo quase todos os contemporâneos, não era muito bonita, e já tinha se separado do primeiro marido por ter sido infiel a ele. Mas o fato é que o imperador não só trocou cartas apaixonadas com ela durante sete anos (chamava-a de “Titília” e chegou a dedicar-lhe alguns versos de valor literário duvidoso) como deu cargos e títulos de nobreza para a família inteira de Domitila. A filha mais velha dos dois ganhou o título de duquesa de Goiás. A mãe da marquesa, dona Escolástica, era chamada de “velha querida do meu coração” pelo imperador.
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O casamento de Pedro e Amélia; ao lado do imperador estão seus filhos do primeiro casamento: Pedro, Januária, Paula e Francisca / Crédito: Wikimedia Commons
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Pedro decidiu casar-se novamente, com dona Amélia, então com 17 anos e, ao que consta, uma das princesas mais belas da Europa. Dona Amélia parece ter sido a única mulher que conseguiu botar um freio no sujeito, embora ele tenha dado suas escapadas durante a fase que passou exilado em Paris.
Há indícios de que não foi só por virtude que ele deu essa sossegada no fim da vida. Numa carta de 1830 a Antônio Teles, o imperador relata seu “propósito firme de não... (insira aqui seu verbo preferido para designar o ato sexual) senão em casa, não só por motivos de religião, mas até porque para o pôr assim (desenho de um pênis ereto) já não é pouco dificultoso”.
E, em outra carta, endereçada à marquesa de Santos: “Desgraçado daquele homem que uma vez desconcerta a máquina triforme (o pênis), porque depois, para tornar a atinar, custa os diabos”.
Independência e... morte
Para muitos brasileiros que não nasceram na Bahia, a data 2 de julho não significa muita coisa além do antigo nome do Aeroporto Internacional de Salvador (que hoje é chamado Luiz Eduardo Magalhães). Foi nessa data, em 1823, que as tropas brasileiras retomaram a cidade de Salvador, até então ocupada pelo exército português.
É que mesmo com a declaração da independência, em 1822, o Brasil não se livrou das tropas portuguesas. Nas províncias da Bahia, Maranhão, Piauí, Grão-Pará e Cisplatina (atual Uruguai), as tropas permaneceram fiéis a Lisboa. Isso era natural, já que, na época, a maior parte da oficialidade brasileira era formada por portugueses e descendentes. Por causa disso, muitas vidas se perderam para que os laços fossem rompidos.
“A independência do Brasil não foi um processo pacífico, como se costuma afirmar”, diz a professora Lucia Neves, da UERJ. “É claro que os conflitos não foram tão sangrentos como na América Espanhola, mas houve batalhas sérias em várias regiões.”
A chamada Guerra da Independência, que se estendeu de 1822 a 1823, só foi vencida pelos brasileiros depois que o ministro José Bonifácio de Andrada e Silva ordenou a compra de armas e navios e a contratação de tropas estrangeiras para lutar ao lado dos brasileiros.
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Pedro em seu leito de morte em 1834, por José Joaquim Rodrigues Primavera / Crédito: Wikimedia Commons
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O almirante inglês lorde Cochrane, que já havia prestado seus serviços ao Chile na luta contra a Espanha, teve um papel decisivo ao comandar as esquadras brasileiras no combate à marinha portuguesa. Foi ele o responsável pelo bloqueio marítimo ao porto de Salvador, por exemplo, que impediu o desembarque de tropas na Bahia que iriam servir de reforço aos portugueses.
Sem ajuda externa, os portugueses foram encurralados e terminaram expulsos da capital baiana em 2 de julho, data da independência na Bahia.
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