O Delírio
“..e a
planície voava debaixo dos nossos pés..”
TRAUMAS
Mi padre un
día me habló para que jamás mintiese pero él también se olvidó de decirme las
verdades.
Roberto
Carlos
Meu pai um
dia me falou
Pra que eu nunca mentisse
Mas ele também se esqueceu
De me dizer a verdade
Los
Hermanos
Sir Machado de Assis
and The King Pelé...
...came before che
Borges and El Dios Dieguito
Argentinos
solamente leyeron y vieron a los Hermanos
O ALEPH
O God, I
could be bounded in a nutshell and count myself a King of infinite space.
Hamlet, II, 2.
But they
will teach us that Eternity is the Standing still of the Present Time, a Nunc-stans
(as the Schools call it); which neither they, nor any else understand, no more
than they would a Hic-stans for an Infinite greatnesse of Place.
Leviathan, IV, 46.
Na candente manhã de fevereiro em que Beatriz Viterbo
morreu, depois de uma imperiosa agonia que não cedeu um só instante nem ao
sentimentalismo nem ao medo, observei que os painéis de ferro da praça Constitución
tinham renovado não sei que anúncio de cigarros; o fato me desgostou, pois
compreendi que o incessante e vasto universo já se afastava dela e que essa
mudança era a primeira de uma série infinita. Mudará o universo mas eu não,
pensei com melancólica vaidade; sei que, alguma vez, minha vã devoção a exasperara;
morta, eu podia consagrar-me a sua memória, sem esperança mas também sem
humilhação. Considerei que em 3O de abril era seu aniversário; visitar, nesse
dia, a casa da rua Garay para saudar seu pai e Carlos Argentino Daneri, seu
primo-irmão, era um ato cortês, irrepreensível, talvez iniludível. De novo
aguardaria no crepúsculo da abarrotada salinha, de novo estudaria as
circunstâncias de seus muitos retratos. Beatriz Viterbo, de perfil, em cores;
Beatriz, com máscara, no carnaval de 1921; a primeira comunhão de Beatriz;
Beatriz, no dia de seu casamento com Roberto Alessandra; Beatriz, pouco depois
do divórcio, num almoço do Clube Hípico; Beatriz, em Quilmes, com Delia San
Marco Porcel e Carlos Argentino; Beatriz, com o pequinês dado por Villegas Haedo;
Beatriz, de frente e em três quartos de perfil, sorrindo, com a mão no
queixo... Não estaria obrigado, como outras vezes, a justificar minha presença
com módicas oferendas de livros: livros cujas páginas, finalmente, aprendi a
cortar, para não comprovar, meses depois, que estavam intactos.
Beatriz Viterbo morreu em 1929; a partir dessa data não
deixei passar um 3O de abril sem voltar a sua casa. Eu costumava chegar às sete
e quinze e ficar uns vinte e cinco minutos; a cada ano, aparecia um pouco mais tarde
e ficava um pouco mais; em 1933, uma chuva torrencial me favoreceu: tiveram de
me convidar para jantar. Não desperdicei, como é natural, esse bom precedente;
em 1934, apareci, já dadas as oito, com um alfajor santafecino; com toda a
naturalidade, fiquei para jantar. Assim, em aniversários melancólicos e
inutilmente eróticos, recebi as graduais confidências de Carlos Argentino
Daneri.
Beatriz era alta, frágil, ligeiramente inclinada; havia em seu
andar (se for tolerável o oxímoro) uma como que graciosa lentidão, um princípio
de êxtase; Carlos Argentino é rosado, robusto, encanecido, de traços finos.
Exerce não sei que cargo subalterno numa biblioteca ilegível dos subúrbios do
Sul; é autoritário, mas também ineficiente; aproveitava, até há bem pouco, as
noites e as festas para não sair de casa. A duas gerações de distância, o
"esse" italiano e a abundante gesticulação italiana sobrevivem nele.
Sua atividade mental é contínua, apaixonada, versátil e completamente
insignificante. Excede em imprestáveis analogias e em ociosos escrúpulos. Tem
(como Beatriz) grandes e afiladas mãos formosas. Durante alguns meses, sofreu a
obsessão de Paul Fort, menos por suas baladas que pela idéia de uma glória
irrepreensível. "É o Príncipe dos poetas da França", repetia com fatuidade.
"Em vão te revoltarás contra ele; não o atingirá, nunca, a mais envenenada
de tuas setas."
No dia 3O de abril de 1941, permiti-me juntar ao bolo de
Santa Fé uma garrafa de conhaque nacional. Carlos Argentino provou-o, julgou-o
interessante e empreendeu, depois de alguns tragos, uma defesa do homem
moderno.
– Eu o evoco – disse com animação um tanto inexplicável – em
seu gabinete de estudo, como se disséssemos na torre albarrã de uma cidade,
provido de telefones, de telégrafos, de fonógrafos, de aparelhos de
radiotelefonia, de cinematógrafos, de lanternas mágicas, de glossários, de
horários, de prontuários, de boletins...
Observou que, para um homem assim dotado, o ato de viajar
era inútil; nosso século XX tinha transformado a fábula de Maomé e da montanha;
as montanhas, agora, convergiam para o moderno Maomé.
Tão ineptas me pareceram essas idéias, tão pomposa e tão
extensa sua exposição, que logo as relacionei com a literatura; disse-lhe por
que não as escrevia. Como era de prever, respondeu que já o fizera: esses
conceitos, e outros não menos originais, figuravam no Canto Augurai, Canto
Prologal ou simplesmente Canto-Prólogo de um poema em que trabalhava havia
muitos anos, sem réclame, sem tumulto ensurdecedor, sempre apoiado nesses dois
báculos que se chamam trabalho e solidão. Primeiro, abria as comportas à
imaginação; depois, fazia uso da lima. O poema se intitulava A Terra;
tratava-se de uma descrição do planeta, em que não faltavam, por certo, a
pitoresca digressão e a galharda apóstrofe.
Roguei-lhe que me lesse uma passagem, mesmo que fosse breve.
Abriu uma gaveta da escrivaninha, tirou um maço volumoso de folhas de bloco
impressas com o timbre da Biblioteca Juan Crisóstomo Lafinur e leu com sonora
satisfação:
Vi, como o grego, as cidades dos homens,
Os trabalhos, os dias de vária luz, a fome;
Não corrijo os fatos, não falseio os nomes,
Mas le voyage que narro é... autour de ma chambre.
– Estrofe, sob qualquer ângulo, interessante – opinou. – O
primeiro verso granjeia o aplauso do catedrático, do acadêmico, do helenista,
quando não dos falsos eruditos, setor considerável da opinião; o segundo passa
de Homero para Hesíodo (toda uma implícita homenagem, na fachada do flamante
edifício, ao pai da poesia didática), não sem remoçar um procedimento cujo
ancestral está na Escritura, a enumeração, congérie ou conglobação; o terceiro
– barroquismo, decadentismo, culto depurado e fanático da forma? – consta de
dois hemistíquios gêmeos; o quarto, francamente bilíngüe, assegura-me o apoio
incondicional de todo espírito sensível aos desenfadados impulsos da facécia.
Nada direi da rima rara nem da ilustração que me permite, sem pedantismo!,
acumular em quatro versos três alusões eruditas que abarcam trinta séculos de
densa literatura: a primeira à Odisséia, a segunda aos Trabalhos e Dias, a
terceira à bagatela imortal que nos proporcionaram os ócios da pena do
saboiano... Compreendo, uma vez mais, que a arte moderna exige o bálsamo do
riso, o scherzo. Decididamente, tem a palavra Goldoni!
Leu-me muitas outras estrofes, que também obtiveram sua
aprovação e seu comentário profuso. Nada de memorável havia nelas; nem sequer
as julguei muito piores que a anterior. Em sua redação haviam colaborado a aplicação,
a resignação e o acaso; as virtudes que Daneri lhes atribuía eram posteriores.
Compreendi que o trabalho do poeta não estava na poesia; estava na invenção de
razões para que a poesia fosse admirável; naturalmente, esse ulterior trabalho
modificava a obra para ele, mas não para outros. A dicção oral de Daneri era
extravagante; sua inépcia métrica, salvo contadas vezes, impediu-o de
transmitir essa extravagância ao poema. 1
Uma única vez em minha vida tive ocasião de examinar os
quinze mil dodecassílabos do Polyolbion, essa epopéia topográfica na
qual Michael Drayton registrou a fauna, a flora, a hidrografia, a orografia, a
história militar e monástica da Inglaterra; estou certo de que esse produto
considerável mas limitado é menos tedioso que o vasto projeto congênere de
Carlos Argentino. Este se propunha versificar toda a redondez do planeta; em
1941, já tinha dado conta de alguns hectares do estado de Queensland, mais de
um quilômetro do curso do Ob, um gasômetro ao norte de Veracruz, as principais casas
de comércio da paróquia de Concepción, a chácara de Mariana Cambaceres de
Alvear na rua Once de Setiembre, em Belgrano, e um estabelecimento de banhos
turcos não longe do renomado aquário de Brighton. Leu-me certas laboriosas
passagens da zona australiana de seu poema; esses longos e disformes
alexandrinos careciam da relativa agitação do prefácio. Copio uma estrofe:
Saibam. A mão direita do poste rotineiro
(Vindo, claro está, do nor-noroeste)
Se entedia uma carcaça –Cor? Branquiceleste–
Que dá ao curral de ovelhas um aspecto de ossário.
– Duas audácias – gritou com exultação – resgatadas, te ouço
resmungar, para o sucesso! Admito, admito. Uma, o epíteto rotineiro, que
certeiramente denuncia, en passant, o inevitável tédio inerente às
fainas pastoris e agrícolas, tédio que nem as Geórgicas nem nosso já laureado Don
Segundo se atreveram jamais a denunciar assim, com descaramento. Outra, o
enérgico prosaísmo se entedia uma carcaça, que o melindroso quererá excomungar
com horror, mas que apreciará mais que a própria vida o crítico de gosto viril.
Todo o verso, de resto, é de muito alto quilate. O segundo hemistíquio trava
animadíssima conversa com o leitor; antecipa-se a sua viva curiosidade,
coloca-lhe uma pergunta na boca e a satisfaz... na hora. E que me dizes desse
achado, branquiceleste? O pitoresco neologismo sugere o céu, que
é fator importantíssimo da paisagem australiana. Sem essa evocação, resultariam
demasiado sombrias as tintas do esboço e o leitor se veria compelido a fechar o
volume, ferida no mais íntimo a aluna, de incurável e negra melancolia.
Por volta da meia-noite me despedi.
Dois domingos depois, Daneri me telefonou, penso que pela
primeira vez na vida. Propôs que nos reuníssemos às quatro, "para tomar
leite juntos, no contíguo salão-bar que o progressismo de Zunino e de Zungri –
os proprietários de minha casa, estarás lembrado – inaugura na esquina;
confeitaria que gostarás de conhecer". Aceitei, com mais resignação que
entusiasmo. Foi-nos difícil encontrar mesa; o "salão-bar", inexoravelmente
moderno, era apenas um pouco menos infame que minhas previsões; nas mesas
vizinhas, o excitado público mencionava as somas investidas sem regatear por
Zunino e por Zungri. Carlos Argentino fingiu assombrar-se com não sei que
primores da instalação da luz (que, sem dúvida, já conhecia) e me disse com certa
severidade:
– Mesmo que não queiras, tens de reconhecer que este local
não deve nada aos mais chiques de Flores.
Releu-me, depois, quatro ou cinco páginas do poema.
Corrigira-as de acordo com um depravado princípio de ostentação verbal: onde
antes escreveu azulado, agora abundava em azulino, azulego
e até mesmo azulilho. A palavra leitoso não era bastante feia para ele;
na impetuosa descrição de um lavadouro de lã, preferia lactário, lacticinoso,
lactescente, leital... Insultou com amargura os críticos; depois,
mais benigno, equiparou-os a essas pessoas "que não dispõem de metais
preciosos nem tampouco de prensas a vapor, laminadores e ácidos sulfúricos para
a cunhagem de tesouros, mas que podem indicar aos outros o lugar de um
tesouro". Imediatamente, censurou a prologomania, "da qual já
se fez mofa, no donairoso prefácio do Quixote, o Príncipe dos Engenhos".
Admitiu, porém, que no frontispício da nova obra convinha o prólogo vistoso, o
respaldo firmado pelo plumífero de forte prestígio. Acrescentou que pensava
publicar os cantos iniciais de seu poema. Compreendi então o singular convite
telefônico; o homem ia pedir-me que prefaciasse o seu pedante aranzel. Meu
temor resultou infundado: Carlos Argentino observou, com admiração rancorosa,
que não acreditava errar o epíteto ao qualificar de sólido o prestigio obtido
em todos os círculos por Álvaro Melián Lafinur, homem de letras que, se eu me
empenhasse, prefaciaria com prazer o poema. Para evitar o mais imperdoável dos
fracassos, eu tinha de me fazer porta-voz de dois méritos incontestáveis: a
perfeição formal e o rigor cientifico, "porque esse extenso jardim de
tropos, de figuras, de elegâncias não tolera um único detalhe que não confirme
a severa verdade". Acrescentou que Beatriz sempre se havia divertido com
Álvaro.
Assenti, profusamente assenti. Esclareci, para maior
verossimilhança, que não falaria com Álvaro na segunda-feira, mas na quinta: no
pequeno jantar que costuma coroar toda reunião do Clube de Escritores. (Não
existem tais jantares, mas é irrefutável que as reuniões têm lugar às
quintas-feiras, fato que Carlos Argentino Daneri podia comprovar nos jornais e
que dotava a frase de certa realidade.) Disse, entre divinatório e sagaz, que, antes
de abordar o tema do prólogo, descreveria o curioso plano da obra. Despedimo-nos;
ao dobrar a rua Bernardo de Irigoyen, encarei com toda imparcialidade os
futuros que me restavam: a) falar com Álvaro e dizer-lhe que aquele primo-irmão
de Beatriz (esse eufemismo explicativo me permitiria mencioná-la) elaborara um
poema que parecia estender até o infinito as possibilidades da cacofonia e do
caos; b) não falar com Álvaro. Previ, com lucidez, que minha desídia optaria
por b.
A partir de sexta-feira, à primeira hora, começou a
inquietar-me o telefone. Indignava-me que esse instrumento, que algum dia
reproduziu a irrecuperável voz de Beatriz, pudesse rebaixar-se a receptáculo
das inúteis e talvez coléricas queixas desse equivocado Carlos Argentino
Daneri. Felizmente, nada ocorreu – salvo o rancor inevitável que me inspirou
aquele homem que me havia imposto uma delicada missão e depois me esquecia.
O telefone perdeu seus terrores, mas em fins de outubro
Carlos Argentino falou comigo. Estava agitadíssimo; não identifiquei sua voz,
no começo. Com tristeza e com raiva, balbuciou que esses já ilimitados Zunino e
Zungri, a pretexto de ampliar a desmedida confeitaria, iam demolir sua casa.
– A casa de meus pais, minha casa, a velha casa enraizada da
rua Garay! – repetiu, talvez esquecendo seu pesar na melodia da voz.
Não me foi muito difícil compartilhar de sua aflição. Já
completos os quarenta anos, qualquer mudança é um símbolo detestável da
passagem do tempo; além disso, tratava-se de uma casa que, para mim, aludia
infinitamente a Beatriz. Quis esclarecer esse delicadíssimo aspecto; meu
interlocutor não me ouviu. Disse que se Zunino e Zungri persistissem nesse
propósito absurdo, o doutor Zunni, seu advogado, os processaria ipso facto
por danos e prejuízos e os obrigaria ao pagamento de cem mil nacionales.
O nome de Zunni me impressionou; sua banca, na Caseros com a
Tacuarí, é de uma seriedade proverbial. Perguntei se ele já se havia
encarregado do assunto. Daneri disse que iria falar-lhe nessa mesma tarde.
Vacilou e com essa voz plana, impessoal, à qual costumamos recorrer para
confiar algo muito íntimo, disse que para terminar o poema lhe era
indispensável a casa, pois num ângulo do porão havia um Aleph. Esclareceu que
um Aleph é um dos pontos do espaço que contém todos os pontos.
– Está no porão da sala de jantar – explicou, com a dicção
aligeirada pela angústia. – E meu, é meu; eu o descobri na infância, antes da
idade escolar. A escada do porão é empinada, meus tios me haviam proibido de
descer, mas alguém me disse que havia um mundo no porão. Referia-se, soube depois,
a um baú, mas eu compreendi que havia um mundo. Desci secretamente, rolei pela
escada proibida, caí. Ao abrir os olhos, vi o Aleph.
– O Aleph? – repeti.
– Sim, o lugar onde estão, sem se confundirem, todos os
lugares do orbe, vistos de todos os ângulos. A ninguém revelei minha
descoberta, mas voltei. O menino não podia compreender que lhe fosse concedido
esse privilégio para que o homem burilasse o poema! Zunino e Zungri não me
despojarão, não e mil vezes não. De código na mão, o doutor Zunni provará que é
inalienável o meu Aleph.
Procurei raciocinar.
– Mas não é muito escuro o porão?
– A verdade não penetra num entendimento rebelde. Se todos
os lugares da terra estão no Aleph, aí estarão todas as luminárias, todas as
lâmpadas, todas as fontes de luz.
– Irei vê-lo imediatamente.
Desliguei, antes que ele pudesse emitir uma proibição. Basta
o conhecimento de um fato para se perceber no ato uma série de traços
confirmatórios, antes insuspeitados; espantou-me não ter compreendido até esse
momento que Carlos Argentino era louco. De resto, todos esses Viterbo...
Beatriz (eu mesmo costumo repetir isso) era uma mulher, uma menina de uma
clarividência quase implacável, mas havia nela negligências, distrações, desdéns,
verdadeiras crueldades, que talvez reclamassem explicação patológica. A loucura
de Carlos Argentino encheu-me de maligna felicidade; no fundo, sempre nos
detestamos.
Na rua Garay, a criada me disse que tivesse a bondade de
esperar. O menino estava, como sempre, no porão, revelando fotografias. Junto ao
vaso sem flor, no piano inútil, sorria (mais intemporal que anacrônico) o
grande retrato de Beatriz, em pesadas cores. Ninguém nos podia ver; num
desespero de ternura, aproximei-me do retrato e disse-lhe:
– Beatriz, Beatriz Elena, Beatriz Elena Viterbo, Beatriz
querida, Beatriz perdida para sempre, sou eu, sou Borges.
Carlos entrou pouco depois. Falou com secura; compreendi que
não era capaz de outro pensamento que o da perda do Aleph.
– Um cálice do falso conhaque – ordenou – e mergulharás no porão.
Já sabes, o decúbito dorsal é indispensável. Também o são a escuridão, a
imobilidade, certa acomodação ocular. Tu te deitas no piso de tijolos e fixas o
olhar no décimo nono degrau da pertinente escada. Saio, baixo o alçapão e ficas
sozinho. Algum roedor te mete medo – não tem importância! Em poucos minutos vês
o Aleph. O microcosmo de alquimistas e cabalistas, nosso concreto amigo
proverbial, o multum in parvo!
Já na sala de jantar, acrescentou:
– É claro que, se não o vês, tua incapacidade não invalida
meu testemunho... Desce; muito em breve poderás iniciar um diálogo com todas
as imagens de Beatriz.
Desci com rapidez, farto de suas palavras insubstanciais. O
porão, pouca coisa mais largo que a escada, tinha muito de poço. Com uma
olhada, procurei em vão o baú de que Carlos Argentino me falara. Alguns caixões
com garrafas e algumas sacolas de lona escureciam um ângulo. Carlos pegou uma
sacola, dobrou-a e acomodou-a num lugar preciso.
– O travesseiro é humildoso – explicou –, mas, se o levanto
um centímetro, não verás nada e ficas confundido e envergonhado. Refestela esse
corpanzil no chão e conta dezenove degraus.
Cumpri suas ridículas instruções; por fim, saiu. Fechou
cautelosamente o alçapão; a escuridão, embora houvesse uma fresta que depois distingui,
deu a impressão de ser total. Subitamente, compreendi meu perigo: deixara-me
soterrar por um louco, depois de tomar um veneno. As bravatas de Carlos
evidenciavam o íntimo terror de que eu não visse o prodígio; Carlos, para
defender seu delírio, para não saber que estava louco, tinha de matar-me.
Senti um confuso mal estar, que tentei atribuir à rigidez e não ao efeito de um
narcótico. Fechei os olhos, abri-os. Então vi o Aleph.
Chego, agora, ao inefável centro de meu relato; começa aqui
meu desespero de escritor. Toda linguagem é um alfabeto de símbolos cujo
exercício pressupõe um passado que os interlocutores compartem; como transmitir
aos outros o infinito Aleph, que minha temerosa memória mal e mal abarca? Os
místicos, em análogo transe, são pródigos em emblemas: para significar a
divindade, um persa fala de um pássaro que, de algum modo, é todos os pássaros;
Alanus de Insulis, de uma esfera cujo centro está em todas as partes e a
circunferência em nenhuma; Ezequiel, de um anjo de quatro faces que, ao mesmo
tempo, se dirige ao Oriente e ao Ocidente, ao Norte e ao Sul. (Não em vão
rememoro essas inconcebíveis analogias; alguma relação têm com o Aleph.) É
possível que os deuses não me negassem o achado de uma imagem equivalente, mas
este relato ficaria contaminado de literatura, de falsidade. Mesmo porque o
problema central é insolúvel: a enumeração, sequer parcial, de um conjunto
infinito. Nesse instante gigantesco, vi milhões de atos prazerosos ou atrozes;
nenhum me assombrou tanto como o fato de que todos ocupassem o mesmo ponto, sem
superposição e sem transparência. O que viram meus olhos foi simultâneo; o que
transcreverei, sucessivo, pois a linguagem o é. Algo, entretanto, registrarei.
Na parte inferior do degrau, à direita, vi uma pequena esfera
furta-cor, de quase intolerável fulgor. A princípio, julguei-a giratória;
depois, compreendi que esse movimento era uma ilusão produzida pelos
vertiginosos espetáculos que encerrava. O diâmetro do Aleph seria de dois ou
três centímetros, mas o espaço cósmico estava aí, sem diminuição de tamanho.
Cada coisa (o cristal do espelho, digamos) era infinitas coisas, porque eu a
via claramente de todos os pontos do universo. Vi o populoso mar, vi a aurora e
a tarde, vi as multidões da América, vi uma prateada teia de aranha no centro
de uma negra pirâmide, vi um labirinto roto (era Londres), vi intermináveis
olhos próximos perscrutando-me como num espelho, vi todos os espelhos do
planeta e nenhum me refletiu, vi num pátio da rua Soler as mesmas lajotas que,
há trinta anos, vi no vestíbulo de uma casa em Fray Bentos, vi cachos de uva,
neve, tabaco, veios de metal, vapor de água, vi convexos desertos equatoriais e
cada um de seus grãos de areia, vi em Inverness uma mulher que não esquecerei,
vi a violenta cabeleira, o altivo corpo, vi um câncer no peito, vi um círculo
de terra seca numa calçada onde antes existira uma árvore, vi uma chácara de
Adrogué, um exemplar da primeira versão inglesa de Plínio, a de Philemon Holland,
vi, ao mesmo tempo, cada letra de cada página (em pequeno, eu costumava
maravilhar-me com o fato de que as letras de um livro fechado não se
misturassem e se perdessem no decorrer da noite), vi a noite e o dia
contemporâneo, vi um poente em Querétaro que parecia refletir a cor de uma rosa
em Bengala, vi meu dormitório sem ninguém, vi num gabinete de Alkmaar um globo
terrestre entre dois espelhos que o multiplicam indefinidamente, vi cavalos de
crinas redemoinhadas numa praia do mar Cáspio, na aurora, vi a delicada
ossatura de uma mão, vi os sobreviventes de uma batalha enviando
cartões-postais, vi numa vitrina de Mirzapur um baralho espanhol, vi as sombras
oblíquas de algumas samambaias no chão de uma estufa, vi tigres, êmbolos,
bisões, marulhos e exércitos, vi todas as formigas que existem na terra, vi um
astrolábio persa, vi numa gaveta da escrivaninha (e a letra me fez tremer)
cartas obscenas, inacreditáveis, precisas, que Beatriz dirigira a Carlos
Argentino, vi um adorado monumento em La Chacarita, vi a relíquia atroz do que
deliciosamente fora Beatriz Viterbo, vi a circulação de meu escuro sangue, vi a
engrenagem do amor e a modificação da morte, vi o Aleph, de todos os pontos, vi
no Aleph a terra, e na terra outra vez o Aleph, e no Aleph a terra, vi meu rosto
e minhas vísceras, vi teu rosto e senti vertigem e chorei, porque meus olhos
haviam visto esse objeto secreto e conjetura) cujo nome usurpam os homens, mas
que nenhum homem olhou: o inconcebível universo.
Senti infinita veneração, infinita lástima.
– Tonto ficarás de tanto bisbilhotar onde não te chamam –
disse uma voz enfadonha e alegre. – Mesmo que esquentes a cabeça, não me
pagarás num século esta revelação. Que observatório formidável, che
Borges!
Os sapatos de Carlos Argentino ocupavam o degrau mais alto.
Na brusca penumbra, consegui levantar-me e balbuciar:
– Formidável. Sim, formidável.
A indiferença de minha voz causou-me estranheza. Ansioso,
Carlos Argentino insistia:
– Viste tudo bem, em cores?
Nesse instante, concebi minha vingança. Benévolo,
manifestamente apiedado, nervoso, evasivo, agradeci a Carlos Argentino a
hospitalidade de seu porão e o instei a aproveitar a demolição da casa para
afastar-se da perniciosa metrópole, que a ninguém – creia-me, a ninguém! –
perdoa. Neguei-me, com suave energia, a discutir o Aleph; abracei-o, ao
despedir-me, e repeti-lhe que o campo e a serenidade são dois grandes médicos.
Na rua, nas escadarias de Constitución, no metrô,
pareceram-me familiares todos os rostos. Tive medo de que não restasse uma
única coisa capaz de surpreender-me, tive medo de que não me abandonasse jamais
a impressão de voltar. Felizmente, depois de algumas noites de insônia, agiu
outra vez sobre mim o esquecimento.
Pós-escrito de primeiro de março de 1943.
Seis meses após a demolição do imóvel da rua Garay, a Editora Procusto não se
deixou amedrontar pela extensão do considerável poema e lançou ao mercado uma
seleção de "trechos argentinos". Vale a pena repetir o ocorrido;
Carlos Argentino Daneri recebeu o Segundo Prêmio Nacional de Literatura.2
O primeiro foi outorgado ao doutor Aita; o terceiro, ao doutor Mario Bonfanti;
inacreditavelmente, minha obra Los Naipes del Tahur não conseguiu um
único voto. Uma vez mais, triunfaram a incompreensão e a inveja! Já faz muito
tempo que não consigo ver Daneri; os jornais dizem que em breve nos dará outro
volume. Sua afortunada pena (não mais perturbada pelo Aleph) consagrou-se a
versificar os epítomes do doutor Acevedo Díaz.
Duas observações quero acrescentar: uma, sobre a natureza do
Aleph; outra, sobre seu nome. Este, como se sabe, é o da primeira letra do
alfabeto da língua sagrada. Sua aplicação ao cerne de minha história não parece
casual. Para a Cabala, essa letra significa o En Soph, a ilimitada e pura
divindade; também se disse que tem a forma de um homem que assinala o céu e a
terra, para indicar que o mundo inferior é o espelho e o mapa do superior; para
a Mengenlehre, é o símbolo dos números transfinitos, nos quais o todo
não é maior que qualquer das partes. Eu queria saber: Carlos Argentino escolheu
esse nome, ou o leu, aplicado a outro ponto para onde convergem todos os
pontos, em algum dos textos inumeráveis que o Aleph de sua casa lhe
revelou? Por incrível que pareça, acredito que exista (ou que tenha existido)
outro Aleph, acredito que o Aleph da rua Garay era um falso Aleph.
Dou minhas razões. Por volta de 1867, o capitão Burton
exerceu o cargo de cônsul britânico no Brasil; em julho de 1942, Pedro
Henríquez Ureña descobriu numa biblioteca de Santos um manuscrito seu que versava
sobre o espelho que atribui o Oriente a Iskandar Zu al-Karnayn, ou Alexandre
Bicorne da Macedônia. Em seu cristal refletia-se o universo inteiro. Burton
menciona outros artifícios congêneres – o sétuplo cálice de Kai Josru, o
espelho que Tarik Benzeyad encontrou numa torre (Mil e Uma Noites, 272),
o espelho que Luciano de Samósata pôde examinar na lua (História Verdadeira,
I, 26), a lança especular que o primeiro livro do Satyricon de Capella
atribui a Júpiter, o espelho universal de Merlin, "redondo e oco e
semelhante a um mundo de vidro" (The Faerie Queene, 111, 2, 19) – e
acrescenta estas curiosas palavras: "Mas os anteriores (além do defeito de
não existirem) são meros instrumentos de ótica. Os fiéis que acorrem à mesquita
de Amr, no Cairo, sabem muito bem que o universo está no interior de uma das
colunas de pedra que rodeiam o pátio central... Ninguém, é claro, pode vê-lo,
mas os que aproximam o ouvido da superfície declaram perceber, em pouco tempo,
seu atarefado rumor... A mesquita data do século VII; as colunas procedem de
outros templos de religiões anteislâmicas, pois como escreveu Abenjaldun: "Nas
repúblicas fundadas por nômades, é indispensável o concurso de forasteiros para
tudo o que seja alvenaria".
Existe esse Aleph no íntimo de uma pedra? Vi-o quando vi
todas as coisas e o esqueci? Nossa mente é porosa para o esquecimento; eu mesmo
estou falseando e perdendo, sob a trágica erosão dos anos, os traços de
Beatriz.
Para Estela Canto.
_________________________________________
Notas:
1 Lembro-me, no entanto, destas linhas de uma
sátira em que fustigou com rigor os maus poetas:
Aqueste da al poema belicosa armadura
De erudicción; estoiro le da pompas y galas.
Ambos bateu en vano Ias ridículas alas...
iOlvidaron, cuidados, el factor HORMOSURA!
[Este dá ao poema belicosa armadura / De erudição; este
outro lhe dá pompas e galas. / Ambos batem em vão as ridículas asas... /
Esqueceram, coitados, o fator FORMOSURA!
(N. da T.)]
Só o temor de se criar um exército de inimigos implacáveis e
poderosos o dissuadiu (disse-me) de publicar sem medo o poema.
2 "Recebi tua aflita congratulação",
escreveu-me. "Bufas, meu lamentável amigo, de inveja, mas confessarás –
mesmo que isso te sufoque! – que desta vez pude coroar meu barrete com a mais
vermelha das plumas, meu turbante com o mais califa dos rubis."
EPÍLOGO
__________________________________________
Com exceção de "Emma Zunz" (cujo argumento
esplêndido, tão superior a sua tímida execução, foi-me dado por Cecília
Ingenieros) e da "História do guerreiro e da cativa", que se
propõe interpretar dois fatos fidedignos, os contos deste livro correspondem ao
gênero fantástico. De todos eles, o primeiro é o mais trabalhado; seu tema é o
efeito que a imortalidade causaria nos homens. A esse esboço de uma ética para
imortais, segue "O morto": Azevedo Bandeira, nesse relato, é
um homem de Rivera ou de Cerro Largo e é também uma tosca divindade, uma versão
mulata e selvagem do incomparável Sunday, de Chesterton. (O capítulo XXIX do Decline
and Fall of the Roman Empire narra um destino semelhante ao de Otálora, mas
bastante mais grandioso e mais inacreditável.) De "Os teólogos"
basta escrever que são um sonho, um sonho bem mais melancólico, sobre a
identidade pessoal; da "Biografia de Tadeo Isidoro Cruz", que
é uma glosa de Martín Fierro. A uma tela de Watts, pintada em 1896, devo "A
casa de Astérion" e o caráter do pobre protagonista. "A outra
morte" é uma fantasia sobre o tempo, que urdi à luz de certas
propostas de Pier Damiani. Na última guerra, ninguém pôde desejar mais que eu a
derrota da Alemanha; ninguém pôde sentir mais que eu a tragédia do destino
alemão; "Deutsches Requiem" quer entender esse destino, que não
souberam chorar, nem sequer suspeitar, nossos "germanófilos", que
nada sabem da Alemanha. "A escrita do Deus" tem sido generosamente
julgada; o jaguar obrigou-me a pôr na boca de um "mago da pirâmide de
Qaholom" argumentos de cabalista ou de teólogo. Em "O Zahir"
e "O Aleph" creio notar alguma influência do conto "The
crystal egg" (1899), de Wells.
J. L. B.
Buenos Aires, 3 de maio de 1949.
Pós-escrito de 1952. Incorporei quatro
contos a esta reedição. "Abenjacan, o Bokari, morto em seu labirinto"
não é (asseguram-me) memorável, apesar de seu título terrível. Podemos
considerá-lo uma variante de "Os dois reis e os dois labirintos", que
os copistas intercalaram em As Mil e Uma Noites e que o prudente Galland
omitiu. De "A espera" direi que foi sugerida por uma crônica policial
que Alfredo Doblas me leu, há dez anos, enquanto classificávamos livros segundo
o manual do Instituto Bibliográfico de Bruxelas, código do qual me esqueci por
inteiro, salvo que a Deus corresponde o número 231. O personagem central da
crônica era turco; tornei-o italiano para intuí-lo com mais facilidade. A
momentânea e repetida visão de um fundo cortiço que existe ao redor da rua Paraná,
em Buenos Aires, propiciou-me a história que se intitula "O homem no
umbral"; situei-a na Índia para que sua inverosimilhança fosse tolerável.
J. L. B.
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O plágio de
Borges a Machado
12.09.2020
Ruy Fabiano
A respeito de Machado de Assis já se disse quase tudo. Quase. Sua
gigantesca fortuna crítica, que não para de crescer, é marcada por
antagonismos. A controvérsia, que em vida lhe causava tédio, o enriquece e o torna
ainda mais esfíngico perante a posteridade.
Como todo artista de gênio, Machado é um ser
poliédrico, que pode ser lido e compreendido sob ângulos diversos, que
aparentemente se contradizem, mas, ao final, formam uma unidade. Já se falou
das influências francesas, inglesas, portuguesas, alemãs, espanholas,
greco-romanas e judaicas na obra de Machado de Assis.
Já se falou do Machado cético, ateu, irônico,
humorista; Machado apolítico e, inversamente, político; Machado alienado,
habitante de uma torre de marfim ou, muito pelo contrário, engajado a seu modo
nas questões políticas e sociais do Segundo Reinado, como constatou o crítico e
ensaísta Astrojildo Pereira.
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Jorge Luis Borges
Poucos, no entanto, mencionaram (ou mesmo
perceberam) o Machado vítima de plágio. Não um plágio qualquer, mas um cometido
por outro gênio da literatura – ninguém menos que o argentino Jorge Luís
Borges. Tudo começa no capítulo VII, de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, o
“Delírio”, que Eça de Queiroz recitava de cor e o proclamava antológico. Nele,
Brás descreve sua própria alucinação.
Não bastasse a circunstância singular dessa
descrição – já que o delírio interrompe a razão, enquanto o relato literário é
um exercício que exige razão -, seu conteúdo é ainda mais espantoso. E
esotérico. Brás, depois de se constatar transformado na Suma Teológica, de Santo
Tomás de Aquino, vê-se arrebatado por um hipopótamo, que o informa que irão “à
origem dos séculos”.
E o conduz ao alto de uma montanha, de onde, de
certo ponto específico, vê passar por seus olhos, como “coisa única” uma
redução dos séculos, “um desfilar de todos eles, as raças todas, todas as
paixões, o tumulto dos impérios, a guerra dos apetites e dos ódios, a
destruição recíproca dos seres e das coisas”.
Faz aí menção a um lugar do Universo em que a
história humana – toda ela – estaria armazenada: passado e futuro, unificados
num presente contínuo. Para descrever esse desfile dos séculos em turbilhão –
diz Machado – seria preciso uma impossibilidade física: “fixar o relâmpago”.
Vejamos agora Borges.
O conto chama-se “O Aleph”, talvez o mais festejado
de seu magnífico acervo. Na história de Brás Cubas, a perda de uma mulher,
Virgília, que o troca por outro, o leva àquele estado delirante.
Em Borges, também uma perda feminina, a morte de
Beatriz Viterbo, o leva a encontrar o Aleph, que, na definição do homem que
dele lhe dá notícia, um poeta medíocre, que julga louco, chamado Carlos
Argentino, é “um dos pontos do espaço que contém todos os pontos”. A mesma
ideia de Machado, o mesmo fundamento esotérico.
Para contemplar o Aleph, o observador, em vez de subir
ao topo de uma montanha (como Brás), deita-se ao rés do chão, no porão de uma
casa em ruínas, prestes a ser demolida, e fixa o olhar numa escada velha. Muda
o cenário em que cada personagem se instala, mas não o essencial, o que vê.
O personagem de Borges fixa o olhar na parte
inferior do degrau, à direita, e percebe uma pequena esfera furta-cor, o Aleph.
A partir daí, o que descreve é uma variante do delírio machadiano.
Diz ele:
“Naquele instante gigantesco, vi milhões de atos
deleitáveis ou atrozes; nenhum me assombrou tanto como o fato de todos ocuparem
o mesmo ponto, sem superposição e sem transparência. O que meus olhos viram foi
simultâneo (…)”.
E descreve cenas análogas às de Brás Cubas: o
desfile dos séculos, dos impérios, cenas locais de sua cidade, de seu bairro,
de seu quarto, mescladas a cenas de outras civilizações e de outras eras,
coisas que não entendia, coisas que reconhecia. O Todo em simultaneidade; o
relâmpago fixo. A Memória Universal em desfile.
Em um e noutro – em Machado e em Borges -, o tom
quase bíblico do relato, à maneira do Apocalipse de São João, igualmente
arrebatado, na Ilha de Patmos, por visões místicas, que um psiquiatra não
hesitaria em diagnosticar como “alucinações”.
Mas o que é uma alucinação: algo que se vê e não
existe ou algo que existe mas só se vê em estados especiais de consciência,
como aqueles que Dostoiévski atribuía às pessoas acometidas de patologias mais
graves? Em síntese, é uma ilusão ou uma instância da realidade, acessível e
acessável apenas em momentos especiais?
Tais questionamentos permeiam tanto o relato de
Machado quanto o de Borges. Mas há ainda outras coincidências: os personagens
Brás e Carlos Argentino evocam os seus respectivos países: Brás, de Brasil, e
Argentino, de Argentina; e há ainda a semelhança dos nomes Virgília e Viterbo.
Atos falhos?
Provavelmente, sim, o que não macula ou diminui a
obra de Borges, que é indiscutivelmente original e grandiosa.
Mas, por óbvias razões cronológicas, Borges leu
Machado e Machado não leu Borges. Machado morreu em 1908, quando Borges tinha
nove anos. Susan Sontag, no ensaio Vidas Póstumas – O Caso de Machado de Assis,
se engana, ao afirmar que Memórias Póstumas só foi traduzido para o espanhol em
1960.
A obra de Machado começou a ser traduzida para o
espanhol exatamente em Buenos Aires, a partir de 1940, quando Borges estava em
plena atividade, não apenas como escritor, mas também como crítico literário e
ensaísta. E o primeiro livro de Machado em castelhano foi, muito a propósito,
Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Carlos Fuentes, no ensaio Machado de La Mancha
(Editora Fondo de Cultura, México, 2001), captou essas “coincidências” e
registra que o próprio Borges, posto diante delas, as reconheceu, declarando:
“Por incrível que pareça, acredito que exista (ou tenha existido) outro Aleph”
– a que Fuentes acrescenta: “De fato: o de Machado de Assis”.
Maria Esther Vasquez, colaboradora e amiga de
Borges por décadas, informou, em entrevista à Folha de S. Paulo, em 1999, por
ocasião do lançamento da biografia “Borges, Esplendor e Derrota”, de sua
autoria, que “havia dois escritores de língua portuguesa que ele (Borges)
amava: Camões e Machado de Assis”.
Borges, porém, nas numerosas entrevistas que
concedeu ao longo de sua vida, jamais fez referências a Machado de Assis.
O escritor brasileiro que ele mencionava com
frequência era Euclides da Cunha, mais especificamente o seu épico “Os
Sertões”, que considerava obra-prima universal. Citava também dois outros
autores de língua portuguesa, Eça de Queiroz e Camões.
Ninguém mais.
É possível que tenha omitido Machado de Assis
exatamente para não trair a influência. Euclides da Cunha, estilisticamente
falando, nada tem a ver com Borges; nem muito menos Eça ou Camões. Já Machado
tem – e muito. Possuem afinidades de concisão, elegância, ironia e erudição,
destilada com critério e precisão, em frequentes citações. Os dois tinham ainda
em comum o amor à literatura inglesa. Shakespeare os unia.
E mais: foram ambos leitores de Schopenhauer e mesclaram
a visão pessimista daquele filósofo à busca aflitiva de transcendência em seus
escritos. Ambos se proclamavam sem religião, mas não sem espiritualidade. A
busca do conhecimento, em qualquer nível que se dê, vinculada ou não a uma doutrina
específica ou a uma crença religiosa, conduz à religação buscada pelos
místicos.
Constitui, pois, ato religioso por excelência – que
tanto Machado como Borges souberam cultivar, com genialidade.
Saiba mais: Uma nova
abordagem sobre Machado de Assis
Ruy Fabiano
Carioca, é jornalista e escritor. Começou como repórter em O
Globo, em 1972. Foi crítico de música de Última Hora e autor, nos anos 70, de
verbetes de música, na Enciclopédia Barsa, sob a supervisão de Antônio Houaiss.
A partir de 1979, em Brasília, dedicou-se ao jornalismo político. É autor de um
romance, Profanação (A Girafa, 253 p., SP, 2005), o livro de contos "Os
Arquivos de Deus" (Editora Novo Século, 209 p. SP, 2008 p.) e de um ensaio
sobre “A espiritualidade em Machado de Assis”
Fonte: capitalpolítico
https://capitalpolitico.com/o-plagio-de-borges-a-machado/
Joaquim
Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas
Que me conste, ainda ninguém relatou o seu próprio
delírio; faço-o eu, e a ciência mo agradecerá. Se o leitor não é dado à
contemplação destes fenômenos mentais, pode saltar o capítulo; vá direito à
narração. Mas, por menos curioso que seja, sempre lhe digo que é interessante
saber o que se passou na minha cabeça durante uns vinte a trinta minutos.
Primeiramente,
tomei a figura de um barbeiro chinês, bojudo, destro, escanhoando um mandarim,
que me pagava o trabalho com beliscões e confeitos: caprichos de mandarim.
Logo depois,
senti-me transformado na Suma Teologica de S. Tomás,
impressa num volume, e encadernada em marroquim, com fechos de prata e
estampas; idéa esta que me deu ao corpo a mais completa imobilidade; e ainda
agora me lembra que, sendo as minhas mãos os fechos do livro, e cruzando-as eu
sobre o ventre, alguém as descruzava (Virgília decerto), porque a atitude lhe
dava a imagem de um defunto.
Ultimamente,
restituído à forma humana, vi chegar um hipopótamo, que me arrebatou. Deixei-me
ir, calado, não sei se por medo ou confiança; mas, dentro em pouco, a carreira
de tal modo se tornou vertiginosa, que me atrevi a interrogá-lo, e com alguma
arte lhe disse que a viagem me parecia sem destino. -- Engana-se, replicou o
animal, nós vamos à origem dos séculos.
Insinuei
que deveria ser muitíssimo longe; mas o hipopótamo não me entendeu ou não me ouviu,
se é que não fingiu uma dessas cousas; e, perguntando-lhe, visto que ele
falava, se era descendente do cavalo de Aquiles ou da asna de Balaão,
retorquiu-me com um gesto peculiar a estes dous quadrúpedes: abanou as orelhas.
Pela minha parte fechei os olhos e deixei-me ir à ventura. Já agora não se me
dá de confessar que sentia umas tais ou quais cócegas de curiosidade, por saber
onde ficava a origem dos séculos, se era tão misteriosa como a origem do Nilo,
e sobretudo se valia alguma cousa mais ou menos do que a consumação dos mesmos
séculos; reflexões de cérebro enfermo. Como ia de olhos fechados, não via o
caminho; lembra-me só que a sensação de frio augmentava com a jornada, e que chegou
uma ocasião em que me pareceu entrar na região dos gelos eternos. Com efeito,
abri os olhos e vi que o meu animal galopava numa planície branca de neve, com
uma ou outra montanha de neve, vegetação de neve, e vários animais grandes e de
neve. Tudo neve; chegava a gelar-nos um sol de neve. Tentei falar, mas apenas
pude grunhir esta pergunta ansiosa:
-- Onde
estamos?
-- Já
passamos o Éden.
-- Bem;
paremos na tenda de Abraão.
-- Mas
se nós caminhamos para trás! redarguiu motejando a minha cavalgadura.
Fiquei
vexado e aturdido. A jornada entrou a parecer-me enfadonha e extravagante, o
frio incômodo, a conducção violenta, e o resultado impalpável. E depois --
cogitações de enfermo -- dado que chegássemos ao fim indicado, não era
impossível que os séculos, irritados com lhes devassarem a origem, me esmagassem
entre as unhas que deviam ser tão seculares como eles. Enquanto assim pensava,
íamos devorando caminho, e a planície voava debaixo dos
nossos pés, até que o animal estacou, e pude olhar mais tranquilamente em
torno de mim. Olhar somente; nada vi, além da imensa brancura da neve, que
desta vez invadira o próprio céu, até ali azul. Talvez, a espaços, me aparecia
uma ou outra planta, enorme, brutesca, meneando ao vento as suas largas folhas.
O silêncio daquela região era igual ao do sepulcro: dissera-se que a vida das
cousas ficara estúpida deante do homem.
Caiu do
ar? destacou-se da terra? não sei; sei que um vulto imenso, uma figura de
mulher me apareceu então, fitando-me uns olhos rutilantes como o sol. Tudo
nessa figura tinha a vastidão das formas selváticas, e tudo escapava à
compreensão do olhar humano, porque os contornos perdiam-se no ambiente, e o
que parecia espesso era muita vez diáfano. Estupefacto, não disse nada, não
cheguei sequer a soltar um grito; mas, ao cabo de algum tempo, que foi breve,
perguntei quem era e como se chamava: curiosidade de delírio.
--
Chama-me Natureza ou Pandora; sou tua mãe e tua inimiga.
Ao
ouvir esta última palavra, recuei um pouco, tomado de susto. A figura soltou
uma gargalhada, que produziu em torno de nós o efeito de um tufão; as plantas
torceram-se e um longo gemido quebrou a mudez das cousas externas.
-- Não
te assustes, disse ela, minha inimizade não mata; é sobretudo pela vida que se
afirma. Vives: não quero outro flagelo.
--
Vivo? perguntei eu, enterrando as unhas nas mãos, como para certificar-me da
existência.
-- Sim,
verme, tu vives. Não receies perder esse andrajo que é teu orgulho; provarás
ainda, por algumas horas, o pão da dor e o vinho da miséria. Vives: agora mesmo
que ensandeceste, vives; e se a tua consciência reouver um instante de
sagacidade, tu dirás que queres viver.
Dizendo
isto, a visão estendeu o braço, segurou-me pelos cabelos e levantou-me ao ar,
como se fora uma pluma. Só então pude ver-lhe de perto o rosto, que era enorme.
Nada mais quieto; nenhuma contorção violenta, nenhuma expressão de ódio ou
ferocidade; a feição única, geral, completa, era a da impassibilidade egoísta,
a da eterna surdez, a da vontade imóvel. Raivas, se as tinha, ficavam encerradas
no coração. Ao mesmo tempo, nesse rosto de expressão glacial, havia um ar de
juventude, mescla de força e viço, deante do qual me sentia eu o mais débil e
decrépito dos seres.
--
Entendeste-me? disse ela, no fim de algum tempo de mútua contemplação.
-- Não,
respondi; nem quero entender-te; tu és absurda, tu és uma fábula. Estou
sonhando, de certo, ou, se é verdade que enlouqueci, tu não passas de uma
concepção de alienado, isto é, uma cousa vã, que a razão ausente não pode reger
nem palpar. Natureza, tu? a Natureza que eu conheço é só mãe e não inimiga; não
faz da vida um flagelo, nem, como tu, traz esse rosto indiferente, como o
sepulcro. E por que Pandora?
--
Porque levo na minha bolsa os bens e os males, e o maior de todos, a esperança,
consolação dos homens. Tremes?
-- Sim;
o teu olhar fascina-me.
--
Creio; eu não sou somente a vida; sou também a morte, e tu estás prestes a
devolver-me o que te emprestei. Grande lascivo, espera-te a voluptuosidade do
nada.
Quando
esta palavra ecoou, como um trovão, naquele imenso vale, afigurou-se-me que era
o último som que chegava a meus ouvidos; pareceu-me sentir a decomposição
súbita do mim mesmo. Então, encarei-a com olhos súplices, e pedi mais alguns
anos.
--
Pobre minuto! exclamou. Para que queres tu mais alguns instantes de vida? Para
devorar e seres devorado depois? Não estás farto do espectáculo e da luta?
Conheces de sobejo tudo o que eu te deparei menos torpe ou menos aflictivo: o
alvor do dia, a melancolia da tarde, a quietação da noite, os aspectos da
terra, o sono, enfim, o maior benefício das minhas mãos. Que mais queres tu,
sublime idiota?
--
Viver somente, não te peço mais nada. Quem me pôs no coração este amor da vida,
se não tu? e, se eu amo a vida, porque te hás de golpear a ti mesma, matando-me?
--
Porque já não preciso de ti. Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o
minuto que vem. O minuto que vem é forte, jocundo, supõe trazer em si a
eternidade, e traz a morte, e perece como o outro, mas o tempo subsiste.
Egoísmo, dizes tu? Sim, egoísmo, não tenho outra lei. Egoísmo, conservação. A
onça mata o novilho porque o raciocínio da onça é que ela deve viver, e se o
novilho é tenro tanto melhor: eis o estatuto universal. Sobe e olha.
Isto
dizendo, arrebatou-me ao alto de uma montanha. Inclinei os olhos a uma das
vertentes, e contemplei, durante um tempo largo, ao longe, através de um
nevoeiro, uma cousa única. Imagina tu, leitor, uma reducção dos séculos, e um
desfilar de todos eles, as raças todas, todas as paixões, o tumulto dos impérios,
a guerra dos apetites e dos ódios, a destruição recíproca dos seres e das
cousas. Tal era o espectáculo, acerbo e curioso espectáculo. A história do
homem e da terra tinha assim uma intensidade que lhe não podiam dar nem a
imaginação nem a ciência, porque a ciência é mais lenta e a imaginação mais
vaga, enquanto que o que eu ali via era a condensação viva de todos os tempos.
Para descrevê-la seria preciso fixar o relâmpago. Os séculos desfilavam num
turbilhão, e, não obstante, porque os olhos do delírio são outros, eu via tudo
o que passava diante de mim, -- flagelos e delícias,-- desde essa cousa que se
chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a
miséria, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora,
a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena, úmidas de suor, e
a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitavam
o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo. Eram as formas
várias de um mal, que ora mordia a víscera, ora mordia o pensamento, e
passeiava eternamente as suas vestes de arlequim, em derredor da espécie
humana. A dor cedia alguma vez, mas cedia à indiferença, que era um sono sem
sonhos, ou ao prazer, que era uma dor bastarda. Então o homem, flagelado e
rebelde, corria deante da fatalidade das cousas, atrás de uma figura nebulosa e
esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável,
outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com a agulha da imaginação;
e essa figura, -- nada menos que a quimera da felicidade,-- ou lhe fugia
perpetuamente, ou deixava-se apanhar pela fralda, e o homem a cingia ao peito,
e então ela ria, como um escárneo, e sumia-se, como uma ilusão.
Ao
contemplar tanta calamidade, não pude reter um grito de angústia, que Natureza
ou Pandora escutou sem protestar nem rir; e não sei por que lei de transtorno
cerebral, fui eu que me pus a rir, -- de um riso descompassado e idiota.
-- Tens
razão, disse eu, a cousa é divertida e vale a pena, -- talvez monótona -- mas
vale a pena. Quando Job amaldiçoava o dia em que fora concebido, é porque lhe
davam ganas de ver cá de cima o espectáculo. Vamos lá, Pandora, abre o ventre,
e digere-me; a cousa é divertida, mas digere-me.
A
resposta foi compelir-me fortemente a olhar para baixo, e a ver os séculos que
continuavam a passar, velozes e turbulentos, as gerações que se superpunham às
gerações, umas tristes, como os Hebreus do captiveiro, outras alegres, como os
devassos de Cômodo, e todas elas pontuais na sepultura. Quis fugir, mas uma
força misteriosa me retinha os pés; então disse comigo: -- «Bem, os séculos vão
passando, chegará o meu, e passará também, até o último, que me dará a
decifração da eternidade.» E fixei os olhos, e continuei a ver as edades, que
vinham chegando e passando, já então tranquilo e resoluto, não sei até se
alegre. Talvez alegre. Cada século trazia a sua porção de sombra e de luz, de
apatia e de combate, de verdade e de erro, e o seu cortejo de sistemas, de
idéas novas, de novas ilusões; em cada um deles rebentavam as verduras de uma
primavera, e amareleciam depois, para remoçar mais tarde. Ao passo que a vida
tinha assim uma regularidade de calendário, fazia-se a história e a
civilização, e o homem, nu e desarmado, armava-se e vestia-se, construía o
tugúrio e o palácio, a rude aldeia e Tebas de cem portas, creava a ciência, que
perscruta, e a arte que enleva, fazia-se orador, mecânico, filósofo, corria a
face do globo, descia ao ventre da terra, subia à esfera das nuvens, colaborando
assim na obra misteriosa, com que entretinha a necessidade da vida e a
melancolia do desamparo. Meu olhar, enfarado e distraído, viu enfim chegar o
século presente, e atrás dele os futuros. Aquele vinha ágil, destro, vibrante,
cheio de si, um pouco difuso, audaz, sabedor, mas ao cabo tão miserável como os
primeiros, e assim passou e assim passaram os outros, com a mesma rapidez e
egual monotonia. Redobrei de atenção; fitei a vista; ia enfim ver o último, --
o último!; mas então já a rapidez da marcha era tal, que escapava a toda a
compreensão; ao pé dela o relâmpago seria um século. Talvez por isso entraram
os objectos a trocarem-se; uns cresceram, outros minguaram, outros perderam-se
no ambiente; um nevoeiro cobriu tudo, -- menos o hipopótamo que ali me trouxera,
e que aliás começou a diminuir, a diminuir, a diminuir, até ficar do tamanho de
um gato. Era efectivamente um gato. Encarei-o bem; era o meu gato Sultão,
que brincava à porta da alcova, com uma bola de papel...
http://www.ibiblio.org/ml/libri/a/AssisJMM_MemoriasPostumas/node10.html
COVID-19 pode
afetar o cérebro, gerando delírios e confusões, segundo cientistas
Por Nathan
Vieira | 12 de Setembro de 2020 às
14h00
Pete
Linforth / Pixabay
Já não é segredo que a COVID-19 tem
certo impacto no cérebro, algo que já gerou inclusive pesquisas feitas em
vários lugares do mundo. Nesta semana, um novo estudo da Universidade de Yale,
dos EUA, forneceu a primeira evidência clara de que, em algumas pessoas, o
coronavírus pode invadir as células cerebrais, sugando todo o oxigênio próximo
e matando as células vizinhas.
Crescem sintomas neurológicos
associados à COVID-19, segundo USP
Cientistas analisam relação
entre COVID-19 e distúrbios cerebrais
Cientistas alertam sobre
consequências neurológicas em pacientes com COVID-19
Não está claro como o vírus chega ao
cérebro, mas os especialistas chamam atenção para a possibilidade de que a
infecção do cérebro seja rara. Algumas pessoas, no entanto, se mostram
suscetíveis devido a seus antecedentes genéticos, uma alta carga viral ou
outros motivos ainda sob investigação. “Se o cérebro for infectado, isso pode
ter uma consequência letal”, diz Akiko Iwasaki, imunologista da Universidade de
Yale que liderou o trabalho, durante entrevista ao The New York Times.
Os cientistas analisaram imagens
cerebrais e sintomas dos pacientes. "Não tínhamos visto muitas evidências
de que o vírus pode infectar o cérebro, embora soubéssemos que era uma
possibilidade potencial. Esses dados apenas fornecem um pouco mais de
evidência", diz o Dr. Michael Zandi, neurologista consultor do Hospital
Nacional de Neurologia e Neurocirurgia da Grã-Bretanha.
https://ibcdn.canaltech.com.br/w1024i5819/coronavirus-capa.jpeg
COVID-19
pode afetar o cérebro, gerando delírios e confusões, segundo cientistas
(Imagem: Kjpargeter/Freepik)
Outros patógenos são conhecidos por
infectar células cerebrais. As células imunológicas inundam os locais
danificados, tentando limpar o cérebro, destruindo as células infectadas. O
coronavírus é muito mais furtivo: ele explora o mecanismo das células cerebrais
para se multiplicar, mas não as destrói. Em vez disso, sufoca o oxigênio para
as células adjacentes, fazendo com que elas murchem e morram. Os pesquisadores
não encontraram nenhuma evidência de uma resposta imunológica para remediar
esse problema. “É uma espécie de infecção silenciosa. Este vírus tem muitos
mecanismos de evasão", conta a especialista.
O coronavírus parece diminuir
rapidamente o número de sinapses, as conexões entre os neurônios. Além disso, o
estudo também aponta que o vírus infecta uma célula por meio de uma proteína em
sua superfície chamada ACE2. Essa proteína aparece em todo o corpo e
especialmente nos pulmões, explicando por que são alvos favoritos do vírus. A
equipe examinou dois conjuntos de camundongos — um com o receptor ACE2 apenas
no cérebro e o outro com o receptor apenas nos pulmões. Quando os pesquisadores
introduziram o vírus nesses animais, os que foram infectados no cérebro
perderam peso rapidamente e morreram em seis dias. Já os camundongos infectados
no pulmão não mostraram alterações.
Os pesquisadores precisarão analisar
muitas amostras de autópsias para estimar o quão comum é a infecção cerebral.
Alguns sintomas cognitivos, como névoa cerebral e delírio, podem ser mais
difíceis de detectar em pacientes sedados. Os médicos devem planejar reduzir os
sedativos uma vez por dia, se possível, para avaliar os pacientes com COVID-19
para aumentar os conhecimentos acerca dessa questão.
Fonte: The
New York Times
https://canaltech.com.br/saude/covid-19-pode-afetar-o-cerebro-gerando-delirios-e-confusoes-segundo-cientistas-171418/
https://youtu.be/rd8yLXog7QQ
ROBERTO CARLOS -
TRAUMAS
Roberto Carlos
Braga Moreira, conocido como Roberto Carlos, es un cantautor brasileño, uno
de los principales representantes de la MPB y uno de los artistas latinos que
más discos ha vendido en todo el mundo, más de 125 millones de copias.
LETRA DE TRAUMAS
TRAUMAS
Mi padre un día me habló para que jamás mintiese pero él también
se olvidó de decirme las verdades.
Las realidades de un mundo que un día iría a saber. Los traumas
que la gente siente después de crecer.
Habló de angeles que yo conocí, del delirio y la fiebre que
existía. De mi pequeño cuerpo que sufría sin poder yo entender.
Mi mujer en cierta noche al ver mi sueño estremecido me dijo que
las pesadillas son algún problema adormecido.
Durante el día la gente intenta con sonrisas disfrazar algunas cosas
que en el alma conseguimos sofocar.
Mi padre trató de llenar con fantasías y ocultar las cosas que yo
ya veía, más aquellos angeles ahora ya se fueron después que crecí.
Y en aquella infancia ahora tan distante y aquellos angeles que en
el tiempo ya perdí. Mi padre sentía lo que yo siento ahora Después que crecí.
https://www.youtube.com/watch?v=rd8yLXog7QQ
Traumas
Roberto Carlos
Mi padre un día me habló
Para que jamás mintiese
Pero él también se olvidó
De decirme las verdades
Las realidades de un mundo
Que un día iría a saber
Los traumas que la gente siente
Después de crecer
Habló de ángeles que yo conocí,
Del delirio y la fiebre que existía
De mi pequeño cuerpo que sufría
Sin poder yo entender
Mi mujer en cierta noche
Al ver mi sueño estremecido
Me dijo que las pesadillas
Son algún problema adormecido
Durante el día la gente intenta
Con sonrisas disfrazar
Algunas cosas que en el alma
Conseguimos sofocar
Mi padre trató de llenar con fantasías
Y ocultar las cosas que yo ya veía,
Más aquellos ángeles ahora ya
Se fueron después que crecí
Y en aquella infancia ahora tan…
https://www.google.com/search?q=Traumas+Erasmo+Carlos+Letra&rlz=1C1AWFC_enBR898BR899&oq=Traumas+Erasmo+Carlos+Letra&aqs=chrome..69i57.17479j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8
Traumas
Los Hermanos
https://youtu.be/iflj_vs1NvU
Meu pai um dia me falou
Pra que eu nunca mentisse
Mas ele também se esqueceu
De me dizer a verdade
Da realidade do mundo
Que eu ia saber
Dos traumas que a gente só sente
Depois de crescer
Falou dos anjos que eu conheci
No delírio da febre que ardia
No meu pequeno corpo que sofria
Sem nada entender
Minha mulher em certa noite
Ao ver meu sono estremecido
Falou que os pesadelos são
Algum problema adormecido
Durante o dia a gente tenta
Com sorrisos disfarçar
Alguma coisa que na alma
Conseguimos sufocar
Meu pai tentou encher de fantasia
E enfeitar as coisas que eu via
Mas aqueles anjos agora já se foram
Depois que eu cresci
Da minha infância agora tão distante
Aqueles anjos no tempo eu perdi
Meu pai sentia o que eu sinto agora
Depois que cresci
Agora eu sei o que meu pai
Queria me esconder
Às vezes as mentiras
Também ajudam a viver
Talvez um dia pro meu filho
Eu também tenha que mentir
Pra enfeitar os caminhos
Que ele um dia vai seguir
Meu pai tentou encher de fantasia
E enfeitar as coisas que eu via
Mas aqueles anjos agora já se foram
Depois que eu cresci
Da minha infância agora tão distante
Aqueles anjos no tempo eu perdi
Meu pai sentia, sentia o que eu sinto agora
Depois que cresci
Meu pai tentou, tentou me encher de fantasia
E enfeitar, enfeitar as coisas que eu via
Composição: Erasmo Carlostocada No Alta Horas / Por Rodrigo
Amarante / Roberto Carlos.
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